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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 - Se a liberalidade tem por objeto o dinheiro.

O segundo discute–se assim. – Parece que a liberalidade não tem por objeto o dinheiro.

1. – Pois, toda virtude moral versa sobre os netos ou as paixões. Ora, regular os nossos atos é próprio da justiça, como diz Aristóteles. Logo, sendo a liberalidade uma virtude moral, parece que versa sobre as paixões e não tem por objeto o dinheiro.

2. Demais. – Ao liberal é próprio usar de quaisquer riquezas. Ora, as riquezas naturais o são mais verdadeiramente que as artificiais, representadas pelo dinheiro, como diz o Filósofo. Logo, a liberalidade não tem como objeto principal o dinheiro.

3. Demais – Virtudes diversas tem matérias diversas, porque os hábitos se distinguem pelos seus objetos. Ora, as causas externas são a matéria da justiça distributiva e da comutativa. Logo, não são a matéria da liberalidade.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a liberalidade é uma certa mediedade relativa ao dinheiro.

SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, é próprio do liberal gastar. Por isso a liberalidade também se chama largueza, pois, o que é largo não é feito para conservar mas para deixar em liberdade. E isto mesmo é o que significa o nome de liberalidade, pois, quem despende o que é seu, de certo modo o liberta da sua guarda e domínio e mostra ter a alma livre do amor ao mesmo. Ora, o que devemos gastar em benefício de outrem são os bens que possuímos e a que se dá o nome de dinheiro. Logo, a matéria própria da liberalidade é o dinheiro.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como dissemos, a liberalidade não depende da quantidade do dom mas do afeto do doador. Ora, esse afeto versa sobre as paixões do amor e da concupiscência e, pai consequência, do prazer e da tristeza, relativamente ao que dá. Por onde, a imediata matéria da liberalidade são as paixões internas, ao passo que o dinheiro é um bem externo e objeto mesmo das paixões.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, tudo o que o homem possui na terra, tudo o de que é senhor, chama–se dinheiro ou pecúnia, porque as riquezas dos antigos consistiam na pecuária. E o Filósofo ensina que chamamos pecúnia àquilo cujo valor pode ser medido pela moeda.

RESPOSTA A TERCEIRA. – A justiça constitui uma igualdade relativamente às coisas exteriores; nem é objeto próprio dela moderar as paixões internas. Por isso, de um modo, o dinheiro é objeto da liberalidade e, de outro, da justiça.

Art. 1 – Se a liberalidade é uma virtude.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a liberalidade não é uma virtude.

1. – Pois, nenhuma virtude contraria à inclinação natural, Ora, a inclinação natural nos leva a cuidar mais de nós do que dos outros. E proceder de modo contrário é próprio do liberal; pois, como diz o Filósofo, não é próprio do liberal cuidar de si, de modo que reserva para si o que menos vale. Logo, a liberalidade não é uma virtude.

2. Demais. – Com as riquezas sustentamos a vida; e elas servem materialmente à felicidade. Ora, como toda virtude se ordena para a felicidade, parece que não é virtuoso o liberal, do qual diz o Filósofo que não é próprio acetar nem guardar dinheiro, mas gastá–lo.

3. Demais. – As virtudes são conexas entre si. Ora, a liberalidade não parece conexa com as outras virtudes; pois, muitos são virtuosos, que não podem ser liberais, por não terem o que dar; e também muitos dão ou gastam liberalmente que contudo são virtuosos por outras vias. Logo, a liberalidade não é uma virtude.

Mas, em contrário, Ambrósio diz, que o Evangelho nos deu muitos ensinamentos sobre a justa liberalidade. Ora, o Evangelho só ensina o concernente à virtude. Logo, a liberalidade é uma virtude.

SOLUÇÃO. – Como diz Agostinho, é próprio da virtude fazer–nos usar bem daquilo que poderíamos usar mal. Ora, podemos usar bem e mal não só dos nossos bens internos, como as faculdades e as paixões da alma, mas também dos externos, isto é das coisas deste mundo, que nos foram dadas para o sustento da vida. Por onde, sendo próprio da liberalidade usar bem dessas causas, resulta consequentemente ser ela uma virtude.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Ambrósio e Basílio, a superabundância de riquezas foi dada a certos, por Deus, para adquirirem o mérito da boa disposição. Pois, a um só bastam poucas coisas, Por isso o homem liberal gasta, e louvavelmente, mais com os outros do que consigo mesmo. Ora, devemos cuidar de nós mesmo, sobretudo quanto aos bens espirituais relativamente aos que principalmente cada um pode bastar–se a si próprio. – E, contudo, mesmo em se tratando dos bens temporais, não deve o liberal cuidar dos outros, de modo a de todo se desprezar a si mesmo e aos seus. Por isso Ambrósio diz: A tua liberalidade se manifestará se não desprezares os que tem contigo a comunidade de origem, se os vires em necessidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Não é próprio da liberalidade dispensarmos as riquezas de modo a não nos sobrar o com que nos sustentemos e pratiquemos obras virtuosas, que nos levem à felicidade. Por isso diz o Filósofo, que o liberal cuida do que lhe é próprio, pois quer por aí auxiliar os outros. E Ambrósio diz, que o Senhor não quer que as riquezas sejam derramadas ao mesmo tempo, mas, dispensadas; salvo talvez no caso de Eliseu, que matou os seus bois e nutriu os pobres com o que tinha, para não ficar preso a nenhuma preocupações domésticas. O que constitui o estado de perfeição da vida espiritual, da qual a seguir trataremos. – Mas, devemos saber que o ato mesmo de distribuirmos os nossos bens liberalmente enquanto ato de virtude, se ordena à felicidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz o Filósofo, os que consomem muitos bens em intemperança não são liberais, mas pródigos. E sernelhantemente, os que dissipam o que tem, na prática de quaisquer outros pecados. Donde o dizer Ambrósio: Não mostrarás largueza ajudando os que buscam se apoderar dos bens dos outros; nem é liberalidade perfeita se dás mais por jactância do que por misericórdia. Por onde, os que carecem das outras virtudes, embora gastem muito em certas obras más, não são liberais. – Mas, nada impede que alguns, apesar de gastarem muito, visando certos bens úteis, nem por isso tenham o hábito da liberalidade; assim como também podemos praticar outras obras virtuosas, sem termos o hábito da virtude, não as praticando do mesmo modo que os virtuosos, como dissemos. – Semelhantemente, nada impede certos virtuosos serem liberais, embora pobres. Por isso o Filósofo diz: A liberalidade é assim chamada em relação à substância, isto é à posse das riquezas; pois, não consiste na multidão do que se dá mas, no hábito de quem o dá. E Ambrósio: É a afeição que torna rica ou pobre a dádiva e dá valor às coisas.

Art. 2 – Se o litígio é pecado menor que o vício contrário, da complacência ou adulação.

O segundo discute–se assim. – Parece que o litígio é pecado menor que o vício contrário, da complacência ou adulação.

1. – Pois, quanto mais um pecado prejudica, tanto pior é. Ora, a adulação prejudica mais que o litígio, conforme à Escritura: Povo meu, os que te chamam bem–aventurados esses mesmos te enganam e destroem o caminho dos teus passos. Portanto, a adulação é pecado mais grave que o litígio.

2. Demais. – Parece que a adulação implica, uma certa dolosidade porque o adulador diz uma coisa e tem outra no coração. Ora, o litigioso não se serve de dolo, porque contradiz manifestamente. Mas, quem peca dolosamente é mais desonesto, como diz o Filósofo. Logo, mais grave pecado é a adulação que o litígio.

3. Demais. – A vergonha é o temor de um ato desonesto, como está claro no Filósofo. Ora, o homem se envergonha mais de ser adulador do que litigioso. Logo, o litígio é menor pecado que a adulação.

Mas, em contrário, um pecado é tanto mais grave quanto mais repugna ao estado espiritual.

Ora, parece que o litígio repugna mais ao estado espiritual, conforme ao Apóstolo: Importa não seja o bispo litigioso. E ainda: Não convém que o servo do Senhor se ponha a altercar. Logo, o litígio parece mais grave pecado que a adulação.

SOLUÇÃO. – Podemos considerar ambos estes pecados de dois modos. Primeiro, levando em conta a espécie de um e de outro. E então, tanto mais grave é um vício quanto mais repugna à virtude oposta. Ora, a virtude da amizade tende mais principalmente a causar prazer que a contristar. Portanto, o litigioso, que está sempre a causar tristeza aos outros, peca mais gravemente que o complacente ou o adulador, que cuida sobretudo de lhes comprazer. – De outro modo, esses vícios podem ser considerados relativamente a certos motivos exteriores. E então às vezes a adulação é mais grave; por exemplo, quando o adulador busca adquirir, enganando, honras ou lucros que lhe não são devidos. Mas; outras vezes, o litígio é mais grave; por exemplo, quando há intenção de impugnar a verdade, ou causar o desprezo de quem a diz.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como o adulador pode causar dano ocultamente, assim o litígio pode às vezes fazê–lo, atacando manifestamente. Ora, em igualdade de circunstâncias, é mais grave danificar a outrem manifestamente, quase por violência, do que às ocultas. Por isso, o roubo é mais grave pecado que o furto, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nem sempre dos atos humanos é mais grave o que é mais desonesto. Pois, a dignidade do homem vem da sua razão. Por isso, mais desonestos são os pecados carnais, nos quais a carne vence a razão, embora os pecados espirituais sejam mais graves, por procederem de um maior desprezo. Do mesmo modo, os pecados feitos com dolo são mais desonestos por procederem de uma certa fraqueza e de uma certa falsidade da razão; embora– os pecados manifestos sejam às vezes procedentes de um maior desprezo. Por isso, a adulação, sendo como que acompanhada de dolo, é mais desonesta; ao passo que o litígio, procedente de um como maior desprezo, é mais grave.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos, a vergonha supõe a desonestidade do pecado. Por isso nem sempre nos envergonhamos mais do pecado mais grave, mas, do mais desonesto. Por isso, envergonhamo–nos mais da adulação que do litígio, embora este seja grave.

Art. 1 – Se o litígio se opõe à virtude da amizade ou afabilidade.

O primeiro discute–se assim. – Parece que o litígio não se opõe à virtude da amizade ou afabilidade.

1. Pois, parece que o litígio está compreendido na discórdia, como a contenção. Ora, a discórdia se opõe à caridade, como se disse. Logo, também o litígio.

2. Demais. – A Escritura diz: O homem iracundo excita disputas. Ora, a iracundo se opõe à mansidão. Logo, também a disputa ou litígio.

3. Demais. – A Escritura diz: Donde vêm as guerras e contendas entre vós? Não vêm elas das vossas concupiscências, que combatem em vossos membros? Ora, seguir as concupiscências parece que se opõe à temperança. Logo, parece que o litígio não se opõe à amizade, mas, à temperança.

Mas, em contrário, o Filósofo opõe o litígio à amizade.

SOLUÇÃO. – O litigio consiste propriamente em palavras, e tem lugar quando um contradiz as palavras de outro. Em cuja contradição podemos considerar dois aspectos. – Pois, às vezes a contradição nasce de o contraditor recusar concordar com quem fala, por falta do amor que nos une. Isto constitui a discórdia, contrária à caridade. – Outras vezes, porém, a contradição nasce de não temer um contristar a pessoa de outro. Donde vem o litígio, oposto à referida amizade ou afabilidade, à qual é próprio fazer–nos conviver agradavelmente com os outros. Por isso diz o Filósofo, que se chamam: discolos e litigiosos os que em tudo contrariam Os outros com o fim de os contristar, e com ninguém tem consideração.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A contenção mais propriamente pertence à contradição da discórdia; ao passo que o litígio, à contradição feita com a intenção de contristar.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A oposição direta entre as virtudes e os vícios não se funda nas causas deles, porque um vício pode nascer de muitas causas; mas, na espécie do ato. Pois, embora o litígio nasça às vezes da ira, pode porém nascer de muitas outras causas. Por onde, não é necessário que se oponha diretamente à mansidão.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Tiago se refere, no lugar citado, à concupiscência como um mal geral, donde nascem todos os vícios, conforme à Glosa: É boa a lei que, proibindo a concupiscência proíbe ao mesmo tempo todo mal.

Art. 2 – Se a adulação é pecado mortal.

O segundo discute–se assim. – Parece que a adulação é pecado mortal.

1. – Pois, segundo Agostinho, o mal é assim chamado porque causa dano. Ora, nada causa mais dano do que a adulação, segundo a Escritura: Porque o pecador tira louvor nos desejos de sua alma e o iníquo é abençoado: o pecador irritou ao Senhor. E jerónimo diz, que nada corrompe tão facilmente o coração dos homens como a adulação. E aquilo da Escritura ­ Voltem–se logo envergonhados os que me dizem: bem, bem – diz a Glosa: A língua do adulador é mais prejudicial do que a espada do perseguidor. Logo, a adulação é um pecado gravíssimo.

2. Demais. – Quem prejudica a outrem com palavras não prejudica menos a si que aos outros; donde o dizer a Escritura: A espada deles traspasse o seu coração. Ora, quem adula a outrem indú–lo a pecar mortalmente; por isso, àquilo da Escritura – O azeite do pecador não chegue a ungir a minha cabeça – diz a Glosa: O falso elogio do adulador precipita as almas, da rigidez da verdade, na moleza do vício. Logo, com muito maior razão o adulador, em si mesmo, peca mortalmente.

3. Demais – Uma decretal determina: O clérigo surpreendido na prática da adulação e da traição seja deqradado do seu oficio. Ora, tal pena só se inflige ao pecado mortal. Logo, a adulação é um pecado mortal.

Mas, em contrário, Agostinho enumera entre os pecados menores: Sé alguém, voluntariamente ou levado pela necessidade, se puser a adular a pessoa de qualquer superior.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, pecado mortal é o que contraria à caridade. Ora, a adulação às vezes a contraria e, às vezes, não.

Contraria à caridade, de três modos. ­De um modo, em razão da matéria; por exemplo, quando alguém louva o pecado de outrem. O que vai contra o amor de Deus, contra cuja justiça, então falamos e contra o amor ao próximo, cujo pecado favorecemos. Por isso, é pecado mortal, conforme à Escritura: Ai de vós, os que ao mau chamais bom. – De outro modo, em razão da intenção; por exemplo, quando alguém adula a outrem para prejudicá–lo com fraude, corporal ou espiritualmente. E isto também é pecado mortal; ao que se refere a Escritura: Melhores são as feridas feitas pelo que ama do que os ósculos fraudulentos do que quer mal. – De terceiro modo, por causa da ocasião; por exemplo, quando o louvor do adulador dá a outro ocasião de pecar, mesmo que isso não esteja na intenção do adulador. Mas, neste caso é mister distinguir se a ocasião foi dada ou aceita, e a queda que se lhe seguiu; como o pode esclarecer o que já dissemos quando tratamos do escândalo.

Porém, não vai contra a caridade quem, pelo só desejo de agradar os outros, ou mesmo para evitar um mal ou, em caso de necessidade, conseguir algum resultado, adular a outrem. Portanto, não comete pecado mortal, mas só venial.

·DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os autores citados se referem ao adulador que louva o pecado de outrem. Pois, dessa adulação se diz que é mais nociva que a espada do perseguidor, pelo danificar nos bens mais elevados, que são os espirituais. Mas, esse dano não é do mesmo modo eficaz; porque o gládio do perseguidor, com causa eficiente da morte, mata efetivamente; ao passo que nenhum adulador pode ser a causa suficiente de outro pecar, como do sobredito resulta.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe quanto ao que adula com a intenção de danificar. Pois, esse mais se prejudica a si mesmo que aos outros; porque, enquanto a si mesmo se prejudica como causa suficiente do pecado. aos outros o faz, só ocasionalmente.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O lugar citado se refere ao que traiçoeiramente adula a outrem para enganá–lo.

Art. 1 – Se a adulação é pecado.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a adulação não é pecado.

1 – Pois, consiste a adulação em palavras laudatórias de outrem, ditas com a intenção de agradar. Ora, louvar a outrem não é mau, segundo a Escritura: Levantaram–se seus filhos e aclamaram–na ditosíssima; levantou–se seu marido e louvou–a. Do mesmo modo, querer agradar aos outros não é mau, conforme aquilo do Apóstolo: Em tudo procuro agradar a todos. Logo, a adulação não é pecado.

2 – Demais. – O bem é contrário ao mal; do mesmo modo, o vitupério, ao louvor. Ora, vituperar a quem é mau não é pecado. Logo, nem louvar o bom, o que parece constituir a adulação. Logo, a adulação não é pecado.

3 – Demais. – A adulação é contrária à detração; por isso, Gregório diz que o remédio contra a adulação é a detração. Pois, diz ele, para que Os elogios imoderados não nos ensoberbeçam, Deus permite na sua admirável providência que, quando vozes elogiosas nos elevam, a língua do detrator nos humilhe. Ora, a detração é um mal, como se provou. Logo, a adulação é um bem.

Mas, em contrário, àquilo da Escritura ­ Ai daqueles que cosem almofadinhas para as meterem debaixo de todos os cotovelos – diz a Glosa: isto é, a suave adulação. Logo, a adulação é pecado.

SOLUÇÃO. – Como dissemos a amizade referida, ou afabilidade, embora tenha como fim principal causar prazer aqueles com quem convivemos, contudo, quando é necessário, para conseguir um bem ou evitar um mal, não teme contristar. Por onde, quem quer de todos os modos falar a outrem para lhe causar prazer, excede o modo devido de fazer e portanto peca por excesso. E se o fizer com a só intenção de causar prazer, chama–se complacente, segundo o Filósofo; se porém tirar algum proveito, chama–se lisonjeiro ou adulador. Mas, comumente a palavra adulação costuma ser aplicada só aqueles que, excedendo o modo devido da virtude, querem agradar aos outros, na convivência ordinária, com palavras e obras.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Louvarmos a outrem pode ser um bem e um mal, conforme observarmos ou ultrapassarmos as circunstâncias devidas. Assim, se quisermos agradar a outrem louvando–o, para consolá–lo, a fim de que não sucumba à tribulação, ou ainda para que se esforce em progredir no bem, observadas todas as demais circunstâncias devidas, constituirá a referida virtude da amizade. Mas, será adulação se louvarmos a outrem naquilo que ele não merece ser louvado, ou por se tratar de coisas talvez más, conforme à Escritura: O pecador é louvado nos desejos da sua alma; ou não certas, segundo ainda a Escritura: Não louves o homem antes de ele falar. Ou ainda se houver lugar de temer que o louvado não seja pelo nosso louvor provocado à vanglória; donde o dito da Escritura: Não louves homem algum antes da morte. Semelhantemente, é louvável querer agradar aos outros para manter a caridade, a fim de podermos progredir nela espiritualmente. Mas seria pecado querer agradar aos homens por vanglória, para auferir algum lucro, ou ainda para o mal, conforme o diz a Escritura: Deus dissipou os ossos daqueles que contentam aos homens; e o Apóstolo: Se agradasse ainda aos homens não seria servo de Cristo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Também censurar o mal é mau se não o fizermos nas circunstâncias devidas. E do mesmo modo, louvar o bem.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Nada impede dois vícios serem contrários. E assim, como a detração é um mal, também a adulação o é. A qual, pelas palavras que leva a proferir, é contrária à detração, mas não, diretamente e quanto ao fim. Porque o adulador busca causar prazer ao adulado; ao passo que a detração, praticada muitas vezes ocultamente, não visa contristar o detraído, mas antes, infamá–lo.

Art. 2 – Se a amizade de que tratamos faz parte da justiça.

O segundo discute–se assim. Parece que a amizade de que tratamos não faz parte da justiça.

1. – Pois, é próprio da justiça levar–nos a pagar o, que devemos a outrem. Ora, isso não concerne à virtude de que tratamos, senão só fazer–nos conviver agradavelmente com os outros. Logo, tal virtude não faz parte da justiça.

2. Demais. – Segundo o Filósofo, esta virtude versa sobre o prazer ou a tristeza que têm lugar no convívio com os outros. Ora, moderar os prazeres excessivos é próprio da temperança, como se estabeleceu. Logo, esta virtude faz parte antes da temperança que da justiça.

3. Demais – É contra a justiça das coisas iguais a desiguais, como se estabeleceu. Ora, como diz o Filósofo, a virtude em questão versa tanto sobre conhecidos como sobre desconhecidos, tanto praticamos para com os com quem convivemos como para com os com quem não convivemos. Logo, esta virtude não faz parte da justiça, mas antes, ao contrário.

Mas, em contrário, Macróbio considera a amizade como parte da justiça.

SOLUÇÃO. – Esta virtude faz parte da justiça, por lhe estar anexa, como à virtude principal. Pois, tem de comum com a justiça o ser, como ela, relativa a terceiro. Mas, separa–se da ideia de justiça por não implicar a noção plena de débito, que obriga um para com outro pelo débito legal, cujo pagamento a lei obriga; nem por qualquer outro débito resultante de algum benefício recebido; mas só concerne a um débito de honestidade, dependente mais da parte que possui essa virtude, do que de outrem, e que o leva a lhe fazer ao outro o que a si mesmo quer que lho faça.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como se disse, sendo o homem um animal naturalmente social tem o dever de honestidade de manifestar aos outros a verdade, sem a qual não pode perdurar a sociedade humana. Pois, como o homem não pode viver em sociedade sem a verdade, assim também não o pode sem o prazer; pois, conforme diz o Filósofo, ninguém poderia nem sequer por um dia conviver com um homem triste, nem com o que se afasta do prazer. Por isso, estamos obrigados, por um dever de honestidade, a conviver agradavelmente com os outros; salvo se por alguma causa se já necessário às vezes contristá–los,

RESPOSTA À SEGUNDA. – À temperança pertence refrear os prazeres sensíveis. Ora, a virtude de que tratamos versa sobre os prazeres ela convivência, fundados na razão, que leva um a se portar convenientemente para com os outros. Ora, não é necessário refreá–los, a tais prazeres, como se fossem nocivos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – As palavras citadas do Filósofo não se devem entender como significando que devemos conviver do mesmo modo com os conhecidos como com os desconhecidos. Pois, como acrescenta no mesmo lugar, não devemos ter as mesmas atenções com os amigos que com os estranhos, ou do mesmo modo contristá–los. Mas, devemos levar em conta, nesta matéria, o preceito de tratar cada qual segundo o exigem as conveniências.

Art. 1 – Se a amizade é uma virtude especial.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a amizade não é uma virtude especial.

1. – Pois, o Filósofo diz, que a amizade perfeita se funda na virtude. Ora, qualquer virtude é causa da amizade, pois, todos amam o bem, como diz Dionísio. Logo, a amizade não é uma virtude especial, mas, a consequência de toda virtude.

2. Demais. – O Filósofo diz de uma determinada espécie de amigo, que não é nem por amor, nem por ódio que se determina a receber as causas como convém. Ora, mostramos sinais de amizade para com aqueles que não amamos constitui simulação, que repugna à virtude. Logo, essa forma de amizade não é virtude.

3. Demais. – A virtude consiste numa mediedade, como a determinara o sábio, segundo Aristóteles. Ora, a Escritura diz: O coração dos sábios está onde se acha a tristeza, e o coração dos insensatos, onde se acha a alegria; por onde, o virtuoso sobretudo deve abster–se do prazer, como diz Aristóteles. Ora, a amizade de que se trata faz os amigos buscarem o prazer mútuo e evitarem de se contristar, no dizer do Filósofo. Logo, tal amizade não é virtude.

Mas, em contrário. – Os preceitos da lei são dados para regular os atos virtuosos. Ora, a Escritura diz: Faze–te afável ao ajuntamento dos pobres. Logo, a afabilidade, na questão vertente, chamada amizade, é uma virtude especial.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos a virtude, ordenando–se para o bem a uma ideia especial de bem, necessariamente corresponde uma ideia especial de virtude. Ora, o bem consiste na ordem, como dissemos. Logo, na convivência geral, havemos de nos ordenar convenientemente para os outros, tanto pelas nossas obras como pelas nossas palavras, comportando–nos para com cada um conforme ele o exige. E portanto deve haver uma virtude especial que observe essa conveniência de ordem. E essa se chama amizade ou afabilidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Filósofo, no lugar aduzido, trata de duas espécies de amizade. – Uma consiste principalmente no afeto com que um ama a outro. E essa pode ser resultante de qualquer virtude. Quanto ao que respeita à essa espécie de amizade, já o dissemos ao tratar da caridade. –­ Mas há outra espécie de amizade que consiste só em palavras ou. atos externos. Essa não realiza a ideia perfeita de amizade, mas uma certa semelhança dela, que consiste em nos portarmos convenientemente para com aqueles com quem convivemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Por um amor universal todo homem é naturalmente amigo de outro; como também o diz a Escritura: Todo animal ama o seu semelhante. E esse amor o representam os sinais de amizade, que manifestamos exteriormente por palavras ou obras, mesmo para com os estranhos ou desconhecidos. Portanto, não há aí simulação. Pois, não lhes manifestamos sinais de perfeita amizade; porque não nos comportamos familiarmente para com os estranhos, como o fazemos para com aqueles aos quais estamos unidos por uma amizade especial.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando a Escritura diz que o coração dos sábios está onde se acha a tristeza, não quer significar que o sábio infunda a tristeza no próximo. Pois, diz o Apóstolo: Se por causa da comida entristeces tu a teu irmão, já não andas segundo a caridade. Mas, a Escritura quer dizer que levemos a consolação aos tristes, segundo aquele outro lugar: Não faltes a consolar os que se achem em pranto e andam com os que choram. Quanto ao coração dos insensatos, ele está onde demora a alegria, não para alegrar os outros, mas, para gozar da alegria deles. Por onde, é próprio do sábio causar prazer aqueles com quem vive; não o lascivo, que a virtude condena, mas o honesto, segundo aquilo da Escritura: Ó quão bom e quão suave é habitarem os irmãos em união. Mas, às vezes, por conseguir um bem ou excluir algum mal, não evitará o virtuoso contristar aqueles com quem convive, como adverte o Filósofo. Por isso, diz o Apóstolo: Ainda que vos entristeci com a minha carta, não me arrependo disso. E em seguida: Folgo, não de vos haver entristecido, mas de que a Vossa tristeza vos trouxe à penitência. Por onde, aos que são propensos ao pecado não lhes devemos fazer rosto agradável para o agradar não pareça que lhes consentimos no pecado e de certo modo lhes insuflemos a audácia no pecar. Donde o dizer da Escritura: Tens filhas? Conserva a pureza dos seus corpos e não mostres para elas o teu rosto risonho.

Art. 2 – Se a ironia é pecado menor que a jactância.

O segundo discute–se assim. – Parece que a ironia não é menor pecado que a jactância.

1. – Pois ambas são pecados por se desviarem da verdade, que é uma igualdade. Ora, da igualdade não se afasta menos quem a ultrapassa do que quem não a atinge. Logo, a ironia não é menor pecado que a jactância.

2. Demais. – Segundo o Filósofo, a ironia às vezes é jactância. Ao passo que a jactância não é ironia. Logo, a ironia não é menor pecado que á jactância.

3. Demais. – A Escritura diz: Quando te falar num tom humilde, não te fies dele, porque tem sete malícias no seu coração. Ora, falar em tom humilde é próprio da ironia. Logo, há nela muita maldade.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que os ir irónicos e os que a si se tem em pouca conta são mais suportáveis no ponto de vista moral.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, uma mentira é mais grave que outra, às vezes, pela matéria que a constitui; assim, a mentira que recai sobre o ensino da religião é a gravíssima. Outras vezes, porém, pelo motivo do pecado; assim, a mentira perniciosa: é mais grave que a oficiosa e a jocosa. Ora, a ironia e a jactância têm o mesmo objeto, quer o sejam por palavras, quer por quaisquer sinais externos; e esse objeto é a condição ela pessoa. E por aí são iguais. Mas, mais frequentemente a jactância procede de um motivo mais vergonhoso, a saber, do apetite do lucro ou das honras; ao passo que a ironia, de evitar, embora desordenadamente, molestar os outros pela altaneria. E, por isso o Filósofo diz, que a jactância é mais grave pecado que a ironia. – Mas, pode acontecer às vezes que alguém se finja: diminuído, por algum outro motivo; por exemplo, para enganar com o dolo. E então a ironia é mais grave.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção colhe relativamente à ironia e à jactância, considerada a gravidade da mentira em si mesma ou na sua matéria. Pois, nesse sentido dissemos que tem igualdade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Há duas sortes de excelência: uma, na ordem temporal; outra, na espiritual. Pois, acontece às vezes que certos ostentam, por palavras exteriores ou por sinais, penúria de bens externos, como de vestes ou de coisas semelhantes, para assim, mostrar alguma excelência espiritual. Tal o caso daqueles de quem diz o Senhor, que desfiguram os seus rostos para fazer ver aos homens, que jejuam. Por isso esses praticam simultaneamente o vício da ironia e da jactância, embora a luzes diversas; e portanto pecam mais gravemente. Donde o dizer o Filósofo, que é próprio dos jactanciosos ter–se em grande como em pequena conta. E por isso se lê de Agostinho, que não queria ter vestes nem demasiado preciosas nem em excesso abjetas, porque de ambos esses medos os homens buscam a própria glória.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz a Escritura, tal há que se humilha maliciosamente e o seu interior está cheio de dolo. E Salomão se refere, com essas palavras, ao que fala em tom humilde, maliciosamente, por dolosa humildade.

Art. 1 – Se a ironia, pela qual simulamos ser menos do que somos, é pecado.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a ironia, pela qual simulamos ser menos do que somos, não é pecado.

1. – Pois, nenhum pecado resulta da nossa união com Deus, da qual procede o dizermos de nós, menos do que somos, conforme à Escritura: Visão que expôs um varão com quem está Deus e que, tendo sido confortado pela assistência de Deus que reside nele, disse: Eu sou o mais insensato dos homens. E noutro lugar: Respondeu Amós: Eu não sou profeta. Logo, a ironia, pela qual dizemos de nós menos do que somos, não é pecado.

2. Demais. – Gregório diz: É próprio das almas boas reconhecerem–se culpadas quando não há ocasião de culpas. Ora, todo pecado repugna à bondade da alma. Logo, a ironia não é pecado.

3. Demais. – Fugir da soberba não é pecado. Ora, certos dizem de si menos do que são para evitar a soberba, segundo o Filósofo. Logo, a ironia não é pecado.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Mentindo por humildade tu te tornas pecador, se já não o eras antes de mentires.

SOLUÇÃO. – De dois modos podemos dizer de nós, menos do que realmente somos. – De um modo, salvando a verdade, quando calamos o que há em nós de melhor, e revelando o que temos de menos bom e que verdadeiramente em nós reconhecemos existir. Por onde, dizer de nós, menos do que somos, não constitui ironia nem é genericamente pecado, salvo por alguma circunstância que torne mau esse ato. – De outro modo, dizemos de nós, menos do que somos, faltando à verdade; por exemplo, afirmando termos um mal que em nós não reconhecemos; ou quando negamos algum grande bem de que temos a consciência de possuir. O que constitui ironia, e é sempre pecado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Há duas sortes de sabedoria e de estultice. ­ Há uma sabedoria que é conforme a Deus, e que vai de conjunto com a estultice humana ou mundana, segundo àquilo do Apóstolo: Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça–se insensato para ser sábio. – Mas, outra é a sabedoria mundana que, como no mesmo lugar se diz, é estultice perante Deus. – Ora, quem é confortado pela assistência divina, confessa–se como estultíssimo conforme à reputação que os homens lhe fazem; porque despreza as coisas mundanas, que busca a sabedoria 40s homens. Por isso, acrescenta a Escritura – A sabedoria dos homens não está comigo; e logo a seguir: E conheci a ciência dos santos. – Ou podemos chamar sabedoria dos homens a que adquirimos pela razão; e sabedoria dos santos a que alcançamos por inspiração divina. – Quanto a Amós, negou ser profeta de origem, por não ser da raça dos profetas, como no mesmo lugar se diz: Nem filho de profeta.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A bondade de alma é própria fazer–nos buscar a perfeição da justiça. Por isso, a alma boa considera–se culpada, não só se claudica contra a justiça comum, o que é verdadeiramente culpa; mas também se claudica contra a perfeição da justiça, o que às vezes não é culposo. Mas, ela não se atribui uma culpa que em si não reconhece o que constituiria a mentira da ironia.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Não devemos cometer um pecado para evitar outro. Por isso não devemos de nenhum modo mentir para evitar a soberba. Por isso Agostinho diz: Que o temor do orgulho não vos faça abandonar a verdade. E Gregório: Não são dotados de sabedoria os humildes que se deixam cair nos laços da mentira.

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