Category: Santo Tomás de Aquino
O oitavo discute-se assim. – Parece que o temor inicial difere substancialmente do temor filial.
1. – Pois, o temor filial é causado pelo amor. Ora, o temor inicial é o princípio do amor, conforme a Escritura: O temor de Deus é o principio do seu amor. Logo, o temor inicial é diferente do filial.
2. Demais. – O temor inicial teme a pena, objeto do temor servil; donde, parece que aquele é o mesmo que este. Ora, o temor servil difere do filial. Logo, também o temor inicial difere substancialmente do filial.
3. Demais. – O meio termo difere, pela mesma razão, de ambos os extremos. Ora, o temor inicial é um termo médio entre o servil e o filial. Logo, difere destes dois últimos.
Mas, em contrário, o perfeito e o imperfeito não diversificam a substância das coisas. Ora, o temor inicial e o filial diferem pela perfeição e pela imperfeição da caridade, como claramente o mostra Agostinho. Logo, o temor inicial não difere substancialmente do filial.
SOLUÇÃO. – O temor inicial assim se chama por ser um início. Mas, como o temor servil e o filial sejam, de certo modo, início da sabedoria, um e outro podem, de algum modo, ser chamados iniciais. Mas não é nesta acepção que é considerado o temor inicial, quando o distinguimos do temor servil e do filial. Mas, como o temor próprio dos principiantes, que, embora tenham o início do temor filial, sob a influência da caridade, não o têm contudo perfeitamente, porque ainda não chegaram à perfeição da caridade. Por onde, o temor inicial está para o filial, como a caridade imperfeita, para a perfeita. Ora, a caridade perfeita não difere essencialmente da imperfeita, mas só como estados diversos da caridade. E portanto devemos concluir que também o temor inicial, na acepção em que aqui o tomamos, não difere essencialmente do temor filial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O temor, que é inicio do amor é o temor servil, que introduz a caridade como a crina faz passar o fio, no dizer de Agostinho. Ou, se se faz referir o texto da Escritura ao temor inicial, o temor é chamado início do amor, não absolutamente, mas em relação ao estado da caridade perfeita.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O temor inicial não teme a pena como seu objeto próprio, mas enquanto lhe resta algo do temor servil, que, em substância, coexiste com a caridade, mas sem a servilidade. Mas o seu ato (servil) coexiste com a caridade imperfeita naquele que é levado a agir bem, não só pelo amor da justiça, mas também pelo temor da pena. Porém, esse ato cessa em quem tem a caridade perfeita, que lança fora ao temor acompanhado da pena, como diz a Escritura.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O temor inicial é um termo médio entre o servil e o filial; não como se dá entre realidades do mesmo gênero, mas como o imperfeito é meio termo entre o ser perfeito e o não ser, na expressão de Aristóteles. Mas esse ser imperfeito é substancialmente idêntico ao perfeito, e difere totalmente do não ser.
O segundo discute-se assim. – Parece que a blasfêmia nem sempre é pecado mortal.
1 – Pois, aquilo do Apóstolo – Mas agora deixai também vós todas estas coisas, etc. - diz a Glosa: depois das coisas maiores proíbe as menores; e nestas inclui as blasfêmias. Logo, a blasfêmia é considerada entre os pecados menores, que são veniais.
2. Demais. – Todo pecado mortal se opõe a algum preceito do Decálogo. Ora, a blasfêmia não se opõe a nenhum deles. Logo, não é pecado mortal.
3. Demais. – Não são pecados mortais os cometidos sem deliberação; por isso os movimentos subitamente primários da nossa vontade não são pecados mortais, precederem o movimento da razão, como do sobredito claramente resulta. Ora, a blasfêmia às vezes precede toda deliberação. Logo, nem sempre é pecado mortal.
Mas, em contrário, a Escritura: O que blasfemar o nome do Senhor morra de morte. Ora, a pena de morte não é imposta senão ao pecado mortal. Logo, pecado mortal é a blasfêmia.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos pelo pecado mortal o homem separa-se do princípio primeiro da vida espiritual, que é a caridade para com Deus. Por onde, tudo o que contraria a caridade ê genericamente pecado mortal. Ora, a blasfêmia contraria genericamente a caridade para com Deus, por lhe causar detrimento à bondade, como já dissemos, que é o objeto da caridade. Logo, a blasfêmia é genericamente pecado mortal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não se deve entender a Glosa citada, como considerando pecados menores tudo o mais quanto acrescenta ao que antes disse; mas que, não tendo enumerado antes senão os pecados maiores, acrescenta depois alguns menores, entre os quais enumera também alguns dentre os maiores.
RESPOSTA A SEGUNDA. – Opondo-se a blasfêmia à confissão da fé, como já se disse a sua proibição reduz-se à da infidelidade, compreendida no dito da Escritura: Eu sou o Senhor teu Deus, etc. Ou está proibida por aquele outro lugar: Não tomarás em vão o nome de teu Deus. Ora, mais toma em vão o nome de Deus quem dele afirma uma falsidade, que quem confirma qualquer falsidade invocando esse nome.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A blasfêmia pode, sem deliberação, surgir subrepticiamente, de dois modos. – De um modo, quando não advertimos ser blasfêmia o que dizemos. E isso pode se dar quando, subitamente, levados da paixão prorrompemos nas palavras imaginadas, em cuja significação não refletimos. E então é a blasfêmia pecado venial e não é essencial e propriamente blasfêmia. – De outro modo, quando advertimos na blasfêmia , considerando-lhe os significados das palavras. E então não ficamos isentos de pecado mortal, como não o fica quem mata levado por um movimento súbito de ira, alguém que lhe está sentado ao lado.
O terceiro discute-se assim. – Parece que o intelecto, dom do Espírito Santo, não é prático, mas somente especulativo.
1. – Pois, o intelecto, como diz Gregório: peneira certas coisas mais alias, Ora, o objeto do intelecto prático não é alto, mas ao contrário, o que há de ínfimo, a saber, o singular, sobre o que versam os atos. Logo, o intelecto, considerado como dom, não é intelecto prático.
2. Demais. – O intelecto, dom, é algo de mais digno que o intelecto, virtude intelectual. Ora, o intelecto, virtude intelectual, só versa sobre o necessário, como está claro no Filósofo. Logo, com maior razão, o intelecto, dom, versará somente sobre o necessário. Por outro lado, o intelecto prático não versa sobre o necessário, mas sobre o susceptível de mudança e que pode ser objeto da ação humana. Logo, o intelecto, dom, não é intelecto prático.
3. Demais. – O dom do intelecto ilumina a mente para o que excede a razão natural. Ora, as obras humanas, sobre que versa o intelecto prático, não excedem a razão natural, que dirige as ações, como do sobredito resulta. Logo, o intelecto, que é dom, não é intelecto prático.
Mas, em contrário, diz a Escritura: É bom entendimento o de todos os que obram como ele.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, o dom do intelecto diz respeito não só ao que primária e principalmente é da alçada da fé, mas também a tudo que a ela se ordena. Ora, as boas obras se ordenam, de certo modo, para a fé. Pois, a fé obra por caridade no dizer do Apóstolo. Logo, o dom do intelecto também se estende a certas obras, não por versar principalmente sobre elas, mas porque, ao agir, nós vos regulamos pelas razões eternas às quais adere a razão superior, que é aperfeiçoada pelo dom do intelecto, considerando-as e consultando-as, segundo Agostinho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As obras humanas, em si mesmas consideradas, não tem nenhuma alta excelência. Mas a tem, podendo então o intelecto versar sobre elas quando relativas à regra da lei eterna e ao fim da beatitude divina.
RESPOSTA À SEGUNDA. – À dignidade mesma do dom do intelecto pertence inteligir o inteligível eterno ou considerar as verdades necessárias, não só naquilo mesmo que são, mas também enquanto regras determinadas dos atos humanos. Pois, quanto mais capaz é a virtude cognoscitiva, tanto mais nobre ela é.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A regra dos atos humanos é tanto a razão humana como a lei eterna conforme já dissemos. Ora, a lei eterna excede a razão natural. Por onde, o conhecimento dos atos humanos, enquanto regulados pela lei eterna, excede a razão natural e precisa da luz sobrenatural do dom do Espírito Santo.
O sétimo discute-se assim. – Parece que o temor não é o início da sabedoria.
1. – Pois, início é o princípio de uma coisa. Ora, o temor não faz parte da sabedoria; porque pertence à potência apetitiva, ao passo que a sabedoria pertence à intelectiva. Logo, parece que o temor não é o início da sabedoria.
2. Demais. – Nada pode ser principio de si mesmo. Ora, o temor de Deus é a mesma sabedoria, no dizer da Escritura. Logo, parece que o temor de Deus não é o início da sabedoria.
3. Demais. – Nada é anterior ao princípio. Ora, é a fé anterior ao temor; pelo preceder. Logo, parece que o temor não é o início da sabedoria.
Mas, em contrário, a Escritura. O temor do Senhor é ó princípio da sabedoria.
SOLUÇÃO. – A expressão - início da sabedoria - pode ser tomada em duplo sentido: como o início da sabedoria mesma, na sua essência, ou quanto ao seu efeito. Assim, o início de uma arte, na sua essência, são os princípios de que ela procede; e o início, quanto ao seu efeito, é o ponto de partida da realização da obra artística. Nesse sentido dizemos que o princípio da arte de edificar é o fundamento, porque por ele começa o construtor a sua obra.
Ora, sendo a sabedoria o conhecimento das coisas divinas, como a seguir se dirá, ela é considerada pelos teólogos e pelos filósofos a luzes diversas. Pois, ordenando-se a nossa vida para o gozo de Deus, por uma certa participação da natureza divina, conferida pela graça, a sabedoria, para os teólogos, é considerada, não só como cognoscitiva de Deus, no dizer dos filósofos, mas também como diretiva da vida humana, dirigida não somente das razões humanas, mas também, das divinas, como claramente o expõe Agostinho.
Assim, pois, o inicio da sabedoria, na sua essência, são os princípios primeiros da mesma, que são artigos de fé. E neste sentido, consideramos a fé o início da sabedoria. Mas, quanto ao efeito, início da sabedoria é o início da sua operação. E neste sentido o temor é o início da mesma; mas, de um modo, o temor servil e, de outro, o filial. O temor servil é como o princípio extrínseco, que dispõe para ela, e nos faz, pelo temor da pena, abandonar o pecado, e assim nos torna capazes para receber o efeito da sabedoria, conforme aquilo da Escritura: O temor do Senhor lança fora o pecado. Por seu lado, o temor casto ou filial é o início da sabedoria, como o primeiro efeito da mesma. Pois, sendo próprio da sabedoria fazer com que a vida humana seja regulada pelas razões divinas, aí devemos ir buscar o princípio da nossa reverência e da nossa submissão para com Deus. E assim, em tudo o mais nos regularemos por Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção mostra que o temor não é o princípio da sabedoria, quanto à essência desta.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O temor de Deus está para a totalidade da vida humana, regulada pela sabedoria de Deus, como a raiz, para a árvore. Por isso, diz a Escritura: A raiz da sabedoria é temer ao Senhor, e os seus ramos são de muita dura. Portanto, assim como se diz que a raiz é virtualmente toda a árvore, assim, que o temor de Deus é a sabedoria.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como já dissemos de um modo é a fé o princípio da sabedoria e, de outro, o temor. Donde o dizer a Escritura: O temor de Deus é o princípio do seu amor; mas inseparavelmente se lhe deve ajuntar um princípio de fé.
O sexto discute-se assim. – Parece que o temor servil não coexiste com a caridade.
1 – Pois, como diz Agostinho, desde que a caridade começa a habitar na alma, ela expulsa o temor, que lhe preparou o lugar.
2. Demais. – A caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado, diz a Escritura. Ora, onde há o Espírito do Senhor, aí há a liberdade, como diz ainda o Apóstolo. Ora, a liberdade, excluindo a servidão, parece que a presença da caridade exclui o temor servil.
3. Demais. – O temor servil é causado pelo amor de nós mesmos, pois a pena diminui o nosso bem próprio. Ora, o amor de Deus exclui o amor próprio, pois faz-nos desprezar a nós mesmos, como claramente o afirma Agostinho, dizendo que o amor de Deus, até o desprezo de si próprio, é que constitui a cidade de Deus. Logo, parece que, com a sua presença, a caridade exclui o temor servil.
Mas, em contrário, o temor servil é um dom do Espírito Santo, como já dissemos. Ora, a caridade presente não exclui os dons do Espírito Santo, pelos quais ele habita em nós. Logo, presente, também ela não exclui o temor servil.
SOLUÇÃO. – O temor servil é causado pelo amor de nós mesmos, pois, é o temor da pena, que constitui detrimento a esse bem. Por onde, o temor da pena pode coexistir com a caridade, do mesmo modo que o pode o amor de nós mesmos; pois, pela mesma razão por que desejamos o nosso bem, tememos ser privados dele. Ora, o amor próprio pode manter tríplice relação com a caridade. Assim, de um modo, contraria a caridade, quando pomos o nosso fim no amor do bem próprio. De outro modo, inclui-se na caridade, quando nós nos amamos a nós mesmos por causa de Deus e em Deus. De um terceiro modo, distingue-se da caridade, sem a encontrar. Assim, quando nós nos amamos levados pela ideia do nosso bem próprio, sem contudo pormos nesse bem o nosso fim. E caso idêntico ao daquele em que temos amor especial pelo nosso próximo, além do amor de caridade, fundado em Deus, quando o amamos em razão da consanguinidade, ou de qualquer outra condição humana, contudo referível à caridade.
Portanto, o temor da pena está, de um modo, incluso na caridade; pois, separarmo-nos de Deus é uma pena, que a caridade teme sobretudo; e isto constitui o temor casto. De outro modo, encontrar a caridade, quando procuramos evitar a pena contrária ao nosso bem natural, como sendo o mal principal contrário ao bem que amamos como fim, e então o temor da pena não coexiste com a caridade. De outro modo, enfim, o temor da pena distingue-se substancialmente do temor casto, quando tememos o mal da pena, não por causa da separação de Deus, mas por ser nocivo ao nosso bem próprio. E, contudo não fazemos desse bem o nosso fim, e por isso não tememos o referido mal como um mal principal. Ora, esse temor da pena pode coexistir com a caridade. Mas não se chama servil senão quando a pena é temida como o mal principal, conforme do sobredito se colhe. Por onde o temor servil, como tal, não coexiste com a caridade; mas, a substância desse temor pode com ela coexistir, assim como o amor próprio pode coexistir com a mesma.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – No lugar citado, Agostinho se refere ao temor enquanto servil.
E do mesmo modo argumentam as duas outras objeções.
O quinto discute-se assim. – Parece que o temor servil é substancialmente o mesmo que o temor filial.
1. – Pois, parece que o temor filial está para o servil como a fé informada para a informe, podendo tanto o temor servil como a fé informe coexistir com o pecado mortal, ao contrário do que se dá com o temor filial e a fé informada pela caridade. Logo, o temor servil e o filial são substancialmente idênticos.
2. Demais. – Os hábitos se diversificam pelos seus objetos. Ora, o temor servil e o filial têm o mesmo objeto, porque por um e outro tememos a Deus. Logo o temor servil é substancialmente idêntico ao filial.
3. Demais. – Assim como o homem espera gozar de Deus e alcançar dele benefícios, assim também teme dele separar-se e sofrer-lhe as penas. Ora, a esperança pela qual esperamos gozar de Deus é a mesma pela qual esperamos receber os seus benefícios, como já se disse. Logo, também o temor filial, pelo qual tememos nos separar de Deus, é idêntico ao temor servil, pelo qual tememos ser punidos por ele.
Mas, em contrário, Agostinho diz, que há dois temores: um servil e outro, filial ou casto.
SOLUÇÃO. – O objeto próprio do temor é o mal. E como os atos e os hábitos distinguem-se pelos seus objetos, segundo do sobre dito resulta, necessariamente pela diversidade dos males, os temores se especificam, Ora, especificamente o mal da pena, a que o temor servil procura escapar, difere do mal da culpa, o que procura evitar o temor filial, como se colhe do que já foi dito. Por onde é manifesto, que o temor servil e o filial não são substancialmente idênticos, mas diferem especificamente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A fé informada e a informe não diferem pelos seus objetos, pois uma e outra fé crê a Deus e crê Deus. Mas só diferem extrinsecamente, isto é, conforme a presença e a ausência da caridade. Logo, não diferem substancialmente. Ora o temor servil e o filial diferindo pelos seus objetos a comparação não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O temor servil e o filial não mantêm a mesma relação com Deus. Pois aquele o considera corno o princípio ativo das penas; ao passo que este o considera, não como o princípio ativo da culpa, mas antes, como o termo de que tememos, por ela, nos separar. Logo, considerando-se esse objeto, que é Deus, não se identificam especificamente esses temores. Pois, mesmo os movimentos naturais se diversificam especificamente pelas relações diversas com um mesmo termo; assim, o movimento que vem da brancura não é especificamente o mesmo que outro, que para ela tende.
RESPOSTA À TERCEIRA. –A esperança vê em Deus o princípio, tanto do gozo divino como de qualquer outro benefício. Ora, o mesmo não se dá com o temor. Logo, a comparação claudica.
O quarto discute-se assim. – Parece que o temor servil não é bom.
1. – Pois, é mau aquilo cuja atividade é má. Ora, a atividade do temor servil é má; porque, como diz a Glosa, quem age com temor, embora seja bom o que faz, não o faz bem. Logo, o temor servil não é bom.
2. Demais. – O que provém radicalmente do pecado não é bom. Ora, o temor servil nasce radicalmente do pecado; pois, aquilo da Escritura - Porque não morri eu dentro do ventre de minha mãe - diz Gregório: Quando tememos a pena presente, consequência do pecado, e não amamos o rosto perdido, de Deus, o temor vem do orgulho e não da humildade, Logo, o temor servil é mau.
3. Demais. – Assim como o amor mercenário se opõe ao da caridade, assim parece que o temor servil se opõe ao temor casto. Ora, o amor mercenário é sempre um mal. Logo, também o temor servil o é.
Mas, em contrário. – Nenhum mal vem do Espírito Santo. Ora, do Espírito Santo provém o temor servil; pois, aquilo da Escritura Não recebestes o Espírito de escravidão - diz a Glosa: Um mesmo Espírito é o que causa as duas espécies de temor - o servil e o casto. Logo, o temor servil não é mau.
SOLUÇÃO. – O temor servil, pelo seu caráter de servilidade, é mau, pois esta se opõe à liberdade. Por onde, sendo livre quem é senhor de si, como diz Aristóteles escravo é quem não obra por si mesmo, senão quase movido por uma causa externa. Ora, quem age por amor age como por si mesmo, pois é levado ao ato por uma inclinação própria. Portanto, é contra a natureza da servilidade agir por amor. Assim pois o temor servil, enquanto servil, é contrário à caridade. Se portanto a servilidade fosse da essência do temor servil, necessariamente haveria este de ser mau, assim como o adultério é em si mesmo mau pelo especificar a sua oposição à caridade. Ora, a servilidade em questão não pertence à espécie do temor servil, assim como a falta de informação não pertence à da fé informe. Pois um hábito moral ou um ato se especifica pelo seu objeto. Ora, o objeto do temor servil é a pena. E a esta é acidental que o bem, que ela contraria, seja amado como fim último, e por consequência seja ela temida como o mal principal; o que se dá com quem não tem caridade. Ou que seja ordenado para Deus, como fim, e por consequência não seja temida como mal principal, o que sucede com quem tem caridade. Ora, um hábito não muda de espécie por ser o seu objeto ou o seu fim ordenado a um fim ulterior. Logo, o temor servil é substancialmente bom; mas a sua servilidade é má.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As palavras citadas de Agostinho entendem-se de quem age por temor servil, como tal, de modo que não ame a justiça, mas somente tema a pena.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O temor servil, na sua substância, não procede do orgulho, mas sim, a sua servilidade, por não querer o homem sujeitar o seu afeto, por amor, ao jugo da justiça.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Chama-se amor mercenário o que ama a Deus por causa dos bens temporais, o que em si mesmo encontra a caridade. Por isso, tal amor é sempre mau. Mas o temor servil, na sua substância, não implica senão o temor da pena quer seja esta temida como o mal principal, quer não.
O terceiro discute-se assim. – Parece que o temor do mundo nem sempre é um mal.
1. – Pois, o que constitui o temor do mundo é o nosso respeito dos homens. Ora, certos são recriminados pelos não respeitarem, como aquele juiz iníquo, de que fala o Evangelho, que não temia a Deus nem respeitava os homens. Logo, parece que o temor do mundo nem sempre é um mal.
2. Demais. – No temor do mundo parece se fundarem as penas infligidas pelo poder secular. Ora, essas penas levam a bem agir, conforme o diz a Escritura Querer tu não temer a potestade? Obra bem e terás louvor dela mesma. Logo, o temor do mundo nem sempre é mau.
3. Demais. – O que existe em nós naturalmente não parece ser mau, porque os nossos dons naturais procedem de Deus. Ora, é nos natural temer detrimento em nosso próprio corpo e a perda dos bens temporais, com que se sustenta a vida presente. Logo, parece que o temor do mundo nem sempre é mau.
Mas, em contrário, a Escritura: Não temais aos que matam ao corpo, proibindo assim o temor do mundo. Ora, Deus não proíbe senão o mal. Logo, o temor do mundo é mau.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, os atos morais denominam-se e especificam-se pelos seus objetos. Ora, o objeto próprio do movimento apetitivo é o bem final. Por onde, todo movimento apetitivo especifica-se e denomina-se pelo fim próprio. Assim, quem chamasse cobiça ao amor do trabalho, porque por cobiça é que os homens trabalham não lhe daria uma denominação própria. Pois os cobiçosos não buscam o trabalho como fim, mas como meio, pois o fim que têm em vista são as riquezas. Por onde, chama-se propriamente cobiça ao desejo ou amor das riquezas, o que é um mal. E deste modo, amor do mundo se chama propriamente aquele que põe no mundo a sua finalidade. Portanto, o amor do mundo é sempre um mal. Ora, o temor nasce do amor pois tememos perder o que amamos, como com clareza o diz Agostinho. Por onde, o temor do mundo é o procedente do amor do mundo, como de má raiz. E por isso este temor, em si mesmo, é sempre um mal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Podemos respeitar os homens de dois modos. Enquanto há neles algo de divino, como, por exemplo, o bem da graça ou da virtude, ou, pelo menos, o da imagem natural de Deus; e a esta luz são recriminados os que não os respeitam. De outro modo, podemos respeitá-los, quando agem contra Deus. E neste sentido são louvados os que não os respeitam, como o diz a Escritura, de Elias ou Eliseu: Este não temeu a príncipe algum em seus dias.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando as potestades seculares infligem penas para fazer afastarem-se os homens do pecado, são ministros, de Deus, conforme aquilo da Escritura. Porquanto ele é ministro de Deus, vingador em ira contra aquele que obra mal. E assim sendo, temer o poder secular não é próprio do temor do mundo, mas do temor servil ou do inicial.
RESPOSTA À TERCEIRA. – É natural ao homem procurar evitar sofra detrimento no seu próprio corpo e danos nos seus bens temporais. Mas que, por esse motivo, se divorcie da justiça, encontra a razão natural. Por isso, o Filósofo diz que há certas coisas as obras do pecado às quais nenhum temor deve nos obrigar. Pois seria pior cometer tais pecados que sofrer quaisquer penas.
O segundo discute-se assim. – Parece que o temor é inconvenientemente dividido em filial, inicial, servil e do mundo.
1. – Pois, Damasceno cita seis espécies de temor: a indolência, a confusão e outras, a que já fez referência, e que não se encontram na divisão presente. Logo, parece ser esta divisão inconveniente.
2. Demais. – Qualquer desses temores é bom ou mau. Ora, um deles - o natural - não é moralmente bom, pois existe nos demônios, conforme a Escriturar. Os demônios creem e estremecem. Nem, por outro lado, é mau, pois existe em Cristo, segundo ainda a Escritura: Jesus começou a ter pavor e a angustiar-se. Logo, é inconveniente a divisão supra referida, do temor.
3. Demais. – Uma é a relação entre o filho e o pai; outra, entre a mulher e o marido, e outra entre o escravo e o senhor. Ora, o temor filial, que é o do filho para com o pai, distingue-se do servil, que é o do escravo para com o Senhor. Logo, também o temor casto, próprio da esposa para com o esposo, deve distinguir-se dos outros temores citados.
4. Demais. – Como o temor servil, também o inicial e o do mundo temem a pena. Logo, esses temores não deviam ser distintos uns dos outros.
5. Demais. – Como a concupiscência busca o bem, assim o temor, o mal. Ora, uma é a concupiscência dos olhos, pela qual desejamos os bens do mundo, e outra, a da carne, pela qual desejamos o nosso prazer próprio. Logo, também o temor mundano, pelo qual tememos perder os bens externos, difere do humano, pelo qual tememos sofrer qualquer detrimento na nossa própria pessoa.
Mas, em contrário, a autoridade do Mestre das Sentenças.
SOLUÇÃO. – Tratamos agora do temor, enquanto que, de certo modo, nos orienta para Deus ou nos desvia dele. Ora, sendo o mal o objeto do temor, o homem às vezes, por causa do mal que teme, afasta-se de Deus; e este temor se chama humano ou do mundo. Outras vezes, porém, por causa do mal que teme voltase para Deus e com ele se une. E esse mal é duplo: o da pena e o da culpa. Por onde, pelo temor servil e temendo a pena, orientamo-nos para Deus e com ele nos unimos. Se porém assim fizermos por temor da culpa, esse será o temor filial; pois é próprio do filho temer ofender ao pai. Se por fim agirmos de modo referido, por causa de ambos esses temores, haverá o temor inicial, meio termo entre os dois outros. E se o mal da culpa pode ser temido, já o dissemos quando tratamos da paixão do temor.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Damasceno divide o temor considerado como paixão da alma. Ora, a divisão atual é referida a Deus, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O bem moral consiste principalmente em nos orientarmos para Deus e o mal, em nos afastarmos dele. Por onde, todos os temores referidos implicam um mal moral, ou um bem. Mas o temor natural é pressuposto ao bem e ao mau moral. Por isso não está enumerado entre os temores referidos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A relação, entre o escravo e o senhor se funda no poder deste, que sujeita a si aquele; ao passo que a relação entre filho e pai ou entre esposa e esposo se fundam, ao contrário, no afeto do filho, que se sujeita ao pai, ou da esposa, que se sujeita ao esposo, pela união do amor. Por onde, o temor filial e o casto são concernentes a uma mesma realidade. Pois, pelo amor de caridade, Deus se torna nosso pai, conforme aquilo da Escritura: Recebestes o espírito de adopção de filho, segundo o qual clamamos, dizendo: Pai, Pai. E por essa mesma caridade, Deus é também chamado nosso esposo, conforme aquele lugar: Eu vos tenho desposado para vos apresentar como virgem pura ao único esposo, Cristo. Ora, o temor servil é de outra ordem, por não incluir, por essência, a caridade.
RESPOSTA À QUARTA. – Os três referidos temores respeitam a pena, mas diversamente. Assim, o do mundo ou humano respeita a pena que afasta de Deus, a qual às vezes é infligida ou cominada pelos seus inimigos. O temor inicial, porém, e o servil, respeitam a pena, pela qual os homens são atraídos para Deus, divinamente infligida ou cominada; e a essa pena se refere o temor servil, principalmente, e o inicial, secundariamente.
RESPOSTA À QUINTA. – Pela mesma razão o homem se afasta de Deus, tanto pelo temor de perder os bens do mundo, como pelo de perder a integridade do corpo. Pois os bens exteriores pertencem ao corpo. Por onde, um e outro temor constituem, no caso vertente, um só, embora os males temidos sejam diversos, assim como os bens desejados. E dessa diversidade provém a diversidade específica dos pecados, embora lhes seja comum a todos o afastar de Deus.
O primeiro discute-se assim. – Parece que Deus não pode ser temido.
1. – Pois, o objeto do temor é um mal futuro, como já se estabeleceu, Ora, Deus, a bondade mesma, é isento de todo mal. Logo, Deus não pode ser temido.
2. Demais. – O temor opõe-se à esperança. Ora, temos esperança em Deus. Logo, não podemos simultaneamente, temê-la.
3. Demais. – Como diz o Filósofo, tememos aquilo que nos causa mal. Ora, Deus não nos causa nenhum mal, mas sim, nós mesmos, conforme aquilo da Escritura. A tua perdição, ó Israel, toda vem de ti; só em mim está o teu auxilio, Logo, Deus não deve ser temido.
Mas, em contrário, a Escritura: Quem não te temerá, ó rei das gentes? E, noutro lugar: Se eu sou o Senhor, onde está o temor que se me deve?
SOLUÇÃO. – A esperança tem duplo objeto: um é o bem futuro em si mesmo, que esperamos alcançar; o outro, o auxílio de alguém com o qual contamos para obter o que esperamos. Por onde, também o temor pode ter duplo objeto: um, o mal mesmo, que queremos evitar; o outro, a realidade donde esse mal pode proceder. Ora, do primeiro modo, Deus, que é a bondade mesma, não pode ser objeto do temor; mas o pode, do segundo, porque podemos ser ameaçados de um mal, quer proveniente dele, quer relativamente a ele. – Proveniente dele, pode nos ameaçar o mal da pena, que não é um mal absoluto, mas relativo, e, ao contrário, um bem absoluto. Pois, como o bem implica ordem para o fim, de que o mal é a privação, mal absoluto é o que exclui a ordem para o fim último, e esse é o mal da culpa. Por seu lado, o mal da pena é certamente um mal, por privar de um bem particular; mas é um bem absoluto, por depender da ordem do fim último. - Relativamente a Deus porém, podemos cair no mal da culpa se nos separarmos dele. - Ora, deste modo Deus pode e deve ser temido.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção colhe se o mal que procuramos evitar é o objeto do temor.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Devemos distinguir em Deus a justiça pela qual pune os pecadores e a misericórdia, pela qual nos salva. Ora, a consideração da sua justiça provoca-nos o temor; e a da misericórdia, a esperança. E assim, a luzes diversas, Deus é o objeto da esperança e do temor.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O mal da culpa não tem por autor Deus, mas a nós mesmos, por nos afastarmos dele. O mal da pena, ao contrário, tem Deus como autor, por ter a natureza de bem; pois é justo, porque é justamente que uma pena nos é infligida, embora seja, primordialmente, a paga merecida pelo nosso pecado. E nesse sentido diz a Escritura: Deus não fez a morte, mas os ímpios a chamaram para si com mãos e palavras: