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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 5 — Se o anjo é delegado para guardar o homem, desde o nascimento deste.

(II Sent., dist. XI, part. I, a. 3. corp. et ad 3)
 
O quinto discute-se assim — Parece, que o anjo não é delegado, para guardar o homem desde o nascimento deste.
 
1. — Pois, os anjos são mandados em ministério, a favor daqueles que hão de receber a herança da salvação, como diz o Apóstolo. Ora, os homens começam a receber a herança da salvação, quando batizados. Logo, o anjo é delegado para guardar o homem, desde o tempo do batismo e não desde o nascimento.
 
2. Demais. — Os homens são guardados pelos anjos, enquanto estes os iluminam pela doutrina. Ora, os recém-nascidos não são capazes de doutrina por não terem o uso da razão. Logo, não lhes são delegados anjos da guarda.
 
3. Demais. — As crianças no ventre materno têm, depois de certo tempo, alma racional, bem como a têm depois da natividade. Ora, enquanto no ventre materno, não lhes são delegados anjos da guarda, como se sabe, porque os ministros da Igreja ainda não lhes comunicaram os sacramentos. Logo, não são delegados aos homens anjos da guarda, imediatamente depois do nascimento.
 
Mas, em contrário, diz Jerônimo, que cada alma, imediatamente depois de nascida, tem um anjo da guarda que lhe é deputado.
 
Solução. — Como diz Orígenes há, sobre este assunto, dupla opinião. Assim, uns ensinam que o anjo é dado ao homem, como guarda, desde o tempo do batismo. Outros porém, que desde o tempo do nascimento. E esta opinião Jerônimo a aprova, e com razão. Pois, os benefícios dados ao homem por Deus, desde que é cristão, começam do tempo do batismo, como receber a Eucaristia e outros. Ora o que a Providência divina dá ao homem, desde que este tem natureza racional, ele o recebe desde que ao nascer tem tal natureza. E tal benefício é a guarda dos anjos, como resulta claro do que já foi dito. Por onde, desde a sua natividade, o homem tem um anjo da guarda, que lhe é deputado.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Os anjos são enviados em ministério eficaz, só quanto àqueles que hão de receber a herança da salvação, se se considerar o efeito último da guarda, que é o recebimento da herança. Contudo, também os outros não são privados desse ministério. Pois embora este não tenha a eficácia de os levar à salvação, é todavia eficaz,pelos livrar de muitos males.
 
Resposta à segunda. — A função de guardar se ordena à iluminação da doutrina, como ao último e principal efeito. Contudo, tem também muitos outros efeitos, que convêm às crianças, a saber, afastar os demônios e livrar de outros males, tanto corpóreos como espirituais.
 
Resposta à terceira. — Enquanto no ventre materno, a criança não está totalmente separada da mãe, sendo por uma como ligação ainda algo dela, assim como o fruto pendente é algo da árvore. E por isso pode-se provavelmente, dizer que o anjo que guarda a mãe, guarda a prole existente no ventre materno. Mas, ao separar-se da mãe, pela natividade, é lhe deputado um anjo da guarda, como diz Jerônimo.

Art. 4 — Se a todos os homens são delegados anjos da guarda.

(II Sent., dist. XI, part. I, a. 3).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que nem a todos os homens são delegados anjos da guarda.
 
1. — Pois, a Escritura, diz que Cristo é semelhante aos homens, e reconhecido por condição, como homem. Se pois a todos os homens fossem delegados anjos da guarda, também Cristo teria o seu anjo custódio. Ora, isto é inconveniente, porque Cristo é maior que todos os anjos. Logo, nem a todos os homens são delegados anjos da guarda.
 
2. Demais. — Adão foi o primeiro de todos os homens. Ora, ele não precisava de nenhum anjo custódio, ao menos no estado de inocência, porque então a nenhum perigo estava exposto. Logo, os anjos não são prepostos como guardas, a todos os homens.
 
3. Demais. — Os anjos são delegados como guardas aos homens, para que os conduzam à vida eterna, incitem-nos a bem agir e os defendam contra os ataques dos demônios. Ora, os homens predestinados à condenação nunca chegarão à vida eterna; e também os infiéis, embora por vezes façam obras boas, contudo não as fazem bem, porque agem sem reta intenção; pois, a fé dirige a intenção, como diz Agostinho. E por fim, o Anticristo virá por obra de Satanás, como diz a Escritura. Logo, nem a todos os homens são deputados anjos da guarda.
 
Mas, em contrário, é a autoridade aduzida, de Jerônimo, que diz: cada alma tem um anjo da guarda que lhe é delegado.
 
Solução. — O homem, colocado no estado da vida presente, está como na via, que conduz à pátria. Ora, nessa via está ele exposto a muitos perigos, interiores e exteriores, conforme a Escritura: No caminho por onde eu andava, esconderam-me o laço. E por isso, assim como se dão guardas aos homens que andam por caminho não seguro, assim a cada homem, enquanto viandante, é delegado um anjo da guarda. Quando, porém já tiver chegado ao termo do caminho, não mais terá cada um o anjo custódio; mas sim, no céu, um anjo correinante e, no inferno, um demônio punidor.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Cristo, enquanto homem, sendo regido imediatamente pelo verbo de Deus, não precisava da guarda dos anjos. E, demais, era, pela alma, compreensor; mas era, em razão da passibilidade do corpo, viandante. E por isso, não lhe era devido, nenhum anjo custódio como superior, mas antes um anjo ministrante, como inferior. Por onde, diz a Escritura: Os anjos se aproximaram, e o serviam.
 
Resposta à segunda. — O homem, no estado de inocência, não corria nenhum perigo interior, porque interiormente tudo estava ordenado, como antes se disse. Mas corria perigos exteriores, por causa das insídias dos demônios, como o provaram os acontecimentos posteriores. E por isso precisava da guarda dos anjos.
 
Resposta à terceira. — Os predestinados à condenação, os infiéis e também o Anticristo, não estando privados do auxílio interior da razão natural, não estão privados também do auxílio exterior concedido por Deus a toda a natureza humana e que é a guarda dos anjos. E esta guarda , embora não os ajude para merecerem, por boas obras, a vida eterna, ajuda-nos contudo a fugir de certos males, pelos quais podem prejudicar a si mesmos e aos outros, pois, os próprios demônios são afastados pelos bons anjos, para que não façam tanto mal quanto querem. E semelhantemente o Anticristo não fará o mal que quiser.

Art. 3 — Se guardar os homens pertence só à ínfima ordem dos anjos.

(II Sent., dist. XI, part. I, a. 2; III Cont. Gent., cap. LXXX).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que guardar os homens não pertence só à ínfima ordem dos anjos.
 
1. — Pois, como diz Crisóstomo, o passo de Mateus — os seus anjos nos céus — entende-se, não de quaisquer anjos, mas dos supremos. Logo, estes guardam os homens.
 
2. Demais. — O Apóstolo diz, que os anjos são enviados para exercer o seu ministério a favor daqueles que hão de receber a herança da salvação; donde resulta, que a missão dos anjos se ordena à guarda dos homens. Ora, cinco ordens são enviadas para ministério externo, como já se disse. Logo, todos os anjos das cinco ordens são delegados à guarda dos homens.
 
3. Demais. — Para a guarda dos homens é preciso sobretudo afastar os demônios, o que pertence às Potestades, segundo Gregório; e fazer milagres, o que pertence às Virtudes. Logo, também estas ordens, e não só as ínfimas, são delegadas para a guarda.
 
Mas, em contrário, a guarda dos homens é atribuída aos Anjos da ordem ínfima, segundo Dionísio.
 
Solução. — Como já se disse, de dois modos se exerce a guarda, em relação ao homem. — Uma é a guarda, pela qual a cada homem é delegado um anjo da guarda. E esta guarda pertence à ordem ínfima dos anjos, que devem, segundo Gregório, anunciar as coisas mínimas; ora, o que é mínimo, nas funções dos anjos, é buscar o que leva cada homem à salvação. — Outra porém é a guarda universal; e esta se multiplica pelas diversas ordens; pois quanto mais universal for o agente tanto mais superior será. Assim, a guarda da multidão humana pertence à ordem dos Principados; ou talvez à dos Arcanjos, chamados príncipes dos anjos, sendo por isso Miguel, a que chamamos Arcanjo, considerado um dos primeiros príncipes. Depois sobre todas as naturezas corpóreas exercem guarda as Virtudes. Em seguida, também sobre os demônios exercem guarda as Potestades. E por fim, ulteriormente, sobre os bons espíritos, as Dominações, ou Principados, segundo Gregório.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — As palavras de Crisóstomo podem ser entendidas como referentes aos mais elevados, na ordem ínfima dos anjos; porque, como Dionísio diz, em qualquer ordem há primeiros, médios e últimos. Ora, é provável que os anjos maiores são delegados para a guarda dos que foram escolhidos por Deus para maior grau de glória.
 
Resposta à segunda. — Nem todos os anjos enviados exercem guarda especial sobre cada homem; mas, certas ordens têm guarda mais universal, maior ou menor, como se disse.
 
Resposta à terceira. — Mesmo os anjos inferiores exercem os ofícios dos superiores, enquanto em algo lhes participam dos dons deles, e estão para estes como executores da sua virtude. E deste modo, também todos os anjos da ínfima ordem podem, tanto afastar os demônios como fazer milagres.

Art. 2 — Se cada homem é guardado por um anjo.

O segundo discute-se assim. — Parece que cada homem não é guardado por um anjo.
 
1. — Pois este tem maior virtude que o homem. Ora, um homem basta para guardar muitos outros. Logo, com maior razão um anjo pode guardar muitos homens.
 
2. Demais. — Os seres inferiores são dependentes de Deus, por meio dos superiores, que se servem dos médios, como diz Dionísio. Ora, sendo todos os anjos desiguais, como já se disse, há só um anjo sem intermediário, em relação aos homens. Logo, é só um o que guarda imediatamente todos os homens.
 
3. Demais. — Os anjos maiores são delegados para maiores ofícios. Ora, não é maior ofício guardar antes um homem, do que outro, sendo todos os homens iguais por natureza. Ora, como, entre todos os anjos, um é maior que outro, como diz Dionísio, resulta que homens diversos não são guardados por anjos diversos.
 
Mas, em contrário, Jerônimo, expondo aquilo da Escritura — os seus anjos nos céus — diz: Deve ser grande a dignidade das almas, para que cada uma tenha desde o princípio do nascimento, um anjo delegado para sua guarda.
 
Solução. — Para cada homem é delegado um anjo da guarda. E a razão é que a guarda dos anjos é uma execução da divina Providência, em relação aos homens. Ora, a Providência de Deus procede, de um modo, com os homens e, de outro, com as outras criaturas corruptíveis, porque aqueles e estas se relacionam diferentemente com a incorruptibilidade. Pois, os homens são incorruptíveis, não só quanto à espécie comum, mas também quanto às formas próprias de cada um, que são as almas racionais, o que não se pode dizer dos outros seres corruptíveis. Ora, é manifesto que a Providência de Deus visa, principalmente, os seres que permanecem perpetuamente; quanto aos transitórios porém a Providência com eles se ocupa só para ordená-los para os seres perpétuos. Assim pois a Providência de Deus está para cada homem como está para cada gênero ou espécie dos seres corruptíveis. Ora, segundo Gregório, ordens diversas são delegadas para os diversos gêneros de coisas; assim, as Potestades, para afastar os demônios; as Virtudes, para fazer milagres, em relação às coisas corpóreas. E é provável que às diversas espécies das coisas sejam prepostos diversos anjos duma mesma ordem. E por isso também é racional, que a homens diversos sejam delegados, como guardas, anjos diversos.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — De dois modos pode ser dado um guarda a um homem. Como homem singular e, assim, a um mesmo homem é necessário um guarda e, às vezes, vários são delegados para a guarda de um só. De outro modo, como parte de um colégio e, então, a todo o colégio é preposto um só homem, como guarda, ao qual pertence tomar providência sobre o que diz respeito a cada homem, em dependência de todo o colégio; assim, sobre as obras exteriores, em relação às quais uns são edificados e outros escandalizados. Os anjos porém são delegados como guardas dos homens, mesmo quanto ao que é invisível e oculto, que diz respeito à salvação de cada um em si mesmo. Por onde, a cada homem é delegado, como guarda, um anjo.
 
Resposta à segunda. — Como já se disse, todos os anjos da primeira hierarquia, quanto a certas coisas, são iluminados por Deus imediatamente; mas só os superiores são assim iluminados, quanto a outras coisas, que revelam aos inferiores. E o mesmo se deve dizer em relação às ordens inferiores. Pois, qualquer anjo ínfimo é iluminado, quanto a certas coisas, por algum dos supremos, e quanto a outras, por aquele que lhe é imediatamente superior. E, assim, é possível que um anjo, iluminando imediatamente o homem, seja também superior a outros anjos, que ilumina.
 
Resposta à terceira. — Embora os homens sejam iguais, por natureza, contudo a desigualdade neles existe por serem ordenados pela divina Providência uns para coisas maiores e outros, para menores; conforme aquilo da Escritura: Pela grandeza da sua sabedoria, o Senhor distingui-os: a uns abençoou e exaltou; a outros amaldiçoou e humilhou. E, assim, maior ofício é guardar antes um homem, que outro.

Art. 1 — Se os homens são guardados pelos anjos.

 (II Sent., dist. XI, part. I, a. 1).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que os homens não são guardados pelos anjos.
 
1. — Pois, guardas se delegam para os que não sabem ou não podem se guardar a si mesmos, como as crianças e os doentes. Ora, o homem, pelo livre arbítrio, pode-se guardar a si mesmo; e sabe guardar-se pelo conhecimento natural da lei natural. Logo, não é guardado pelo anjo.
 
2. Demais. — A guarda mais forte torna inútil a mais fraca. Ora, os homens são guardados por Deus, conforme a Escritura: Não adormecerá, nem dormirá o que guarda Israel. Logo, não é necessário o homem ser governado pelo anjo.
 
3. Demais. — A perda do guardado redunda em negligência do guarda; por onde, diz a Escritura: Guarda este homem: se ele fugir, a tua vida responderá pela vida dele. Ora, muitos homens perecem quotidianamente caindo em pecado, aos quais os anjos não podem socorrer, ou aparecendo visivelmente, ou fazendo milagres, ou de qualquer modo semelhante. Portanto, os anjos seriam negligentes, se os homens lhes tivessem sido entregues à guarda, o que é claramente falso. Portanto, eles não são guardas dos homens.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura: Mandou aos seus anjos acerca de ti, que te guardem em todos os teus caminhos.
 
Solução. — Conforme a disposição da divina providência, todas as coisas móveis e variáveis são movidas e regidas pelas imóveis e invariáveis. Assim, todos os seres corpóreos, pelas substâncias espirituais imóveis; e os corpos inferiores, pelos superiores, substancialmente invariáveis. E também nós somos regidos, quanto às conclusões, em relação às quais podemos opinar diversamente, pelos princípios a que invariavelmente nos atemos. Ora, é manifesto, que o conhecimento e os afetos do homem podem, em relação às coisas que ele deve fazer, multiplícemente variar e falhar, quanto ao bem. E por isso é necessário sejam delegados anjos para guarda dos homens, que os rejam e movam para o bem.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Pelo livre arbítrio o homem pode de certo modo evitar o mal, mas não suficientemente, porque os seus afetos bons são enfraquecidos pelas múltiplas paixões da alma. Semelhantemente, também o conhecimento universal da lei natural, que o homem naturalmente tem, de certo modo o dirige para o bem, mas não suficientemente, porque acontece que ele se engana muitas vezes, aplicando os princípios universais de direito às obras particulares. Por onde, diz a Escritura: Os pensamentos dos mortais são tímidos, e incertas as nossas providências. E, portanto, é necessária ao homem a guarda dos anjos.
 
Resposta à segunda. — Duas condições são necessárias para se fazer o bem: que o afeto se incline para ele, o que se dá em nós pelo hábito da virtude moral; e que a razão descubra vias congruentes para realizar o bem da virtude, o que o Filósofo atribui à prudência. Quanto à primeira, Deus guarda o homem, infundindo-lhe graça e virtudes. Quanto à segunda, guarda-o como instrutor universal, cuja instrução chega ao homem mediante os anjos como já se estabeleceu.
 
Resposta à terceira. — Assim como os homens desviam-se do instinto natural do bem, pela paixão do pecado; assim também desviam-se das inspirações dos bons anjos, que procedem invisivelmente, iluminando-os, para bem agir. E por isso não é por negligência dos anjos, mas por malícia própria, que eles perecem. E por graça especial de Deus é que eles, contra a lei comum, às vezes aparecem visivelmente aos homens; assim como também fazem milagres, contra a lei comum.

Questão 113: Da guarda dos bons anjos.

Em seguida deve-se tratar da guarda dos bons anjos e da impugnação dos maus.
 
E sobre a primeira questão oito artigos se discutem:

Art. 10 — Se a intenção reta do ministro é necessária para a perfeição do sacramento.

O décimo discute-se assim. — Parece necessária a intenção reta do ministro para a per­feição do sacramento.
 
1. — Pois, a intenção do ministro deve ser conforme à da Igreja, como do sobredito se colhe. Ora, a intenção da Igreja sempre é reta. Logo e necessàriamente para a perfeição do sacra­mento é necessária a intenção reta do ministro.
 
2. Demais. — A intenção perversa parece pior que a jocosa. Ora a intenção jocosa excluí o sacramento; talo caso de quem batizasse a outrem não seriamente mas por brincadeira. Logo, com maior razão, a intenção perversa ex­clui o sacramento; por exemplo, se alguém batizasse a outrem para depois matá-lo.
 
3. Demais. — A intenção perversa torna toda uma obra viciosa, segundo aquilo do Evangelho: Se o teu olho for mau todo o teu corpo será tenebroso. Ora, os sacramentos de Cristo não podem ser inquinados pelos maus como diz Agostinho. Logo, parece que, sendo perversa a intenção do ministro, não há no caso verdadeiro sacramento.
 
Mas, em contrário, a intenção perversa vem da malícia do ministro. Ora, a malícia do minis­tro não exclui o sacramento. Logo, nem a in­tenção perversa.
 
SOLUÇÃO. — A intenção do ministro pode perverter-se de dois modos. – Primeiro relativamente ao sacramento mesmo; por exemplo, quando não há intenção de conferir o sacramento, mas de fazer uma brincadeira. E essa perversidade exclui a realidade do sacramento, sobretudo quando a intenção é manifestada exteriormente. - De outro modo, pode perverter-se a intenção do ministro, relativamente ao que a ele se segue; por exemplo, se o sacerdote tivesse a intenção de bati­zar uma mulher para abusar dela; ou a de con­sagrar o corpo de Cristo a fim de usar dele para benefícios. E como o anterior não depende do posterior, daí resulta que a perversidade de tal intenção não exclui a realidade do sacramento. Mas o ministro, por ter tido tal intenção, peca gravemente.
 
DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­A intenção reta da Igreja concerne à perfeição e ao uso do sacramento. Mas a primeira reti­dão perfaz o sacramento; a segunda produz efei­to relativamente ao mérito. Por onde, o minis­tro que conforma a sua intenção com a da Igreja quanto à primeira retidão, mas não quanto à segunda, perfaz por certo o sacramento, mas não lhe traz isso nenhum mérito.
 
RESPOSTA A SEGUNDA. - A intenção lúdica ou jocosa exclui a primeira retidão da intenção pela qual se perfaz o sacramento. Logo, não há semelhança de razão.
 
RESPOSTA A TERCEIRA. - A intenção perversa torna má o ato de quem a nutre, mas não o ato de outrem. Por onde, a intenção perversa do ministro torna má a celebração do sacra­mento como obra sua, mas não enquanto obra de Cristo, do qual é ministro. O mesmo se da­ria se o ministro de outrem distribuísse com má intenção aos pobres a esmola que o senhor com boa intenção mandou distribuir.

Art. 9 — Se a fé do ministro é necessária para o sacramento.

O nono discute-se assim. — Parece que a fé do ministro não é necessária para a existência do sacramento.
 
1. — Pois, como se disse, a intenção do ministro é necessária para a existência do sacra­mento. Ora, a fé dirige a intenção, como diz Agostinho. Logo, faltando à verdadeira fé no ministro, não se perfaz o sacramento.
 
2. Demais. — O ministro da Igreja que não tiver a verdadeira fé é herético. Ora, segundo parece, os heréticos não podem conferir os sa­cramentos. Assim, diz Cipriano: Tudo o feito pelos heréticos é carnal, vão e falso; de modo que nada do que façam devemos aprovar. E Leão Papa: É manifesto que pela cruelíssima e insa­níssima, vesânia da sé de Alexandria extinguiu-­se todo o lume celeste dos sacramentos. Cessou a oblação do sacrifício, desapareceu a santifi­cação do crisma e todos os mistérios se eclipsa­ram às mãos parricidas dos ímpios. Logo, para o sacramento é necessária a fé verdadeira do ministro.
 
3. Demais. — Os que não têm a verdadeira fé são pela excomunhão separados da Igreja. Assim, segundo epístola canônica de João: Se alguém vem a vós e não traz essa doutrina, não no recebais em vossa casa, nem lhe digais: Deus te salve. E o Apóstolo: Foge do homem herege depois da primeira e segunda correção. Ora, o excomungado parece que não pode conferir o sacramento da Igreja, desde que dela está sepa­rado, dela a quem pertence à dispensação dos sacramentos. Logo, parece que a verdadeira fé do ministro é necessária para haver sacramento.
 
Mas, em contrário, Agostinho: Lembra-te que aos sacramentos de Deus em nada podem obstruir os maus costumes dos homens, de modo que por causa destes viessem eles a não ser san­tos ou a o serem menos.
 
SOLUÇÃO. — Como já dissemos o ministro, agindo instrumentalmente nos sacramentos não obra por virtude própria, mas por virtude de Cristo. Ora, assim como à virtude própria do homem pertence à caridade, assim também a fé. Por onde, como não é preciso a perfeição do sacramento que o ministro viva na caridade, mas mesmo os pecadores podem conferi-lo, confor­me se disse assim a perfeição do sacramento não lhe exige a fé, mas os infiéis podem conferir verdadeiramente o sacramento, contanto que existam as outras condições que são de necessidade para o sacramento.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Pode se dar que alguém tenha uma fé deficiente nalgum ponto e não quanto ao sacramento que ministra. Por exemplo, se Crê que o juramento é em todos os casos ilícito e contudo crê que o batis­mo tem eficácia para a salvação. E assim, essa infidelidade não dissipa a intenção de conferir o sacramento. Se porém não tem fé no sacra­mento mesmo que ministra, embora creia que do ato que exteriormente pratica não resulta nenhum efeito interior, não ignora contudo que a Igreja católica tem a intenção de, mediante esses atos internos, conferir o sacramento. Por onde não obstante a infidelidade, pode ter a intenção de fazer o que faz a Igreja, embora julgue que isso nada é. E tal intenção basta para o sacramento, porque, como dissemos, o ministro do sacramento age em nome de roda a Igreja, cuja fé supre o que falta à fé do ministro.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Certos heréticos ao conferirem os sacramentos não observam a for­malidade da Igreja. E esses não conferem nem o sacramento nem a realidade dele. - Certos porem observam a formalidade da Igreja. E esses conferem verdadeiramente o sacramento, mas não a matéria do mesmo. E isto digo, se estão manifestamente separados da Igreja. Porque pelo fato mesmo de alguém receber deles o sacramento peca; e isso impede de ser alcançado o efeito do sacramento. Donde o dizer Agostinho: Crê firmissimamente e de nenhum modo duvides que aos batizados fora da Igreja, se a ela não voltarem, ao batismo se lhes acres­centa o pecado. E nesse sentido diz Leão Papa, que na sé de Alexandria se extinguiu totalmente o lume dos sacramentos, isto é, quanto à matéria sacramental, mas não quanto aos sacramentos em si mesmos. - Cipriano porem cria que nem o sacramento os heréticos oferecem. Mas, neste ponto, não se lhe sustenta a opinião. Por isso diz Agostinho: O mártir Cipriano não quis reconhe­cer o batismo conferido pelos heréticos ou cismáticos. Foram porem tão grandes os méri­tos, até o triunfo do martírio, que ganhou, que a refulgente luz da sua caridade fez desaparecer essa sombra e, se de algo devia ser purificado, isso radicalmente o fez a sua paixão.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O poder de ministrar os sacramentos pertence ao caráter espiritual, que é indelével como do sobredito se colhe. E por isso o facto de ser um suspenso pela Igreja ou excomungado, ou ainda degradado, não lhe tira o poder de conferir o sacramento, mas só a licença de usar desse poder. Por isso, confere seguramente o sacramento, contudo peca confe­rindo-o. E o mesmo passa com quem dele re­cebe o sacramento; e assim, não recebe a reali­dade deste, salvo se tiver a escusa da ignorância.

Art. 8 — Se a intenção do ministro é necessária para a perfeição do sacramento.

O oitavo discute-se assim. — Parece que a intenção do ministro não é necessária para a perfeição do sacramento.
 
1. — Pois, o ministro obra nos sacramentos instrumentalmente. Ora, a ação não se torna perfeita pela intenção do ministro, mas pela do agente principal. Logo, a intenção do ministro não é necessária para a perfeição do sacramento.
 
2. Demais. — Não pode um homem conhecer a intenção de outro. Se, pois, a intenção do ministro fosse necessária para a perfeição do sacramento, não poderia quem se achegasse a recebê-lo saber que o recebeu; e assim, não pode­ria ter certeza da sua salvação, sobretudo que certos sacramentos são de necessidade para a salvação, como a seguir se dirá.
 
3. Demais. — A nossa intenção não pode existir quando não estamos atentos ao que fazemos. Ora, às vezes os que ministram os sacra­mentos não pensam no que dizem ou fazem, estando a pensar em outra coisa. Logo, assim sendo, não se consumaria o sacramento por falta de intenção.
 
Mas, em contrário, o que está fora da nossa intenção é casual. O que se não pode dizer da celebração dos sacramentos. Logo, os sacramentos implicam a intenção do ministro.
 
SOLUÇÃO. — Quando um agente é capaz de muitas atividades, é necessário de algum modo determinar-se a uma delas, se essa deve ser efe­tivada. Ora, as práticas sacramentais podem ser feitas de diversos modos. Assim, a ablução da água, no batismo, pode ordenar-se tanto à lim­peza como à saúde do corpo, ou a divertimento ou a muitas outras finalidades semelhantes. Logo, é necessário que seja determinada a um fim particular, isto é, ao efeito sacramental, pela intenção de quem faz a ablução. E essa in­tenção se exprime pelas palavras proferidas nos sacramentos; por exemplo, quando se diz - Eu te batizo em nome do Padre, etc.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Um instrumento inanimado não tem nenhuma intenção relativamente ao efeito; mas em lugar da intenção está o movimento, que lhe imprime o agente principal. Um instrumento animado porém, como um ministro, não só é movido, mas também de certo modo move-se a si mesmo, porque por vontade sua move os membros _ a agir. Logo, é necessária a sua intenção de sujeitar-se ao agente principal de modo que tenha a inten­ção de fazer o que faz Cristo e a Igreja.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Há duas opiniões nesta matéria. - Uns dizem que para haver sacramento é necessária a intenção mental do ministro, na falta da qual não haverá. Mas essa falta Cristo, que batiza internamente, supre, em se tratando de crianças que não têm a intenção de receber o sacramento. E em se tratando de adultos, com a intenção de recebê-lo, a fé e a devoção suprem a falta. Mas esta opi­nião seria admissível quanto ao efeito último, que é a justificação dos pecados; mas quanto ao consistente na matéria e no sacramento, isto é, o caráter, a devoção de quem recebe o sacramento não pode suprir, porque nunca é impresso o caráter senão pelo sacramento. Por isso outros, e melhor dizem que o ministro do sacramento age em nome de toda a Igreja, da qual é minis­tro. Pois, as palavras que profere exprimem a intenção da Igreja, bastando à perfeição do sacramento. a menos que o contrário não seja exteriormente expresso pelo ministro e pelo que recebe o sacramento.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora aquele que pensa em outra coisa não tenha a intenção atual, tem-na contudo habital e essa basta para haver o sacramento. Assim, o sacerdote que for batizar e tiver a intenção de fazer o que a Igreja faz quando batiza. Por isso se depois, no ato de batizar, o seu pensamento for desviado para outros objetos, o sacramento se perfaz pela virtude da primeira intenção. Embora deva o ministro do sacramento empregar estudo para também ter a intenção atual. Mas isso não depende totalmente do nosso poder porque, quando queremos vivamente aplicar a nossa intenção, começamos a pensar em outras coisas que nela não estão, conforme aquilo da Escri­tura: O meu coração me desamparou.

Art. 7 — Se os anjos podem ministrar os sacramentos.

O sétimo discute-se assim. — Parece que os anjos podem ministrar os sacramentos.
 
1. — Pois, tudo o que pode um ministro inferior pode também um superior; assim, tudo o que pode o diácono pode também o sacerdote, mas não inversamente. Ora, os anjos são minis­tros superiores na ordem hierárquica a qualquer homem, como está claro em Dionísio. Logo, podendo o homem ministrar os sacramentos, parece que, com muito maior razão também o podem os anjos.
 
2. Demais. — Os varões santos são comparáveis aos anjos do céu, como diz o Evangelho. Ora, certos santos dos que estão no céu podem ministrar os sacramentos, porque o caráter sa­cramental é indelével, como se disse. Logo, parece que também os anjos podem ministrar os sacramentos.
3. Demais. — Como dissemos, o diabo é o chefe dos maus e os maus são os seus membros. Ora, os maus podem dispensar os sacramentos. Logo, parece que também os demônios.
 
Mas em contrário, o Apóstolo: Todo pontífice, assunto dentre os homens é constituído a favor dos homens naquelas coisas que tocam à Deus. Ora, os anjos bons ou maus não são assuntos dentre os homens. Logo, não são cons­tituídos ministros naquelas coisas que tocam a Deus, isto é, dos sacramentos.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, toda a virtude dos sacramentos deriva da paixão de Cristo, que Cristo sofreu enquanto homem. E a ele se con­formam os homens pela natureza; mas não os anjos, pois antes pela sua paixão, como diz o Apóstolo, por um pouco foi menor que os anjos. Logo, pertence aos homens dispensar os sacra­mentos e ser ministros deles, mas não aos anjos. Devemos porém, saber que, assim como Deus não aligou a sua virtude aos sacramentos, de modo que não pudesse conferir, sem ele, o efeito deles, assim também não na ligou aos ministros da Igreja, de modo que não pudesse atribuir aos anjos o poder de ministrar os sacramentos. E como os bons anjos são os núncios da verdade, o ministério sacramental que fosse exercido por eles deveria ser considerado como correto. Por­que devíamos concluir que assim foi feito por vontade divina, como dizemos que certos templos foram consagrados pelo ministério angélico. Se porem os demônios; espíritos da mentira, exer­cessem algum ministério sacramental, não o deveríamos ter por bom.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Aquilo que os homens fazem de um modo inferior, isto é, por meio dos sacramentos sensíveis, propor­cionados à natura deles, fazem-nos os anjos, como ministros superiores, de modo superior, isto é, invisivelmente purificando, iluminando e aperfei­çoando.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os santos que estão no céu são semelhantes aos anjos quanto à par­ticipação da glória, mas não quanto à condição da natureza. E por consequência nem quanto aos sacramentos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os homens maus não têm o poder de ministrar os sacramentos pelo fato de, pela sua malícia, serem membros do diabo. Donde, pois, não se segue que o diabo, chefe deles, o possa, mais que eles.

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