Category: Santo Tomás de Aquino
O oitavo discute-se assim. – Parece que a caridade nesta vida não pode ser perfeita.
1 – Pois, a máxima perfeição dos Apóstolos foi a caridade, que, contudo não foi perfeita, conforme o diz a Escritura: Não que a tenha eu já alcançado, ou que seja já perfeito. Logo, a caridade nesta vida não poda ser perfeita.
2. Demais. – Agostinho diz: o alimento da caridade é a diminuição da cobiça; ora, onde há caridade perfeita, não pode haver cobiça. Mas, isto é impossível na vida presente, em que não podemos viver sem pecado, conforme a Escritura: Se dissermos que estamos sem pecado, nós mesmos nos enganarmos. Ora, todo pecado procede de alguma cobiça, desordenada. Logo, nesta vida não pode haver caridade perfeita.
3. Demais. – O que já é perfeito não pode crescer mais. Ora, a caridade nesta vida pode aumentar sempre, como já dissemos. Logo, não pode, nesta vida, ser perfeita.
Mas, em contrário, Agostinho diz: A caridade, quando fortificada, aperfeiçoa-se; e, chegada à perfeição, diz: Desejo dissolver-me e estar com Cristo. Ora, isto é possível na vida presente, como o foi para Paulo. Logo, nesta vida pode haver caridade perfeita.
SOLUÇÃO. – De dois modos se pode entender a perfeição da caridade: em relação ao objeto amado e em relação ao amante. - Em relação ao objeto amado, a caridade é perfeita quando o amamos tanto quanto ele merece. Ora, Deus é tanto amável quanto é bom. E sendo a sua bondade infinita, é infinitamente amável. Mas, sendo toda virtude criada, finita, nenhuma criatura pode amá-lo infinitamente. E portanto deste modo, a caridade de nenhuma criatura pode ser perfeita, mas, só a de Deus, pela qual se ama a si mesmo.
Em relação ao amante, a caridade é perfeita quando ama o quanto pode. O que é possível de três modos. - Primeiro, quando o homem sempre e atualmente busca a Deus, com todo o seu coração. E esta é a perfeição da caridade no céu, impossível nesta vida, onde, foi causa das misérias dela, não podemos pensar sempre e atualmente em Deus e buscá-lo com amor. - De outro modo, quando o homem põe todo o seu esforço em buscar a Deus e as coisas divinas, deixando de parte tudo o mais, salvo o exigido pelas necessidades da vida presente. E tal é a perfeição da caridade possível nesta vida, mas que não é comum em todos que tem caridade. - De um terceiro modo, enfim, quando habitualmente o homem põe toda a sua mente em Deus, de maneira a não pensar nem querer nada contrário ao divino amor. E essa perfeição é comum a todos, os que tem caridade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Apóstolo nega que tenha a perfeição da pátria. Donde o dizer a Glosa: como viandante era perfeito, mas sem ainda ter chegado à perfeição de quem já atingiu o fim da via.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Agostinho assim se expressa, por causa dos pecados veniais, que não contrariam ao hábito, mas, ao ato da caridade; e assim, não repugnam à perfeição da via, mas à da pátria.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A perfeição desta vida não é a absoluta, e portanto pode crescer sempre.
O sétimo discute-se assim. – Parece que a caridade não aumenta ao infinito.
1. – Pois, todo movimento tende para um fim ou termo, como diz Aristóteles: Ora, o aumento da caridade é um movimento. Logo, tende para algum fim e termo e, portanto, a caridade não aumenta ao infinito.
2. Demais. – Nenhuma forma excede a capacidade do seu sujeito. Ora, a capacidade da criatura racional, que é o sujeito da caridade, é finita. Logo, a caridade não pode aumentar ao infinito.
3. Demais. – Todo finito pode, por um aumento contínuo, igualar a quantidade de outro infinito, embora maior; salvo, se o que acrescer, pelo aumento, for cada vez menor. Assim, como diz o Filósofo, se se acrescentar a uma linha o subtraído a outra, dividida ao infinito, a adição feita, ao infinito, não atingirá nunca a uma determinada quantidade, composta de duas linhas, a saber - a dividida e aquela à qual se acrescenta o subtraído à outra. Ora, isto não se dá no caso vertente; pois, não é necessariamente o segundo aumento da caridade menor que o primeiro; mas, é mais provável seja igualou maior. Por onde, sendo finita a caridade, na pátria, se a desta vida pudesse aumentar ao infinito, resultaria que esta última poderia igualar-se à da pátria, o que é inadmissível. Logo, a caridade desta vida não pode aumentar ao infinito.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Não que a tenha eu já alcançado, ou que seja já perfeito; mas eu prossigo para ver se de algum modo poderei alcançar. Ao que diz a Glosa: Nenhum fiel, embora muito adiantado em perfeição diga: Basta-me. Pois, quem o disser, sairá do caminho antes do fim. Logo, nesta vida a caridade pode sempre e cada vez mais aumentar.
SOLUÇÃO. – De três modos podemos impor um limite ao aumento de uma forma. Primeiro, relativamente à essência mesma da forma, que tem uma determinada medida, e esta, uma vez atingida, não pode ser ultrapassada; pois, se o for, essa forma se transformará em outra.
Assim, quem, por contínua alteração, ultrapassar os limites da cor amarela, chegará à cor branca ou à preta. De outro modo, relativamente ao agente, cuja virtude não pode aumentar ulteriormente a forma do sujeito. Em terceiro lugar, relativamente ao sujeito, que não é capaz de uma perfeição mais ampla.
Ora, de nenhum destes modos, pode ser imposto um limite ao aumento da caridade, nesta vida. Pois, a caridade, em si mesma, pela sua essência específica, não tem limites no seu aumento; pois, é uma participação da caridade infinita, o Espírito Santo. Semelhantemente, a causa do aumento da caridade, que é Deus, tem infinita virtude. Também relativamente ao sujeito, não se pode estabelecer nenhum termo ao aumento da caridade; pois, sempre, o seu aumento. é acompanhado da capacidade para um aumento ulterior. Donde se conclui, que ao aumento da caridade não se pode fixar nenhum limite, nesta vida.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O aumento da caridade é em vista de um fim, que não está nesta vida, mas, na futura.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A capacidade da criatura racional aumenta com a caridade, porque esta dilata o coração, conforme a Escritura. O nosso coração se tem dilatado. E, por isso, ainda permanece, ulteriormente, a capacidade para maior aumento.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe em relação às coisas que tem quantidade da mesma natureza, e não, às que a tem de natureza diversa; assim, uma linha, por mais que cresça, não atinge à quantidade da superfície. Ora, a caridade desta vida, que é consequência do conhecimento da fé, não tem quantidade da mesma natureza que a caridade da pátria, resultante da visão clara. Por onde, a objeção não colhe.
O sexto discute-se assim. – Parece que a caridade aumenta com qualquer ato da mesma.
1. – Pois, o que pode o mais pode o menos. Ora, qualquer ato de caridade pode merecer a vida eterna, a qual é mais que um simples aumento de caridade, por a vida eterna incluir a perfeição da mesma. Logo, com maior razão, qualquer ato de caridade a aumenta.
2. Demais. – Assim como o hábito das virtudes adquiridas é gerado pelos seus atos, assim também o aumento da caridade é causado pelos atos da mesma. Ora, qualquer ato virtuoso contribui para gerar a virtude. Logo, também qualquer ato de caridade contribui para o aumento da mesma.
3. Demais. – Gregório (isto é Bernardo), diz, que parar, na busca de Deus, é retroceder. Ora, ninguém, que seja movido pelo ato da caridade, retrocede. Logo, quem é levado por esse ato, progride, no caminhar para Deus. Portanto, a caridade aumenta com qualquer ato da mesma.
Mas, em contrário, o efeito não excede a virtude da causa. Ora, às vezes, praticamos certos atos de caridade com tibieza ou intermitência. E esses, portanto, não conduzem a uma caridade mais perfeita, mas antes, a uma menos perfeita.
SOLUÇÃO. – O aumento da caridade espiritual é, de certo modo, semelhante ao crescimento corpóreo. Ora, o crescimento corpóreo, nos animais e nas plantas, não é um movimento contínuo, de modo que se o corpo cresceu tanto, num determinado tempo, houvesse, por força, de crescer, proporcionalmente, em cada parte do tempo, como se dá com o movimento local. Mas a natureza obra, durante um certo tempo dispondo para o aumento, e nada operando em ato; e, em seguida, produz no efeito aquilo para o que o dispusera, aumentando, em ato, o animal ou a planta. Assim também, a caridade aumenta não por qualquer ato da mesma; mas, qualquer ato dispõe para o aumento da caridade, tornando, quem dela pratica um ato, mais pronto para agir, em seguida, caridosamente. E, desenvolvendo-se-lhe o hábito, o homem prorrompe em atos mais fervorosos de amor, pelos quais se esforça por progredir na caridade; e então esta aumenta em ato.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Qualquer ato de caridade merece a vida eterna, não imediatamente outorgada, mas a seu tempo. Semelhantemente, qualquer ato de caridade merece o aumento da mesma, que, porém, não aumenta imediatamente, mas, quando nos esforçamos por obter esse aumento.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Mesmo em relação à virtude adquirida, qualquer ato não causa a geração dela; mas obra, dispondo, para ela; e o último ato, que é o mais perfeito e opera em virtude de todos os atos precedentes, a atualiza. O mesmo se dá com as muitas gotas que cavam uma pedra.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Progredimos no amor de Deus, não só quando a nossa caridade aumenta atualmente, mas também quando estamos dispostos para esse aumento.
O quinto discute-se assim. – Parece que a caridade aumenta por adição.
1. – Pois, como o aumento quantitativo corpóreo, assim, o virtual. Ora, a quantidade corpórea aumenta pela adição; pois, como diz o Filósofo, o aumento é a adição a uma grandeza preexistente. Logo, também o aumento da caridade, que é a quantitativa virtual, se realiza por adição.
2. Demais. – A caridade é um como lume espiritual da alma, conforme aquilo da Escritura: O que ama a seu irmão permanece na luz. Ora, a luz cresce no ar por adição, como cresce numa casa, quando se acende mais uma lâmpada. Logo, também a caridade cresce na alma por adição.
3. Demais. – Aumentar a caridade e causá-la pertence a Deus, conforme a Escritura: Aumentará os acrescentamentos dos frutos da vossa justiça. Ora, infundindo a caridade, pela primeira vez, Deus produz na alma o que antes nela não existia. Logo, também, aumentando-a, causa na alma um efeito antes nela não existente. Logo, a caridade aumenta por adição.
Mas, em contrário, a caridade é uma forma simples. Ora, o simples acrescentado ao simples não produz nenhum efeito maior, como o prova Aristóteles, Logo, a caridade não aumenta por adição.
SOLUÇÃO. – Toda adição implica o acréscimo de uma coisa a outra; por isso, antes de toda adição, importa, pelo menos, distinguir os elementos acrescentados um ao outro. Se, pois, a caridade se acrescenta à caridade, devemos distinguir, primeiro, a acrescentada, como distinta da outra, que recebe o acréscimo. Essa distinção não há de por certo e necessariamente, existir na realidade corpórea: mas, deve ao menos existir na razão. Pois, Deus poderia aumentar a quantidade corpórea acrescentandolhe uma grandeza não preexistente, mas criada no momento; e essa, embora, antes, não tivesse existência, como ser da natureza, teria, em si, fundamento, por onde pudéssemos distinguíla da quantidade a que foi acrescentada. Se portanto, a caridade pode ser acrescentada à caridade, é mister pressupor, ao menos racionalmente, a distinção entre uma e outra caridade.
Ora, as formas são susceptíveis de dupla distinção: uma específica; outra, numérica. A distinção específica dos hábitos depende da diversidade dos seus objetos: e a numérica, da diversidade do sujeito. Por onde, pode um hábito aumentar por adição, por vir a abranger certos objetos que, antes, não abrangia. Assim, a ciência da geometria aumenta em quem vem a conhecer verdades geométricas, que antes não conhecia. Ora, tal não se pode dizer da caridade, pois, embora mínima, abrange tudo o que deve amar. Logo, não se pode admitir uma adição dessa espécie, no aumento da caridade, pressupondo-se a distinção específica entre a caridade acrescentada e a que recebe o acréscimo.
Resta, pois, se pode a caridade adicionarse à caridade, que essa adição se fará, pressuposta a distinção numérica, fundada na diversidade dos sujeitos. Assim, a brancura aumenta, acrescentando-se um corpo branco a outro branco, embora daí não resulte um terceiro corpo mais branco. Ora, tal não se pode admitir, no caso vertente, porque o sujeito da caridade não pode ser outro senão o espírito racional. Por onde, esse aumento da caridade não poderia dar-se senão pelo acréscimo de um espírito racional a outro, o que é impossível. Mas, ainda que possível, esse aumento tornaria maior o amante mas não, mais amante. Logo, resta que de nenhum modo a caridade pode aumentar adicionando-se uma caridade a outra, como certos ensinam.
Portanto, a caridade aumenta só pelo sujeito participar dela cada vez mais, isto é, por sujeitar-se cada vez mais à sua ação e cada vez mais dela fazer-se dependente. Pois, este é o modo de aumento próprio de uma forma dotada de intensidade porque a essência de tal forma consiste em unir-se totalmente ao sujeito que a recebe. Por onde, como a grandeza de um ser resulta da sua essência, o tornar-se maior uma forma é unir-se mais intimamente ao sujeito que a recebe e não, o se lhe acrescentar outra forma. Este último caso se daria se a forma tivesse alguma quantidade, em si mesma, e não, relativamente ao sujeito. Assim, pois, a caridade aumenta por aplicar-se com intensidade ao sujeito, o que é aumentar essencialmente, e não, por acrescentar-se uma caridade à outra.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A quantidade corpórea, como tal, tem uma propriedade; e enquanto forma acidental, outra. Enquanto quantidade é lhe próprio ter uma distinção local ou numérica. E, assim, a esta luz é que se considera o aumento da grandeza por adição, como se dá com os animais. Mas, enquanto forma acidental, a quantidade é susceptível de distinção só relativamente ao sujeito. E assim, pode receber um aumento próprio, como as outras formas acidentais, Conforme a sua intensidade no sujeito; o que bem se vê nos corpos que se rarefazem, segundo o prova Aristóteles. Semelhantemente, a ciência é susceptível de quantidade, como hábito que é no concernente ao seu objeto: e assim, aumenta por adição, quando conhecemos várias coisas. Também é susceptível de quantidade, enquanto forma acidental, por existir em um sujeito; e assim, aumenta quando conhecemos de maneira mais certa os mesmos objetos, que antes conhecíamos. Do mesmo modo, também a caridade é susceptível de dupla quantidade. Mas pela relativa ao objeto, não aumenta, como dissemos. Donde se conclui que só aumenta na sua intensidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Pode-se entender que a causa de se adicionar uma luz à outra, no ar, é a diversidade das fontes luminosas que a produzem. Ora, essa distinção não tem lugar no caso vertente, por não haver senão uma fonte luminosa donde flui o lume da caridade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A infusão da caridade implica uma certa mudança consistente em vir-se a ter uma caridade que não se tinha. E assim, veio a ser acrescentado o que, antes, não estava infuso. Ao passo que o aumento da caridade implica uma mudança de mais para menos. Por onde, não é necessário exista na alma uma realidade que, antes, nela não existia, mas, que exista mais intensamente o que, antes, menos intensamente existia. E é o que faz Deus, quando aumenta a caridade, fazendo que exista mais intensamente na alma e que esta participe de maneira mais perfeita a semelhança do Espírito Santo.
O quarto discute-se assim. – Parece que a caridade não pode aumentar.
1 – Pois, só aumenta o que tem quantidade que pode ser dimensiva ou virtual. Ora, aquela não convém à caridade, que é uma perfeição espiritual. Por outro lado, a quantidade virtual se funda no objeto: e relativamente a este a caridade não cresce, porque uma caridade mínima ama tudo o que deve ser amado pela caridade. Logo, a caridade não aumenta.
2. Demais. – O que está no termo não pode receber aumento. Ora, a caridade está no termo, pois, é a maior das virtudes e o sumo amor do bem ótimo, Logo, a caridade não pode aumentar .
3 Demais. – Aumento é movimento. Logo, o que aumenta se move; e, portanto, o que aumenta essencialmente se move essencialmente. Mas não se move essencialmente senão o que é susceptível de corrupção ou de geração. Logo, a caridade não pode aumentar essencialmente, salvo se de novo gerar-se e corromper-se, o que é inadmissível.
Mas, em contrário, diz Agostinho: a caridade merece aumentar para que, aumentada, também mereça aperfeiçoar-se.
SOLUÇÃO. – A caridade, na via, pode aumentar. Pois, somos viandantes, por tendermos para Deus, fim último da nossa felicidade. Ora, nesta via, tanto mais progredimos quanto mais nos aproximamos de Deus; e dele não nos aproximamos pelos passos do corpo, mas, pelos afetos da mente. Mas, é a caridade que opera essa aproximação, pois, por ela o nosso espírito se une a Deus. Por onde, a caridade desta via é, por natureza, susceptível de aumento; pois, se não o fosse, cessaria o nosso progredir na via. Por isso, o Apóstolo lhe chama via à caridade, dizendo: Ainda vou a mostrar-vos outra via mais excelente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A caridade não cabe a quantidade dimensiva, mas só a virtual. E esta depende, não só do número dos objetos, de modo que os amemos em maior ou menor número; mas também da intensidade do ato, de modo a os amarmos mais ou menos. E neste sentido a quantidade virtual da caridade pode aumentar.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A caridade é a suma virtude, pelo seu objeto, que é o sumo bem; donde resulta ser a excelentíssima das virtudes. Mas nem toda caridade é virtude suma, quanto à intensidade do ato.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Alguns disseram que a caridade não pode aumentar na sua essência, mas só quanto à sua radicação no sujeito, ou ao fervor. - Mas estes ignoravam a própria opinião. Pois, sendo a caridade um acidente, tem, por essência, o existir noutro ser. Por onde, o seu aumento, em essência, não é mais do que ser mais estreitamente existente no sujeito, o que é nele radicar-se mais fundo. E também, essencialmente, é uma virtude ordenada ao ato. Por onde, o mesmo é aumentar ela em essência, que ter eficácia para produzir atos de amor mais fervoroso. Logo, pode aumentar essencialmente; não por começar ou deixar de existir no sujeito, caso em que a objeção colheria; mas por começar a existir mais estreitamente nele.
A terceira discute-se assim. – Parece que a caridade é infundida conforme a capacidade das faculdades naturais.
1 – Pois, como diz a Escritura, deu a cada um segundo a sua capacidade. Ora, nenhuma virtude, senão a natural, precede, no homem, à caridade; porque sem a caridade não há nenhuma virtude, como já se disse. Logo, segundo a capacidade da virtude natural, Deus infunde no homem a caridade.
2. Demais. – Em todas as coisas ordenadas umas para as outras, a que está em segundo lugar é proporcionada a que está em primeiro. Assim, vemos, na ordem natural, a forma proporcionar-se à matéria; e, na ordem dos dons gratuitos, a glória proporcionar-se à graça. Ora, a caridade, sendo a perfeição da natureza, está para a capacidade natural, como o que é segundo está para o que é primeiro. Logo, parece que a caridade é infundida segundo a capacidade das faculdades naturais.
3. Demais. – O homem e o anjo participam da caridade do mesmo modo, porque, em ambos, a felicidade tem a mesma natureza, segundo se lê na Escritura. Ora, aos anjos a caridade e os outros dons gratuitos foram-lhes conferidos segundo a capacidade das faculdades naturais deles, como diz o Mestre das Sentenças. Logo, parece que também o mesmo há se de dar com os homens.
Mas, em contrário, a Escritura: O Espírito assopra onde quer; e Todas estas coisas obra só um e ao mesmo Espírito, repartindo a cada um como quer. Logo, a caridade é dada, não segundo a capacidade das faculdades naturais, mas segundo a vontade do Espírito que distribui os seus dons.
SOLUÇÃO. – A grandeza do efeito depende da sua causa própria, pois, quanto mais universal for a causa tanto maior será o seu efeito. Ora, a caridade, sobre excedendo à capacidade da natureza humana, como já dissemos, não depende de nenhuma virtude natural, mas só da graça do Espírito Santo infusor. Por onde, a sua grandeza não depende da condição da natureza, ou da capacidade da virtude natural, mas só da vontade do Espírito Santo, que distribui os seus dons como quer. Por isso, diz a Escritura: cada um de nós foi dada a graça, segundo a medida do dom de Cristo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A virtude segundo a qual Deus distribui os seus dons a cada um, é uma disposição ou preparação precedente, ou um conato de quem recebe a graça. Mas, mesmo essa disposição ou esse conato são preparados pelo Espírito Santo, que, segundo a sua vontade, move mais ou menos a mente humana. Por isso, o Apóstolo diz: Que nos fez dignos de participar da sorte dos santos em luz.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A forma não excede a capacidade da matéria, mas são do mesmo gênero. Semelhantemente, a graça e a glória referem-se ao mesmo gênero; porque a graça não é senão um começo da glória em nós. A caridade, porém, e a natureza não pertencem ao mesmo gênero. Logo, a comparação não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O anjo tem uma natureza intelectual e, segundo a sua condição, é lhe próprio tender de maneira total, para o seu objeto, como já estabelecemos. Por onde, nos anjos superiores foi maior o conato para o bem, nos que perseveravam, e para o mal, nos que caíram. Por isso, os anjos superiores, que perseveraram, tornaram-se melhores que os outros; e os que caíram piores. Mas o homem tem uma natureza racional a que é próprio estar, ora em potência, ora em ato. Portanto, não tende totalmente para nenhum objeto: mas, os que tem melhores capacidades naturais podem ter menor o conato, e inversamente. Logo, a comparação não colhe.
O segundo discute-se assim. – Parece que a caridade não é causada em nós por infusão.
1. – Pois, o que é comum a todas as criaturas existe naturalmente no homem. Ora, como diz Dionísio, todos tem dilecção e amor pelo bem divino, objeto da caridade. Logo, a caridade existe em nós naturalmente e não por infusão.
2. Demais. – Quanto mais amável é um ser, tanto mais facilmente pode ser amado. Ora, Deus, sendo o sumo bem, é amável por excelência. Logo, é mais fácil amá-lo a ele que aos outros seres. Ora, para amar aos outros não precisamos de nenhum hábito infuso. Portanto, também não o precisamos para amar a Deus.
3. Demais. – O Apóstolo diz: O fim do preceito é a caridade nascida de um coração puro, e duma boa consciência e duma fé não fingida. Ora, esses três elementos pertencem aos atos humanos. Logo, a caridade é causada em nós por atos precedentes e não, por infusão.
Mas, em contrário, o Apóstolo: A caridade de Deus esta derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, caridade é amizade entre Deus e o homem, fundada na comunicação da felicidade eterna. Ora, essa comunicação não se faz provocada por dons naturais, mas gratuitamente, conforme ao Apóstolo: A graça de Deus é a vida perdurável. Por onde a caridade excede a capacidade da natureza. Ora, o que a excede não pode ser natural, nem adquirido pelas potências naturais, porque um efeito natural não transcende a sua causa. Por isso a caridade não pode existir em nós naturalmente, nem ser adquirida por virtudes naturais, mas por infusão do Espírito Santo, que é o amor do Pai e do Filho, e cuja participação em nós é a caridade criada como já dissemos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Dionísio se refere ao amor de Deus, fundado na comunicação dos bens naturais, que, portanto, existe naturalmente em todos. Ora, a caridade se funda numa comunicação sobrenatural, E portanto, a comparação não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Deus é, em si mesmo considerado, o ser cognoscível por excelência, embora não o seja por nós, por causa da deficiência do nosso conhecimento, dependente das coisas sensíveis. Assim também, Deus é, em si mesmo, amável por excelência, enquanto objeto da felicidade; mas, do mesmo modo, não é para nós o ser amável sobre todas as coisas, por causa da inclinação do nosso afeto para os bens visíveis. Por onde, para amarmos a Deus sobre todas as coisas, é necessário seja infundida a caridade nos nossos corações.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando o Apóstolo diz, que a caridade procede em nós de um coração puro, e duma boa consciência e de uma fé não fingida, quer referir-se ao ato de caridade provocado pelas causas já referidas. Ou também pode querer dizer, que tais atos dispõem o homem para receber a infusão da caridade. E o mesmo também devemos dizer do lugar de Agostinho: o temor introduz a caridade; e do que diz a Glosa, que a fé gera a esperança e a esperança, a caridade.
O primeiro discute-se assim. – Parece que a vontade não é o sujeito da caridade.
1. – Pois, caridade é amor. Ora, o amor, segundo o Filósofo, reside no concupiscível. Logo, também a vontade tem o seu sujeito no concupiscível, e não na vontade.
2. Demais. – A caridade é das virtudes, a principal. Ora, o sujeito da virtude é a razão. Logo, parece que o sujeito da caridade também é a razão e não a vontade.
3. Demais. – A caridade estende-se a todos os atos humanos, conforme a Escritura: Todas as vossas obras sejam feitas em caridade. Ora, o princípio dos atos humanos é o livre arbítrio. Logo, parece que a caridade tem principalmente como sujeito o livre arbítrio e não a vontade.
Mas, em contrário, o objeto da caridade é o bem, também objeto da vontade. Logo, a caridade tem o seu sujeito na vontade.
SOLUÇÃO. – Há duas sortes de apetite: o sensitivo e o intelectual, chamado vontade, como já estabelecemos na Primeira Parte. E ambos tem por objeto o bem, mas diversamente. Pois o objeto do apetite sensitivo é o bem apreendido pelo sentidos; e o do apetite intelectual ou vontade o bem sob uma noção gera, como é apreendido pelo intelecto. Ora, o objeto da caridade não é nenhum bem sensível, mas o bem divino, conhecido só pelo intelecto. Por onde, o sujeito da caridade não é o apetite sensitivo, mas o intelectual, isto é, a vontade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O concupiscível faz parte do apetite sensitivo, não porém o apetite intelectual, como já dissemos na Primeira Parte. Por onde, o amor, existente no concupiscível é o amor do bem sensível. Ora, não pode o concupiscível estender-se ao bem divino, que é inteligível, mas só à vontade. Logo, o concupiscível não pode ser sujeito da caridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Também a vontade, segundo o Filósofo, está na razão. Por isso, residindo a caridade na vontade, não é alheia à razão. Contudo, esta não é a regra da caridade, como o é das virtudes humanas; mas ela é regulada pela sabedoria de Deus a excede a regra da razão humana, conforme a Escritura. A caridade de Cristo, que excede todo o entendimento. Por onde, como a prudência, a caridade não tem na razão o seu sujeito; nem como sendo ela a sua regra, como o é da justiça ou da temperança; mas só por uma certa afinidade entre a vontade e a razão.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O livre arbítrio não é uma potência diferente da vontade, como já estabelecemos na Primeira Parte. E contudo, a caridade não está na vontade, em dependência do seu livre arbítrio, cujo ato próprio é eleger. Pois, como diz o Filósofo, a eleição visa os meios, e a vontade, o fim em si mesmo. Ora, sendo o objeto da caridade o fim último, devemos concluir que ela reside, antes, na vontade, do que no livre arbítrio.
O oitavo discute-se assim. – Parece que a caridade não é a forma das virtudes.
1. – Pois, a forma de um ser ou é exemplar ou essencial. Ora, a caridade não é forma exemplar das outras virtudes, porque então estas seriam necessariamente da mesma espécie que ela. E também não é a forma essencial delas, porque não poderia delas se distinguir. Logo, de nenhum modo é forma das virtudes.
2. Demais. – A caridade está para as outras virtudes como raiz e fundamento, conforme aquilo da Escritura: Arraigados e fundados em caridade. Ora, a raiz e o fundamento não têm natureza de forma, mas antes, de matéria, por constituir a parte primeira, na geração. Logo, a caridade não é a forma das virtudes.
3. Demais. – À forma, o fim e a eficiência não coincidem numericamente, como diz Aristóteles. Ora, a caridade é considerada fim e mãe das virtudes. Logo, não pode ser considerada forma delas.
Mas, em contrário, Ambrósio diz, que a caridade é a forma das virtudes.
SOLUÇÃO. – Na ordem moral, a forma do ato depende principalmente do fim. E a razão disso é que a vontade é o princípio dos atos morais, cujo objeto e como que forma é o fim. Ora, a forma de um ato resulta da forma do agente. Por onde e necessariamente, na ordem moral, o que ordena o ato para o fim dá-lhe também a forma. Ora, é manifesto, pelo já dito, que a caridade ordena os atos de todas as outras virtudes para o fim. E assim sendo, também dá forma aos atos de todas as outras virtudes. E por isso é considerada a forma delas; pois, as virtudes são mesmo assim chamadas por se ordenarem a atos informados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A caridade é considerada forma das outras virtudes, não exemplar, nem essencialmente, mas antes, efetivamente, isto é, por impor-lhes a forma, do modo referido.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A caridade é comparada ao fundamento e à raiz, por dela se sustentarem e nutrirem todas as outras virtudes; e não por se levar em conta a natureza de causa material, do fundamento e da raiz.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Diz-se que a caridade é fim das outras virtudes pelas ordenar todas para os seus fins próprios. E sendo a mãe a que concebe, de outrem, chama-se ela por isso mãe das outras virtudes, porque, pelo desejo do fim último concebe, ordenando-os, os atos das outras.
O sétimo discute-se assim. – Parece que sem a caridade não pode haver verdadeira virtude.
1. – A propriedade da virtude é produzir um ato bom. Ora, os que não têm caridade praticam certos atos bons, como, vestir os nus, dar de comer aos famintos, e outros. Logo, sem caridade pode haver verdadeira virtude.
2. Demais. – A caridade não pode existir sem a fé; pois ela procede duma fé não fingida, como diz o Apóstolo. Ora, os infiéis podem praticar a verdadeira castidade, coibindo a concupiscência; e a verdadeira justiça, agindo retamente. Logo, pode haver verdadeira virtude, sem caridade.
3. Demais. – A ciência e a arte são virtudes, como se vê claramente em Aristóteles. Ora, tanto uma como outra se encontram nos pecadores, despidos de caridade. Logo, pode haver virtude sem caridade.
Mas, em contrário, o Apóstolo. Se eu distribuir todos os meus bens em o sustento dos pobres, e se entregar o meu corpo para ser queimado, se todavia não tiver caridade, nada disto me aproveita. Ora, a virtude verdadeira aproveita muito, conforme a Escritura. Ensina a temperança e a prudência e a justiça e a fortaleza, que é o mais útil que há na vida para os homens. Logo, sem a caridade não pode haver verdadeira virtude.
SOLUÇÃO. – A virtude se ordena para o bem, como já estabelecemos. Ora, o bem exerce principalmente a função de fim; pois, os meios não são bons senão relativamente ao fim. Mas, havendo um duplo fim - o último e o próximo, haverá também duplo bem - um último, e outro, próximo e particular. Ora, o bem último e principal do homem é o gozo de Deus, conforme a Escritura: Para mim me é bom unirme a Deus. E a isto o homem se ordena pela caridade. Por outro lado, o bem secundário e quase particular do homem pode ser duplo. Um é o verdadeiro bem, por se ordenar, por natureza, ao bem principal, que é o fim último. Outro é um bem aparente e não verdadeiro por desviar do bem final.
É, pois, claro que a verdadeira virtude, absolutamente falando, é a ordenada ao bem principal do homem; assim, o Filósofo também diz que a virtude é a disposição do perfeito para o ótimo. Considerada porém, como ordenada para um fim particular, então pode uma virtude existir sem a caridade, enquanto ordena a para um bem particular. Se porém, esse bem particular não for verdadeiro, mas aparente, também a virtude ordenada para ele não será verdadeira virtude, mas falsa semelhança dela. Assim, como diz Agostinho, não é verdadeira virtude a prudência do avarento, que anda à cata de todos os lucros insignificante; nem a sua justiça, pela qual, por medo de danos graves, despreza os bens: alheios; nem a temperança do mamo, pela qual coíbe o apetite da luxúria, por ser cara; e por fim, nem a fortaleza, pela qual, como diz Horâcio, Foge da pobreza, pelo mar, pelas pedras e pelo jogo. Se porém esse bem particular for verdadeiro, exemplo, a salvação da república, ou qualquer outro, será por certo verdadeira a virtude, mas imperfeita; salvo, se referir-se ao bem final e perfeito. E sendo assim, verdadeira virtude, absolutamente falando, não pode existir sem caridade.
DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os atos de quem não tem caridade podem revestir dupla modalidade. - Uma, enquanto os pratica sem caridade; assim, quando faz alguma coisa em dependência dessa falta de caridade. E tal ato sempre é mau; e Agostinho diz que o ato do infiel, como tal, é sempre pecado, mesmo que vista um nu, ou pratique qualquer ato semelhante, ordenando-o ao fim da sua infidelidade. - De outro modo quem não tem caridade pode praticar um ato, que não dependa dessa falta de caridade, mas enquanto ornado por algum outro dom de Deus como a fé, a esperança, ou mesmo, algum bem natural - não totalmente eliminado pelo pecado, como já dissemos. E deste modo um ato pode ser genérica, mas não perfeitamente bom, sem a caridade, por lhe faltar a ordenação devida ao fim último.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Na ordem prática, o fim desempenha a mesma função que o princípio, na ordem especulativa. Ora, assim como não pode haver ciência absolutamente verdadeira se faltar o conhecimento reto do princípio primeiro e indemonstrável, assim também não pode haver justiça ou castidade absolutamente verdadeiras se faltar a ordenação devida para o fim, produzida pela caridade, embora o agente se comporte retamente em tudo o mais.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A ciência e a arte ordenam-se, por natureza, a algum bem particular não porém ao fim último da vida humana, como as virtudes morais que, absolutamente falando, tornam o homem bom, como dissemos. Logo, não há semelhança de razões.