Category: Santo Tomás de Aquino
O sexto discute-se assim. – Parece que os pecadores não devem ser amados com caridade.
1. – Pois, diz a Escritura: Tenho aborrecido os iniquos, Ora, Davide tinha caridade. Logo, com caridade devemos, antes, odiar os pecadores, que amá-las.
2. Demais. – A amizade se prova com obras, diz Gregório. Ora, para com os pecadores os justos não praticam obras de amor, mas antes, obras que parecem ser de ódio, conforme aquilo da Escritura: Pela manhã entregava à morte todos os pecadores da terra. E o Senhor ordena: Não sofrerás que vivam os feiticeiros. Logo, os pecadores não devem ser amados com caridade.
3. Demais. – É próprio da amizade desejarmos e querermos bens para os amigos. Ora, os santos desejam, com caridade, males para os pecadores, conforme aquilo da Escritura: Sejam precipitados os pecadores no inferno. Logo, os pecadores não devem ser amados com caridade.
4. Demais. – É próprio dos amigos alegrarem-se com as mesmas causas e querê-las. Ora, a caridade não faz querer o que os pecadores querem, nem alegrar-se com o que eles se alegram; antes, ao contrário. Logo, os pecadores não devem ser amados com caridade.
5. Demais. – É próprio dos amigos terem convivência, como diz Aristóteles: Ora, não devemos conviver com os pecadores, conforme a Escritura: Saí do meio deles, Logo, os pecadores nâo devem ser amados com caridade.
Mas, em contrário, Agostinho ensina que quando se diz: Amarás o teu próximo, é claro que se deve considerar todo homem como próximo. Ora, os pecadores não deixam de ser homens, pois o pecado não destrói a natureza. Logo, os pecadores devem ser amados com caridade.
SOLUÇÃO. – Duas coisas, podemos considerar no pecador: a natureza e a culpa. Pela natureza, que receberam de Deus, são capazes da felicidade, na participação da qual se funda a caridade, como já dissemos. E portanto, considerada a natureza deles, devem ser amados com caridade. Mas a culpa dos mesmos é contrária a Deus e obstáculo à caridade. Por onde, pela culpa com que se opõem a Deus, todos os pecadores são dignos de ódio, mesmo que sejam nossos pais, mães e parentes, como diz o Evangelho. Assim, pois, devemos odiar nos pecadores o serem tais, e amá-los como homens, capazes da felicidade. E isto é amá-las verdadeiramente com caridade, por amor de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os profetas odiavam os iníquos, como tais, odiando-lhes a iniquidade, que é o mal deles. E este é o ódio perfeito, de que fala a Escritura: Com ódio consumado eu os aborrecia. Ora, pela mesma razão com que odiamos o mal de alguém, amamos-lhe o bem. Por onde esse ódio perfeito também faz parte da caridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. –- Não devemos privar dos benefícios da amizade os amigos que pecam, enquanto tivermos esperança de virem a emendar-se, como diz o Filósofo. Antes, devemos auxiliá-los para recuperarem a virtude, mais do que os ajudariamos a recuperar o dinheiro que tivessem perdido, e tanto mais quanto a virtude tem mais afinidades com a amizade do que o dinheiro. Mas quando caírem em malícia máxima e se tornarem insanáveis, então não devemos ter a familiaridade da amizade para com eles. E portanto, esses pecadores, de que se presume serão antes causa de dano que de emenda para os outros, a lei divina e a humana ordenam que sejam postos à morte. E isto o juiz o faz, não por ódio deles, mas por amor de caridade, que manda preferir o bem público à vida do particular. E, contudo, a morte infligida pelo juiz, aproveita ao pecador: se se converter, para expiar a culpa; se não, para por termo a esta, ficando assim privado do poder de continuar a pecar.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Essa increpação da Sagrada Escritura pode se entender em três sentidos. - Primeiro como prenúncio e não, como opção, sendo o sentido: Sejam precipitados os pecadores no inferno, isto é, serão precipitados. - Ou como opção, mas de modo a o desejo de quem opta não se referir à pena humana, mas à justiça do que pune, conforme aquele outro lugar. Alegrar-se-á o justo quando vir a vingança. Porque nem o próprio Deus quando. pune se alegra na perdição dos vivos, como diz o Sábio; mas na sua justiça, porque o Senhor é justo e ele amou a justiça. - Enfim, é o sentido, que o desejo se refira à remoção da culpa e não, da pena; isto é, que os pecados sejam destruídos e os homens permaneçam.
RESPOSTA À QUARTA. – Amamos os pecadores com caridade, não por querermos o que eles querem ou nos alegrarmos com o que eles se alegram. Mas para os levarmos a querer o que nós queremos, e alegrarem-se com o que nos alegramos. Donde o dizer a Escritura: Voltarse-ão eles para ti e tu não te voltarás para eles.
RESPOSTA À QUINTA. – Conviver com os pecadores devem evitá-lo os fracos pelo perigo que correm de ser pervertidos por eles. Os perfeitos, porém, por não temerem ser pervertidos, é louvável conviver com eles pelos converterem. É assim que o Senhor comia e bebia com os pecadores, como diz a Escritura. Mas todos devem evitar o convívio dos pecadores, para participar-lhes dos pecados. E por isso diz a Escritura: Sai do meio deles e não toqueis o que é imundo, isto é, consentindo nos pecados deles.
O quinto discute-se assim. – Parece que o homem não deve amar o seu corpo com caridade.
1 – Pois, não amamos uma pessoa com quem não podemos conviver. Ora, os que tem caridade desejam separar-se do corpo, conforme a Escritura: Quem me livrará do corpo desta morte? E noutro lugar: Tendo desejo de ser desatado da carne e estar com Cristo. Logo, não devemos amar o nosso corpo com caridade.
2. Demais. – A amizade de caridade se funda na participação do gozo divino. Ora, desse gozo o corpo não pode participar. Logo, não devemos amá-lo com caridade.
3. Demais. – A caridade, sendo uma espécie de amizade, só podem tê-la os que podem retribuir a amizade. Ora, o nosso corpo não pode nos retribuir a caridade. Logo, não deve ser amado com caridade.
Mas, em contrário, Agostinho diz que são quatro os objetos que devemos amar com caridade; e um deles é o nosso próprio corpo.
SOLUÇÃO. – O nosso corpo pode ser considerado à dupla luz: na sua natureza mesma, e enquanto, pela sua corrupção, está sujeito à culpa e à pena. Ora, a natureza dele não foi criada pelo princípio do mal, como imaginaram os maniqueus, mas por Deus. Por isso, podemos usá-lo para o serviço de Deus, conforme aquilo da Escritura: Oferecei os vossos membros a Deus como instrumentos da justiça. Por onde, pelo amor de caridade, com que amamos a Deus, devemos também amar o nosso corpo. Mas não devemos amar nele a contaminação da culpa e a corrupção da pena; mas antes, anular, com o desejo da caridade, a remoção de uma e de outra.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Apóstolo não queria separar-se do corpo, por causa da natureza mesmo deste; antes, levando-a em conta, não queria ser despojado dele, conforme o diz: não desejamos ser despojados dele, mas sim, ser revestidos por cima. Mas queria ficar livre da contaminação da concupiscência, que subsiste com ele; e da sua corrupção, que faz pesada a alma, e faz com que não possa ver a Deus. Por isso, diz sinaladamente: Do corpo desta morte.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora o nosso corpo não possa gozar de Deus, conhecendo-o e amando-o, contudo, pelas obras, que por meio dele praticamos, podemos chegar ao gozo perfeito de Deus. E assim do gozo da alma redunda uma certa felicidade no corpo, a saber, o vigor da saúde e da incorrupção, como diz Agostinho. Portanto, como o corpo participa, decerto modo, da felicidade, pode ser amado com amor de caridade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A retribuição da amizade se dá quando a temos para com outrem, mas, não, na que temos para conosco mesmo, quer quanto à alma, quer, quanto ao corpo.
O quarto discute-se assim. – Parece que o homem não se ama a si mesmo com caridade.
1. – Pois, diz Gregório: a caridade não pode existir senão entre duas pessoas. Logo, ninguém pode ter caridade para consigo próprio.
2. Demais. – A amizade implica, por essência, a retribuição e a igualdade, como diz Aristóteles o que não pode existir em ninguém em relação a si mesmo. Ora, a caridade é uma espécie de amizade, como já se disse. Logo, é possível termos caridade para conosco mesmos.
3. Demais. – O que pertence à caridade não pode ser digno de vitupério, porque a caridade não obra temerariamente, como diz a Escritura. Ora, amar-se a si mesmo é digno de vitupério, conforme a Escritura: Nos últimos dias virão uns tempos perigosos e haverá homens amantes de si mesmos, Logo, o homem não pode amar a si mesmo com caridade.
Mas, em contrário, a Escritura: Amarás a teu amigo como a ti mesmo, Ora, amamos nossos amigos com caridade. Logo, também com caridade devemos nos amar a nós mesmos.
SOLUÇÃO. – Sendo a caridade uma espécie de amizade, como já dissemos, de dois modos podemos considerá-la. - De um modo, sob a noção geral de amizade. E a esta luz, não é possível ter amizade para conosco mesmos, propriamente falando; senão um sentimento maior que a amizade. Porque a amizade implica uma certa união; pois, no dizer de Dionísio, o amor é uma virtude unitiva. Ora, cada um de nós está unido a si mesmo, sendo essa a mais forte das uniões. Por onde, assim como a unidade é o princípio da união, assim o amor com o qual nos amamos a nós mesmos é a forma e a raiz da amizade. Pois, se temos amizade para com os outros, é pelos considerarmos como se fossem nós mesmos, consoante ao que diz Aristóteles: os sentimentos de amizade que temos para com os outros vem dos que temos para conosco. Assim também os princípios não são objeto da ciência, mas, do intelecto, que lhe é superior. De outro modo, podemos considerar a caridade na essência mesmo dela; isto é, enquanto amizade do homem para com Deus, principalmente e, por consequência, para com as causas de Deus, entre as quais está o homem, que tem caridade. E assim, entre os outros seres, como que pertencentes a Deus, que amamos com caridade, estamos também nós incluídos, que com o mesmo amor nos amamos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Gregório se refere à caridade sob a noção geral de amizade.
E a esta luz, também colhe a SEGUNDA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os que se amam a si mesmos são dignos de vitupério, por se amarem segundo a natureza sensível, a que obedecem. Ora, isso não é amarem-se a si mesmos, verdadeiramente, segundo a natureza racional, de modo a quererem para si os bens próprios à perfeição racional. Pois deste modo e precipuamente, é que é próprio da caridade amar-se a si mesma.
O terceiro discute-se assim. – Parece que também as criaturas irracionais devem ser amadas com caridade.
1. – Pois, pela caridade assemelhamo-nos, por excelência, com Deus. Ora, Deus ama com caridade as criaturas irracionais; porque ama todas as causas que existem, diz a Escritura; e tudo o que ama para si mesmo o ama, pois, é a caridade. Logo, também nós devemos amar com caridade as criaturas irracionais.
2. Demais. – A caridade tem, sobretudo, Deus por objeto: e aos demais seres se estende enquanto pertencentes a Deus. Ora, assim como a criatura racional pertence a Deus, por ter com ele semelhança de imagem, assim também a irracional por ter semelhança fundada no vestígio. Logo, a caridade também se estende às criaturas irracionais.
3. Demais. – Assim como o objeto da caridade é Deus, assim também o da fé. Ora, a fé abrange as criaturas irracionais, pois, cremos que o céu e a terra foram criados por Deus; que os peixes e as aves nasceram das águas; e os animais, que se movem, e as plantas, da terra. Logo, a caridade também se estende às criaturas irracionais.
Mas, em contrário, o amor de caridade só se estende a Deus e ao próximo. Ora, pela denominação de próximo não se pode entender a criatura irracional, pois, não participa, com o homem, da vida racional. Logo, a caridade não se estende às criaturas irracionais.
SOLUÇÃO. – A caridade, conforme o que ja dissemos, é uma espécie de amizade. Ora, com amizade podemos amar de dois modos: ou o amigo, por quem a temos, ou o bem que lhe desejamos.
Ora, do primeiro modo, nenhuma criatura irracional pode ser amada com caridade. E por tríplice razão, das quais duas pertencem, em geral, à amizade que não podemos ter para com as criaturas irracionais. - A primeira é que temos amizade a quem queremos bem. Ora, não podemos, propriamente, querer bem à criatura irracional, que não é capaz de possuir nenhum bem; mas, só à racional, capaz de, pelo livre arbítrio. usar o bem que tem. E, por isso, o Filósofo diz, que a tais seres não podemos fazer bem ou mal, senão por semelhança. - Segundo, porque toda amizade se funda nalguma comunhão de vida; pois, nada é tão próprio à amizade como conviver, segundo claramente diz o Filósofo. Ora, as criaturas irracionais, não podem participar da vida humana, que é racional. Por onde, não podemos ter nenhuma amizade para com as criaturas irracionais, senão talvez metaforicamente. - A terceira razão é própria da caridade, que se funda na participação da felicidade eterna, da qual não é capaz a criatura irracional. Por onde, não é possível termos amor de caridade para com a criatura irracional.
Mas podemos, com caridade, amar as criaturas irracionais, como bens que queremos para os outros; enquanto que, pela caridade, queremos que elas sejam conservadas para honra de Deus e utilidade dos homens. E assim também Deus as ama com caridade.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A semelhança fundada no vestígio não torna capaz da vida eterna, mas só a semelhança de imagem. Por onde, a comparação não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A fé pode estender-se a tudo o que é, de certo modo, verdadeiro. Mas a amizade de caridade só se estende aos seres que podem, por natureza, alcançar o bem da vida eterna. Logo, a comparação não procede.
O segundo discute-se assim. – Parece que a caridade não pode ser amada com caridade.
1. – Pois, tudo o que devemos amar com caridade está incluído em dois preceitos que a ela dizem respeito, como se vê no Evangelho. Ora, em nenhum deles está incluída a caridade, porque nem Deus é caridade, nem o próximo. Logo, a caridade não deve ser amada com caridade.
2. Demais. – A caridade se funda na participação da felicidade, como já se disse. Ora, a caridade não pode ser participante da felicidade. Logo, não deve ser amada com caridade.
3. Demais. – A caridade é uma espécie de amizade, como já se disse. Ora, ninguém pode ter amizade pela caridade e por nenhum acidente, pois, acidentes não podem retribuí-la, o que é exigido pela essência da amizade, como diz Aristóteles. Logo, a caridade não deve ser amada com caridade.
Mas, em contrário, Agostinho diz. Quem ama ao próximo há de, consequentemente, amar ao próprio amor. Ora, o próximo é amado com caridade. Logo, e por consequência, também a caridade há de ser amada com caridade.
SOLUÇÃO. – A caridade é uma espécie de amor. Ora, o amor, pela natureza da potência da qual é ato, tem o poder de refletir sobre si mesmo. Pois, sendo o objeto da vontade o bem universal, tudo o que se inclui na noção de bem pode ser objeto de um ato de vontade; e sendo o próprio querer um bem, pode querer a si mesmo. Assim como o intelecto, cujo objeto é a verdade, intelige a sua intelecção, porque é também e certo modo verdade. Ora, também o amor, pela sua essência específica, pode refletir sobre si mesmo; por ser um movimento espontâneo do amante para com o amado, pois, quem ama por isso mesmo ama o seu amor. A caridade, porém, não é o amor, absolutamente falando, mas está compreendida na ideia da amizade, como dissemos. Ora, pela amizade, podemos amar de dois modos. Ou amamos o nosso amigo em si mesmo, como aquele por quem temos amizade e a quem queremos bem. Ou amamos um bem que queremos, para o amigo. E deste modo a caridade é amada pela caridade, e não, do primeiro modo. Pois, ela é o bem que desejamos a todos os que amamos com caridade. E o mesmo se dá com a felicidade e as outras virtudes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Podemos ter amizade para com Deus e o próximo. Ora, na amizade para com Deus e o nosso próximo inclui-se o amor de caridade. Pois, os amamos porque amamos que, conosco, o próximo tenha amor por Deus, o que é ter caridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A caridade é a participação mesma da vida espiritual, pela qual chegamos à felicidade. E por isso a amamos como o bem desejado a todos os que amamos com caridade,
RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe, quando amamos com amizade aqueles por quem a temos.
O primeiro discute-se assim. – Parece que o amor de caridade só se limita a Deus e não se estende ao próximo.
1. – Pois, assim como a Deus devemos o amor, assim também o temor, conforme aquilo da Escritura: Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que os temas e o ames? Mas, um é o temor humano, pelo qual tememos o homem; e outro o pelo que tememos a Deus, que é servil ou filial, como do sobredito se colhe. Logo, também um é o amor pelo qual Deus é amado e outro, o pelo qual amamos o próximo.
2. Demais. – O Filósofo diz que ser amado é ser honrado. Mas, uma é a honra devida a Deus, que é a de latria; e outra a devida à criatura, que é a de dulia. Logo, também um é o amor pelo qual Deus é amado e outro, o pelo qual amamos ao próximo.
3. Demais. – A esperança gera a caridade, como se lê na Glosa. Ora, a esperança que temos em Deus é tal, que torna dignos de repreensão os que esperam no homem, conforme aquilo da Escritura: Maldito o homem que confia no homem. Logo, a caridade é de tal modo devida a Deus que não se estende ao próximo.
Mas, em contrário, a Escritura: Nós temos de Deus este mandamento, que o que ama a Deus ame também a seu irmão.
SOLUÇÃO. – Como já se disse os hábitos só se diversificam porque fazem variar a espécie do ato; pois, todos os atos de uma mesma espécie pertencem a um mesmo hábito. Ora, como os atos se especificam pela essência formal dos seus objetos, o ato que busca o objeto na sua essência mesma é especificamente idêntico ao que o busca sob determinado aspecto. Assim como a visão pela qual vemos a luz é especificamente idêntica a pela qual vemos a cor sob o aspecto de luz. Ora, a razão de amarmos o próximo é Deus, pois, o que devemos amar no próximo é que ele esteja unido com Deus. Por onde, é manifesto que o ato pelo qual amamos a Deus é especificamente o mesmo pelo qual amamos o próximo. E por isso o hábito da caridade não só se estende ao amor de Deus, mas também, ao do próximo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O próximo pode ser temido, bem como amado, de dois modos. - De um modo, por causa do que lhe é próprio; assim, quando tememos um tirano por causa da sua crueldade, ou o amamos, pelo desejo de conseguir dele alguma coisa. E esse temor humano difere do temor de Deus, o mesmo se dando com o amor. De outro modo o homem é temido e amado pelo que há nele de divino; assim, tememos o poder secular, por causa do ministério divino, que exerce para punir os malfeitores; e o amamos por causa da justiça. E esse temor do homem não difere do temor de Deus, o que também se dá com o amor.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O amor visa o bem em geral; ao passo que a honra, o bem mesmo de quem é honrado, pois é prestada a alguém em testemunho da sua virtude. Por onde, o amor não se diversifica especificamente pela quantidade diversa da bondade dos seus diversos objetos, pois, é referido a um bem comum; enquanto que a honra se diversifica pelos bens próprios de cada um. Por isso, amamos todos os próximos com o mesmo amor de caridade, enquanto referidos a um só bem comum, que é Deus; mas a cada um prestamos honras diversas, conforme a virtude de cada. E, semelhantemente, prestamos a Deus a honra especial da latria, por causa da sua especial santidade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – São repreendidos os que esperam no homem, como no autor principal da sua salvação; não porém os que nele esperam como ajutórios subordinados aos desígnios de Deus. E semelhantemente, seria repreensível quem amasse ao próximo como fim principal; não porém quem o ama por amor de Deus - o que é próprio da caridade.
O duodécimo discute-se assim. – Parece que não se perde a caridade, por um só ato de pecado mortal.
1. – Pois, diz Orígenes: Não penso que se algum daqueles que pairam, no sumo grau da perfeição, for, porventura, tomado do tédio, percase ou caia de súbito; senão que há de cair paulatinamente e por partes. Ora, cai quem perde a caridade. Logo, esta não se perde por um só ato de pecado mortal.
2. Demais. – O Papa Leão diz, dirigindose a Pedro: O Senhor viu que em ti a fé não foi vencida, nem o amor destruído, mas, a constância perturbada. Abundaram as lágrimas onde não faleceu o afeto, e a fonte da caridade lavou as palavras de temor. E inspirado nessas palavras, o abade Bernardo Guilherme disse que em Pedro, a caridade ficou não extinta, mas, adormecida. Ora, Pedro, negando a Cristo, pecou mortalmente. Logo, a caridade não se perde por um só pecado mortal.
3. Demais. – A caridade é mais forte que uma virtude adquirida. Ora, o hábito da virtude adquirida não o elimina um só ato contrário pecaminoso. Logo, com maior razão, a caridade não é eliminada pelo ato contrário do pecado mortal.
4. Demais. – A caridade implica o amor de Deus e do próximo. Ora, quem comete um pecado mortal parece que conserva o amor de Deus e do próximo. Pois, a desordem do afeto relativa aos meios, não elimina o amor do fim, como já se disse. Logo, a caridade para com Deus pode coexistir com o pecado mortal, consistente no amor desordenado de algum bem temporal.
5. Demais. – O objeto das virtudes teologais é o fim último. Ora, certas delas, como a fé e a esperança, não ficam excluídas por um só ato de pecado mortal; mas permanecem informes. Logo, também a caridade pode permanecer informe, mesmo depois de perpetrado um pecado mortal.
Mas, em contrário. – O pecado mortal torna o homem digno da pena eterna, conforme a Escritura: O eslipêndio do pecado é a morte. Ora, quem quer que tenha caridade merece a vida eterna; pois, diz a Escritura: Aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei também e me manifestarei a ele. E nessa manifestação consiste a vida eterna, conforme outro lugar. A vida eterna consiste a que eles conheçam por um só verdadeiro Deus a ti e a Jesus Cristo, que tu enviaste. Mas ninguém pode ao mesmo tempo ser digno da vida e da morte eternas. Logo, é impossível alguém, em estado de pecado mortal, poder ter a caridade. Portanto, um só ato de pecado mortal fá-la desaparecer.
SOLUÇÃO. – Um contrário fica eliminado por outro sobreveniente. Ora, todo ato de pecado mortal contraria à caridade na sua essência mesmo, consistente em amar a Deus sobre todas as coisas e em nos sujeitarmos totalmente a Ele, a quem devemos tudo referir. É, pois da essência da caridade amarmos a Deus de modo que a nossa vontade se lhe submeta em tudo e sigamos em tudo a regra dos seus preceitos. Ora, tudo o que lhe contraria aos preceitos manifestamente contraria à caridade, e portanto pode, por isso mesmo, excluí-la. Se porém a caridade fosse um hábito adquirido, dependente da virtude do sujeito, não havia ela de necessária e imediatamente desaparecer, por um só ato contrário. Pois, um ato não é diretamente contrariado por um hábito, mas, por outro ato. Portanto, a continuação de um hábito no sujeito não exige a continuidade do ato. Por onde, um hábito adquirido não fica imediatamente excluído pela sobreveniência de um ato contrário. Ora, a caridade, sendo um habito infuso depende da ação de Deus, que a infunde, e que está, para a infusão e a conservação dela, como o sol, para a iluminação do ar, conforme já dissemos. E portanto assim como a luz imediatamente desapareceria do ar se algum obstáculo viesse impedir a sua iluminação pelo sol; assim também a caridade desapareceria imediatamente da alma se algum obstáculo viesse impedir que Deus lha infundisse. Ora, é manifesto que qualquer pecado mortal, contrário aos preceitos divinos, põe obstáculo a essa infusão. Pois, por isso mesmo que o homem deliberadamente prefere o pecado à amizade divina, necessária para poder obedecer à vontade de Deus, há de, consequente e imediatamente, por um só ato de pecado mortal, perder o hábito da caridade. Por isso, Agostinho diz: a presença de Deus ilumina o homem; se se ausenta, logo este fica envolvido em trevas; e dele o homem se afasta, não por distância local, mas, pela aversão da vontade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As palavras de Orígenes podem entender-se como significando que o homem, no estado de perfeição, não vem a praticar imediatamente um ato de pecado mortal, mas a ele se dispõe por alguma negligência precedente. Por isso também os pecados veniais se consideram como disposição para o mortal, conforme já dissemos. Contudo, se cometer um só ato de pecado mortal, cai, perdida a caridade. Mas, como Orígenes acrescenta - quem lhe acontecer escorregar de leve, e logo se arrepender, não caiu de todo - pode-se dizer que, com as palavras supra-citadas, quer significar que se perde de todo e cai, quem cai a ponto de pecar por malícia; o que não se pode dar, imediata e inicialmente, com um varão perfeito.
RESPOSTA À SEGUNDA. – De dois modos pode a caridade ser perdida. - Primeiro, diretamente, pelo desprezo atual. E, desta maneira, Pedra não a perdeu. - De outro modo, indiretamente, quando praticamos um ato contrário a ela, levados por alguma paixão da concupiscência ou do temor. E, deste modo, Pedro, procedendo contra a caridade, perdeu-a mas, logo a recuperou.
RESPOSTA À TERCEIRA. – É clara pelo que já ficou dito.
RESPOSTA À QUARTA. – Não qualquer afeto desordenado relativo aos meios, isto é, aos bens criados, constitui pecado mortal. Mas só quando há uma desordem tal que repugne à vontade divina; e tal desordem contraria diretamente à caridade, como dissemos.
RESPOSTA À QUINTA. – A caridade implica uma certa união com Deus; não porém a fé nem a esperança. Todo pecado mortal, porém, importa na aversão de Deus, como dissemos. Portanto, todo pecado mortal contraria à caridade. Mas, nem todo contraria à fé ou à esperança senão apenas certos e determinados, que eliminam o hábito da fé e o da esperança; assim como todo pecado mortal faz desaparecer o hábito da caridade. Por onde, é claro que a caridade não pode permanecer informe, por ser a forma última das virtudes, pois tem por objeto Deus, sob a noção de fim último, como dissemos.
O undécimo discute-se assim. – Parece que a caridade, uma vez possuída, não pode perder-se.
1. – Pois, perdida não pode sê-lo senão pelo pecado. Ora, quem tem a caridade não pode pecar, conforme o diz a Escritura: Todo o que é nascido de Deus não com ele o pecado, porque a semente de Deus permanece nele; e não pode pecar porque é nascido de Deus. Ora, só os filhos de Deus tem caridade, pois, é ela a que distingue os filhos do reino, dos da perdição, como diz Agostinho. Logo, quem tem a caridade não pode perdê-la.
2. Demais. – Agostinho diz: o amor, se não for verdadeiro, não deve ser considerado como tal. Ora, como ainda ele próprio o diz, a caridade que pode ser abandonada, nunca foi verdadeira. Logo, nunca foi caridade; e portanto aquela que foi vez possuída não pode nunca vir a perder-se.
3. Demais. – Gregório diz: O amor de Deus obra grandes coisas, se existe, se deixar de obrar, não é caridade. Ora, ninguém que obre grandes coisas perde a caridade. Logo, uma vez existente em alguém, a caridade não pode ser perdida.
4. Demais. – O livre arbítrio não se inclina ao pecado senão por algum motivo de pecar. Ora, a caridade exclui todos os motivos de pecar, tais como o amor de si, a cobiça e outros. Logo, a caridade não pode ser perdida.
Mas, em contrário, a Escritura: Tenho contra ti que deixaste a tua primeira caridade.
SOLUÇÃO. – Pela caridade o Espírito Santo habita em nós como do sobredito resulta. Logo, podemos considerá-la a uma tríplice luz. Primeiro, em relação ao Espírito Santo que move a alma a amar a Deus. E então a caridade tem a impecabilidade por virtude do Espírito Santo, que opera infalivelmente tudo quanto quer. Por onde é impossível seja ao mesmo tempo verdadeiro que, de um lado, o Espírito queira mover alguém a um ato de caridade e, por outro, que essa pessoa a perca, pecando. Pois, o dom da perseverança conta-se entre os benefícios de Deus, com os quais certissimamente se salvam os que se salvam, como diz Agostinho. De outro modo, podemos considerar a caridade na sua essência mesmo. E então ela não pode senão o que se lhe inclui na essência. E portanto de nenhum modo pode pecar, assim como o calor não pode esfriar e nem a injustiça, fazer o bem, no dizer de Agostinho. De um terceiro modo, a caridade pode ser considerada relativamente ao sujeito, capaz de decidir-se, pelo livre arbítrio. Ora, ela pode referir-se ao seu sujeito, por uma razão universal, como aquela pela qual a forma é referida à matéria; ou por uma razão particular, como aquela pela qual o hábito se refere à potência. Ora, é da essência da forma existir num sujeito que pode, todavia vir a perdê-la, quando era não atualiza toda a potencialidade da matéria. Tal o caso das formas dos seres sujeitos à geração e à corrupção cuja matéria recebe uma forma, mas conservando a possibilidade de receber outra, por não ficar atualizada por uma só forma toda a potencialidade da matéria. E por isso, pode uma forma desaparecer com o advento de outra. Mas a forma do corpo celeste, que atualiza toda a potencialidade da matéria, de modo a não mais existir nela a possibilidade de receber outra forma, permanece inamissivelrnente. Assim, pois a caridade da pátria, que atualiza toda a potencialidade da alma racional, porque todos os seus movimentos dirigem-se atualmente para Deus, permanece inamissivelmente no sujeito. A caridade da via porém não atualiza desse modo a potencialidade do sujeito, por não ser dirigida sempre e atualmente para Deus. Por isso, quando não o busca, em ato, pode sobrevir alguma ocorrência que leve o sujeito a perdê-la. Ao hábito, por seu lado, é próprio inclinar a potência para o ato, fazendo-a considerar como bom aquilo que lhe convém, e como mal, o que lhe repugna. Pois, assim como o gosto julga dos sabores conforme a sua disposição, assim a mente do homem julga do que deve fazer, segundo a sua disposição habitual. Por isso, o Filósofo diz, que assim como somos, assim consideramos o fim. Portanto, a caridade não pode ser perdida, quando o que lhe convém não lhe pode parecer senão bom; o que se dá na pátria, onde Deus, que é essencialmente bom, é contemplado em essência. Logo, a caridade da pátria não pode ser perdida. Pode-o, porém, sê-lo a da via, em que não vemos a essência de Deus, que é a essência da bondade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A autoridade aduzida refere-se ao poder do Espírito Santo, pela conservação do qual tornam-se imunes do pecado os que ele move quanto quer.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A caridade que pode afastar-se da essência mesma da caridade, não é verdadeira. E tal seria o caso se o seu amor consistisse em amar durante algum tempo e, depois, deixa, de fazê-lo: o que não seria verdadeiro amor. Mas, o perder-se a caridade pela mudança do sujeito, fazendo consistir o seu ato em agir contra o que ela propõe isso não repugna à verdade da mesma.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O amor de Deus propõe-se sempre a obrar grandes coisas, o que pertence à essência da caridade. Nem sempre, porém, obra grandes coisas, em ato, por causa da condição do sujeito.
RESPOSTA À QUARTA. – A caridade, pela essência mesma do seu ato, exclui todo motivo de pecar. Mas, às vezes, acontece que ela não age atualmente. E então pode intervir algum motivo que leve a pecar e, se consentirmos nele, perderemos a caridade.
O décimo discute-se assim. – Parece que a caridade pode diminuir.
1. – Pois, os contrários tem naturalmente o mesmo objeto. Ora, diminuição e aumento são contrários. Logo, como a caridade é susceptível de aumento, segundo se disse, resulta que também o é de diminuição.
2. Demais. – Agostinho, dirigindo-se a Deus, diz: Ama-te menos quem, juntamente contigo, ama também a outro ser; e o alimento da caridade é a diminuição da cobiça. Donde se colhe que também, inversamente, o aumento da cobiça implica na diminuição da caridade. Ora, a cobiça, que leva a amar outro ser que não Deus, pode crescer no homem. Logo, a caridade pode diminuir.
3. Demais. – Como diz Agostinho, Deus não torna um homem justo, justificando-o de modo tal que, mesmo que ele venha a abandona-lo, nele permaneça o que Deus obrou. Donde se pode concluir, por semelhança, que Deus, conservando no homem a sua caridade, nele obra do mesmo modo que quando lha infundiu de novo. Ora, quando infundiu a caridade de novo, infundiu-a Deus, menos, em quem menos preparado estava. Logo, também ao conservála, menos, a conserva em quem menos para ela se prepara. Portanto, a caridade pode diminuir.
Mas, em contrario, a Escritura compara a caridade ao fogo: as suas lâmpadas, isto é, as da caridade, são umas lâmpadas de jogo e de chamas. Ora, o fogo, enquanto permanece, sempre sobe. Logo, a caridade pode subir, enquanto subsistir; mas, descer, isto é, diminuir, não pode.
SOLUÇÃO. – A quantidade que tem a caridade, relativamente ao seu objeto próprio, não pode nem diminuir nem aumentar, como já dissemos. Mas, como pode aumentar a quantidade que ela tem, relativamente ao sujeito, devemos então considerar se, também por esse lado, pode diminuir. Ora, se o pode, há de sê-lo por um ato ou pelo cessar do ato. Pela cessação do ato diminuem as virtudes adquiridas pelo atos, que também às vezes se corrompem, como já dissemos. Por isso, tratando da amizade, o Filósofo diz que o não buscar, isto é, o não chamar mais pelo amigo ou não falar com ele, dissolve muitas amizades. - E isto se dá porque a conservação de um efeito depende da sua causa. Ora, a causa da virtude adquirida é o ato humano. Por onde, cessando os atos humanos, a virtude adquirida diminui, e afinal desaparece totalmente. O que não sucede com a caridade, não causada por atos humanos, mas só por Deus como já dissemos. Donde se conclui que, mesmo cessando o ato, ela nem por isso diminui ou desaparece, se o cessar do ato não for causado por algum pecado.
Donde se conclui que a diminuição da caridade só pode ser causada por Deus ou por algum pecado. Ora, Deus não causa em nós nenhuma deficiência, senão como pena, quando nos priva da graça, em punição do pecado. Por onde, só pode diminuir a caridade; para infligir uma pena; e esta só é devida ao pecado. Donde se conclui que se a caridade diminuir, a causa dessa diminuição há de ser o pecado, afetiva ou meritôriamente. - Ora, de nenhum desses modos, o pecado mortal diminui a caridade, pois a elimina de todo: efetivamente, por todo pecado mortal contrariar à caridade, como a seguir se dirá; e também meritoriamente, pois quem encontra a caridade, pecando mortalmente, faz-se digno de Deus o privar dela. - Semelhantemente, também a caridade não pode diminuir pecado venial, nem e efetiva, nem meritoriamente. Efetivamente não, porque esse pecado não atinge a caridade, cujo objeto é o fim último. Ora, o pecado venial é uma desordem relativa aos meios conducentes ao fim. E não fica diminuído o amor do fim por agirmos desordenadamente em relação aos meios. Assim, pode se dar que um enfermo, por amar demais a saúde, proceda desordenadamente no observar a dieta. E também, nas ciências especulativas, as falsas opiniões, relativas às deduções dos princípios, não lhes diminuem a certeza. Semelhantemente, o pecado venial não merece a diminuição da caridade. Pois, quem comete um delito de pouca monta não merece sofrer pena a ele desproporcionada. Nem Deus se afasta do homem, mais que o homem, dele. Por onde, quem procede desordenadamente em relação aos meios não merece sofrer detrimento na caridade, pela qual se ordena ao fim último.
Por isso e consequentemente, a caridade não pode de nenhum modo diminuir, diretamente falando. Indiretamente porém, pode se chamar diminuição da caridade a uma disposição para a corrupção da mesma, causada pelo pecado venial ou também pelo cessar do exercício das obras de caridade.
DONDE RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os contrários tem o mesmo objeto, quando o sujeito se comporta igualmente em relação a ambos. Ora, a caridade não se composta igualmente em relação ao aumento e à diminuição; pois, pode haver uma causa de ela aumentar, mas não, de diminuir, como já dissemos. Logo, a objeção não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Há uma dupla cobiça; A que põe o seu fito nas criaturas. E esta causa totalmente a morte da caridade, sendo para ela um veneno, como diz Agostinho: E isso faz Deus ser menos amado do que deve sê-lo, pela caridade; e não diminuindo-a, mas, eliminando-a totalmente. E assim deve entender-se o lugar citado: Ama-te menos quem, juntamente contigo, ama também a outro ser; pois, Agostinho acrescenta: porque não o ama por causa de ti. Ora, tal não se dá com o pecado venial, mas só com o mortal. Pois, o que amamos, cometendo um pecado venial, por Deus o amamos, habitual, embora não, atualmente, - Há, porém, outra cobiça do pecado venial, que sempre diminui pela caridade. Mas, essa não pode diminuí-la pela razão já exposta.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A infusão da caridade supõe o movimento do livre arbítrio, como já dissemos. Por onde, o que diminui a intensidade do livre arbítrio, provoca uma disposição para ser menor a caridade infundida. Mas, para a conservação da caridade não é necessário a intervenção do livre arbítrio; pois, do contrário, ela não subsistiria nos adormecidos. Por onde, um impedimento à intensidade da intervenção do livre arbítrio não diminui a caridade.
O nono discute-se assim. – Parece que inconvenientemente se distinguem três graus na caridade - a incipiente, a proficiente e a perfeita.
1. – Pois, entre o princípio da caridade e a sua última perfeição, há muitos graus intermediários. Logo, não se deve dizer que só há um.
2. Demais. –- A caridade, desde que existe, começa a progredir. Logo, não se deve distinguir a caridade proficiente da incipiente,
3. Demais. – Por mais que neste mundo seja perfeita a nossa caridade, é sempre susceptível de aumento, como já dissemos. Ora, o aumentar da caridade é progredir. Logo, a caridade perfeita não deve distinguir-se da proficiente. Portanto, são inconvenientemente atribuídos três graus à caridade.
Mas, em contrário, Agostinho. A caridade, uma vez nascida, cresce, o que é próprio dos incipientes; uma vez crescida, fortifica-se, o que é próprio dos que progridem; uma vez fortificada, aperfeiçoa-se, o que é próprio dos perfeitos. Logo, há três graus de caridade.
SOLUÇÃO. – O aumento espiritual da caridade pode ser considerado à luz do crescimento do corpo humano. Ora, este crescimento, embora possa distinguir-se em várias partes é contudo susceptível de certas e determinada distinções, relativas a determinadas ações ou esforços que provoca no homem. Assim, chamase idade infantil em que o homem ainda não tem o uso da razão. Depois, distinguem-se-lhe outro estado, quando já começa a falar e usar da razão. O terceiro estado é o da puberdade, quando já é capaz de gerar. E assim por diante, até chegar à perfeição. Ora, do mesmo modo, os diversos graus da caridade distinguem-se pelos diversos esforços que o aumento da mesma provoca no homem. - Assim, há de ele aplicar-se primeira e principalmente, a abandonar o pecado e a lhe resistir aos atrativos, que o levam para o que é contrário da caridade. E isto é próprio dos incipientes, que devem alimentar e estimular a caridade, para que não pereça. - A este sucede o segundo esforço, que leva o homem principalmente a progredir no bem. E este é próprio dos adiantados, que visam sobretudo fortificar a caridade, aumentando-a. - Em terceiro lugar, o homem esforçase, principalmente, por unir-se com Deus e gozá-lo. E isto é próprio dos perfeitos, que desejam dissolver-se e estar com Cristo. - Pois, do mesmo modo, vemos que a alteração do corpo primeiro afasta-o da origem; depois, aproxima-o do termo; enfim, repousa-o nele.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Todas essas distinções determinadas que se podem descobrir no aumento da caridade, estão compreendidas nas três que acabamos de fazer. Assim como todas as divisões do contínuo se compreendem nessas três - o princípio, o meio e o fim, no dizer do Filósofo.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora os incipientes na caridade progridam, contudo empregam particular estudo em resistir aos pecados, que, pelos seus ataques, os inquietam. Em seguida, sentindo menos esses ataques, buscam já a perfeição como que mais seguramente. Por um lado, praticando obras; por outro, tendo a espada na mão, como diz a Escritura: falando dos edificadores de Jerusalém.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os de caridade perfeita também progridem, mas não é isso o que principalmente visam; senão que o esforço próprio deles consiste, sobretudo, em unir-se com Deus. E embora esse fim também o visem os incipientes e os proficientes, dirigem contudo principalmente os seus esforços para outros fins: os incipientes, para o de evitar o pecado; os proficientes, para o de progredir nas virtudes.