Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute-se assim. – Parece que a felicidade eterna não é o objeto próprio da esperança.
1. – Pois, o homem não espera o que lhe excede totalmente a capacidade da alma, como o é o ato da esperança. Ora, a felicidade eterna excede totalmente a capacidade da alma humana, conforme ao Apóstolo, quando diz, que nem jamais veio ao coração do homem. Logo, a felicidade não é o objeto próprio da esperança.
2. Demais. – Um pedido traduz a esperança, conforme a Escritura: Descobre ao Senhor o teu caminho e espera nele e ele fará. Ora, o homem pede licitamente a Deus, não só a felicidade eterna, mas ainda os bens da vida presente, tanto espirituais como temporais; e também o ficar livre de males - conforme claramente o diz a Oração Dominical, males que não existirão na felicidade eterna. Logo, esta não é o objeto próprio da esperança.
3. Demais. – O objeto da esperança é um bem difícil. Ora, para o homem, há bens mais difíceis de serem alcançados, que a felicidade eterna. Logo, esta não é o objeto próprio da esperança.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Temos uma esperança que peneira, isto é, que faz penetrar, até as causas do interior do véu, isto é, a felicidade celeste, como o expõe a Glosa a esse lugar. Logo; o objeto da esperança é a felicidade eterna.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos a esperança, de que agora tratamos se reporta a Deus, em cujo auxílio confia para conseguir o bem esperado. Ora, o efeito há de ser proporcionado à causa. Portanto, o bem que própria e principalmente devemos esperar de Deus é o bem infinito, proporcionado à virtude divina, que nos auxilia; pois, da virtude infinita é próprio levar ao bem infinito. E este bem é a vida eterna, consistente no gozo do próprio Deus. Mas, de Deus não lhe podemos esperar nada menos que o que ele próprio é; pois, a sua bondade, pela qual comunica o bem às criaturas, não é menor que a sua essência. Por onde, o objeto próprio e principal da esperança é a felicidade eterna.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A felicidade eterna não penetra tão perfeitamente o coração do homem, durante esta vida, que ele a possa conhecer tal qual é; mas, pela ideia geral do bem perfeito, pode ele apreendê-la, o que provoca o movimento da esperança para essa felicidade. Por isso, o Apóstolo diz sinaladamente que a esperança penetra até as causas do interior do véu. Pois, o que esperamos ainda nos está velado.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quaisquer outros bens não devemos pedir a Deus senão ordenadamente à felicidade eterna. Por onde, a esperança, principalmente, visa tal felicidade; ao passo que os demais bens, que pedimos a Deus, a visam secundariamente e em dependência dela. Assim, a fé busca a Deus, principalmente; e secundariamente, o que se ordena a Deus, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem aspira a algo de grande, parece-lhe pequeno tudo quanto seja menor que o objeto dessa aspiração. Assim também, a quem espera a felicidade eterna, nada é difícil comparado com essa esperança. Mas, pode haver dificuldades, se se leva em consideração a capacidade de quem espera. E assim sendo, podemos esperar essas coisas difíceis, ordenadamente ao objeto principal.
O quarto discute-se assim. – Parece que a esperança dos viadores não é susceptível de certeza.
1. – Pois, a esperança tem como sujeito a vontade. Ora, a certeza é própria, não da vontade, mas da inteligência. Logo, a esperança não é susceptível de certeza.
2. Demais. – A esperança provém da graça e do mérito, como já se disse. Ora, nesta vida não podemos saber com certeza se temos a graça, segundo foi estabelecido. Logo, a esperança dos viadores não é susceptível de certeza.
3. Demais. – Não podemos ter certeza do que pode falhar. Ora, muitos vivos, que têm esperança, não chegam à consecução da felicidade. Logo, a esperança dos viadores não é susceptível de certeza.
Mas, em contrário, a esperança é a expectação da felicidade futura, no dizer do Mestre das Sentenças o que pode se fundar no lugar seguinte da Escritura. Sei a quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu deposito.
SOLUÇÃO. – Podemos ter certeza de duas maneiras: essencial e participativamente. A essencial reside na potência cognoscitiva; a participativa, em tudo o que a potência cognoscitiva move infalivelmente para o seu fim. E deste modo dizemos que a natureza obra com certeza, enquanto movida pelo intelecto divino, que com certeza move cada ser para o seu fim. Do mesmo modo, dizemos que as virtudes morais obram de maneira mais certa que a arte, enquanto movidos aos seus atos pela razão, a modo da natureza. E assim, também a esperança tende com certeza para o seu fim, como participando da certeza da fé, que tem a sua sede na potência cognoscitiva.
Donde se deduz claramente a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A esperança não se apoia principalmente na graça já adquirida, mas na divina omnipotência e misericórdia, que levam a alcançar a graça mesmo o que não a tem, para assim, chegar à vida eterna. Ora, todos os que tem fé estão certos da omnipotência de Deus e da sua misericórdia.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O ter fé e, contudo, não conseguir a felicidade se explica por um defeito do livre arbítrio, que opõe o obstáculo do pecado; e não porque falhe a omnipotência divina ou a misericórdia, em que confia a esperança. Isto pois, não prejudica a certeza da esperança.
O terceiro discute-se assim. – Parece que os condenados têm esperança.
1. – Pois, o diabo é condenado, e é mesmo o chefe dos condenados, conforme aquilo da Escritura: Apartai-vos de mim, malditos, para o jogo eterno, que está aparelhado para o diabo e para os seus anjos, Ora, o diabo tem esperança, segundo o diz a Escritura: Ele se enganará nas suas esperanças, Logo, parece que os condenados têm esperança.
2. Demais. – Assim como a fé pode ser informada e informe, assim também a esperança. Ora, os demônios e os condenados podem ter fé informe, conforme aquilo da Escritura: Os demônios creem e estremecem. Logo, parece que os condenados também podem ter a esperança informe.
3. Demais. – Nenhum homem pode depois da morte, acrescentar ao mérito ou ao demérito que teve em vida, segundo aquilo da Escritura: Se a árvore cair para a parte do meio-dia ou para a do norte, em qualquer lugar onde cair aí ficará. Ora, muitos condenados tiveram esperança, nesta vida, e nunca desesperaram. Logo, também terão esperança, na vida futura.
Mas, em contrário, a esperança causa a alegria, segundo aquilo do Apóstolo: Na esperança alegres. Ora, os condenados não estão na alegria, mas na dor e nos prantos, conforme a Escritura o diz: Os meus servos cantarão louvores pela exultação do seu coração, e vós dareis gritos pela dor do vosso mesmo coração, e pelo quebrantamento do vosso Espírito vivareis, Logo, os condenados não têm esperança.
SOLUÇÃO. – Assim como a felicidade, por essência, causa a quietação da vontade, assim, por essência, o que é infligido como pena repugna à mesma vontade. Ora, não pode o que é ignorado aquietar a vontade ou lhe repugnar. E por isso, Agostinho diz que os anjos não podiam ser perfeitamente felizes, no primeiro estado, antes da confirmação, nem miseráveis, antes da queda; porque não tinham presciência do que lhes ia suceder. Pois a perfeita e verdadeira felicidade exige estejamos certos da perpetuidade dela; do contrário, a vontade não se aquietaria. Semelhantemente, a perpetuidade da condenação faz parte da pena dos condenados; por onde, não seria verdadeira e essencialmente pena se não repugnasse à vontade; e isso não se daria se eles ignorassem a perpetuidade da sua condenação. Portanto, a condição miserável dos condenados implica-lhes a ciência, que de nenhum modo poderão escapar à condenação e alcançar a felicidade. Donde o dizer a Escritura: Não crê que se possa voltar das trevas à luz. Por onde é claro, que não podem conceber a felicidade como um bem possível, assim como não o podem os bem-aventurados, como um bem futuro. Logo, nem os bem-aventurados nem os condenados têm esperança. Mas podem tê-la os viadores ou os que estão no purgatório, pois, em ambas essas condições, concebem a felicidade como um futuro possível.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Gregório, o lugar alegado se aplica aos membros do diabo, cuia esperança será aniquilada. Ou, se o entendermos aplicado ao diabo mesmo, pode referir-se à esperança pela qual espera obter vitória sobre os santos, conforme ao que antes fora dito: Ele se promete que o Jordão entrará pela sua boca. Ora, esta não é a esperança de que agora tratamos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho: a fé pode ler por objeto tanto as causas más como as boas, as passadas como as presentes e as futuras, as próprias e as alheias; mas esperança não podemos tê-la senão das causas boas futuras, e para nós mesmos. Por onde, poderiam ter os condenados, antes, fé informe, do que esperança, porque os bens divinos não se lhes apresentam como futuros possíveis, mas como ausentes.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A falta de esperança nos condenados não lhes faz variar o demérito, assim como a disparição da mesma, nos bem-aventurados, não lhes aumenta o mérito. Mas uma e outra coisa se dá pela mudança de estado.
O segundo discute-se assim. – Parece que os bem-aventurados têm esperança.
1. – Pois, Cristo foi, desde o princípio da sua concepção, um perfeito vidente. Ora, Ele teve esperança, conforme diz a Glosa expondo aquilo da Escritura: Em ti, Senhor, esperei, Logo, os bem-aventurados podem ter esperança.
2. Demais. – Assim como alcançar a felicidade constitui um bem difícil, assim também, a sua continuação. Ora, antes de alcançar a felicidade, os homens tem a esperança de alcançá-la. Portanto, uma vez que a possuem, podem esperar a continuação da mesma.
3. Demais. – Pela virtude da esperança podemos esperar a felicidade, não só para nós, como também para os outros, segundo já se disse. Ora, os bem-aventurados, no céu, esperam a felicidade para os outros; do contrário, não rogariam por eles. Logo, podem ter esperança.
4. Demais. – A felicidade dos santos abrange, não só a glória da alma, como também a do corpo. Ora, as almas dos santos, no céu, ainda esperam a glória do corpo, conforme a Escritura e Agostinho Logo, os bem-aventurados podem ter esperança.
Mas, em contrário, a Escritura: O que qualquer vê como o espera? Ora, os bem-aventurados gozam da visão de Deus. Logo, não é possível tenham esperança.
SOLUÇÃO. – Eliminado o que especifica uma causa, desaparece a espécie e a coisa não pode continuar a ser o que era. Assim, removida a sua forma, o corpo natural não continua a ser especificamente o mesmo. Ora, segundo dissemos, a esperança, como as outras virtudes, especifica-se pelo seu objeto principal. E este é a felicidade eterna, enquanto possível de ser alcançada, com o auxílio divino, conforme ficou dito. Mas, como um bem possível, mas difícil, não pode ser especificado, senão enquanto futuro, e com a felicidade dos bem-aventurados já não é futura, mas presente não podem ter a virtude da esperança. Por isso, na pátria, não haverá esperança e nem fé e nem os bem-aventurados podem ter essas virtudes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora vidente e, por consequência feliz, quanto ao gozo de Deus, Cristo, contudo estava também em caminho para a pátria, quanto à passibilidade da natureza, de que se achava revestido. Por isso podia esperar a glória da impassibilidade e da imortalidade. Não, porém de modo que tivesse a virtude da esperança, cujo objeto principal não é a glória do corpo, mas antes, o gozo divino.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Chama-se vida eterna à felicidade dos santos, porque, gozando de Deus, tornam-se, de certo modo participantes da eternidade divina, que sobreleva a todos os tempos: E assim, a continuação da felicidade não se divide pelo presente, pelo passado e pelo futuro. Por onde, os bem-aventurados não têm esperança na continuação da felicidade, mas possuem a realidade mesma, onde não pode haver a noção de futuro.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Enquanto perdura a virtude da esperança, podemos, por ela mesma, esperar a felicidade para nós e para outrem. Os bem-aventurados, porém, que já não a têm, pela qual para si esperavam a felicidade, esperam-na então para os outros. Não pela virtude da esperança, mas antes, pelo amor da caridade. Assim como, quem possui a caridade de Deus, por ela mesma ama também ao próximo; e contudo sem ter a virtude da caridade, pode amar ao próximo por meio de outro amor.
RESPOSTA À QUARTA. – Sendo a esperança uma virtude teologal, cujo objeto é Deus, o principal objeto dela é a glória da alma, consistente no gozo divino, e não a glória do corpo. Mas também esta, embora constitua um bem difícil, relativamente à natureza humana, não o constitui, contudo, a quem possui a glória da alma. Quer pela glória do corpo ser mínima, comparada com a da alma, quer, porque, quem possui a glória da alma já tem suficientemente a causa da glória do corpo.
O primeiro discute-se assim. – Parece que a esperança não tem a vontade como sujeito.
1. – Pois, o objeto da esperança é um bem difícil, conforme se disse. Ora, o difícil não é objeto da vontade, mas do apetite irascível. Logo, a esperança tem como sujeito, não a vontade, mas esse apetite.
2. Demais. – Quando uma só coisa é suficiente, não se lhe deve acrescentar outra. Ora, basta a caridade, a perfeitíssima das virtudes, para aperfeiçoar a potência da vontade. Logo, a esperança não tem na vontade o seu sujeito.
3. Demais. – Uma potência não pode exercer-se simultaneamente em dois atos; assim, o intelecto não pode inteligir muitas coisas ao mesmo tempo. Ora, o ato da esperança pode coexistir com o da caridade; e portanto, residindo manifestamente o ato de caridade na vontade, a esta não pertence o ato da esperança. Por onde, a vontade não tem como sujeito a caridade.
Mas, em contrário. – A alma não é capaz de atingir a Deus senão pelo espírito, que compreende a memória, a inteligência e a vontade, como se vê claramente em Agostinho. Ora, a esperança é uma virtude teologal, cujo objeto é Deus. Mas como a esperança não tem como sujeito nem a memória, nem a inteligência, pertencentes à potência cognoscitiva, resulta que o seu sujeito é a vontade.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito se colhe, os hábitos conhecem-se pelos atos. Ora, o ato da esperança é um movimento da parte apetitiva, pois o seu objeto é o bem. Ora, o homem tem um duplo apetite: o sensitivo, que se divide em irascível e concupiscível, e o intelectual, chamado vontade, como já estabelecemos na Primeira Parte. Por onde, os mesmos movimentos, que coexistem com as paixões, no apetite inferior, existem sem elas, no superior, conforme do sobredito se, colige. Mas o ato da virtude da esperança não pode pertencer ao apetite sensitivo; porque o bem - objeto principal desta virtude - não é o bem sensível, mas o divino. Por onde, a esperança reside no apetite superior, chamado vontade, como no sujeito e não, no inferior, a que pertence o apetite irascível.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O objeto do apetite irascível é o bem difícil sensível. Ao passo que o objeto da virtude da esperança é o bem difícil inteligível, ou antes, um bem difícil, superior à inteligência.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A caridade aperfeiçoa suficientemente a vontade só quanto ao ato do amor. Por isso, é necessária outra virtude para aperfeiçoá-la em vista de outro ato, e essa é a da esperança.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O movimento da esperança e o da caridade ordenam-se um para o outro, como do sobredito resulta. Por isso nada impede existam ambos simultaneamente na mesma potência. Assim, o intelecto pode inteligir simultaneamente muitas coisas ordenadas umas para as outras, como estabelecemos na Primeira Parte.
O oitavo discute-se assim. – Parece que a caridade é anterior à esperança.
1. – Pois, aquilo do Evangelho - Se tiverdes fé como um grão de mostarda, etc., - diz Ambrósio: Da fé procede a caridade; da caridade, a esperança. Logo, a fé é anterior à caridade e portanto, esta o é à esperança.
2. Demais. – Agostinho diz: os bons movimentos e afetos veem do amor e da santa caridade. Ora, esperar, enquanto constitui ato da esperança, é um bom movimento da alma. Logo, deriva da caridade.
3. Demais. – O Mestre das Sentenças diz: a esperança provém do mérito, o qual não somente precede o objeto esperado, mas também a esperança, precedida pela caridade, em virtude da natureza mesma desta. Logo, a caridade é anterior à esperança.
Mas, em contrário, a Escritura: O fim do preceito é a caridade nascida de um coração puro e duma boa consciência; isto é, da esperança, diz a Glosa. Logo, a esperança é anterior à caridade.
SOLUÇÃO. – Há uma dupla ordem: uma a da geração e da matéria, na qual o imperfeito é anterior ao perfeito; outra a da perfeição e da forma, na qual o perfeito é naturalmente anterior ao imperfeito. Ora, pela ordem no primeiro sentido, a esperança é anterior à caridade, o que assim se demonstra. A esperança, como todo movimento apetitivo, deriva do amor, conforme já vimos quando tratamos das paixões. Ora, há um amor perfeito e outro, imperfeito. Perfeito é o amor pelo qual alguém é amado em si mesmo; assim quando queremos o bem a uma pessoa, em si mesma considerada, como no caso do amigo que ama a seu amigo. Imperfeito é o amor pelo qual amamos um objeto, não em si mesmo, mas para virmos a possuir o bem que ele constitui; assim amamos aquilo que desejamos. Ora, no primeiro sentido o amor de Deus é próprio da caridade, que se une a Deus, em si mesmo. Ao passo que a esperança pertence ao amor, no segundo sentido, porque quem espera tem a intenção de obter alguma coisa para si. Por onde, na via da geração, a esperança é anterior à caridade. Pois, assim como uma pessoa é levada a amar a Deus, porque, temendo ser punido por ele, cessa de pecar, conforme diz Agostinho: assim também a esperança conduz à caridade, enquanto que, esperando sermos remunerados por Deus, somos excitados a amá-lo e a lhe observar os preceitos. Mas, na ordem da perfeição, a caridade é naturalmente anterior. Por onde advindo-lhe a caridade, a esperança torna-se mais perfeita, porque dos amigos é que principalmente esperamos. E, neste sentido, diz Ambrósio, que a esperança provém da caridade.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A esperança, como todo movimento apetitivo, provém de algum amor, pelo qual amamos o bem que esperamos. Mas nem toda esperança provém da caridade, senão só o movimento da esperança informada pela caridade, pela qual esperamos o bem, de Deus, como de amigo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O Mestre se refere à esperança informada, a que naturalmente precede a caridade, e aos méritos por esta causados.
O sétimo discute-se assim. – Parece que a esperança precede a fé.
1 – Pois, aquilo da Escritura - Espera no Senhor e faze obras boas - diz a Glosa: A esperança é o introito à fé, o inicio da salvação. Ora, a salvação se opera pela fé, que nos justifica. Logo, a esperança precede a fé.
2. Demais. – O que entra na definição de uma coisa deve ser algo de primário e de mais conhecido que ela. Ora, a esperança entra na definição da fé, como claramente o diz a Escritura: É a fé a substância das causas que se devem esperar. Logo, a esperança é anterior à fé.
3. Demais. – A esperança precede o ato meritório; pois, diz o Apóstolo, o que lavra deve lavrar com esperança de perceber os frutos. Ora, o ato de fé é meritório. Logo, a esperança precede a fé.
Mas, em contrário, a Escritura: Abraão gerou a lsaac, isto é, a fé, à esperança - diz a Glosa.
SOLUÇÃO. – A fé, absolutamente falando, precede a esperança. Pois, o objeto desta é um bem futuro difícil, mas possível de ser adquirido. Por onde, para esperarmos é preciso o objeto da esperança nos seja proposto como possível. Ora, esse objeto é, de um modo a felicidade eterna; e de outro, o auxílio divino, como do sobredito resulta. E ambos esses objetos é a fé que nô-los propõe, fazendo-nos saber, que podemos alcançar a vida eterna, e que, para isso, somos socorridos pelo auxílio divino conforme àquilo da Escritura: É necessário que o que se chega a Deus creia que há Deus, e que é remunerador dos que o buscam. Por onde é manifesto que a fé precede a esperança.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como acrescenta a Glosa, no mesmo lugar, chama-se à esperança introito à fé, isto é, ao que é crido, porque pela esperança entramos a ver o em que acreditamos, - Ou se pode dizer que é um introito à fé, porque pela esperança somos levados a nos firmar e aperfeiçoar nesta última.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O que esperamos é introduzido na definição da fé, porque o objeto próprio desta não é por si mesmo, aparente. Por isso é necessário, por um circunlóquio, seja designado pelo que dela resulta.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Nem todo ato meritório implica a esperança precedente, mas basta que a tenha concomitante ou consequente.
O sexto discute-se assim. – Parece que a esperança não é uma virtude distinta das outras virtudes teologais.
1. – Pois, os hábitos distinguem-se pelos seus objetos, como já se disse. Ora, o objeto da esperança é o mesmo que o das outras virtudes teologais. Logo, a esperança não se distingue das outras virtudes teologais.
2. Demais. – No Símbolo, no qual confessamos a fé, dizemos: Espero a ressurreição dos mortos e a ida do século futuro. Ora, esperar a felicidade futura é próprio da esperança, como já se disse. Logo, a esperança não se distingue da fé.
3. Demais. – Pela esperança o homem tende para Deus. Ora, isto propriamente pertence à caridade. Logo, a esperança não difere da caridade.
Mas, em contrário. – Onde não há distinção não há número. Ora, a esperança é enumerada entre as outras virtudes teologais; pois, diz Gregório, há três virtudes teologais: a esperança, a fé e a caridade. Logo, a esperança é uma virtude distinta das outras virtudes teologais.
SOLUÇÃO. – Chama-se teologal à virtude que tem Deus por objeto, com o qual se une. Ora, um ser pode unir-se a outro de dois modos: considerado este último em si mesmo, ou, como meio para chegar a um terceiro. Ora, a caridade leva o homem, a unir-se a Deus em si mesmo, unindo-lhe o coração pelo afeto do amor. A esperança porém, e a fé fazem-no unir-se a Deus, como ao princípio donde lhe decorrem certos bens. Assim, de Deus nos provém o conhecimento da verdade e a consecução da bondade perfeita. Por onde, a fé leva o homem a unir-se a Deus como o princípio pelo qual conhecemos a verdade; pois, cremos ser verdade o que Deus nos disse. A esperança, por seu lado, leva-nos à união com Deus, como princípio, para nós, da bondade perfeita; isto é, enquanto, pela esperança, confiamos no auxílio divino para obter a felicidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Deus é objeto das referidas virtudes, por diferentes razões, como dissemos. Ora, para haver distinção entre os hábitos basta que a natureza dos seus objetos seja diversa, segundo demonstramos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A esperança entra no símbolo da fé, não por ser um ato próprio desta, mas por pressupor o ato de esperança a fé, como a seguir se dirá. E assim, o ato de fé manifesta-se pelo da esperança.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A esperança faz nos tender para Deus como um bem final que devemos alcançar e como um auxílio eficaz para nos socorrer. A caridade, porém, faz propriamente tender para Deus, unindo-nos com Ele pelo afeto, de modo a vivermos, não para nós, mas para Deus.
O quinto discute-se assim. – Parece que a esperança não é uma virtude teologal.
1. – Pois, a virtude teologal tem Deus por objeto. Ora, a esperança não tem só a Deus por objeto, mas também os outros bens que d'Ele esperamos obter. Logo, a esperança não é uma virtude teologal.
2. Demais. – A virtude teologal não é um meio termo entre dois vícios, como se estabeleceu. Ora, a esperança consiste num meio termo entre a presunção e o desespero. Logo, não é uma virtude teologal.
3. Demais. – A expectativa é própria da longaminidade, que faz parte da fortaleza. Ora, sendo a esperança uma expectativa, resulta que não é uma virtude teologal, mas moral.
4. Demais. – O objeto da esperança é difícil. Ora, buscar o difícil é próprio da magnanimidade, que é uma virtude moral. Logo, a esperança é uma virtude moral e, não, teologal.
Mas, em contrário, o Apóstolo enumera a fé e a caridade entre as virtudes teologais.
SOLUÇÃO. – Como as diferenças específicas dividem, por si mesmas, o gênero, é preciso examinar o que torna essencialmente a esperança uma virtude, para sabermos que espécie de virtude é. Ora, como dissemos a esperança é essencialmente uma virtude, por depender da regra suprema dos atos humanos. Esta lhe é a causa eficiente, a esperança com o seu auxílio; e causa final última, porque espera, gozando-a, ter a felicidade. Por onde é claro que, como virtude, a esperança tem por objeto principal Deus. Ora, consistindo a essência da virtude teologal em ter Deus como objeto; segundo já dissemos, é claro que a esperança é uma virtude teologal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Tudo o que a esperança almeja alcançar é em dependência de Deus, como fim último ou como causa eficiente primeira, segundo dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O meio termo do que é regulado e medido está na sujeição à regra ou à medida; sendo supérfluo o que a exceder e deficiente o que não a atinge. Mas a regra mesma ou a medida não é susceptível de meio nem de extremos. Ora, a virtude moral tem como objeto próprio o que é regulado pela razão; e portanto convém-lhe essencialmente ser um meio termo, quanto ao seu objeto próprio. A virtude teologal, porém, tem como objeto próprio a regra primeira mesma, não dependente de nenhuma outra regra. Por onde, essencialmente e quanto ao seu objeto próprio, não convém à virtude teologal ser um meio termo; mas, tal pode lhe convir por acidente, em razão do que é ordenado ao objeto principal. Assim, a fé não pode ter meio termo e extremos, por fundar-se na verdade primeira, da qual nunca podemos suficientemente depender. Mas, considerando-se o que ela crê, pode ter meio e extremos, assim como uma mesma verdade é meio termo entre duas falsidades. Semelhantemente, a esperança, quanto ao seu objeto principal, não tem meio nem extremos, porque nunca podemos suficientemente confiar no auxilio divino. Mas, quanto ao que temos confiança de alcançar, pode ser susceptível tanto de meio como de extremos, quer por presumirmos o que nos excede a capacidade, ou por desesperarmos do que nos é proporcionado.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A expectativa incluída na definição da esperança não implica a dilação, como se dá com a expectativa própria da longanimidade, Mas, implica uma relação com o auxílio divino, quer seja concedido o que é esperado, quer não.
RESPOSTA À QUARTA. – A magnanimidade busca o que é difícil, esperando o que lhe está ao alcance; por isso, implica, propriamente, em fazer certas grandes obras. A esperança, porém, enquanto virtude teologal, visa o difícil, buscando-o com auxílio estranho, como dissemos.
O quarto discute-se assim. – Parece que podemos licitamente esperar no homem.
1 – Pois, o objeto da esperança é a felicidade eterna. Ora, para alcançar a felicidade eterna, somos ajudados pelo patrocínio dos santos; porquanto, no dizer de Gregório, a predestinação é auxiliada pelas preces dos santos. Logo, podemos esperar no homem.
2. Demais. – Se não podemos esperar no homem, não é lícito imputarmos como vício a ninguém o não poder ser objeto da esperança. Ora, isso é imputado a certos, conforme a Escritura claramente o faz. Cada um se guarde do seu próximo e não se fie de nenhum de seus irmãos, Logo, podemos licitamente esperar no homem.
3. Demais. – O pedido traduz a esperança, como já se disse. Ora, podemos licitamente pedir a outrem. Logo, podemos licitamente esperar nele.
Mas, em contrário, a Escritura: Maldito o homem que confia no homem.
SOLUÇÃO. – A esperança como já dissemos, visa duas coisas: o bem que pretendemos alcançar e o auxílio por meio do qual o obteremos. Ora, aquele tem natureza de causa final; e este, de causa eficiente. Ora, em ambos esses gêneros de causas há um elemento principal e outro, secundário. Assim, o fim principal é o fim último; o secundário é o bem conducente ao fim. Semelhantemente, a causa agente principal é o primeiro agente; e a causa eficiente secundária é o agente secundário instrumental. Ora, a esperança busca a felicidade eterna, como fim último; e o auxílio divino, como a causa primeira conducente à felicidade. Por onde, assim como não é lícito esperar nenhum bem, a não ser a felicidade, como fim último, mas só como o que é ordenado ao fim da felicidade; assim também não é lícito esperar em nenhum homem, ou em qualquer criatura, como se fosse a causa primeira conducente à felicidade. É lícito, porém esperar num homem ou numa criatura, como num agente secundário e instrumental, que nos ajuda a conseguir certos bens subordinados à felicidade. - E, deste modo nos socorremos dos santos, também pedimos certas coisas aos homens e maldizemos aqueles em quem não podemos confiar para obter qualquer auxílio.
Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.