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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

27 de dezembro: são João Evangelista

27 de dezembro
 
Um dos seus discípulos, ao qual Jesus amava, estava recostado sobre o seio de Jesus (Jo 13, 23)
 
Este discípulo é são João Evangelista, que escreve sobre si mesmo como se falasse de outro, querendo com isso evitar a jactância, conforme o fizeram outros que escreveram as Escrituras. Moisés, nos livros que escreveu, fala de si como se de outro: Falou Deus a Moisés. Também o faz são Mateus: viu um homem que estava sentado no telônio, chamado Mateus. E são Paulo: Conheço um homem...
 
São João diz três coisas de si mesmo:
 
[1] O amor que lhe fazia repousar em Cristo: estava recostado, i. é, repousava. Diz a Escritura (Jó 22, 26): Então porás tuas delícias no Onipotente, e levantarás o teu rosto para Deus. E noutro lugar (Sl 22, 2), conduz-me junto das águas para descansar.
 
[2] O conhecimento dos segredos que Cristo lhe revelava, especialmente na redação deste Evangelho. Por isso diz que recostava sobre o seio de Jesus; ora, por seio se significa o secreto: O Unigênito, que está no seio do Pai, ele mesmo é que o deu a conhecer (Jo 1, 18).
 
[3] O amor especial com que Cristo o amava. Por isso diz: ao qual Jesus amava. Não que o amasse singularmente, mas como se Jesus lhe amasse de modo mais excelente, de algum modo.  
 
Deve-se saber que são João foi mais amado por Cristo por três razões;
 
[1] Por sua pureza, pois foi eleito pelo Senhor virgem, e virgem sempre permaneceu: Aquele que ama a pureza do coração, terá o rei por amigo (Pr 22, 11).
 
[2] Pela sublimidade da sua sabedoria, que para além dos demais, contemplou os arcanos divinos; por isso, foi comparado a águia. O servidor inteligente é agradável ao rei (Pr 14, 35).
 
[3] Pela veemência do seu fervor pelo Cristo. Eu amo os que me amam (Pr 8, 17)
 
(In Joan., XIII)
 
Meditationes ex operibus S. Thomae – Pe. Mézard, O.P.
Tradução: Permanência

Art. 6 — Se a lei antiga devia levar à observância dos preceitos por promessas temporais e cominações.

(Supra, q. 91, a. 5; infra, q. 107, a. 1, ad 2; III Sent., dist. XL, a. 2; a. 4, qª 1; Ad Rom., cap. VIII, lect. III; cap. X, lect. I).
 
O sexto discute-se assim. — Parece que a lei antiga não devia levar à observância dos preceitos por promessas temporais e cominações.
 
1. — Pois, a intenção da lei divina é submeter os homens a Deus pelo temor e pelo amor; donde o dizer a Escritura (Dt 10, 12): Agora, pois, ó Israel, que é o que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que temas o Senhor teu Deus, e ande nos seus caminhos, e o ames? Ora, a cobiça das coisas temporais desvia de Deus; pois, como diz Agostinho, o veneno da caridade é a cobiça. Logo, as promessas e comunicações temporais contrariam à intenção do legislador, o que torna a lei reprovável, como claramente o diz o Filósofo.
 
2. Demais. — A lei divina sobrepuja em excelência a humana. Ora, como vemos, quanto mais elevada é uma ciência, tanto por mais elevados meios procede. E como a lei humana visa dirigir os homens por comunicações e promessas temporais, a lei divina não devia proceder desse mesmo modo, mas empregando meios mais elevados.
 
3. Demais. — Não pode ser prêmio da justiça ou pena da culpa o que sucede igualmente aos bons e aos maus. Ora, diz a Escritura (Ecl 9, 2): todas as coisas temporais acontecem igualmente ao justo e ao ímpio, ao bom e ao mau, ao puro e ao impuro, ao que sacrifica vítimas e ao que despreza os sacrifícios. Logo, os bens ou males temporais não são convenientemente postos como penas ou prêmios dos mandamentos da lei divina.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Is 1, 19-20): Se quiserdes e me ouvirdes, comereis os bens da terra; mas se não quiserdes, e me provocardes a ira, devorar-vos-á a espada.
 
Solução. — Assim como, nas ciências especulativas, somos levados a assentir nas conclusões por meios silogísticos; assim também certas leis nos induzem à observação dos seus preceitos por meio de penas e de prêmios. Ora, vemos que as ciências especulativas propõem os seus meios ao ouvinte de acordo com a condição dele; de modo que hão de proceder ordenadamente, para o ensino começar pelo mais conhecido. Assim também e necessariamente quem quer levar o homem à observância dos preceitos, comece a movê-los pelo que já lhes está no afeto, como se provocam as crianças, com alguns presentinhos pueris, à prática de certos atos.
 
Ora, como já dissemos (q. 98, a. 1, a. 2, a. 3), a lei antiga dispunha para Cristo, como o imperfeito, para o perfeito; por isso foi dada ao povo ainda imperfeito, por comparação com a perfeição que havia de vir de Cristo; e por isso, esse povo foi comparado à criança dirigida pelo pedagogo, como se lê na Escritura (Gl 3, 24). Por seu lado, a perfeição do homem consiste em desprezar os bens temporais e aderir aos espirituais, como é claro por aquilo do Apóstolo (Fl 3, 13-15): esquecendo-me por certo do que fica para trás, avanço-me ao que resta para diante. E assim, todos os que somos perfeitos vivamos nestes sentimentos. Ora, dos imperfeitos é próprio desejar os bens temporais, mas em dependência de Deus; e dos perversos, constituir o seu fim nesses bens. Por onde, convinha à lei antiga levar os homens a Deus, por meio das coisas temporais, objeto do afeto deles, imperfeitos como eram.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A cúbica, pela qual o homem pôs o seu fim nos bens temporais, é o veneno da caridade. A consecução porém desses bens, que o homem deseja em dependência de Deus, é uma via, que leva os imperfeitos ao amor de Deus, conforme aquilo da Escritura (Sl 48, 19): confessar-te-á quando lhe fizeres bem.
 
Resposta à segunda. — A lei humana leva os homens, por meio de prêmios ou penas temporais, distribuídos por eles mesmos; ao passo que a lei divina, por prêmios e penas dadas por Deus, e portanto, procede por meios mais elevados.
 
Resposta à terceira. — Como é claro para quem estuda a história, no Velho Testamento o estado geral do povo, governado pela lei, foi sempre próspero, enquanto a observou; ao contrário, desde que se afastou do preceito da lei divina, padeceu muitas adversidades. Certas pessoas particulares, porém, embora observantes da justiça da lei, sofreram certas adversidades. E isso porque já tinham se tornado a tal ponto espirituais, de modo a mais se afastarem, assim, do desejo das coisas temporais e terem uma virtude mais provada. Ou porque, praticando exteriormente as obras da lei, tinham o coração totalmente apegado aos bens temporais e afastado de Deus, segundo aquilo da Escritura (Is 29, 13): Este povo honra-se como os lábios; mas, o seu coração está longe de mim.

Art. 5 — Se a lei antiga contém outros preceitos, além dos morais, dos judiciais e dos cerimoniais.

(Art. Praeced.; Ad Galad., cap. V., lect III; Ad Hebr., cap. VII, lect. II).
 
O quinto discute-se assim. — Parece que a lei antiga contém outros preceitos, além dos morais, dos judiciais e dos cerimoniais.
 
1. — Pois, os judiciais tem por objeto os atos de justiça, de homem para homem; ao passo que os cerimoniais, o ato de religião, pelo qual se cultua a Deus. Ora, além destes, há muitas outras virtudes, como a temperança, a fortaleza, a liberalidade e ainda outras, conforme já se disse (q. 60, a. 5). Logo, além dos preceitos referidos, a lei antiga havia de conter muitos outros.
 
2. Demais. — A Escritura diz (Dt 11, 1): Ama ao Senhor teu Deus, e guarda em todo o tempo os seus preceitos e cerimônias, os seus juízos e mandamentos. Ora, preceitos são os morais, como se disse (a. 4). Logo, além dos preceitos morais, judiciais e cerimoniais, a lei ainda contém outros chamados mandamentos.
 
3. Demais. — A Escritura diz (Dt 6, 17): Guarda os preceitos dos Senhor teu Deus, e as ordenações e as cerimônias, que te prescreveu. Logo, além de todos os preceitos, ainda a lei contém as ordenações.
 
4. Demais. — Diz a Escritura (Sl 118, 93): Nunca jamais me esquecerei das tuas justificações; e a Glosa: i. é, da lei. Logo, os preceitos da lei antiga são, não só morais, cerimoniais e judiciais, mas também, justificações.
 
Mas, em contrário, a Escritura (Dt 6, 1): Estes são os preceitos e as cerimônias e as ordenações, que o Senhor Deus vos mandou. E estas palavras se dizem no princípio da lei. Logo, todos os preceitos dela estão compreendidos nestes.
 
Solução. — A lei abrange umas disposições, que são os preceitos; e outras, ordenadas ao cumprimento deles. Ora, os preceitos se referem aos atos, que devemos praticar. E, ao cumprimento deles o homem é levado por dois móveis: a autoridade de quem os fez; e a utilidade da sua observância, que está na consecução de algum bem útil, deleitável ou honesto, ou na fuga do mal contrário. — Pois, era necessário que a lei antiga estabelecesse certas disposições indicativas da autoridade de Deus ordenador, como as seguintes (Dt 6, 4): Ouve, ó Israel, o Senhor teu Deus é o Deus único; (Gn 1, 1) No princípio criou Deus o céu e a terra. E estas se chamam ordenações. — Também era preciso que estabelecesse certos prêmios para os que a observassem, e penas, para os que a transgredissem, como claramente o fez (Dt 28): Se tu ouvires a voz do Senhor teu Deus, ele te exaltará sobre todas as noções, etc. E estas se chamam justificações, por distribuir Deus, justamente, as punições ou os prêmios.
 
Por outro lado, os atos que devemos praticar não caem sob a alçada do preceito, senão enquanto tem natureza de obrigação devida. Ora, há uma dupla obrigação: uma, fundada na regra da razão; outra, na regra da lei determinante; assim também o Filósofo distingue duas espécies de justiça: a moral e a legal. Ora, a obrigação moral é dupla. Pois, a razão dita à prática de certos atos ou como necessários, sem o que não pode subsistir a ordem da virtude, ou como úteis, para que melhor se conserve essa ordem. — E a esta luz, a lei (antiga) preceitua ou proíbe precisamente certos atos morais, como: não matarás, não furtarás. E estes se chamam propriamente preceitos. — Outros atos, porém são preceituados ou proibidos, não como obrigações precisas, mas para um fim melhor. E estes podem se chamar mandamentos, por implicarem uma certa resolução e persuasão, como (Ex 22, 26): Se receberes do teu próximo em penhor a sua capa, restitui-lha antes do sol posto; e outros semelhantes. Por onde, diz Jerônimo: nos preceitos está a justiça; nos mandamentos, porém, a caridade. — Quanto à obrigação fundada na determinação da lei, ela pertence, na ordem das coisas humanas, aos preceitos judiciais; e na ordem das coisas divinas, aos cerimoniais.
 
Embora também os preceitos atinentes à pena ou aos prêmios possam chamar-se ordenações, enquanto protestações da divina justiça. Mas todos os preceitos da lei podem se chamar justificações, enquanto execuções da justiça legal. — De outro modo, podem também os mandamentos se distinguir dos preceitos, em que preceitos se chamem os ordenados diretamente por Deus; e mandamentos, como o próprio nome parece significar, o que mandou por meio de outros.
 
Disso tudo resulta, que todos os preceitos da lei estão contidos nos morais, cerimoniais e judiciais; ao passo que as outras disposições não tem natureza de preceitos; mas se ordenam à observância deles, como se disse.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Só a justiça, entre as outras virtudes, implica a noção de obrigação devida. Por onde, os preceitos morais são determináveis pela lei, na medida em que pertencem à justiça, de que faz parte a religião, como diz Túlio. Portanto, o justo legal não pode ser algo diferente dos preceitos cerimoniais e judiciais.
 
Às outras objeções as respostas são claras pelo que acaba de ser dito.

Art. 4 — Se, além dos preceitos morais e cerimoniais, há preceitos judiciais, na lei antiga.

(Art. Seq.: q. 103, a. 1; q. 104, a. 1; IIª-IIae, q. 87, a. 1; q. 122, a. 1, as 2; Quodl. II, q. 4, a. 3; In Math., cap. XXIII).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que, além dos preceitos morais e cerimoniais, não há nenhum preceito judicial, na lei antiga.
 
1. — Pois, diz Agostinho, que, na lei antiga, há preceitos para dirigir e para significar a vida. Ora, os preceitos para dirigir a vida são os morais; os para significá-la são os cerimoniais. Logo, além desses dois gêneros de preceitos, não se podem descobrir, na lei antiga, preceitos judiciais.
 
2. Demais. — Aquilo da Escritura — Dos teus juízos não me tenho apartado — diz a Glosa: Isto é, daqueles de que fizeste a regra de viver. Ora, a regra de viver pertence aos preceitos morais. Logo, os preceitos judiciais não se devem distinguir dos morais.
 
3. Demais. — O juízo é um ato de justiça, segundo a Escritura (Sl 93, 15): Até que a justiça venha a fazer juízo. Ora, o ato de justiça, como o das demais virtudes morais, pertence aos preceitos morais. Logo, estes incluem em si os judiciais e, portanto, não devem se distinguir deles.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Dt 6, 1): Estes são os preceitos e as cerimônias e as ordenações. Ora, por preceitos se entendem, antonomasticamente, os morais. Logo, além dos preceitos morais e dos cerimoniais, há também os judiciais.
 
Solução. — Como já se disse (a. 2, a. 3), à lei divina pertence ordenar os homens uns para os outros e para Deus. Ora, ambas essas coisas pertencem, em comum, ao ditame da lei da natureza, à qual se referem os preceitos morais; mas devem ser determinadas pela lei divina ou humana, por serem os princípios evidentes comuns tanto à especulação como à ação. Por onde, assim como a determinação do preceito comum sobre o culto divino se faz pelos preceitos cerimônias, assim a determinação do preceito comum relativo à observação da justiça entre os homens é determinada pelos preceitos judiciais.
 
E a esta luz, é necessário admitirem-se três espécies de preceitos da lei antiga: os morais, relativos ao ditame da lei natural; os cerimoniais, que são as determinações do culto divino; e os judiciais, que são as determinações da justiça a ser observada entre os homens. Por onde, depois de ter dito o Apóstolo, que a lei é santa, acrescenta: o mandamento é santo, e justo, e bom. Justo, quanto aos preceitos judiciais; santo, quanto aos cerimoniais, pois santo se chama ao que é consagrado a Deus; e bom, i. é, honesto, quanto aos preceitos morais.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Tanto os preceitos morais como os judiciais visam à direção da vida humana. Por onde, uns e outros estão contidos numa das partes expostas por Agostinho, a saber, nos preceitos para dirigir a vida.
 
Resposta à segunda. — Juízo significa execução da justiça, que se faz pela aplicação da razão a certos casos particulares determinados. Por onde, os preceitos judiciais comunicam, por um lado, com os morais, enquanto derivados da razão; e por outro, com os cerimoniais, enquanto certas determinações dos preceitos comuns. Por isso, às vezes, os preceitos judiciais e os morais estão compreendidos, pela Escritura, nos juízos: Ouve, ó Israel, as cerimônias e ordenações. Outras vezes, os judiciais e os cerimoniais: Executareis as minhas ordenações e observareis os meus preceitos, onde, preceitos são os morais; e ordenações, os judiciais e cerimoniais.  
 
Resposta à terceira. — O ato de justiça pertence, em geral, aos preceitos morais; mas a sua determinação em especial, aos preceitos judiciais.

Art. 3 — Se a lei antiga continha preceitos cerimoniais, além dos morais.

(Infra, a. 4, 5; q. 101, a. 1; q. 103, a. 3. q. 104, a. 1; IIª-IIae, q. 122, a. 1, ad 2; IV Sent., dist. I, q. 1, exposit. Litt.; Quodl. II, q. 4, a. 3; In Matth., cap. XXIII).
 
Parece que a lei antiga não continha preceitos cerimoniais, além dos morais.
 
1. — Pois, toda lei é-nos imposta para ser a regra diretiva dos nossos atos humanos. Ora, os atos humanos chamam-se morais, como já se disse (q. 1, a. 3). Logo, parece que a lei antiga dada aos homens não devia conter senão preceitos morais.
 
2. Demais. — Os preceitos chamados cerimoniais pertencem ao culto divino. Ora, o culto divino é um ato de virtude, i. é, de religião que, como Túlio diz, à divina natureza rende um culto e cerimônia. Ora, visando os preceitos morais aos atos das virtudes, como já se disse (a. 2), parece que os preceitos cerimoniais não se devem distinguir dos morais.
 
3. Demais. — Preceitos cerimoniais são os de significação figurativa. Ora, como diz Agostinho, entre os homens as palavras são principalmente significativas. Logo, nenhuma necessidade havia de a lei conter preceitos cerimoniais sobre certos atos figurativos.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Dt 4, 13-14): As dez palavras que escreveu em duas tábuas de pedra, mandou-me naquele tempo que vos ensinasse as cerimônias e as ordenações que vós devíeis guardar. Ora, os dez preceitos da lei são morais. Logo, além dos preceitos morais, há outros que são cerimoniais.
 
Solução. — Como já se disse (a. 2), a lei divina foi principalmente instituída a fim de ordenar os homens para Deus; ao passo que a lei humana, a fim de ordená-los principalmente uns para os outros. Por isso, as leis humanas não cuidaram em instituir nada sobre o culto divino, senão em ordem ao bem comum humano. E também por isso instituíram muitas disposições, relativas às coisas divinas, por lhes parecerem convenientes a informar os costumes humanos, como o demonstra o rito dos gentios. A lei divina, inversamente, ordenou os homens uns para os outros, enquanto isso convinha com a ordenação para Deus, que ela principalmente visava. Ora, o homem se ordena para Deus, não só pelos atos interiores do espírito, — crer, esperar e amar — mas também por certas obras exteriores, pelas quais confessa a sua dependência, de Deus. E essas obras se consideram como pertencentes ao culto de Deus. E esse culto se chama cerimônia, quase munia, i. é, dons de Ceres, chamada a deusa dos frutos, como certos dizem; porque, dos frutos se fizeram as primeiras oblações a Deus. Ou, como refere Valério Máximo, o nome de cerimônia foi introduzido para significar o culto divino, entre os latinos, por causa de um lugar fortificado perto de Roma chamado Caere. Porque, quando Roma foi tomada pelos Gauleses, para ali foram transferidos os sacrifícios dos Romanos, reverentissimamente feitos. Por onde, os preceitos da lei, pertencentes ao culto de Deus, chama-se especialmente cerimoniais.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Os atos humanos entendem também com o culto divino. Por isso, a lei antiga, dada aos homens, contém preceitos referentes a eles.
 
Resposta à segunda. — Como já se disse (q. 91, a. 3), os preceitos da lei da natureza são comuns e precisam de determinação. Ora, determinam-se pela lei humana e pela divina. E assim como as determinações mesmas, feitas pela lei humana, não se consideram como de lei natural, mas de direito positivo; assim também, essas determinações dos preceitos da lei da natureza, feitas pela lei divina, distinguem-se dos preceitos morais, pertencentes à lei da natureza. Ora, cultuar a Deus, sendo ato de virtude, pertence ao preceito moral; mas, a determinação desse preceito, i. é, que deva ser cultuado com tais vítimas e tais dons, pertence aos preceitos cerimoniais. Por onde, os preceitos cerimoniais distinguem-se dos preceitos morais.
 
Resposta à terceira. — Como diz Dionísio, as coisas divinas não podem se manifestar aos homens senão sob certas semelhanças sensíveis. E estas semelhanças movem mais o ânimo, quando não são expressas só pela palavra, mas também falam aos sentidos. Por isso, a Divina Escritura manifesta as coisas divinas, não só por semelhanças expressas verbalmente, como o mostram as locuções metafóricas; mas também por semelhanças das coisas propostas à vista, o que pertence aos preceitos cerimoniais.

Art. 2 — Se a lei antiga continha preceitos morais.

(Infra, a. 4; In Matth., cap. XXIII).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que a lei antiga não continha preceitos morais.
 
1. — Pois, a lei antiga distingue-se da lei natural, como já se estabeleceu (q. 91, a. 4, a. 5; q. 98, a. 5). Ora, os preceitos morais pertencem à lei da natureza. Logo, não pertencem à lei antiga.
 
2. Demais. — A lei divina devia vir em socorro do homem quando lhe falhasse a razão; como se dá claramente com as coisas da fé, supra-racionais. Ora, para se observarem o preceito moral basta-nos a razão. Logo, eles não pertencem à lei antiga, que é uma lei divina.
 
3. Demais. — A lei antiga é considerada como a letra que mata, conforme a Escritura (2 Cor 3, 6). Ora, os preceitos morais não matam, mas vivificam, segundo a Escritura (Sl 118, 93): Nunca jamais me esquecerei das tuas justificações, porque nelas me vivificaste. Logo, os preceitos morais não pertencem à lei antiga.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Sr 17, 9): acrescentou-lhes a disciplina, e deu-lhes em herança a lei da vida. Ora, a disciplina diz respeito aos costumes, conforme diz a Glosa ao lugar, a disciplina consiste na aquisição de bons costumes, vencendo dificuldades. Logo, a lei dada por Deus continha preceitos morais.
 
Solução. — A lei antiga continha certos preceitos morais, como está claro na Escritura (Ex 20, 13-15): Não matarás, não furtarás. E isto, racionalmente. Pois, assim como a intenção principal da lei humana é procurar a amizade dos homens entre si, assim a da lei divina é constituir principalmente a amizade entre o homem e Deus. Ora, como a semelhança é a razão do amor, conforme aquilo da Escritura — Todo animal ama ao seu semelhante — é impossível haver amizade entre o homem e Deus, que é ótimo, sem o homem se tornar bom. Por onde, diz a Escritura (Lv 19, 2; 11, 45): Sede Santos, porque eu sou santo. Ora, a bondade do homem é a virtude, que torna bom quem a tem. Logo, era necessário fossem dados os preceitos da lei antiga, mesmo relativos aos atos das virtudes. E estes são os preceitos morais da lei.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A lei antiga distingue-se da lei natural, não como absolutamente diferente dela, mas por lhe fazer certos acréscimos. Pois, assim como a graça pressupõe a natureza, assim é necessário pressuponha a lei divina à natural.
 
Resposta à segunda. — Era conveniente que a lei divina providenciasse, não só quanto ao que a razão humana não pode alcançar, mas também em relação ao que ela pode errar. Ora, em relação aos preceitos morais, no atinente aos preceitos generalíssimos da lei natural, a razão humana não podia errar completamente; mas o costume de pecar a obscurecia quanto às ações particulares. Relativamente porém aos outros preceitos morais, que são quase conclusões deduzidas dos princípios gerais da lei da natureza, a razão de muitos aberrava, de modo a julgar lícitas certas coisas em si mesmas más. Por isso, era necessário, contra uma e outra deficiência, ser o homem socorrido pela autoridade da lei divina. Assim também, entre as verdades que devemos crer, são-nos propostas, não só aquelas que a razão não pode alcançar, como a Trindade de Deus; mas também, as que o pode a razão reta, como a unidade divina. E isso para obviar o erro da razão humana, em que muitos caíam.
 
Resposta à terceira. — Como o prova Agostinho, também se diz, ocasionalmente, que a letra da lei, em relação aos preceitos morais, mata, quando ordena o bem, sem conceder o auxílio da graça para realizá-lo.

Art. 1 — Se a lei antiga continha só um preceito.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a lei antiga não continha senão um preceito.
 
1. — Pois, a lei não é senão um preceito, como já se disse (q. 90, a. 2, a. 3). Ora, a lei antiga é uma só. Logo, não contém senão um preceito.
 
2. Demais. — O Apóstolo diz (Rm 13, 9): se há algum outro mandamento, todos eles vêm a resumir-se nesta palavra: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Ora, este é um só mandamento. Logo, a lei contém só um mandamento.
 
3. Demais. — A Escritura diz (Mt 7, 12): tudo o que vós quereis que vos façam os homens, fazei-o também vós a eles; porque esta é a lei e os projetas. Ora, toda a lei antiga está contida na lei e nos profetas. Logo, ela na tem senão um preceito.
 
Mas, em contrário, o Apóstolo diz (Ef 2, 15): Abolindo com os seus decretos a lei dos preceitos; referindo-se à lei antiga, como é claro pela Glosa a esse lugar. Logo, a lei antiga continha em si muitos mandamentos.
 
Solução. — O preceito da lei, sendo obrigatório, tem por objeto aquilo que deve ser feito. Ora, por força de um fim é que alguma coisa deve ser feita. Por onde é manifesto, que da essência de um preceito é ordenar-se para um fim, isto é, o preceituado deve ser necessário ou conveniente a um fim. Ora, a este podem muitas coisas ser necessárias ou convenientes. E assim sendo, podemos, para coisas diversas, dar preceito diversos, enquanto ordenados para um mesmo fim. Por onde, devemos concluir que todos os preceitos da lei antiga constituem um só preceito por ser ordenarem a um mesmo fim. São porém muitos conforme a diversidade das coisas que se ordenam para esse fim.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Diz-se que a lei antiga é una por ordenar-se a um fim único; e contudo, contêm diversos preceitos, relativos à distinção das coisas ordenadas para esse fim. Assim como a arte da construção é uma pela unidade de fim, por visar à edificação da casa; e contudo, contém preceitos diversos, conforme a diversidade dos atos para esse fim ordenados.
 
Resposta à segunda. — Como diz o Apóstolo (1 Tm 1, 5), o fim do preceito é a caridade. Pois, toda a lei visa constituir a amizade dos homens entre si, ou deles para com Deus. Por isso, toda lei está completa neste só mandamento — Amarás a teu próximo como a ti mesmo — que é como o fim de todos os mandamentos. Pois, no amor do próximo também se inclui o de Deus, quando ele é amado por amor de Deus. Por isso, o Apóstolo pôs este único preceito, pelos dois, referentes ao amor de Deus e do próximo, dos quais diz o Senhor (Mt 22, 40): destes dois mandamentos depende toda a lei e os profetas.
 
Resposta à terceira. — Como diz Aristóteles, a amizade para com outrem vem da nossa para conosco mesmo, porque procedemos para com outrem como procedem para conosco. Por onde, o dito — tudo o que vós quereis que vos façam os homens, fazei-o também vós a eles — deve ser entendido como regra de amor do próximo, implicitamente contida naquele outro lugar: amarás a teu próximo como a ti mesmo. E assim, é uma explicação deste mandamento.

Questão 99: Dos preceitos da lei antiga.

Em seguida devemos tratar dos preceitos da lei antiga. E primeiro, da distinção deles. Segundo, de cada um dos gêneros distintos.
 
Na primeira questão discutem-se seis artigos:

Art. 6 — Se a lei antiga foi dada, no tempo conveniente, a Moisés.

 

(III, q. 70, a. 2, ad 2; IV Sent., dist. I, q. 1, a. 2, qª 4; Ad Galat., cap. III, lect.VII).
 
O sexto discute-se assim. — Parece que a lei antiga não foi dada, no tempo conveniente, a Moisés.
 
1. — Pois, a lei antiga dispunha para a salvação, que haveria de vir de Cristo, como se disse (a. 2, a. 3). Ora, logo depois do pecado, o homem precisava do remédio dessa salvação. Logo, a lei antiga devia ter sido dada imediatamente depois do pecado.
 
2. Demais. — A lei antiga foi dada para a santificação daqueles de quem Cristo devia nas­cer. Ora, a Abraão começou a ser feita a pro­messa da semente, que é Cristo, como está na Escritura (Gl 3, 16). Logo, a lei devia ter sido dada imediatamente, no tempo de Abraão.
 
3. Demais. — Assim como Cristo não veio a nascer dos outros descendentes de Noé, mas, de Abraão, a quem a promessa foi feita, assim também não nasceu dos outros filhos de Abraão, senão de David, a quem, conforme a Escritura, a promessa foi renovada (2 Sm 23, 1): Disse o varão a favor do qual se decretou sobre o Cristo do Deus de Jacó. Logo, a lei antiga devia ter sido dada depois de David, como o foi depois de Abraão.
 
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Gl 3, 19): A lei foi posta por causa das transgressões, até que viesse a semente, a quem havia feito a promessa, ordenada por anjos na mão de um mediador, i. é, dada orde­nadamente, como diz a Glosa. Logo, foi conve­niente que a lei antiga fosse outorgada naquela época.
 
Solução. — Foi muito conveniente que a lei antiga tivesse sido dada no tempo de Moisés. E podemos assinalar disto dupla razão, fundada em ser toda lei imposta a dois gêneros de homens. — Ora, é imposta a homens duros e soberbos, para coibi-los e dominá-los. — Ora, é imposta também aos bons que, por ela instruídos, são ajudados a cumprir aquilo que visam.
 
Por onde, foi conveniente ter sido dada, no tempo em questão, a lei antiga, para conter a soberba dos homens. Pois, de duas coisas o homem se ensoberbecia: da ciência e do poder. — Da ciência, como se a razão natural lhe pu­desse bastar para a salvação. E então, para lhe vencer a soberba, nesse ponto foi entregue ao regime da sua razão, sem o adminículo da lei escrita. E assim, pôde aprender experimentalmente, que sofria deficiência de razão, pois caíram os homens, no tempo de Abraão, até na idolatria e em vícios torpíssimos. Por onde, depois desse tempo, foi necessário dar-lhe a lei escrita, para remédio da sua ignorância; pois, pela lei conhecemos o pecado, como diz o Apóstolo (Rm 3, 20). — Mas, depois de ter sido o homem instruído pela lei, a sua soberba foi vencida pela fraqueza, por não poder cumprir a lei conhecida. Por isso, o Apóstolo conclui (Rm 8, 3-4), o que era impossí­vel à lei, em razão de que se achava debilitada pela carne, enviou Deus a seu filho, para que a justi­ficação da lei se cumprisse em nós.
 
Por outro lado, para os bons a lei foi dada como auxílio. E isso então era sobretudo neces­sário, quando a lei natural começava a obscu­recer-se pela freqüência dos pecados. Assim, era necessário fosse tal auxílio dado numa certa ordem, para, pelo imperfeito, serem levados ao perfeito. Por onde, entre a lei da natureza e a da graça foi necessário ser dada a lei antiga.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Logo depois do pecado do primeiro homem, não era oportuno outorgar a lei antiga. Quer porque o homem, confiado na sua razão, ainda não se reconhecia necessitado dela; quer por não estar o ditame da lei da natureza ainda obscurecido pelo costume de pecar.
 
Resposta à segunda. — A lei não deve ser dada senão ao povo, pois é um preceito comum, como já dissemos (q. 90, a. 2, a. 3). Por isso, no tempo de Abraão, foram impostos certos preceitos familiares, e quase domésticos, de Deus aos homens. Mas depois, multiplicada a sua posteridade, de modo a constituir um povo; e libertada da escravidão, a lei podia ser-lhe convenientemente outorgada. Pois, os escravos não fazem parte do povo, ou da cidade, a quem a lei deve ser aplicada, como diz o Filósofo.
 
Resposta à terceira. — Como a lei devia ser dada a um povo, receberam-no, não só aqueles de que Cristo nasceu, mas, todo o povo foi marcado com o sinal da circuncisão, sinal da promessa feita a Abraão, e em que ele acreditou, como diz o Apóstolo. Logo, mesmo antes de David, foi necessário da a lei a um tal povo já constituído.

 

Art. 5 — Se todos os homens estavam obrigados a observar a lei antiga.

(In Math., cap. XXIII; Ad Rom., cap. II, lect. III; cap. VI, lect. III).
 
O quinto discute-se assim. — Parece que todos os homens estavam obrigados a observar a lei antiga.
 
1. — Pois, quem está sujeito ao rei há de necessariamente estar-lhe sujeito à lei. Ora, a lei antiga foi dada por Deus, que é o rei de toda a terra, como diz a Escritura (Sl 46, 8). Logo, todos os habitantes da terra estavam obrigados à observância da lei.
 
2. Demais. — Os judeus não podiam se salvar sem observarem a lei antiga. Pois, diz a Escritura (Dt 27, 26): Maldito o que não permanece firme nas ordenações desta lei, e que as não cumpre efetivamente. Se portanto, os outros homens podiam salvar-se sem a observância da lei an­tiga, pior que a deles seria a condição dos judeus.
 
3. Demais. — Os gentios eram admitidos ao rito judaico e à observância da lei, conforme a Escritura (Ex 12, 48): Se algum peregrino quiser passar para a vossa terra e celebrar a Páscoa do Senhor, circuncidem-se primeiro todos os seus varões, e então a celebrará como é devido e será como natural da mesma terra. Ora, inutilmente foram os estrangeiros admitidos, por ordem divina, à observância da lei, se sem esta pudessem sal­var-se. Logo, ninguém podia salvar-se sem observar a lei.
 
Mas, em contrário, diz Dionísio, que muitos gentios foram pelos anjos convertidos a Deus. Ora, é certo que os gentios não observavam a lei. Logo, sem esta observância certos puderam salvar-se.
 
Solução. — A lei antiga manifestava os preceitos da lei da natureza, acrescentando-lhes certos preceitos próprios. Por onde, todos esta­vam obrigados a observar todos os preceitos da lei antiga, que também o eram da lei natural; não por serem daquela, mas por pertencerem a esta. Mas ninguém, a não ser o povo judaico, estava obrigado a observar os preceitos que a lei antiga acrescentou. E a razão disso é que, como já dissemos (a. 4), a lei antiga foi dada ao povo judaico, para obterem uma certa prerrogativa de santidade, pela reverência a Cristo, que desse povo devia nascer. Ora, tudo o que é estatuído para a santificação especial de alguém, só a este obriga. Assim os clérigos, ligados pelo divino ministério, têm certas obrigações, que não têm os leigos. Semelhantemente, os religiosos estão em virtude da sua profissão, obrigados a certas obras de perfeição, a que não estão os sacerdotes seculares. Assim, do mesmo modo, o povo judeu tinha certas obrigações especiais, que não tinham os outros povos. Por isso diz a Escritura (Dt 18, 13): Tu serás perfeito e sem mancha com o Senhor teu Deus. Pelo que também usavam de uma certa confissão, como se lê na Escritura (Dt 26, 3): Confesso hoje diante do Senhor teu Deus, etc.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Todos os sujeitos ao rei estão obrigados a obser­var a lei, que ele propõe a todos em geral. Mas, se instituir certas disposições a serem observadas pelos seus servidores particulares, os demais não estão obrigados a observá-las.
 
Resposta à segunda. — Quanto mais o homem se une a Deus tanto mais melhora a sua condição. Por onde, quanto mais adstrito era ao culto divino o povo judaico, tanto mais sobre­pujava os outros povos em dignidade. Por isso, diz a Escritura (Dt 4, 8): onde há outro povo tão célebre, que tenha cerimônias e ordenações cheias de justiça e toda uma lei? — E semelhantemente, também a este respeito são de melhor condição os clérigos, que os leigos e os religiosos, que os padres seculares.
 
Resposta à terceira. — Os gentios mais perfeita e seguramente conseguiam a salvação na observância da lei, do que seguindo só a lei natural; por isso eram admitidos a observá-la. Assim como também, entre nós, os leigos entram para o estado clerical e os padres seculares, para as ordens religiosas, embora sem isso possam salvar-se.

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