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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 1 — Se o batismo é uma ablução.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o batismo não é uma ablução.
 
1. Pois, a ablução material passa, ao passo que o batismo permanece. Logo, o ba­tismo não é a ablução mesma, mas antes, a rege­neração e o selo, a custódia e a iluminação, como diz Damasceno.
 
2. Demais. —— Hugo de S. Vitor diz que o batismo é a água santificada pelo Verbo de Deus para lavar os pecados. Ora, a água não é a ablução mesma; mas a ablução é um dos usos da água.
 
3. Demais. — Agostinho diz: Acrescenta-se as palavras ao elemento e nasce o sacramento. Ora, o elemento é a própria água. Logo, o batismo é a água mesma e não a ablução.
 
Mas, em contrário, a Escritura: Se alguém se lava depois de ter tocado um morto e o toca outra vez, de que lhe serve o ter-se lavado? Logo, parece que o batismo é ablução mesma ou o ato de lavar.
 
SOLUÇÃO. — Três coisas devemos considerar no sacramento do batismo: uma é o sacramento só em si mesmo; outra, a realidade e o sacra­mento; a terceira, só a realidade. O sacra­mento tem uma existência externamente visível a qual é o sinal do efeito interior; e isso consti­tui a essência do sacramento. Ora, o elemento exterior percebido pelos sentidos é a água e o seu uso, a ablução. Certos porem pensaram que a água mesma fosse o sacramento; e é o que parece soarem as palavras de Hugo de S. Vitor. Pois, na sua definição geral dos sacramentos, diz que é um elemento material; e, na definição do batismo, diz que é a água. Mas esta doutri­na não é verdadeira. Porque os sacramentos da lei nova, obrando de certo modo a santificação, onde se perfaz o sacramento também se perfaz a santificação. Ora, a água não é causa da san­tificação, senão como causa instrumental, não permanente, mas que de flui para o homem, que é o sujeito da verdadeira santificação. Por onde, o sacramento não se perfaz na água, em si mesma, mas na sua aplicação ao homem, que é a ablução. Donde o dizer o Mestre das Sentenças que o batismo é a ablução exterior do corpo, feita sob a forma das palavras prescritas. — Quanto à realidade e ao sacramento, é o caráter batismal, que é a realidade significa da pela ablução exterior; e é o sinal sacramental da justificação interior. E esta é em si a rea­lidade deste sacramento, isto é, significa da e não significante.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O caráter, que é ao mesmo tempo realidade e sacramento; e a justificação interior, que é a realidade somente, permanecem. Mas o caráter permanece de modo indelével, como dissemos; ao passo que a justificação também permanece, mas pode ser perdida. Por isso Damasceno de­finiu o batismo, não pelo que exteriormente se manifesta que é o sacramento, por si mesmo; mas, pelo que é interior. Dai o ter atribuído ao caráter duas denominações — a de selo, e de custódia; porque o caráter, considerado selo, guarda, como tal, a alma no bem. E ainda, atribuiu duas denominações à realidade última do sacramento: a de regeneração, pelo fato de o batismo fazer-nos começar a vida nova da justiça; e a de iluminação, concernente em es­pecial à fé, pela qual recebemos a vida espiri­tual segundo aquilo da Escritura: O justo vive­rá na sua fé. Ora, o batismo é de certo modo uma proclamação da fé; por isso se chama o sacramento da fé. — E semelhantemente, Dio­nísio definiu o batismo relativamente aos outros sacramentos, dizendo: É de algum modo o prin­cípio dessas instituições sagradas da vida cris­tã, e dá à nossa alma disposições que a tornam capaz de os receber. E ainda, relativamente à glória celeste, que é o fim último dos sacramen­tos, quando acrescenta: O batismo abre o caminho que nos conduz ao repouso do céu. E enfim, quanto ao princípio da vida espiritual, quando acrescenta: É a transmissão da nossa sagrada e diviníssima regeneração.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos, não devemos seguir neste ponto a opinião de Hugo de S. Vitor. – Podemos, contudo aceitar que o batis­mo se denomine água, porque a água é o seu prin­cípio material. É um caso da denominação fun­dada na causa.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Acrescentada a pala­vra ao elemento, nasce o sacramento, não no pró­prio elemento, mas no homem, que o recebe pela ablução. E isso mesmo significam as palavras que se pronunciam nessa ocasião. / Eu te batizo, etc.

Questão 66: Do concernente ao sacramento do batismo.

Na primeira questão discutem-se doze artigos:

Art. 4 — Se todos os sacramentos são necessários à salvação.

O quarto discute—se assim. — Parece que to­dos os sacramentos são necessários à salvação.
 
1. Pois, o que não é necessário é supér­fluo. Ora, nenhum sacramento é supérfluo por­que Deus não faz nada em vão. Logo, todos os sacramentos são necessários à salvação.
 
2. Demais. — Assim como do batismo, diz o Evangelho: Quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus — assim também da Eucaristia: Se não comer­des a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue não tereis vida em vós. Logo, assim como o batismo é um sacramento de ne­cessidade para a salvação, assim também a Eucaristia.
 
3. Demais. — Sem o sacramento do batis­mo pode uma pessoa salvar—se contanto que não o deixasse de o receber por desprezo, mas por necessidade, como a seguir se dirá. Ora, em Qualquer sacramento o desprezo da religião im­pede—nos a salvação. Logo, pela mesma razão, todos os sacramentos são necessários à salvação.
 
Mas, em contrário, as crianças se salvam só pelo batismo, sem os outros sacramentos.
 
SOLUÇÃO. — De dois modos podemos considerar a necessidade relativamente ao fim, da qual agora tratamos. — Num sentido, é tal quem sem ela não pode ser conseguido o fim; assim a comida é necessária à vida humana. E esta é a necessidade absoluta, para a consecução do fim. — Noutro sentido, necessário é aquilo sem o que não podemos atingir convenientemente o fim; assim o cavalo é necessário para uma via­gem. E esta necessidade não é necessária, abso­lutamente falando, para atingirmos o fim. Ora no primeiro sentido da necessidade, três sacramentos são necessários. Dois a cada pessoa em particular: o batismo, simples e absolutamente falando; e a penitência, suposto o pecado mortal depois do batismo. Quanto ao sacramento da ordem, ele é necessário à Igreja, porque, no dizer da Escritura, onde não há quem governe perecerá o povo. — Mas, no segundo sentido, os outros sacramentos são necessários. Assim, a confirma­ção de certo modo aperfeiçoa o batismo; a extrema unção, a penitência; e o matrimônio enfim conserva, pela propagação, o povo fiel.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Para uma coisa não ser supérflua basta que seja necessária no primeiro ou no segundo sentido. E assim são necessários todos os sacra­mentos, como dissemos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essas palavras do Senhor devem ser entendidas da manducação espiritual, e não só da sacramental, como o ex­plica Agostinho.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora o desprezo de todos os sacramentos seja contrário à salva­ção, não há contudo desprezo do sacramento no fato de quem não cuida de receber o que não é de necessidade à salvação. Do contrário, to­dos os que não recebessem a ordem e não con­traíssem matrimônio desprezariam esses sacramentos.

Art. 3 — Se o sacramento da Eucaristia é o primeiro de todos os sacramentos.

O terceiro discute—se assim. — Parece que o sacramento da Eucaristia não é o primeiro entre os sacramentos.
 
1. Pois, o bem comum tem prioridade sobre o bem particular, como diz Aristóteles. Ora, o matrimônio se ordena ao bem comum da espécie humana, por via da geração; ao passo que o sacramento da Eucaristia, ao bem próprio de quem o recebe. Logo, não é o primeiro dos sacramentos.
 
2. Demais. — Parece que mais dignos são os sacramentos conferidos por ministros de maior dignidade. Ora, o sacramento da confirmação e o da ordem são conferidos só pelo bispo, ministro de maior dignidade que o sacerdote, que confere o sacramento da Eucaristia. Logo, esses sacramentos são mais principais.
 
3. Demais. — Os sacramentos são tanto mais principais quanto maior virtude tem. Ora, certos sacramentos, como o batismo, a confirma­ção e a ordem, imprimem caráter — o que não faz a Eucaristia. Logo, esses sacramentos são mais importantes.
 
4. Demais. — De duas coisas é mais impor­tante aquela de que a outra depende e não ao invés. Ora, do batismo depende a Eucaristia; pois, não pode receber a Eucaristia quem não for batizado. Logo, o batismo é mais principal que a Eucaristia.
 
Mas, em contrário, diz Dionísio, que ninguém pode chegar à perfeição hierárquica senão pela diviníssima Eucaristia. Logo, este sacramento é o mais digno e perfectivo, que todos os outros.
 
SOLUÇÃO. — Absolutamente falando, o sacra­mento da Eucaristia é o principalmente entre os outros sacramentos. O que resulta de três ra­zões. — Primeiro, porque nele está contido o pró­prio Cristo substancialmente; ao passo que nos outros sacramentos está contida uma certa vir­tude instrumental participada de Cristo, como do sobredito se colhe. Ora, sempre o essencial é mais principal do que o participado. — Segundo isso mesmo resulta da ordem dos sacramentos entre si; pois, todos os outros sacramentos se ordenam para este como para o fim. Pois, é manifesto que o sacramento da ordem tem como fim a consagração da Eucaristia. Quanto ao do batismo, ele se ordena à recepção da Eucaristia. Para o que também nos aperfeiçoa a confirma­ção, fazendo—nos não temer de nos achegar a esse sacramento. Também a penitência e a extrema unção nos preparam a receber dignamente o corpo de Cristo. O matrimônio, enfim, ao menos pela sua significação, concerne a esse sa­cramento, enquanto significa a união de Cristo e da Igreja, cuja unidade é figurada pelo sacra­mento da Eucaristia. Por isso, diz o Apóstolo: este sacramento é grande, mas eu digo em Cristo e na Igreja. — Terceiro, o mesmo resulta do rito dos sacramentos. Pois, quase todos os sacra­mentos, vem a se resumir na Eucaristia, como diz Dionísio; e isso o demonstra o fato de os ordenados comungarem e também os batizados, se forem adultos.
 
Quanto à relação mútua entre os outros sacramentos ela pode ser múltipla. Assim, quan­to à necessidade, o batismo é o primeiro de todos os sacramentos; quanto à perfeição, o da ordem; em posição intermediária está o sacramento da confirmação. Quanto aos sacramentos da peni­tência e da extrema unção, estão num grau in­ferior aos outros sacramentos referidos; pois, como dissemos, ordenam—se à vida cristã não por si mesmos, mas quase por acidente, isto é, como remédio à uma falta sobreveniente. Entre os quais porém a extrema unção está para a penitência, como a confirmação para o batismo; de modo que a penitência é de mais necessidade, mas a extrema unção é de maior perfeição.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­— O matrimônio se ordena ao bem comum corpo­ral. Mas o bem espiritual de toda a Igreja está substancialmente contido no próprio sacramento da Eucaristia.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Pela ordem e pela confirmação os fiéis de Cristo são destinados a certos ofícios; e assim destiná—las é função do chefe. Por isso, comunicar esses sacramentos pertence só ao bispo, que é quase príncipe da Igreja. Ao passo que pelo sacramento da Euca­ristia não somos destinados a nenhum ofício; ao contrário, esse sacramento é a finalidade de todos os ofícios, como se disse.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O caráter sacra­mental, como dissemos, é de certo modo parti­cipação do sacerdócio de Cristo. Por onde, o sa­cramento que une a Cristo mesmo, com o homem é mais digno que o sacramento que im­prime o caráter de Cristo.
 
RESPOSTA À QUARTA. — A objeção colhe quan­to à necessidade. Pois, o batismo, sendo o de mais necessidade, é o principalissimo dos sacra­mentos. Assim como a ordem e a confirmação tem uma certa excelência, em razão do minis­tério; e o matrimônio, em razão da significação. Pois, nada impede ser uma causa, de certo modo, mais digna, sem o ser absolutamente falando.

Art. 2 — Se os sacramentos convenientemente se ordenam segundo o modo predito.

O segundo discute—se assim. — Parece que os sacramentos não se ordenam convenientemente segundo o modo predito.
 
1. Pois, como diz o Apóstolo, primeiro o que é animal, depois o que é espiritual. Ora; o matrimônio dá ao homem a primeira geração, que é a animal; o batismo o regenera pela se­gunda, que é a espiritual. Logo, o matrimônio deve preceder o batismo.
 
2. Demais. — Pelo sacramento da ordem recebe-se o poder de praticar atos sacramentais. Ora, o agente é anterior à sua ação. Logo, a ordem deve preceder o batismo e os outros sacramentos.
 
3. Demais. — A Eucaristia é uma nutrição espiritual; e a confirmação é comparável ao crescimento. Ora, a nutrição é a causa do cres­cimento e, por consequência, lhe é anterior. Logo, a Eucaristia é anterior à confirmação.
 
4. Demais. — A penitência prepara o ho­mem para a Eucaristia. Ora, a disposição pre­cede a perfeição. Logo, a penitência deve pre­ceder a Eucaristia.
 
5. Demais. — O que está próximo do fim último é posterior. Ora, a extrema unção, den­tre todos os sacramentos, está mais próxima ao fim último da beatitude. Logo, deve ocupar o último lugar entre os sacramentos.
 
Em contrário, é que todos em geral classificam os sacramentos como o fizemos antes.
 
SOLUÇÃO. — A razão da ordem entre os sacramentos resulta do que dissemos antes. ­Pois, sendo a unidade anterior à multidão, assim os sacramentos ordenados à perfeição pessoal de cada um naturalmente precedem os ordenados à da multidão. Por onde, entre os sacramentos ocupam o último lugar a ordem e o matrimônio, ordenados à perfeição da coletividade. Mas o matrimônio vem depois da ordem, por participar menos da natureza da vida espiritual, a que se ordenam os sacramentos. — Mas dentre os sa­cramentos ordenados à perfeição de cada um em particular, ocupam naturalmente o primeiro lugar os que essencialmente se ordenam à per­feição da vida espiritual, de preferência aos que a ela se ordenam por acidente, isto é porque remo­veu. O acidente nocivo sobreveniente, como é o caso da penitência e da extrema unção. Enfim, naturalmente em último lugar vem a extrema unção, que consuma a sanação começada pela penitência. — Quanto aos outros três, é manifesto que o batismo, como regeneração espiri­tual, tem prioridade; depois vem a confirmação, ordenada à perfeição formal da virtude; enfim a Eucaristia, ordenada à perfeição final.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O matrimônio, enquanto ordenado à vida animal, é função da natureza. Mas, enquanto é de certo modo espiritual, é sacramento. Por ter porem uma espiritualidade mínima, é colocado em último lugar entre os sacramentos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Um agente, para o ser, pressupõe-se que é em si mesmo perfeito. Por onde tem prioridade os sacramentos, que nos aperfeiçoam em nós mesmos, sobre o sacra­mento da ordem, que nos torna mais perfeitos que os outros.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A nutrição precede o crescimento como causa deste; mas lhe é pos­terior, como a que nos conserva n.a plenitude do nosso corpo e saúde. Por isso pode-se dar à Eucaristia prioridade sobre a confirmação, como faz Dionísio; e pode também vir depois, como faz o Mestre das Sentenças.
 
RESPOSTA À QUARTA. — A objeção colheria se a penitência fosse necessàriamente preparatória à Eucaristia. O que não é verdade, pois, quem não estiver em pecado mortal não precisa da penitência para receber a Eucaristia. Por onde, é claro que por acidente a penitência prepara à Eucaristia, isto é, supondo-se o pecado. Donde o dizer a Escritura: Tu, Senhor dos justos, não impuseste penitência aos justos.
 
RESPOSTA À QUINTA. — A extrema unção, pela razão aduzida, é o último entre os sacramentos ordenados à perfeição pessoal.

Art. 1 — Se devem ser sete os sacramentos.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não devem ser sete os sacramentos.
 
1. — Pois, os sacramentos tiram a sua eficá­cia da virtude divina e da virtude da paixão de Cristo. Ora, uma só é a virtude divina, e uma só a paixão de Cristo; pois, no dizer do Após­tolo, com uma só oferenda fez perfeitos para sempre os que têm santificados. Logo, devia haver só um sacramento.
 
2. Demais. — O sacramento se ordena a sanar a falta do pecado. Ora, esta é dupla: a pena e a culpa. Logo, bastavam dois sacramentos.
 
3. Demais. — Os sacramentos são relativos aos atos da hierarquia eclesiástica, como está claro em Dionísio. Ora como diz ainda Dioní­sio, três são as ações hierárquicas: a purgação, a iluminação e a perfeição. Logo, não deve haver senão três sacramentos.
 
4. Demais. — Agostinho diz que os sacramentos da lei nova são em menor número que os da velha. Ora, na lei velha nenhum sacra­mento havia correspondente à confirmação e à extrema unção. Logo, não devem também estes ser contados entre os sacramentos da lei nova.
 
5. Demais. — A luxúria não é mais grave que os outros pecados, como se infere do dito na segunda Parte. Ora, para remédio dos outros pecados não se instituem nenhum sacramento. Logo, nem contra a luxúria devia ser instituído o sacramento do matrimônio.
 
Mas, em contrário. — Parece que são mais de sete os sacramentos.
 
6. — Demais. — Os sacramentos assim se chamam por serem uns quase sinais sagrados. Ora, muitas outras santificações se fazem na Igreja por meio de sinais sensíveis; assim, a água ben­ta, a consagração dos altares e outras semelhan­tes. Logo, há mais de sete sacramentos.
 
7. Demais. — Hugo de S. Vitor diz que os sacramentos da lei velha eram as oferendas os dízimos e os sacrifícios. Ora, o sacrifício da Igreja é um sacramento e se chama Eucaristia. Logo, também as oferendas e os dízimos devem considerar-se sacramentos.
 
8. Demais. — Três são os gêneros de peca­dos: o original, o mortal e o venial. Ora, contra o pecado original foi instituído o batismo; e contra o mortal, a penitência. Logo, deveria haver mais um sacramento, além dos sete, orde­nado contra o pecado venial.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, os sacramentos da Igreja se ordenam a dois fins: à perfeição do homem no concernente ao culto de Deus, segun­do a religião da vida cristã; e também como remédio contra a falta do pecado. Ora, em re­lação a esses dois fins foram convenientemente instituídos sete sacramentos. Pois, a vida espiritual tem uma certa conformidade com a vida do corpo; assim como também as coisas materiais têm uma certa con­formidade com as espirituais. Ora, a vida do nosso corpo é susceptível de dupla perfeição; quanto à nossa própria pessoa e quanto à toda a comunidade da sociedade em que vivemos, por­que o homem é um animal naturalmente social. Ora, em relação a si mesmo a nossa vida corpórea é susceptível de dupla perfeição. Uma consiste em adquirirmos uma perfeição vital, essencialmente falando. Outra é acidental e consiste na remoção dos obstáculos à vida, como a doença e outras semelhantes.
 
Ora, essencialmente falando, a vida do nos­so corpo é capaz de tríplice perfeição. — A primeira, é a geração, pela qual começa a nossa existência e a nossa vida. E a esta corresponde, na ordem espiritual, o batismo, que é uma rege­neração espiritual, segundo o Apóstolo: Pelo batismo da regeneração etc. — A segunda é o crescimento, pelo qual chegamos à perfeição da estatura e da robustez. E a esta corresponde, na vida espiritual, a confirmação, pela qual o Espí­rito Santo nos fortifica. Por isso, Jesus diz aos discípulos já batizados: Ficai vós de assento na cidade, até que sejais revestidos da virtude lá do alto. — Terceiro, a nutrição pela qual conserva­mos a vida e vigor. E a esta corresponde na vida espiritual, a Eucaristia. Por isso disse Jesus: Se não comerdes a carne do Filho do homem e beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós. E isto nos bastaria se tivéssemos corporal e espiritualmente falando, uma vida impassível. Mas, como às vezes sofremos a doença do corpo, e a do espírito, que é o pecado, é nos necessário curarmo-nos dela. E essa cura é dupla. Uma nos sana, de modo a nos restituir a saúde. E li essa corresponde, na ordem espiritual, a peni­tência, segundo aquilo da Escritura: Sara a minha alma porque pequei contra ti. — Outra é a restauração da nossa saúde anterior por um regime e exercício convenientes. E a isto cor­responde, na vida espiritual a extrema unção, que dele os resíduos do pecado e nos torna pre­parados para a glória final. Donde o dizer a Escritura: E se estiver em alguns pecados, ser-­lhe-hão perdoados.
 
Quanto à universal comunidade, no seu total nós nos aperfeiçoamos de dois modos. — Primeiro, recebendo o poder de governar o povo e de exercer atos públicos. E a isto corresponde, na ordem espiritual, o sacramento da ordem, segundo o dito do Apóstolo, que os sacerdotes oferecem as vítimas não só por si, mas ainda por todo o povo. — Segundo, quanto à propaga­ção natural da espécie. O que se dá pelo matri­mônio tanto na vida do corpo como na espiri­tual: pois, não só é um sacramento mas uma função da natureza.
 
Do que acabamos de dizer também resulta claro o número dos sacramentos, enquanto têm a finalidade de reparar as faltas introduzidas pelo pecado. Assim, o batismo supre à privação da vida espiritual; a confirmação se ordena a fortalecer a alma fraca dos que têm pouca idade; a Eucaristia é contra a inclinação da alma ao pecado; a penitência, contra o pecado atual cometido depois do batismo; a extrema unção, contra os resíduos dos pecados que, por negligência ou ignorância, não foram suficien­temente delidos pela penitência; a ordem con­tra a indisciplina do povo; o matrimônio, como remédio contra a concupiscência individual e contra a diminuição da população, causada pela morte.
 
Certos porém consideram o número dos sacramentos por uma adaptação às virtudes e aos defeitos das culpas e das penas. E dizem que à fé corresponde o batismo, que é dado como re­médio à culpa original; à esperança, a extrema unção, aplicada contra a culpa venial; à cari­dade, a Eucaristia, para obviar à penalidade da malícia; à prudência, a ordem, remédio à ignorância; à justiça, a penitência; remédio contra o pecado mortal; à temperança, o matri­mônio, remédio contra a concupiscência; à for­taleza, a confirmação, remédio para a fraqueza.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­Um mesmo agente principal pode servir—se de diversos instrumentos para efeitos diversos, conforme a exigência da obra. Semelhante­mente, a virtude divina e a paixão de Cristo obram em nós pelos diversos sacramentos, quase como por instrumentos diversos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A culpa e a pena são diversas, pela espécie, por serem diversas as es­pécies de culpas e de penas, e também os esta­dos e as relações dos homens. E por isso era necessário multiplicarem-se os sacramentos, como do sobredito resulta.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Nas ações hierár­quicas consideram—se os agentes, os que recebem e as ações. — Quanto aos agentes, são os mi­nistros da Igreja, a quem concerne o sacramento da ordem. — Os que recebem são os que se ache­gam ao sacramento, e são produzidos pelo ma­trimônio. — As ações são: a purgação, a ilumi­nação e a perfeição. Mas só a purgação não pode ser sacramento da lei nova, que confere a graça; mas se inclui em certos sacramentais que são a catequese e o exorcismo. Quanto à purgação e à iluminação, pertencem simultânea­mente, segundo Dionísio, ao batismo; e, por causa das recidivas, incluem-se secundàriamen­te na penitência e na extrema unção. A perfei­ção enfim — quanto à sua virtude, que é uma quase perfeição formal, pertence à confirmação: e quanto à consecução do fim pertence à Eucaristia.
 
RESPOSTA À QUARTA. — O sacramento da con­firmação dá—nos a força pela plenitude do Es­pírito Santo; e pela extrema unção preparamo-­nos a receber imediatamente a glória. Nada do que podia existir no tempo do Testamento Velho. Por isso, na lei Velha nada podia corresponder a esses sacramentos. Nem por isso porem os sa­cramentos da lei Velha deixaram de ser mais numerosos, por causa da diversidade dos sacri­fícios e das cerimônias.
 
RESPOSTA À QUINTA. — Contra a concupis­cência da carne era necessário instituir um sa­cramento que fosse especialmente um remédio para tal. Primeiro, porque essa concupiscência não só contamina o individuo pessoalmente mas, também a natureza. Segundo, por causa da sua veemência, que priva da razão.
 
RESPOSTA À SEXTA. — A água benta e as outras coisas consagradas não se chamam sacramentos, por não produzirem o efeito do sa­cramento, que é a consecução da graça. Mas são umas disposições para o sacramento. Ou porque removem os obstáculos, como a água benta eficaz contra as insídias dos demônios e contra os pecados veniais. Ou produzem maior dignidade à solenidade do sacramento; assim, consagra-se o altar e os vasos pela reverência para com a Eucaristia.
 
RESPOSTA À SÉTIMA. — As oferendas e os dí­zimos eram, tanto na lei da natureza como na de Moisés, ordenadas não só ao subsídio dos mi­nistros e dos pobres, mas também para serem figuras; e por isso eram sacramentos. Mas não ficaram, até ao presente como figuras que eram e por isso já não são sacramentos.
 
RESPOSTA À OITAVA. — Para delir o pecado venial não é necessária a infusão da graça. Por onde, como por qualquer dos sacramentos da lei nova se infunde a graça, nenhum sacramento dessa lei é instituído diretamente contra o pe­cado venial, que é delido por certos sacramen­tais, como a água benta e outros semelhantes. — Mas certos, dizem que a extrema unção vale contra o pecado venial. Disto porem trataremos em seu lugar.

Questão 65: Do número dos sacramentos

Em seguida devemos tratar do número dos sacramentos. E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 8 — Se entre os anjos pode haver luta ou discórdia.

 (II Sent., dist. XI, part. II, a. 5; IV, dist. XLV, q. 3, a. 3, ad 3).
 
O oitavo discute-se assim. — Parece que entre os anjos não pode haver luta nem discórdia.
 
1. — Pois diz a Escritura: que mantém a concórdia nas suas alturas. Ora, a luta se opõe à concórdia. Logo, entre os anjos sublimes não há luta.
 
2. Demais. — Onde há perfeita caridade e justa superioridade não pode haver luta. Ora, assim é entre os anjos. Logo, não pode entre eles haver luta.
 
3. Demais. — Se se disser que os anjos lutam pelos que guardam, necessário é que um anjo favoreça uma parte e outro, outra. Ora, se com uma está a justiça, com outra estará a injustiça. Donde resulta que um anjo bom será fautor da injustiça, o que é inadmissível.
 
Logo, entre os bons anjos não há luta.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura, da pessoa de Gabriel: O príncipe do reino dos Persas resistiu-me durante vinte e um dias. Ora, esse príncipe dos Persas era um anjo deputado à guarda do reino persa. Logo, um anjo resiste a outro e, portanto, há entre eles luta.
 
Solução. — Esta questão foi suscitada a propósito das palavras de Daniel, que acabamos de citar. — E Jerônimo as explica, dizendo que o príncipe do reino dos Persas era um anjo, que se opunha à libertação do povo de Israel, pelo qual Daniel orava, sendo a sua oração apresentada a Deus por Gabriel. E tal oposição podia ter-se dado, porque algum príncipe dos demônios tivesse induzido a pecado os judeus, levados para a Pérsia, o que era um obstáculo à oração de Daniel, pelo mesmo povo. — Mas, segundo Gregório, o príncipe do reino dos Persas era um anjo bom, deputado à guarda desse reino. — Para compreender-se porém como um anjo pode resistir a outro, deve-se considerar, que os juízos divinos relativos aos diversos reinos e aos diversos homens executam-se pelos anjos. Ora, embora, estes, nas suas ações, rejam-se pela ordem divina, acontece às vezes que, relativamente aos diversos reinos ou aos diversos homens, existem méritos ou deméritos contrários de modo que um é inferior ou superior a outro. Como porém não podem saber porque a ordem da divina Sapiência determinou assim, sem que Deus lhos revele, tem os anjos necessidade de consultar essa sabedoria. Assim pois, enquanto consultam a divina vontade, sobre os méritos contrários e que se lhes opõem, diz-se que resistem uns aos outros; não que tenham vontades contrárias, pois são todos concordes em cumprir a ordem de Deus, mas porque são opostas as coisas sobre que consultam.
 
Donde se deduzem as respostas às objeções.

Art. 7 — Se os anjos se contristam com os males dos que guardam.

(II Sent., dist., XI, part. I, a. 5).
 
O sétimo discute-se assim. — Parece que os anjos se contristam com os males dos que guardam.
 
1. — Pois, diz a Escritura: Os anjos da paz chorarão amargamente. Ora, o pranto é sinal de dor e de tristeza. Logo, os anjos se contristam com os males dos homens que guardam.
 
2. Demais. — Como diz Agostinho, a tristeza provém do que nos acontece contra a nossa vontade. Ora, a perdição de um homem é contra a vontade do seu anjo da guarda. Logo,os anjos se contristam com a perdição dos homens.
 
3. Demais. — Como a tristeza é contrária à alegria, assim o pecado, à penitência. Ora, os anjos se alegram com o pecador penitente, como se lê no Evangelho. Logo, se contristam quando o justo cai em pecado.
 
4. Demais. — Ao passo da Escritura — E tudo o que oferecem como primícias, diz a Glossa de Orígenes: Os anjos são levados a juízo, porque caíram, quer por negligência deles, quer por ignávia dos homens. Mas é racional que a gente sofra por causa dos males pelos quais é levado a juízo. Logo, os anjos se condoem com os pecados dos homens.
 
Mas, em contrário. — Onde há tristeza e dor não há perfeita felicidade; por isso, diz o Apocalipse: E não haverá mais morte, nem luto, nem clamor, nem mais dor. Ora, os anjos são perfeitamente felizes. Logo, de nada se condoem.
 
Solução. — Os anjos não se condoem com os pecados nem com as penas dos homens, pois, a tristeza e a dor procedem, como diz Agostinho, do que contraria à vontade. Ora, nada acontece no mundo contrário à vontade dos anjos e dos outros bem-aventurados, porque a vontade deles adere totalmente à ordem da divina justiça, e nada há no mundo que não seja feito ou permitido por essa justiça. Por onde, absolutamente falando, nada acontece no mundo, contra a vontade dos bem-aventurados. Pois, como diz o Filósofo, chama-se voluntário absolutamente, ao que alguém quer, em particular, quando age, i. é, consideradas todas as circunstâncias, embora considerado em universal, não fosse voluntário. Assim, o nauta não quer que as mercadorias sejam atiradas ao mar, absoluta e universalmente falando, mas o quer, estando em risco eminente de perder-se; e por isso há aqui, antes, um voluntário do que um involuntário, como no mesmo passo se diz. Por onde, os anjos, universal e absolutamente falando, não querem os pecados e as penas dos homens; querem contudo que, por elas, se conserve a ordem da divina justiça, que submete certos a penas e permite que pequem.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — As palavras citadas de Isaías podem-se entender como referentes aos anjos anunciadores de Ezequías, que choraram, conforme o sentido literal, por causa das palavras de Rapsaco, de que se trata no mesmo livro. Pelo sentido alegórico porém, os anjos são apóstolos e pregadores da paz, que choram sobre os pecados dos homens. Se porém, pelo sentido anagógico, o passo se refere aos anjos bons, então o modo de falar é metafórico, para significar que eles querem, em universal, a salvação dos homens. Pois, é assim que tais paixões se atribuem a Deus e aos anjos.
 
Resposta à segunda. — Resulta clara a solução do que acaba de ser dito.
 
Resposta à terceira. — Tanto na penitência como no pecado dos homens, há razão para alegria dos anjos, que é o implemento da ordem da divina providência.
 
Resposta à quarta. — Os anjos são levados a juízo, por causa dos pecados dos homens, não como réus, mas como testemunhas, para convencer os homens da ignávia própria.

Art. 6 — Se o anjo da guarda às vezes abandona o homem para cuja guarda foi deputado.

(II Sent., dist., XI, part. I, a. 4).
 
O sexto discute-se assim. — Parece que o anjo da guarda às vezes abandona o homem, à cuja guarda foi deputado.
 
1. — Pois, diz a Escritura, falando da pessoa dos anjos: Medicamos Babilônia, e ela não sarou, deixemo-la — e, noutro passo: Arrancar-lhe-ei a sebe, e ficará exposta ao roubo; e diz a Glossa, que isso se refere à guarda dos anjos.
 
2. Demais. — Deus guarda mais que o anjo. Ora, ele às vezes abandona o homem, conforme está na Escritura: Ó Deus, Deus meu, olha para mim; porque me desamparaste? Logo, com maior razão, o anjo da guarda abandona o homem.
 
3. Demais. — Como diz Damasceno, os anjos, estando conosco, neste mundo, não estão no céu. Ora, como às vezes estão no céu, às vezes nos abandonam.
 
Mas, em contrário. — Os demônios sempre nos atacam, conforme a Escritura: O demônio, vosso adversário, anda ao redor de vós como um leão que ruge, buscando a quem devorar. Logo, com maior razão, os bons anjos sempre nos guardam.
 
Solução. — A guarda dos anjos, como do sobredito se colhe, é uma execução da divina Providência relativa aos homens. Ora, é manifesto que nem o homem, nem ser algum pode subtrair-se totalmente à divina Providência; pois, na medida em que um ente participa da existência, nessa mesma está sujeito à providência universal dos seres. Diz-se porém que Deus, conforme a ordem da sua Providência, abandona o homem, na medida em que permite que este padeça alguma deficiência, quanto à pena ou à culpa. E semelhantemente, deve-se dizer que o anjo da guarda nunca abandona totalmente o homem; mas às vezes, o abandona na medida em que não impede entre em alguma tribulação, ou mesmo caia em pecado, conforme a ordem dos juízos divinos. E neste sentido, se diz que a Babilônia e a casa de Israel foram abandonadas dos anjos, porque os seus anjos da guarda não as livraram de caírem em tribulações. E daqui se deduzem as respostas a primeira e a segunda objeções.
 
Resposta à terceira. — Embora o anjo abandone às vezes o homem, localmente, não o abandona contudo quanto ao efeito da guarda; porque, mesmo quando está no céu, sabe o que deve fazer em relação ao homem; nem precisa de intervalo de tempo para locomover-se, mas pode estar presente imediatamente.

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