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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 — Se a graça é uma qualidade da alma.

[II Sent., dist. XXVI, a. 2; a. e, ad 1; III Cont. Gent., cap. CL; De Verit., q. 27, a. 2, ad 7].
 
O Segundo discute-se assim. — Parece que a graça não é uma qualidade da alma.
 
1. — Pois, nenhuma qualidade age sobre o seu sujeito, pois, a ação dela, não podendo existir sem a deste, haveria necessariamente o sujeito de agir sobre si mesmo. Ora, a graça age sobre o homem, justificando-o. Logo, não é uma qualidade.
 
2. Demais. — A substancia é mais nobre que a qualidade. Ora, a graça é mais nobre que a natureza da alma; pois, com a graça, podemos muitas coisas, para o que não basta a natureza, segundo já se disse (q. 109, a. 1, a. 2, a. 3). Logo, a graça não é uma qualidade.
 
3. Demais. — Nenhuma qualidade permanece depois de desaparecida do sujeito. Ora, a graça permanece. Pois, não se corrompe porque então voltaria ao nada; e demais é criada, sendo por isso, chamada nova criatura. Logo, a graça não é uma qualidade.
 
Mas, em contrário, aquilo da Escritura (Sl 103, 15): — Para que faça brilhar o seu rosto com o azeite — diz a Glosa: a graça é o brilho da alma, que concilia o santo amor. Logo, o brilho da alma, como a beleza do corpo, é uma qualidade. Logo, também a graça o é.
 
SOLUÇÃO. — Como já foi estabelecido (a. 1), quando se diz que alguém tem a graça de Deus, quer-se significar que experimenta um efeito gratuito da vontade de Deus. Pois, como já dissemos (q. 109, a. 1), o homem é ajudado gratuitamente pela vontade de Deus, de dois modos. Primeiro, quando Deus move a alma a conhecer, querer ou fazer alguma coisa. E deste modo, esse efeito gratuito, no homem, não é uma qualidade, mas um movimento da alma; pois, como diz Aristóteles, o movimento é a ação do motor no móvel. — De outro modo, o homem é ajudado pela vontade gratuita de Deus, quando Deus infunde na alma um dom habitual. E isto por não ser conveniente seja Deus menos providente para com aqueles que, por amor, quer que possuam um bem sobrenatural, do que para com as criaturas destinadas, pelo seu amor, a possuírem um bem natural. Ora, Ele provê às criaturas naturais, não só movendo-se aos seus atos naturais, mas ainda conferindo-lhes certas formas e virtudes, que lhes são princípio dos atos, e as inclinam para os seus movimentos naturais. E assim, os movimentos, com que Deus as move, tornam-se conaturais e fáceis, segundo a palavra da Escritura (Sb 8, 1): E dispôs todas as coisas com suavidade. Logo, com maior razão, Deus infunde, nos seres que move à consecução de um bem sobrenatural eterno, certas formas ou qualidades sobrenaturais, pelas quais os move, suave e prontamente, à consecução do bem eterno. Por onde, o dom da graça é uma certa qualidade.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Diz-se que a graça, como qualidade, age na alma, não a modo de causa eficiente, mas de causa formal, assim como a justiça torna justo, e a brancura, branco.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A substância de um ser ou lhe constitui a natureza mesma, ou faz parte dela. E é neste segundo sentido que se chama substância à matéria ou à forma. E sendo a graça superior à natureza humana, não pode ser substância ou forma substancial, mas é a forma acidental da alma. Ora, o que existe em Deus substancialmente realiza-se, acidentalmente, na alma participante da divina bondade, como bem o demonstra a ciência. Por onde, por isso mesmo que a alma participa imperfeitamente da divina bondade, essa participação, que é a graça, a alma a tem de modo mais imperfeito do que o modo porque tem a sua subsistência mesma. É porém mais nobre que a natureza da alma, por ser expressão ou participação da divina bondade; mas, não o é, quanto ao modo de ser.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Boécio, a essência do acidente consiste em existir em outro ser. Por onde, todo acidente chama-se ente, não por ser ente em si mesmo, mas por fazer com que alguma coisa exista; e, por isso, se chama antes ente de um ente, que propriamente, ente como diz Aristóteles. E como só o ente é que pode vir a ser ou corromper-se nenhum acidente, propriamente falando, vem a ser nem se corrompe. Mas diz-se que vem a ser ou se corrompe, na medida em que, no que lhe diz respeito, o seu sujeito começa ou acaba atualmente de existir. Ora, sendo assim, também se diz que a graça é criada, por serem os homens, por ela criados, i. é, constituídos do nada, um ser novo, i. é, não pelos seus méritos, conforme a Escritura (Ef 2, 10): somos criados em Jesus Cristo para boas obras.

Art. 1 — Se a graça produz algum efeito na alma.

[II Sent., dist. XXVI, a. 1; III Cont. Gent., cap. CL; De Verit., q. XXVII, a. 1].
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que a graça não produz nenhum efeito na alma.
 
1. — Pois, no mesmo sentido em que se diz que temos a graça de Deus, também se diz que temos a de uma pessoa qualquer; donde o dizer a Escritura (Gn 39, 21): O Senhor deu a José a graça na presença do carcereiro - mor. Ora, quando sediz que alguém recebeu graça de outrem, isso nenhum efeito produz em quem a recebeu; mas, significa, que há uma certa aceitação em quem a dispensou. Logo, quando se diz, que o homem recebeu graça de Deus, isso nenhum efeito lhe produz na alma, significando apenas a aceitação divina.
 
2. Demais. — Como a alma vivifica o corpo, assim Deus, a alma; por isso, diz a Escritura (Dt 30, 20): Deus é a tua vida. Ora, a alma vivifica o corpo imediatamente. Logo, nenhum meio termo há entre Deus e a alma, e portanto, a graça não produz na alma nenhum efeito.
 
3. Demais. — Ao lugar da Escritura (Rm 1, 7) — Graça vos seja dada e paz — diz a Glosa: Graça, i. é, remissão dos pecados. Ora, a remissão dos pecados nenhum efeito produz na alma, só fazendo com que Deus não impute o pecado, conforme a Escritura (Sl 31, 2): Bem aventurado o homem a quem o Senhor não imputou pecado. Logo, também a graça nada produz na alma.
 
Mas, em contrário. — A luz nenhum efeito produz no objeto iluminado. Ora, a graça é uma luz da alma, e por isso diz Agostinho: A luz da verdade abandona o que prevaricou contra a lei, o qual, abandonado, se torna cego. Logo, a graça produz algum efeito na alma.
 
SOLUÇÃO. — Conforme ao modo comum de falar, a graça pode ser tomada em tríplice acepção. Primeiro, como amor de outrem; assim, costuma-se dizer que um soldado tem a graça do rei, para significar que o rei o tem na sua graça. Segundo, na acepção de um dom gratuitamente dado, e assim costumamos dizer: Faço-te esta graça. Terceiro, como recompensa de um benefício gratuitamente feito; e assim quando se diz que damos graças pelos benefícios. Ora, destas três acepções, a segunda depende da primeira; pois, do amor com que temos alguém em nossa graça, procede o que gratuitamente lhe fazemos. E da segunda procede a terceira, porque dos benefícios gratuitamente feitos procede a ação de graças.
 
Ora, quanto às duas últimas acepções, é manifesto, que a graça produz em quem a recebeu, primeiro, o dom mesmo, gratuitamente feito; e segundo, reconhecimento desse dom. Mas na primeira acepção, é preciso fazer-se uma diferença entre a graça de Deus e a humana. Pois, como o bem da criatura procede da vontade divina, do amor de Deus, pelo qual quer o bem da criatura, há de decorrer algum bem para esta. Ao passo que a vontade do homem se move pelo bem preexistente nas coisas; e por isso o seu amor não produz totalmente o bem do seu objeto, mas, ao contrário, o pressupõe, parcial ou totalmente. Por onde é claro, que todo bem da criatura resulta de algum amor de Deus, sendo esse bem entretanto produzido e não, coexistente com o amor eterno. Ora, nessa diferença de bens se funda a do amor de Deus pela criatura. Assim, um é o amor comum, com que ama todas as coisas, que existem, no dizer da Escritura (Sb 11, 25), e, pelo qual, dá o ser natural às coisas criadas. Outro é o amor especial, pelo qual eleva a criatura racional a participar do bem divino, condição essa que lhe excede a natureza. E por esse amor dizemos que ela ama a Deus, absolutamente falando, porque por ele Deus quer, absolutamente, o bem eterno da criatura, que é Ele próprio.
 
Assim, pois, quando se diz que o homem tem a graça de Deus, significa isso um dom sobrenatural, procedente de Deus para o homem. — Mas às vezes também se chama graça de Deus ao próprio e eterno amor divino; e nessa acepção é que se considera a graça da predestinação, pela qual Deus escolheu certos, ou os predestinou, gratuitamente e não, por méritos deles. Tal é o que diz a Escritura (Ef 1, 5): Predestinou-nos para sermos seus filhos adotivos em louvor e glória da sua graça.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Quando se diz, que alguém tem a graça de outrem, ou a de Deus, entende-se que há, no primeiro, algo de agradável ao segundo, ou a Deus, mas diferentemente. Pois, o que em alguém é agradável a outrem é pressuposto ao amor deste. Ao contrário, o que há no homem de agradável a Deus, já é causado pelo amor divino.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Deus é a vida da alma, a modo de causa eficiente; ao passo que a alma é a vida do corpo, a modo de causa formal. Ora, entre a matéria e a forma não há nenhum meio termo, pois esta, por si mesma, informa a matéria ou o sujeito. Ao passo que o agente informa o sujeito, não pela sua substância, mas pela forma, que causa na matéria.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Agostinho diz: Quando disse que a graça consiste na remissão dos pecados e a paz, na reconciliação com Deus, isso não significa que a paz e a reconciliação não pertençam à graça geral, mas que, especialmente, a graça significa a remissão dos pecados. Logo, nem só a remissão dos pecados pertence à graça, mas também, muitos outros dons de Deus. Por onde, a remissão dos pecados não se opera sem algum efeito divinamente causado em nós, como a seguir se demonstrará (q. 113, a. 2).

Questão 110: Da graça de Deus quanto à sua essência.

Em seguida devemos tratar da graça de Deus, quanto à sua essência.
 
E nesta questão, discutem-se quatro artigos:

1. Quarta-feira de cinzas: A morte

«Por um homem entrou o pecado neste mundo e, pelo pecado, a morte» (Rm 5, 12)
   
1. Se alguém, por culpa sua, foi privado de algum benefício, que lhe fora dado, a privação desse benefício será a pena da culpa cometida. Ora, o homem, desde o primeiro instante da sua criação, recebeu de Deus o benefício de, enquanto tivesse o seu espírito sujeito a Deus, ter sujeitas à alma racional as potências inferiores dela, e o corpo, à alma. Ora, tendo o espírito do homem repelido, pelo pecado original, a sujeição divina, daí resultou que as potências inferiores já não se sujeitaram totalmente à razão, donde procedeu a tão grande rebelião dos apetites carnais contra ela, nem já o corpo se subordinou totalmente à alma, donde resultou a morte e as outras deficiências corporais. Ora, a vida e a saúde do corpo consiste em sujeitar-se à alma, como o perfectível, à sua perfeição. Por onde e ao contrário, a morte, a doença e todas as misérias do corpo resultam da falta de sujeição do corpo à alma. Donde, é claro que, assim como a rebelião do apetite carnal contra o espírito é a pena do pecado dos nossos primeiros pais, assim também o é a morte e todas as misérias do corpo.

2. Quinta-feira depois das cinzas: O jejum

Quinta-feira depois das cinzas
   
 
I. — Pratica-se o jejum por três motivos:
  
1. Primeiro, para reprimir as concupiscências da carne. Donde o dizer o Apóstolo (2 Cor 6, 5): «Nos jejuns, na necessidade», porque o jejum conserva a castidade. Pois, como diz Jerônimo, «sem Ceres e Baco Vênus esfria», i. é, pela abstinência da comida e da bebida a luxúria se amortece.
  

4. Sábado depois das cinzas: O grão de trigo

Sábado depois das Cinzas
   
«Em verdade, em verdade vos digo que, se o grão de trigo que cai na terra não morrer, fica infecundo» (Jo 12, 24)
  
I. — O grão de trigo é de dois modos usado: para o feitio do pão e para a semeadura. O versículo acima diz respeito ao grão de trigo como semente, não como matéria do pão, pois, nesse último caso, não precisa fecundar para dar fruto. Se o grão de trigo não morrer, não que perca sua virtude seminal, mas porque muda de espécie. «o que tu semeias não toma vida, se primeiro não morre» (1 Cor 15, 36)

Terça-feira após o domingo da Quinquagésima: Flagelação de Cristo.

Terça-feira da Qüinquagésima
   
«depois de fazer açoitar Jesus, entregou-lho para ser crucificado» (Mt 27, 26)
   
E por que o fizeram açoitar? Jerônimo diz que era costume dos romanos que os condenados à morte fossem antes flagelados. E por isso, cumpriu-se aquilo das Escrituras: «Porque eu estou prestes a cair, e a minha dor está sempre diante de mim» (Sl 37, 18). Alguns dizem que Pilatos o fez açoitar para incitar a piedade nos judeus para que, depois, pudesse deixá-lo ir.

Segunda-feira após o domingo da Quinquagésima: A santidade.

Segunda-feira após o domingo da Qüinquagésima
 
  
Lemos no Evangelho: "Sirvamo-lo em santidade e justiça" (Lc 1, 75). Ora, servir a Deus é próprio da religião. Logo, religião é o mesmo que a santidade.
 
A santidade, por denominação, implica dois elementos. Um, a pureza, para significar a qual emprega-se o vocábulo grego αγζος, como quem diz — sem terra. O outro é a firmeza; por isso, entre os antigos, eram santas as coisas protegidas pelas leis, devendo assim não ser violadas. Donde o dizer-se ordenado (sancitum) o que é determinado por lei.

Domingo da Quinquagésima: Como santificar o domingo?

Domingo da Qüinquagésima
 
"Lembra-te de santificar o dia de sábado" (Ex 20, 8)  
  
  
O homem deve santificar os dias de festa. Ora, a palavra "santo" pode designar duas coisas: aquilo que é puro e aquilo que é consagrado a Deus. Assim, nestes dias de festa devemos nos abster de algumas obras, e nos ocupar com algumas outras:
 
I. — É preciso oferecer sacrifícios. No livro dos Números (28, 3) lê-se que, todos os dias, dois cordeiros deviam ser oferecidos a Deus, um pela manhã, outro pela tarde; mas no dia do Senhor, o sacrifício deveria ser duas vezes maior, e isso significa que, no sábado, também devemos oferecer a Deus sacrifício de tudo que possuímos.
 
1. Devemos oferecer nossa alma, pela contrição dos pecados e ação de graças por todos os benefícios recebidos, conforme o salmista: "Siga direta a ti a minha oração, como incenso" (Sl 140, 2). Os domingos e dias de festa foram feitos para termos a alegria espiritual da oração. Assim, as preces devem ser abundantes nesses dias.
 
2. Devemos oferecer nosso corpos: "Rogo-vos, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, que ofereçais os vossos corpos como uma hóstia viva, santa, agradável a Deus" (Rm 12, 1), e isso pelo louvor: "o que me oferece sacrifício de louvor, é o que me honra" (Sl 49, 23). Assim, o canto é abundante nesses dias.
 
3. Devemos oferecer nossos bens dando esmolas, e isso duas vezes mais que nos outros dias, pois o dia é de alegria para todos. 

Sábado após o domingo da Sexagésima: Como servir a Deus?

Sábado após o domingo da Sexagésima   
  
  
I. Deve-se servir a Deus com atos exteriores e interiores. Como diz Damasceno, sendo compostos de duas naturezas, uma intelectual e outra sensível, devemos tributar a Deus dupla adoração, a saber, espiritual, consistente na devoção interior da mente; e corporal, na humildade externa do corpo. Ora, como em todos os atos de latria, o exterior refere-se ao interior, como ao mais principal, por isso, fazemos a adoração exterior visando o interior. De modo que, pelas mostras de humildade, que corporalmente damos, despertemos o afeto que nos leva a nos sujeitarmos a Deus. Pois, é-nos conatural partir do sensível para chegar ao inteligível.

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