O segundo discute-se assim. – Parece que a caridade não é causada em nós por infusão.
1. – Pois, o que é comum a todas as criaturas existe naturalmente no homem. Ora, como diz Dionísio, todos tem dilecção e amor pelo bem divino, objeto da caridade. Logo, a caridade existe em nós naturalmente e não por infusão.
2. Demais. – Quanto mais amável é um ser, tanto mais facilmente pode ser amado. Ora, Deus, sendo o sumo bem, é amável por excelência. Logo, é mais fácil amá-lo a ele que aos outros seres. Ora, para amar aos outros não precisamos de nenhum hábito infuso. Portanto, também não o precisamos para amar a Deus.
3. Demais. – O Apóstolo diz: O fim do preceito é a caridade nascida de um coração puro, e duma boa consciência e duma fé não fingida. Ora, esses três elementos pertencem aos atos humanos. Logo, a caridade é causada em nós por atos precedentes e não, por infusão.
Mas, em contrário, o Apóstolo: A caridade de Deus esta derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, caridade é amizade entre Deus e o homem, fundada na comunicação da felicidade eterna. Ora, essa comunicação não se faz provocada por dons naturais, mas gratuitamente, conforme ao Apóstolo: A graça de Deus é a vida perdurável. Por onde a caridade excede a capacidade da natureza. Ora, o que a excede não pode ser natural, nem adquirido pelas potências naturais, porque um efeito natural não transcende a sua causa. Por isso a caridade não pode existir em nós naturalmente, nem ser adquirida por virtudes naturais, mas por infusão do Espírito Santo, que é o amor do Pai e do Filho, e cuja participação em nós é a caridade criada como já dissemos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Dionísio se refere ao amor de Deus, fundado na comunicação dos bens naturais, que, portanto, existe naturalmente em todos. Ora, a caridade se funda numa comunicação sobrenatural, E portanto, a comparação não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Deus é, em si mesmo considerado, o ser cognoscível por excelência, embora não o seja por nós, por causa da deficiência do nosso conhecimento, dependente das coisas sensíveis. Assim também, Deus é, em si mesmo, amável por excelência, enquanto objeto da felicidade; mas, do mesmo modo, não é para nós o ser amável sobre todas as coisas, por causa da inclinação do nosso afeto para os bens visíveis. Por onde, para amarmos a Deus sobre todas as coisas, é necessário seja infundida a caridade nos nossos corações.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando o Apóstolo diz, que a caridade procede em nós de um coração puro, e duma boa consciência e de uma fé não fingida, quer referir-se ao ato de caridade provocado pelas causas já referidas. Ou também pode querer dizer, que tais atos dispõem o homem para receber a infusão da caridade. E o mesmo também devemos dizer do lugar de Agostinho: o temor introduz a caridade; e do que diz a Glosa, que a fé gera a esperança e a esperança, a caridade.