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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 – Se a jactância é pecado mortal.

O segundo discute–se assim. – Parece que a jactância é pecado mortal.

1. – Pois, diz a Escritura: Aquele que se jacta e que se acha de soberba, excita contendas. Ora, excitar contendas é pecado mortal, porque Deus detesta o que semeia discórdias, conforme ainda à Escritura. Logo, a jactância é pecado mortal. 

2. Demais. – Tudo o proibido pela lei de Deus é pecado mortal. Ora, àquilo da Escritura – Não te eleves no pensamento do teu coração ­ diz a Glosa: proíbe a jactância e a soberba. Logo, a jactância é pecado mortal.

3. Demais. – A jactância é uma espécie de mentira. Ora, não é mentira oficiosa nem jocosa o que se deduz do fim da mentira. Pois, como diz o Filósofo, o jactancioso finge ser mais do que na realidade é, ora, sem nenhum fim, ora, tendo em vista glórias e honras e ora, com a mira no dinheiro. Por onde, é claro que a jactância não é mentira jocosa nem oficiosa. Donde se conclui, que sempre é perniciosa. E portanto é sempre pecado mortal.

Mas, em contrário, a jactância nasce da vanglória, segundo Gregório. Ora, a vanglória nem sempre e pecado mortal, mas, às vezes, é venial, sendo então próprio só dos muitos perfeitos o evitá–Ia. Pois, diz Gregório: É próprio dos muito perfeitos buscam a glória de Deus com boas obras conhecidas dos homens, sem se glorificarem interiormente com os louvores que por causa delas receberam. Logo, a jactância nem sempre é pecado mortal.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos mortal é o pecado; que contraria à caridade. Por onde, a jactância pode ser considerada à dupla luz. Primeiro, em si mesma, como uma espécie de mentira. E então é umas vezes pecado mortal e outras, venial. Mortal quando por jactância atribuimo–no o que vai contra a glória de Deus; assim, a Escritura diz do rei de Tiro: O teu coração se elevou e tu disseste – Eu sou Deus. Ou o que vai contra a caridade devida ao próximo, como quando por jactância prorrompemos em injúrias ao próximo, como refere o Evangelho do fariseu, que dizia: Nela sou como os mais homens, que são uns ladrões, uns injustos, uns adúlteros, como é também este publicano. Outras vezes porém a jactância é pecado venial, isto é, quando nos jactamos do que não vai contra Deus nem contra o próximo. – A outra luz podemos considerá–la na sua causa, isto é, a soberba ou o apetite do lucro ou da vanglória. E então, se proceder da soberba ou da vanglória, que são pecados mortais, também ela o será. Do contrário, será pecado venial. Mas, quem se desfaz, em jactâncias por apetite do lucro já por isso mesmo induz o próximo em engano e o danifica. Por isso, uma tal jactância é antes pecado mortal. Donde o dizer o Filósofo: Pior é quem se jacta com fito no lucro do que quem o faz para conseguir a glória ou honras. Contudo, nem sempre é pecado mortal, porque o lucro pode ser obtido sem dano de ninguém.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –– Quem se jacta para provocar discórdias, peca mortalmente. Mas, às vezes se dá, que a jactância é causa, não essencial, mas acidental das discórdias. E nesse caso não é pecado mortal.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A Glosa se refere à jactância enquanto procede da soberba proibida, que é pecado mortal.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Nem sempre a jactância implica a mentira perniciosa; mas só quando contraria à caridade devida a Deus ou ao próximo, quer essencialmente; quer na sua causa. Ora, quem se jacta, quase deleitando–se com isso, mostra ser vão, como diz o Filósofo. Por onde, essa jactância se reduz à mentira jocosa. Salvo se o antepusesse ao amor divino ou se assim agindo, desprezasse os preceitos de Deus; pois, então iria contra a caridade devida a Deus, em quem só a nossa alma eleve descansar, como no seu fim último. E pratica uma espécie ele mentira oficiosa quem se jacta para alcançar glória ou lucro, contanto que o faça sem prejudicar a outrem, o que já constituiria mentira perniciosa.

Art. 1 – Se a jactância se opõe à virtude da verdade.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a jactância não se opõe à virtude da verdade.

1. – Pois, à verdade se opõe a mentira. Ora, às vezes pode haver jactância sem mentira, como quando alguém ostenta a sua excelência, como no caso da Escritura: Assuero fez um grande convite para ostentar as riquezas da glória do seu reino e mostrar a grandeza do seu poder. Logo, a jactância não se opõe à virtude da verdade.

2. Demais. – Gregório considera a jactância uma das quatro espécies de soberba, isto é, quando nos jactamos daquilo que não ternos. Donde o dizer da Escritura: Ouvimos a soberba de Moab, que é soberbo em extremo; a sua inchação e a arrogância e soberba e altivez do seu coração, eu sei, diz o Senhor, a sua jactância e que não é conforme a ela o seu valor. E Gregório diz que a jactância nasce da vanglória. Ora, a soberba e a vanglória se opõem à virtude da humildade. Logo, a jactância não se opõe à verdade, mas, à humildade.

3. Demais. – Parece que a jactância é causada pelas riquezas, conforme à Escritura: De que nos aproveitou a nós a soberba? Ou de que nos serviu a jactância das riquezas? Ora, parece que ter superabundância de riquezas constitui o pecado da avareza, oposto à justiça ou à liberalidade. Logo, a jactância não se opõe à verdade.

Mas, em contrário, o Filósofo opõe a jactância à verdade.

SOLUÇÃO. – A jactância implica propriamente em nos exalçarmos a nós mesmos com as nossas palavras; pois, arrojamos para o alto aquilo que queremos atirar para longe. Assim, propriamente nos exalçamos quando nos atribuímos mais do que nos convém. O que pode dar–se de dois modos. – Umas vezes, ralando de nós mesmos, atribuimo–nos, não, mais do que nos convém, mas, mais do que os outros opinam de nós. O que, querendo evitar, diz o Apóstolo: Deixo isto, para que nenhum cuide de mim fora do que vê em mim ou ouve de mini, De outro modo, exalçamo–nos a nós mesmos por nossas palavras, quando nos atribuímos mais do que real e verdadeiramente existe em nós. Ora, como devemos julgar as coisas antes pelo que realmente são do que por aquilo que os outros opinam delas, dai vem que a jactância mais propriamente consiste em nos elevarmos acima do que realmente somos do que nos elevarmos acima do que os outros opinam delas. Embora, de um e de outro modo possa haver jactância. Por onde, a jactância propriamente dita se opõe à verdade, por excesso.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objecção colhe, quando se trata da jactância que nos faz atribuir mais do que os outros opinam de nós.

RESPOSTA A SEGUNDA. – O pecado de jactância pode ser considerado à dupla luz. Primeiro, quanto ao seu ato específico; e então opõe–se à verdade, como dissemos. De outro modo, na sua causa, da qual procede, se não sempre, ao menos frequentemente. E, assim, ela procede da soberba, como da sua causa motiva interna e impulsora. Pois, quem interiormente, por arrogância, se eleva acima de si mesmo, é conduzido quase sempre a jactar–se exteriormente, atribuindo–se mais do que lhe convém. Embora às vezes alguém seja levado a jactância, não por arrogância, mas por uma certa vaidade, e com isso se deleite, por força do hábito. – Por onde, a arrogância pela qual nos exalçamos acima de nós mesmos é uma espécie de soberba; não é, porém o mesmo que a jactância, mas, como se dá mais frequentemente, é–lhe a causa. Por isso, Gregório coloca a jactância entre as espécies de soberba. Mas, o jactancioso quase sempre busca a glória, com a sua jactância. Por isso, segundo Gregório, ela nasce da vanglória por vil da noção de fim.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A opulência também causa a jactância, de dois modos. – Ocasionalmente, quando alguém se ensoberbece com as suas riquezas. Por isso, a Escritura chama sinaladamente às riquezas, soberbas. – De outro modo, como fim; porque, como diz Aristóteles, certos se jactam, não só em vista da glória, mas também do lucro, fingindo que tem qualidades que lhes possam dar lucros, como por exemplo, que são médicos ou sábios e adivinhos.

Art. 4 – Se a hipocrisia é sempre pecado mortal.

O quarto discute–se assim. – Parece que a hipocrisia sempre é pecado mortal.

1. – Pois, como diz Jerônimo, dos dois males seguintes: é mais leve pecar abertamente do que simular a santidade. E aquilo de Jó – Como foi do agrado do Senhor, etc. – diz a Glosa: A equidade simulada não é equidade mas, duplo pecado. E diz ainda àquilo da Escritura ­ A iniquidade da filha do meu povo se fez maior que o pecado de Sodoma: Devemos lamentar os pecados da alma que cai na hipocrisia, pois, a sua iniquidade é maior que a de Sodoma. Ora, os pecados dos Sodomitas eram mortais. Logo, também a hipocrisia é sempre pecado mortal.

2. Demais. – Gregório diz que os hipócritas pecam por malícia. Ora, isto é gravíssimo porque constitui o pecado contra o Espírito Santo. Logo, o hipócrita sempre peca mortalmente.

3. Demais. – Ninguém merece a ira de Deus e o ser excluído da visão divina, senão por causa de pelado mortal. Ora, nela hipocrisia, certos merecem a ira de Deus, como refere a Escritura: Os dissimulados e dobres de coração provocam contra si a ira de Deus. E também o hipócrita está excluído da visão divina, ainda segundo a Escritura: Nenhum hipócrita ousará aparecer diante de seus olhos. Logo, a hipocrisia sempre é pecado mortal.

Mas, em contrário, a hipocrisia, sendo uma forma de simulação, é a mentira das obras. Ora, nem toda mentira por obras é pecado mortal. Logo, nem toda hipocrisia o é.

Demais. – A intenção do hipócrita está em querer passar por bom. Ora, isto não se opõe à caridade. Logo, a hipocrisia não é em si mesma, pecado mortal.

Demais. – A hipocrisia nasce da vanglória, como diz Gregório. Ora, a vanglória nem sempre é pecado mortal. Logo, nem a hipocrisia.

SOLUÇÃO. – Dois elementos devemos considerar na hipocrisia; a falta, e a simulação da santidade. – Se, pois, chama–se hipócrita aquele que busca intencionadamente o duplo Em – não curar da santidade e só parecer santo, como costuma dizer a Escritura, então é claro que a hipocrisia é pecado mortal. Pois, só o pecado mortal é que nos priva totalmente da santidade. – Se, porém, chamarmos hipócrita aquele que simula intencionadamente urna santidade, que perde pelo pecado mortal, então, embora esteja em estado de pecado mortal, que o priva da santidade, nem por isso a sua simulação é sempre pecado mortal, podendo às vezes ser venial. O que se descobre, considerando o fim visado. Se este repugnar à caridade de Deus ou à do próximo, o pecado será mortal; por exemplo, se simula a santidade para propagar uma doutrina falsa, ou alcançar uma dignidade eclesiástica da qual é indigno ou obter qualquer outro bem temporal, em que colocou o seu fim. Mas, se o fim intencionado não contrariar à caridade, o pecado será venial; por exemplo. Se se compraz na ficção em si mesma; sendo então, como diz o Filósofo antes vão do que mau. E o mesmo se deve dizer da mentira e da simulação. – Pode, porém dar–se, às vezes, que alguém simule uma perfeição de santidade, não necessária para a salvação. E tal simulação nem sempre é pecado mortal, nem vai sempre acompanhada de pecado mortal.

Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.

Art. 3 – Se a hipocrisia se opõe à virtude da verdade.

O terceiro discute–se assim. – Parece que a hipocrisia não se opõe à virtude da verdade.

1. – Pois, a simulação supõe um sinal e uma coisa assinalada. Ora, quanto a esses dois elementos, não parece opor–se a nenhuma virtude especial ; pois, o hipócrita simula qualquer virtude; e também por quaisquer obras virtuosas, como pelo jejum, pela oração e pela esmola, como se lê na Escritura. Logo, a hipocrisia não se opõe especialmente à virtude da verdade.

2. Demais. – Parece que toda simulação procede de algum dolo, por isso, opõe–se à simplicidade. Ora, o dolo se opõe à prudência, como se estabeleceu. Logo, a hipocrisia, que é uma simulação, não se opõe à verdade; mas antes, à prudência ou à simplicidade. 

3. Demais. – Os atos morais se especificam pelo fim. Ora, o fim da virtude é a obtenção do lucro ou da vanglória. Por isso, àquilo da Escritura – Qual é a esperança do hipócrita, se rouba por avareza, etc., diz a Glosa: O hipócrita chamado em latim simulator (simulador), é um roubador avaro; que, agindo com iniquidade e querendo ser venerado pela sua santidade, rouba o louvor da vida alheia. Ora, a avareza ou a  vanglória não se opondo diretamente à verdade, parece que também a ela não se opõe a simulação ou hipocrisia.

Mas, em contrário, toda simulação é uma mentira, como se disse. Ora, a mentira se opõe diretamente à verdade. Logo, também a simulação ou hipocrisia.

SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, a contrariedade é uma oposição pela forma, que dá a espécie às coisas, Por onde, devemos dizer que a simulação ou hipocrisia pode opor–se a uma virtude de dois modos: direta e indiretamente. – Diretamente  a sua oposição ou contrariedade deve ser considerada segundo a espécie mesma do ato, tornada em relação ao seu objeto próprio. Por onde, sendo a hipocrisia uma simulação, pela qual simulamos uma pessoa diferente de nos, como dissemos, se opõe diretamente à verdade, pela qual nos manifestamos, em nossa vida e pelas palavras, tais como somos, conforme o diz Aristóteles. – Indiretamente, porém, a oposição ou contrariedade da hipocrisia pode ser considerada relativamente a qualquer acidente; por exemplo, relativamente a um fim remoto, ou a algum instrumento do ato ou ele qualquer outro modo semelhante.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Hipócrita, que simula uma virtude, a considera como fim; não quanto à sua existência, como se quisesse tê–Ia, mas na sua aparência, como que querendo passar por tê–Ia. E assim agindo, o hipócrita não se opõe a essa virtude, mais à verdade, porque quer enganar os outros aparentando uma virtude que não tem. E quanto à prática dessa virtude, não a abraça, como buscando–a em si mesma, intencionalmente, mas. instrumentalmente como um sinal da mesma, E portanto, procedendo assim, não se coloca em oposição direta a essa virtude.

DONDE A RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO. – Como dissemos, à prudência diretamente se opõe a astúcia, a que é próprio descobrir certas vias aparentes e não reais para realizar um propósito. E ela se exerce propriamente pelo dolo, quando se trata de palavras, e pela fraude, em se tratando de netos. Ora, como a astúcia está para à prudência, assim o dolo e a fraude, para a simplicidade, ordenando–se tanto o dolo como a fraude, .principalmente, a enganar e às vezes, secundariamente, a danificar o próximo. Por onde, a simplicidade deve principalmente abster–se de enganar. E assim sendo, a virtude da simplicidade é como dissemos, idêntica à da verdade, da qual só difere racionalmente. Pois, a verdade consiste em fazer concordar o sinal com o assinalado; e a simplicidade, em não buscar fins diversos, um interior e outro exteriormente.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O lucro ou glória é o fim remoto do simulador, como o é da mentira. Por isso, não se especifica por este fim, mas, pelo fim próximo, que é mostrarmo–nos diferentemente do que somos. Por isso, às vezes se dá que um finge de si, grandes coisas, não tendo em vista nenhum outro fim, mas só pelo prazer ele simular, como diz o Filósofo e como também já o dissemos.

Art. 2 – Se a hipocrisia é o mesmo que a simulação.

O segundo discute–se assim. – Parece que a hipocrisia não é o mesmo que a simulação.

1 – Pois, a simulação consiste em mentir por atos. Ora, também pode haver hipocrisia quando manifestamos exteriormente o que fazemos às ocultas, segundo aquilo da Escritura: Quando dás a esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como praticam os hipócritas. Logo, a hipocrisia não é o mesmo que a simulação.

2. Demais. – Gregório diz: Certos tem o hábito da santidade e não logram alcançar o mérito da perfeição. Mas não devemos pensar que estão no número dos hipócritas, porque uma causa é pecar por fraqueza e outra, por malícia. Ora, os que têm o hábito da santidade e não logram o mérito da perfeição, esses são simuladores; porque o hábito exterior da santidade significa as obras da perfeição. Logo, a simulação não é o mesmo que a hipocrisia.

3. Demais. – A hipocrisia está só na intenção: pois, diz o Senhor, dos hipócritas, que fazem todas as suas obras para serem vistos dos homens. E Gregório: Não consideram nunca o que fazem mas como, com cada ação que praticam, poderão agradar aos homens. Ora, a simulação não consiste só na intenção, mas, nos atos externos. Por isso, aquilo de Jó – Os simulados e dobres de coração provocam contra si a ira de Deus – diz a Glosa, que o simulador súmula uma coisa e faz outra; apregoa a castidade e pratica a. lascívia, ostenta a pobreza e enche a bolsa. Logo, a hipocrisia não é o mesmo que a simulação.

Mas, em contrário, Isidoro diz: A palavra grega hypokrite, que significa em latim simulator (simulador), é a aquele que, sendo mau interiormente, ostenta–se às claras como bom, pois hypo significa falso e krisis, juízo.

SOLUÇÃO. – Como diz Isidoro no mesmo lugar, o nome de hipócrita derivou da figura daqueles que aparecem no teatro com o rosto disfarçado e pintado de várias cores, de modo a imitar uma determinada pessoa, homem ou mulher, para enganar os espectadores. Por isso, Agostinho diz: Os hipócritas que simulam outras pessoas, fazem um papel que não é o deles; pois, não é Agamemnon quem o simula e lhe faz o papel. Assim, na igreja e em toda a vida humana, quem quer passar pelo que não é, é hipócrita ; pois, simula–se justo sem o ser. Por onde devemos concluir que a hipocrisia é uma simulação; mas nem toda simulação é tal, mas só aquela pela qual simulamos a pessoa de outrem; assim, a do pecador que simula a pessoa do justo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A obra exterior naturalmente revela a intenção. Portanto, quem pela prática de boas obras, genericamente atinentes ao serviço de Deus, visa agraciar não a ele, mas aos homens, simula uma intenção reta que não tem. Por isso, Gregório diz: Os hipócritas, a pretexto de servirem a Deus, servem ao século; pois, querendo passar por praticantes de obras santas, o que buscam não é converter os outros, mas obter–lhes a estima. E assim, simular mentirosamente uma intenção reta que não têem: embora não simulem boas obras, que não os fazem.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O hábito da santidade, por exrmplo, o de religião ou o do clericato, significa o estado que obriga às obras de perfeição. Portanto, quem assume o hábito da santidade, com a intenção de entrar no estado de perfeição, se decair dele por fraqueza, não será simulador nem hipócrita, porque não está obrigado a revelar o seu pecado, depondo o hábito da santidade. Mas, seria hipócrita e simulador se assumisse esse hábito para passar por justo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como na mentira, na simulação há dois elementos: o sinal e o assinalado. Ora, a má intenção, na hipocrisia, é considerada como o assinalado que não corresponde ao sinal. E as palavras exteriores, ou obras, ou quaisquer causas sensíveis, consideram–se, em toda simulação e mentira, como sinais.

Art. 1 – Se toda simulação é pecado.

O primeiro discute–se assim. – Parece que nem toda simulação é pecado.

1. – Pois, diz o Evangelho, que o Senhor fingiu que ia para mais longe. E Ambrósio escreve que Abraão falava capciosamente com os escravos, quando disse: Eu e meu filho, apressando–nos por chegar acolá, depois que adorarmos voltaremos a vós. Ora, fingir e falar capciosamente supõe simulação. Mas, não se pode dizer que em Cristo e em Abraão houve pecado. Logo, nem toda simulação é pecado.

2. Demais. – Nenhum pecado é útil. Ora, diz Jerônimo, comentando um lugar do Apóstolo: Jeú rei de Israel, que matou os sacerdotes de Baal, fingindo querer adorar os ídolos, nos dê o exemplo da simulação útil e feita em tempo oportuno. E, como se lê também na Escritura, Davi demudou o seu rosto diante de Aquis, rei de Geth. Logo, nem toda simulação é pecado.

3. Demais. – O bem é contrário ao mal. Logo, se simular o bem é mal, simular o mal será bem.

4. Demais. – A Escritura diz, contra certos: Fizeram, como os de Sodoma. pública ostentação do seu pecado e não no encobriram. Ora, o encobrir o pecado supõe a simulação. Logo, não usar de simulação às vezes é repreensível. Ao contrário, evitar o pecado nunca é repreensível. Portanto, nem sempre a simulação é pecado.

Mas, em contrário, aqui dos dois males, é menos grave pecar abertamente do que simular santidade. Ora, pecar abertamente é sempre pecado. Logo, a simulação sempre é pecado.

SOLUÇÃO. – Como se disse, pela virtude da verdade devemos nos manifestar por sinais externos, tais como somos. Ora, sinais externos não são só as palavras, mas também Os atos. Ora, assim como é contrário à verdade e constitui mentira, dizermos uma coisa e pensarmos outra, assim também a contraria e constitui propriamente simulação, exprimirmos por sinais, atos ou coisas ao contrário do que pensarmos. Por onde, a simulação propriamente é uma mentira, que consiste em sinais significativos de atos externos. Nem importa que se minta por palavras ou por qualquer outro ato, como dissemos. Por onde, sendo toda mentira pecado, como estabelecemos consequentemente, também toda simulação o é.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Diz Agostinho: Nem tudo o que fingimos é mentira, senão só o que fingimos sem significação; pois, quando o que fingimos tem alguma significação, não há mentira mas, verdade figurada. E acrescenta o exemplo das figuras de linguagem, ideias quais imaginamos uma coisa não para dá–Ia como tal, mas para exprimir outra causa, que queremos significar. – Assim, pois, o Senhor fingiu ir para mais longe, porque dispôs os seus movimentos como os ele quem queria assim agir, para significar figuradamente, outra coisa, a saber, que estava longe da fé que eles professavam, como diz Gregório. Ou segundo explica Agostinho, havendo de ir para mais longe, ao subir ao céu, conservava–se retido na terra, como se fosse hóspede. – Quanto a Abraão também ele falou figuradamente. Por isso, Ambrósio diz que Abraão profetizou o que ignorava; pois, por si, dispunha–se a voltar, depois de imolado o filho, mas, o Senhor, pela boca de Abraão, revelou o que preparava. – Por onde, é claro que nenhum deles simulou.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Jerônimo usa da palavra simulação em sentido lato, para significar qualquer ficção. – Quanto à demudação do rosto ele Davi, deve ser compreendida como ficção figurada, conforme o expõe a Glosa, no título do salmo que começa – Bendizei o Senhor em todo o tempo. –  Quanto à simulação de Jeú, não há necessidade de escusá.Ia do pecado ou da mentira; porque procedeu mal não abandonando a idolatria de Jeroboão. Mas a Escritura o louva e Deus o remunerou temporalmente, não pela simulação mas,  pelo zelo com que destruiu o culto de Baal.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Certos dizem que ninguém pode simular que é mau; porque, praticando boas obras, ninguém pode simular a maldade; e se praticar o mal, será mau. – Mas, esta razão nada vale. Pois, podemos simular o mal praticando obras que, não sendo em si mesmas más, incluem, entretanto uma espécie de mal. E, contudo, a simulação em si mesma é um mal, quer em razão da mentira, quer, em razão do escândalo, Embora, pois, quem simula se torne mau pela sua simulação, não se torna mau entretanto pela malícia com que dissimula. E como a dissimulação em si mesma é má, e não por causa do seu conteúdo, quer tenha por objeto o bem, quer o mal constitui recado.

RESPOSTA À QUARTA. – Assim como mentimos proferindo palavras que não exprimem a realidade, mas não, quando calamos a verdade, o que às vezes é lícito, assim também há simulação quando por atos ou por meios materiais exprimimos o que não é; mas não, se deixamos de exprimir o que é. Por onde, é possível ocultar o pecado cometido, sem simulação. E neste sentido devemos entender as palavras de Jerônimo, no mesmo lugar, quando diz que o segundo remédio, depois do naufrágio é ocultar o pecado, para, que os outros não tirem daí ocasião de escândalo.

Art. 4 – Se toda mentira é pecado mortal.

O quarto discute assim. – Parece que toda mentira é pecado mortal.

1. – Pois, diz a Escritura: Perderás a todos os que proferem a mentira. E noutro lugar: A boca que mente mata a alma. Ora, a perdição e a morte da alma vem só pelo pecado mortal. Logo, toda mentira é pecado mortal.

2. Demais. – Tudo o que contraria um preceito do decálogo é pecado mortal. Ora, a mentira é contra o seguinte preceito do decálogo – não dirás falso testemunho. Logo, toda mentira é pecado mortal.

3. Demais. – Agostinho diz: Quem mente não o faz de boa fé, pois, ao mesmo tempo quer que aquele a quem mente lhe dê fé e não lhe dá a ele, mentindo. Ora, todo o que viola a boa fé pratica uma iniquidade. Mas, ninguém viola a boa fé e comete uma iniquidade, por ter praticado um pecado venial. Logo, nenhuma mentira é pecado venial.

4. Demais. – A recompensa eterna só pelo pecado mortal a perdemos. Ora, mentindo, perdemos a recompensa eterna, que se transforma em temporal. Assim, diz Gregório: Pela recompensa que receberam as parteiras sabemos a culpa que recai sobre a mentira. Pois, a recompensa que mereceriam pela benignidade com que procederam, e que lhes podia dar a vida eterna, foi transformada numa recompensa terrena, pela culpa da mentira que disseram. Logo, mesmo a mentira oficiosa, como a das parteiras, considerada levíssima, é pecado mortal.

5. Demais. – Agostinho diz: É mandamento para os perfeitos não só não mentir, de nenhum modo, mas nem mesmo querê–lo, Ora, agir contra o preceito é pecado mortal. Logo, toda mentira dos perfeitos é pecado mortal. E pela mesma razão a de qualquer outro, pois, do contrário, estariam em pior condição.

Mas, em contrário, Agostinho: Há dois gêneros de mentira que não encerram grande culpa, embora não sejam isentos dela: a que proferimos por brincadeira e a que dizemos com a intenção de sermos útil ao próximo. Ora, todo pecado mortal implica uma culpa grave. Logo, a mentira jocosa e a oficiosa não são pecados mortais.

SOLUÇÃO. – Pecado mortal é propriamente o que repugna à caridade, que nos faz viver a alma, unindo–a com Deus, como dissemos. Ora, a mentira pode contrariar à caridade de três modos: em si mesma, relativamente ao fim intencionado ou acidentalmente.

Em si mesma, contraria à caridade pelo sentido falso que inclui. – O que, se for concernente à coisas divinas, contraria à caridade de Deus, cuja verdade fica oculta ou corrompida por quem assim mente. Por onde, a mentira, neste sentido, não só se opõe à virtude da verdade, mas também à da fé e da religião. Logo, tal mentira é gravíssima e pecado mortal. – Se, porém a significação falsa for em matéria, cujo conhecimento diga respeito ao bem de outrem, por exemplo, à perfeição da ciência e à informação dos bons costumes, tal mentira, na medida em que danifica o próximo, inculcando–lhe uma opinião falsa, contraria à caridade, quanto ao amor do próximo. Por isso é pecado mortal. – Se porém a opinião falsa, gerada pela .mentira, é em matéria que não importa seja conhecida de tal modo ou de tal outro, então essa mentira não danifica o próximo. Por exemplo, se nos enganarmos em relação a fatos contingentes, que não nos interessam pessoalmente. Por onde, essa mentira não é em si mesmo pecado mortal. Quanto ao fim intencionado, há uma certa mentira que contraria à caridade; por exemplo, a que é proferida para injuriar a Deus. E é sempre pecado mortal por ser contrária à religião. Ou ela redunda em dano do próximo, na sua pessoa, riquezas ou bom nome. O que também é pecado mortal, pois, pecado mortal é danificar o próximo; e já pecamos mortalmente só por ter a intenção de cometer um pecado mortal. Mas, não sendo o fim intencionado contrário à caridade, também a mentira, nesse caso, não será pecado mortal. Tal o que se dá com a mentira jocosa, com a qual só temos a intenção de divertir passageiramente; e com a mentira oficiosa, com a qual visamos alguma utilidade do próximo.

Enfim, acidentalmente, a mentira pode contrariar à caridade em razão do escândalo ou de qualquer dano consequente. E então será também pecado mortal, desde que não se teme, por causa de escândalo, mentir publicamente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os lugares citados se entendem relativamente à mentira perniciosa, como a explica a Glosa sobre o lugar: Perderás a todos os que proferem a mentira.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Todos os preceitos do decálogo, ordenando–se ao amor de Deus e do próximo, como se disse, a mentira é contra o preceito do decálogo, na mesma medida em que é contra o amor de Deus e do próximo. Por isso, ele proíbe sinaladamente o falso testemunho contra o próximo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Também o pecado venial, em sentido Jato, é uma iniquidade, por estar fora da igualdade da justiça. Por isso, diz a Escritura: Todo pecado é uma iniquidade. E é nesse sentido que fala Agostinho.

RESPOSTA À QUARTA. – A mentira das parteiras pode ser considerada a dupla luz. Primeiro, quanto ao afeto de benevolência para com os Judeus, e ao temor de Deus, sentimento que revelam nelas disposições virtuosas. E eram por isso merecedoras da recompensa eterna; nesse sentido Jerônimo explica um lugar da Escritura dizendo, que Deus lhes edificou moradas espirituais. – Noutro sentido, o caso das parteiras pode ser considerado quanto ao ato mesmo anterior, da mentira. E por ele não puderam merecer a recompensa eterna; mas talvez alguma remuneração temporal, cujo mérito não repugnava à deformidade da mentira que proferiram como repugnava ao mérito da recompensa eterna. E assim se devem entender as palavras de Gregório; e não corno pretende a objeção, que, por causa da mentira as parteiras mereceram perder a remuneração eterna, que já tinham merecido pelo afeto precedente.

RESPOSTA À QUINTA. – Certos dizem que, para os varões perfeitos, toda mentira é pecado mortal. Mas não têm razão. Pois, nenhuma circunstância agrava o pecado ao infinito, senão a que o transfere de uma espécie para outra. Ora, a circunstância de pessoa não opera essa transferência, salvo talvez em razão de algum elemento anexo, por exemplo, se contrariar o voto feito; o que não se pode dizer da mentira oficiosa ou jocosa. Por onde, a mentira oficiosa ou a jocosa, dos varões perfeitos, não é pecado mortal, salvo talvez e por acidente, em razão do escândalo. E neste sentido podem entender–se as palavras de Agostinho, quando diz que é mandamento para os varões perfeitos, não Só não mentir, de nenhum modo, mas, nem mesmo querê–lo. Embora Agostinho não o afirme de maneira assertória, mas em sentido dubitativo, pois acrescenta: Salvo talvez se aos perfeitos, etc. – Nem obsta que estejam colocados num estado, a que é próprio respeitar a verdade, aqueles que tem a obrigação de a dizer em juízo ou no ensino, e que cometerão pecado mortal, contrariando a esse dever, quando mentem. Mas, isso não implica necessariamente que cometam pecado mortal, mentindo, em matéria diferente.

Art. 3 – Se toda mentira é pecado.

O terceiro discute–se assim. – Parece que nem toda mentira é pecado.

1. – Pois, é claro que os Evangelistas não pecaram escrevendo o Evangelho. Ora, parece que disseram falsidades, porque cada um refere a seu modo as palavras de Cristo e mesmo as de outros; por isso um deles há de ter dito uma falsidade. Logo, nem toda mentira é pecado.

2. Demais. – Deus não remunera ninguém por ter cometido pecado. Ora, as parteiras do Egito foram remuneradas por Deus, por terem mentido; pois, diz a Escritura que Deus lhes estabeleceu as suas casas. Logo, a mentira não é pecado.

3. Demais. – A Escritura narra os feitos dos santos para informação da vida humana. Ora, lemos nela que certos varões santíssimos mentiram. Assim, refere que Abraão disse que sua mulher era sua irmã; Jacó também mentiu fazendo–se passar por Esaú, e contudo, conseguiu a bênção; Judite também é elogiada apesar de ter mentido a Holofernes. Logo, nem toda mentira é pecado.

4. Demais. – Devemos escolher um mal menor para evitar um maior; assim, o médico corta um membro pata não corromper–se todo o corpo. Ora, causa menor dano ao próximo quem lhe inculca uma falsa opinião que quem mata ou é morto. Logo, podemos mentir licitamente para preservar um, do homicídio e outro, da morte.

5. Demais. – Mente quem não cumpre o que prometeu. Ora, nem todas as promessas devem cumprir–se, como diz Isidoro: Deixa de cumprir o que prometeste com maldade. Logo, nem toda mentira é pecado.

6. Demais. – A mentira é considerada pecado porque com ela enganamos o próximo. Por isso, Agostinho diz: Quem pensar que há algum género de mentira que não seja pecado, ilude–se miseravelmente, considerando–se honesto enganador dos outros. Ora, nem toda mentira visa enganar; assim, a mentira jocosa a ninguém engana. Pois, essas mentir as não são ditas para serem acreditadas, mas só para divertir. Por isso, até mesmo a Sagrada Escritura usa às vezes de locuções hiperbólicas. Logo, nem toda mentira é pecado.

Mas, em contrário, a Escritura: Não queiras mentir toda mentira.

SOLUÇÃO. – O que é genericamente mau não pode de nenhum modo vir a ser bom e licito. Porque, uma coisa boa há de resultar de um complexo de elementos bons; pois, o bem resulta de uma causa íntegra, e o mal, de qualquer defeito, como diz Dionísio. Ora, a mentira é genericamente um mal porque é um ato cuja matéria é ilegítima. Pois, as palavras, sendo naturalmente sinais das ideias é inatural e ilegítimo exprimirmos por palavras o que não temos na mente. Donde o dizer o Filósofo, que a mentira é em si mesma um mal e deve ser evitado ao passo que a verdade é boa e digna de louvores. Por onde, toda mentira é pecado, como também o afirma Agostinho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não podemos dizer com verdade que o Evangelho ou qualquer Escritura canónica afirmem nenhuma falsidade, nem que os seus autores disseram alguma mentira; porque então desapareceria a certeza da fé, que se apoia na autoridade da Sagrada Escritura. Mas, não há mentira quando o Evangelho e as outras Sagradas Escrituras referem de modos diversos as palavras de outrem. Por isso diz Agostinho: Quem sabe compreender que a verdade está no pensamento, sejam quais forem as palavras de que ele se reveste) de nenhum modo se embaraça com diversidade de expressões. Por isso, acrescenta, não devemos acusar de falsidade pessoas que servindo–se de termos diferentes, contam de memória o que viram ou ouviram.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As parteiras não foram remuneradas por terem mentido, mas pelo temor que tinham de Deus e pela benevolência da qual procedeu a mentira. Por isso, a Escritura diz sinaladamente: E porque as parteiras temeram a Deus, ele lhes estabeleceu as suas casas. Mas, a mentira que em seguida proferiram não foi meritória.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Agostinho, a Sagrada Escritura refere certos feitos como exemplos de virtude perfeita, e não devemos pensar que os seus autores mentiram. Contudo, se alguma causa houver nas palavras, com que a Escritura refere esses feitos, que pareça mentira, devem ser entendidas figurada e profeticamente. Por isso, Agostinho diz: Devemos crer que esses homens revestidos de autoridade nos tempos proféticos disseram e fizeram profeticamente tudo o que a Escritura fites atribui. – Quando Abraão ensina Agostinho, disse que Sara era sua irmã, quis ocultar a verdade e não, mentir; pois, chamava–lhe irmã por ser filha de seu pai. Por isso, o próprio Abraão diz: Ela é verdadeiramente minha irmã, como filha que é de meu pai, ainda que não filha de minha mãe, isto é, era sua irmã por parte de pai. Quanto a Jacó, disse em sentido místico, de si, que era Esaú, primogênito de Isaac, porque os o direitos de prirnogenitura de Esaú, eram–lhe devidos, a ele, Jacó. E usou–o desse modo de falar, por espírito de profecia, para indicar que os povos gentios, mais novos, haveriam de substituir os judeus, povo primogénito. – E enfim, a Escritura louva a certos, não por terem a virtude perfeita, mas como animados de disposições virtuosas, e por darem mostra de sentimentos nobres que os levavam a praticar atos a que não estavam obrigados. Nesse sentido louva Judite, não por ter mentido a Holofernes, mas pelo desejo que nutria de salvar o seu povo, por amor do qual se expôs a perigos. Embora também se possa dizer, que as palavras da Escritura dizem verdade, entendidas num sentido místico.

RESPOSTA À QUARTA. – A mentira é, por sua natureza, pecado, não só por causar dano ao próximo como por ser desordenada, como dissemos. Ora, não é permitido proceder desordenadamente para livrar a outrem de algum dano ou algum defeito; assim como não é lícito furtar para fazer esmola, salvo em caso de necessidade, em que todas as coisas são comuns. Logo, não é lícito proferir uma mentira para livrarmos a outrem de qualquer perigo. Mas, é lícito ocultar a verdade prudentemente, dissimulando–a de algum modo, como diz Agostinho.

RESPOSTA À QUINTA. – Quem promete alguma coisa, com a intenção de cumprir a promessa, não mente, porque não fala contra o que tem na mente. Mas, não a cumprindo, é lhe infiel, mudando de intenção. Pode, porém, ser escusado, opor duas razões. Primeiro, se prometeu o que é manifestamente ilícito, pecou quando assim procedeu e, portanto, age bem o mudando de propósito. Segundo, se mudaram as condições das pessoas e dos atos. Pois, como diz Séneca, para estarmos obrigados a fazer o que prometemos é necessário que todas as circunstâncias permaneçam as mesmas. Do contrário, não mentimos quando prometemos, pois prometemos o que tínhamos em mente, subentendidas as condições devidas. Nem somos infiel à promessa, por não a cumprir, pois, já as condições não eram as mesmas. Por isso, o Apóstolo não mentiu por não ter ido a Corinto, como prometera, pois, obstáculos sobrevenientes lho impediram.

RESPOSTA À SEXTA. – Um ato pode ser considerado à dupla luz: em si mesma e relativamente ao seu autor. Por onde, a mentira jocosa, pela sua própria natureza, é dita para enganar, embora quem a profira não tenha tal intenção nem engane, pelo modo com que o faz. Mas o mesmo não acontece com as locuções hiperbólicas e com certos modos de falar figurados, que se encontram na Sagrada Escritura. Pois, como diz Agostinho, tudo o que dizemos ou fazemos, figuradamente, não é mentira. Porque todo enunciado deve ser referido ao que enuncia; ora, tudo o que fazemos ou dizemos, figuradamente, enuncia o que exprime, para aqueles que o devem entender.

Art. 2 – Se a mentira se divide suficientemente em ofíciosa, jocosa e perniciosa.

O segundo discute–se assim. – Parece que a mentira se divide insuficientemente em oficiosa, jocosa e perniciosa.

1. – Pois, uma divisão deve fundar–se no que é essencial, como está claro no Filósofo. Ora, a intenção de obter o efeito não se inclui na espécie do ato moral, com o qual só tem relação acidental, segundo parece; por isso, de um mesmo ato podem resultar infinitos efeitos. Ora, a divisão supra–referida se funda no efeito intencionado; pois, mentira jocosa é a que visa divertir; a oficiosa buscar alguma utilidade; e a perniciosa, o dano de outrem. Logo, é inconveniente a divisão referida, da mentira.

2. Demais. – Agostinho divide a mentira em oito partes. A primeira é no ensino da religião; a segunda não visa a utilidade mas só o dano de outrem; a terceira é a que é útil a um, mas de modo a danificar a outro; a quarta é a que vem do só desejo de mentir e enganar; a quinta procede do desejo de agradar; a sexta é a que, não prejudicando a ninguém, aproveita a outrem para conservar o seu dinheiro; a sétima é a que, sem danificar ninguém, ajuda outrem a evitar a morte; a oitava não causa mal a ninguém e ainda ajuda alguém a evitar a imundice corpórea. Logo, parece que a primeira divisão da mentira é insuficiente.

3. Demais. – O Filósofo divide a mentira em jactância, que exagera a verdade verbalmente; e ironia, que diminui a verdade. Ora, essas duas não estão incluídas nos membros da divisão supra–referida. Logo, parece que a mencionada divisão da mentira é inconveniente.

Mas, em contrário, àquilo da Escritura ­ Perderás a todos os que proferem a mentira – diz a Glosa, que há três gêneros de mentira: o da que visa a vantagem e o cômodo de outrem; o da mentira jocosa; e o terceiro é o da que é dita por malicia. Ora, o primeiro desses três gêneros é o da mentira ofícios: o segundo, o da jocosa e o terceiro, o da perniciosa. Logo, a mentira se divide nas três referidas partes.

SOLUÇÃO. – A mentira pode dividir–se em três partes – Primeiro, atendendo–se à natureza mesma dela, e que funda a sua divisão própria e essencial. E então a mentira se divide em duas partes: a que exagera a verdade e constitui a jactância e a que a diminui e se chama ironia, como se lê no Filósofo. Por onde, a mentira é assim dividida, por essência, porque, como tal, ela se opõe à verdade, conforme dissemos; pois, a verdade é uma igualdade a que essencialmente se opõe o excesso e o defeito.

De outro modo, a mentira pode ser dividida, levando–se em conta a noção de culpa que ela implica, e considerando–se a agravação ou a diminuição dessa culpa relativamente ao fim intencionado. Assim, agrava a culpa da mentira quem mente para danificar a outrem, e isso constitui a mentira perniciosa. Mas, a culpa diminui quando a mentira se ordena a um fim bom: ou deleitável, sendo então a mentira jocosa, ou útil, sendo então oficiosa, quer por haver a intenção de ajudar a outrem, ou livrá–lo de algum dano. Por onde, a esta luz a mentira se divide nas três partes referidas.

De terceiro modo, e mais universalmente, divide–se a mentira relativamente ao fim, quer este influa para aumentar ou diminuir a culpa da mentira, quer não. E, segundo este critério, é que ela se divide nas oito partes referidas. ­ Ora, os três primeiros membros dessa divisão estão contidos na mentira perniciosa, a qual é contra Deus; e isso constitui a primeira espécie de mentira, relativa ao ensino da religião: Ou é contra o homem, quer pela só intenção de lesar a outrem, e essa é a segunda espécie de mentira, isto é, a que não visa a utilidade, mas, ao contrário, o dano de outrem, quer ainda por visar, no dano de um, a utilidade de outro, sendo essa a mentira que vem em terceiro lugar, isto é; a que é útil a um e prejudica a outro. E dessas três, a primeira é a mais grave, porque os pecados contra Deus são sempre. Os mais graves, como se disse. E a segunda é mais grave que a terceira, que fica atenuada por causa da intenção de ser útil a outrem. – Depois dessas três, que aumentam a gravidade da culpa da mentira, vem a quarta, que tem uma quantidade própria, sem aumento nem diminuição. E essa é a mentira proferida pelo só desejo de mentir, o que resulta de um hábito; donde o dizer do Filósofo, que o mentiroso, pela força do hábito, se compra na sua mentira. – Quanto aos quatro modos subsequentes, eles diminuem a culpa da mentira. Assim, a quinta é a mentira jocosa, proferida pelo desejo de agradar.  – As outras três estão compreendidas na mentira oficiosa, que visa a utilidade do próximo; quer quanto aos bens externos, sendo essa a sexta mentira, útil a outrem para conservar o seu dinheiro ou útil ao corpo, e é a sétima que livra o próximo da morte ; ou é útil à honestidade da virtude, sendo essa a  oitava espécie de mentira, que obsta a polução corpóreo ilícita. Ora, é claro que quanto melhor é o bem intencionado, tanto mais diminui a culpa da mentira. Por onde, quem considerar atentamente verá que a ordem da referida enumeração se funda na ordem de gravidade da culpa, dessas várias formas de mentira; pois, o bem útil é preferível ao deleitável; a vida do corpo, ao dinheiro; e a honra, à vida corpórea.

Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.

Art. 1 – Se a mentira sempre se opõe à verdade.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a mentira nem sempre se opõe à verdade.

1. – Pois, termos opostos não podem coexistir. Ora, a mentira pode coexistir com a verdade; assim, quem fala verdade pensando dizer uma falsidade, mente, como diz Agostinho. Logo, a mentira não se opõe à verdade.

2. Demais. – A virtude da verdade não consiste só em palavras, mas também, em atos; pois, segundo o Filósofo, essa virtude é a que nos leva a exprimir a verdade pelas nossas palavras e pela nossa vida. Ora, a mentira só consiste em palavras; pois, diz Agostinho, que a mentira consiste em dar uma significação falsa às palavras. Logo, parece que a mentira não se opõe diretamente à virtude da verdade.

3. Demais. – Agostinho diz, que a culpa de quem mente está no desejo de enganar. Ora, isto não se opõe à verdade, mas antes, à benevolência ou à justiça. Logo, a mentira não se opõe à verdade.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Não duvidamos que mente quem diz uma falsidade com a intenção de enganar. Por isso, uma afirmação falsa proferida com intenção de enganar é manifesta mentira. Ora, isto se opõe à verdade. Logo, a mentira se opõe à verdade.

SOLUÇÃO. – Os atos morais se especificam de dois modos: pelo objeto e pelo fim; pois, o fim é objeto da vontade, que é o primeiro motor na ordem dos referidos atos. Ora, o objeto da potência, movida pela vontade, é o objeto próximo do ato voluntário e está, relativamente ao ato da vontade, para o fim, como o material, para o formal, conforme do sobredito resulta. Mas, segundo dissemos, a virtude da verdade, e os vícios opostos implicam a manifestação por meio de sinais. E essa manifestação ou enunciado é um ato da razão, que relaciona o sinal com a coisa assinalada; pois, toda representação consiste numa comparação de natureza propriamente racional. Por onde, embora os brutos também possam manifestar–se, não visam a manifestação. em si mesma; mas, agem por instinto natural, de tal modo que daí resulta a manifestação. Na medida, pois, em que a manifestação ou o enunciado é um ato moral, nessa mesma há de este ser voluntário e dependente da intenção da vontade. Ora, o objeto próprio da manifestação ou da enunciação é a verdade ou a falsidade. A intenção, porém, da vontade desordenada é susceptível de dupla consequência: a enunciação falsa e o efeito próprio dessa enunciação, que consiste em enganar a outrem. Se, pois, esses três fatores concorrerem  enunciação falsa, vontade de fazê–la e, enfim, intenção de enganar ­ então, há falsidade material, por que dizemos uma falsidade; formal, pela vontade de a dizermos; e efetiva, pela vontade de a inculcar. Contudo, a noção da mentira deriva da falsidade formal, isto é, da vontade de enunciarmos uma falsidade. Por isso, a mentira é assim chamada por ser uma locução contra a mente.

Por onde, quem enuncia uma falsidade, crendo–a verdadeira, diz uma falsidade material mas não, formal, porque a falsidade não está na sua intenção e, portanto, o que diz não é mentira, na sua noção perfeita. Pois, o que está fora da nossa intenção é acidental e portanto não funda uma diferença específica. Quanto a quem profere uma mentira formal, tendo a vontade de dizer uma falsidade, embora diga verdade, contudo esse ato é voluntário e moral, é essencialmente falso e acidentalmente verdadeiro; e portanto constitui uma espécie de mentira. Mas, o ato de quem pretende induzir em falsidade a opinião alheia, enganando, não constitui uma espécie de mentira, mas, a plenitude desta. Tal o caso dos seres naturais, que se especificam pela forma, mesmo se esta não produzir o seu efeito, como se dá com o corpo pesado, por exemplo, conservado em suspensão e assim violentamente impedido de cair conforme à exigência da sua forma. 

Por onde, é claro que a mentira, direta e formalmente, se opõe à verdade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. – Uma coisa é julgada, mais pelo que tem de formal e essencial, do que pelo que tem de material e acidental. Por onde, mais se opõe à verdade, como virtude moral, quem fala verdade com intenção de mentir, do que quem mente com a intenção de falar verdade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, as palavras ocupam o lugar principal entre os sinais. Por isso, quando se diz que a mentira é uma palavra com significação falsa, pela designação de palavra se entende qualquer sinal. Por onde, não estaria isento de mentira quem tivesse a intenção de significar uma falsidade por meio de sinais.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O desejo de enganar constitui a mentira na sua plenitude e não uma espécie dela; assim como nenhum efeito pertence à espécie da sua causa.

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