O primeiro discute-se assim. – Parece que a vontade não é o sujeito da caridade.
1. – Pois, caridade é amor. Ora, o amor, segundo o Filósofo, reside no concupiscível. Logo, também a vontade tem o seu sujeito no concupiscível, e não na vontade.
2. Demais. – A caridade é das virtudes, a principal. Ora, o sujeito da virtude é a razão. Logo, parece que o sujeito da caridade também é a razão e não a vontade.
3. Demais. – A caridade estende-se a todos os atos humanos, conforme a Escritura: Todas as vossas obras sejam feitas em caridade. Ora, o princípio dos atos humanos é o livre arbítrio. Logo, parece que a caridade tem principalmente como sujeito o livre arbítrio e não a vontade.
Mas, em contrário, o objeto da caridade é o bem, também objeto da vontade. Logo, a caridade tem o seu sujeito na vontade.
SOLUÇÃO. – Há duas sortes de apetite: o sensitivo e o intelectual, chamado vontade, como já estabelecemos na Primeira Parte. E ambos tem por objeto o bem, mas diversamente. Pois o objeto do apetite sensitivo é o bem apreendido pelo sentidos; e o do apetite intelectual ou vontade o bem sob uma noção gera, como é apreendido pelo intelecto. Ora, o objeto da caridade não é nenhum bem sensível, mas o bem divino, conhecido só pelo intelecto. Por onde, o sujeito da caridade não é o apetite sensitivo, mas o intelectual, isto é, a vontade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O concupiscível faz parte do apetite sensitivo, não porém o apetite intelectual, como já dissemos na Primeira Parte. Por onde, o amor, existente no concupiscível é o amor do bem sensível. Ora, não pode o concupiscível estender-se ao bem divino, que é inteligível, mas só à vontade. Logo, o concupiscível não pode ser sujeito da caridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Também a vontade, segundo o Filósofo, está na razão. Por isso, residindo a caridade na vontade, não é alheia à razão. Contudo, esta não é a regra da caridade, como o é das virtudes humanas; mas ela é regulada pela sabedoria de Deus a excede a regra da razão humana, conforme a Escritura. A caridade de Cristo, que excede todo o entendimento. Por onde, como a prudência, a caridade não tem na razão o seu sujeito; nem como sendo ela a sua regra, como o é da justiça ou da temperança; mas só por uma certa afinidade entre a vontade e a razão.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O livre arbítrio não é uma potência diferente da vontade, como já estabelecemos na Primeira Parte. E contudo, a caridade não está na vontade, em dependência do seu livre arbítrio, cujo ato próprio é eleger. Pois, como diz o Filósofo, a eleição visa os meios, e a vontade, o fim em si mesmo. Ora, sendo o objeto da caridade o fim último, devemos concluir que ela reside, antes, na vontade, do que no livre arbítrio.