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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 3 — Se o caráter sacramental é o caráter de Cristo.

O terceiro discute-se assim. — Parece que o caráter sacramental não é o caráter de Cristo.
 
1. — Pois, diz o Apóstolo: Não entristeçais ao Espírito Santo de Deus, no qual estais selados. Ora, a sinalação é implicada pelo nome mesmo de caráter. Logo, o caráter sacramental deve ser atribuído antes ao Espírito Santo, que a Cristo.
 
2. Demais. — O caráter tem natureza de sinal. Ora, o sinal da graça é o conferido pelos sacramentos. Mas a graça é infundida na alma por toda a Trindade, donde o dizer a Escritura: O Senhor dará a graça e a glória. Logo, parece que o caráter sacramental não deve ser espe­cialmente atribuído a Cristo.
 
3. Demais. — Quem recebe um caráter é para se distinguir dos outros. Ora, a distinção entre os santos e os demais se faz pela caridade, que só distingue entre os filhos do reino e os filhos da perdição, no dizer de Agostinho. Por isso, como refere à Escritura, diz-se dos filhos da perdição que têm o caráter da besta. Ora, a caridade não é atribuída a Cristo, mas antes ao Espírito Santo conforme àquilo do Apóstolo: A caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado. Ou ainda ao Padre, conforme outro lugar do Apóstolo: A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e, a caridade de Deus. Logo, parece que não se deve atribuir a Cristo o caráter sacramental.
 
Mas, em contrário, certos definem o cará­ter: O caráter é a distinção impressa pelo ca­ráter eterno na alma racional, segundo uma imagem que, sendo uma trindade criada, é o sinal da Trindade criadora e conservadora, e que distingue, mediante o estado da fé, dos que não têm essa imagem. Ora, o caráter eterno é Cristo mesmo, segundo aquilo do Apóstolo: O qual, sendo o resplendor da glória e a figura, ou o caráter, da sua substância. Logo, parece que o caráter se deve propriamente atribuir a Cristo.
 
SOLUÇÃO. — Como do sobredito se infere o caráter é propriamente um sinal que marca alguém como devendo ordenar-se a um certo fim. Assim, o dinheiro é marcado com um caráter para o fim das trocas; e os soldados são marcados por um caráter, como destinados à milícia. Ora, um fiel é ordenado a um duplo destino. - Primeiro e principalmente, para o gozo da glória. E para isso é marcado com o sinal da graça, segundo aquilo da Escritura: Com um thau marca as testas dos homens que gemem e que se doem. E noutro lugar: Não faças mal à terra nem ao mar, nem às árvores, até que assinalemos os servos do nosso Deus nas suas testas. - Depois, cada fiel é destinado a receber ou a comunicar aos outros o concernen­te ao culto de Deus. E a isso é propriamente destinado o caráter sacramental. Pois, todo o rito da religião cristã deriva do sacerdócio de Cristo. Por onde, é manifesto que o caráter sacramental e especialmente o caráter de Cristo, a cujo sacerdócio se assemelham os fiéis pelos caracteres sacramentais, que outra causa não são senão umas participações do sacerdório de Cristo, derivadas do próprio Cristo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­O Apóstolo, no lugar aduzido, se refere ao sina­lamento pelo qual alguém é destinado à glória futura, conferida pela graça. O qual é atribuído ao Espírito Santo enquanto Deus, movido de amor, confere-nos gratuitamente um dom, o que implica a graça; pois o Espírito Santo é amor. Donde o dizer o Apóstolo: Há repartição de gra­ças, mas um mesmo é o Espírito.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O caráter sacramen­tal é uma realidade, em respeito do sacramento exterior; e é um sacramento, em respeito do efeito último. Por isso, de dois modos podemos fazer uma atribuição ao caráter. - Primeiro, enquanto sacramento. E deste modo, é o sinal da graça invisível, que confere. - De outro mo­do, levando em conta a idéia mesma do caráter. E então, um sinal que configura a um ser prin­cipal, onde reside a autoria daquilo a que é alguém destinado. Assim, os soldados, destinados à luta são marcados com os sinais do chefe, pelo que de certo modo, com ele se configuram. E assim, os destinados ao culto cristão, cujo autor é Cristo, recebem o caráter pelo qual se configuram com Cristo, a quem pois propriamente pertence o caráter.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Pelo caráter se dis­tingue uma pessoa de outra por comparação a algum fim a que se ordena, ela que recebeu o caráter. Assim o dissemos a respeito do ca­ráter militar, pelo qual, relativamente à luta, se distingue o soldado do rei do soldado do ini­migo. E semelhantemente, o caráter dos fiéis é o pelo qual se distinguem, os fiéis de Cristo dos servos do diabo, quer em relação à vida eterna, quer em relação ao culto da Igreja presente. E dessas finalidades a primeira resulta da ca­ridade e da graça, como o diz com procedência a objeção. E a segunda, do caráter sacramen­tal. Por onde e ao contrário, pelo caráter da besta podemos entender: ou a malícia obstinada, pela qual certos são destinados à pena eterna; ou a prática de um culto ilícito.

Art. 2 — Se o caráter é um poder espiritual.

O segundo discute-se assim. — Parece que o caráter não é um poder espiritual.
 
1. – Pois, caráter é o mesmo que figura; por isso no lugar em que o Apóstolo fala da figura da sua substância no grego se lê, em lugar de figura caráter. Ora a figura pertence à quarta espécie de qualidade; e assim difere do poder, pertencente à segunda espécie de qualidade. Logo, o caráter não é um poder espiritual.
 
2. – Demais. — Dionísio diz: A divina beatitude recebe a participação de si o que busca a beatitude e com o seu lume próprio, por um como sinal, permite-lhe a sua participação. E assim parece que o caráter é um certo lume. Ora, o lume pertence antes à terceira espécie de qualidade. Logo, o caráter não é um poder, con­siderado como pertencente à segunda espécie de qualidade.
 
3. Demais. — Certos definem o caráter assim: O caráter é o sinal santo da comunhão da fé e da santa ordenação dado pelo hierarca. Ora, o sinal pertence ao gênero da relação, mas não ao gênero do poder. Logo, o caráter não é um poder espiritual.
 
4. Demais. — O poder exerce a função de causa e de principio, como se lê em Aristóteles. Ora, o sinal, que entra na definição do caráter, antes implica a noção de efeito. Logo o caráter não é um poder espiritual.
 
Mas, em contrário, o Filósofo diz: Três ele­mentos há na alma - a potência, o hábito e a paixão. Ora, o caráter não é paixão porque a paixão logo passa e, ao contrário, o caráter é indelével, como a seguir se dirá. Semelhante­mente, também não é um hábito. Porque ne­nhum hábito há que possa ser usado tanto para o bem como para o mal. Ora, o caráter pode sê-la de um e de outro modo, pois, certos usam bem dele e outros, mal. O que não se dá com os hábitos, pois, do hábito da virtude ninguém pode usar mal, e do hábito do mal ninguém pode usar bem. Logo, conclui-se que o caráter é uma potência.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, os sacramentos da lei nova imprimem caráter, porque por eles se destinam os homens ao culto de Deus segun­do o rito da religião cristã. Por isso Dionísio, depois de ter dito, que Deus por um certo sinal, concede a participação de si ao que recebe o ba­tismo, acrescenta: tornando-o divino e dispensa­do de bens divinos. Ora, o culto divino consiste ou em receber bens divinos ou em comunicá-los aos outros. Ora, para ambas essas coisas é necessária uma potência; pois, para dar alguma coisa a alguém é necessária uma potência ati­va; e para receber é necessária a potência pas­siva. Por isso o caráter implica uma certa po­tência espiritual ordenada às cousas do culto divino. - Mas, devemos saber que essa potência espiritual é instrumental, como também já antes dissemos da virtude existente nos sacramentos. Pois, ter o caráter do sacramento compete aos ministros de Deus, porque o ministro se comporta como instrumento, no dizer do Filósofo. Por onde, assim como a virtude que têm os sacra­mentos, não pertence essencialmente a um gê­nero, mas só por uma redução porque tem uma existência emanada de outra e incompleta, assim também o caráter não pertence propriamente a nenhum gênero ou espécie, mas se reduz à se­gunda espécie de qualidade.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. A figura é de certo modo uma terminação da quantidade. Por isso, propriamente falando, só os seres materiais têm figura; os espirituais só a têm metaforicamente. Ora, nenhum ser per­tence a um gênero ou a uma espécie, senão pelo que dele se predica propriamente. Por isso o caráter não pode pertencer à quarta espécie de qualidade, embora certos o dissessem.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. – A terceira espécie de qualidade só pertencem as paixões sensíveis ou as qualidades sensíveis. Ora, o caráter não é um lume sensível. E por isso não pertence à terceira espécie de qualidade, como certos dis­seram.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A relação que impli­ca o nome de sinal há de forçosamente ter al­gum fundamento. Ora, a relação desse sinal, que é o caráter, não pode fundar-se imediatamente sobre a essência da alma, porque então conviria naturalmente a toda alma. E por isso é neces­sário supor alguma coisa na alma sobre o que se funde essa relação. E essa é a essência do caráter. Por onde, não é necessário pertença ao gênero da relação, como o disseram certos.
 
RESPOSTA À QUARTA. — O caráter tem natu­reza de sinal por comparação com o sacramento sensível pelo qual é impresso. Mas, em si mesmo considerado tem natureza de princípio, do modo já referido.

Art. 1 — Se os sacramentos imprimem algum caráter na alma.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o sacramento não imprime nenhum caráter na alma.
 
1. — Pois, caráter significa um sinal de cer­to modo distintivo. Ora, a distinção entre os membros de Cristo e os outros se faz pela pre­destinação eterna, que nada implica no predes­tinado, mas só em Deus predestinante, como se estabeleceu na Primeira Parte. Assim, diz o Apóstolo: O fundamento de Deus está firme, o qual tem este selo - o Senhor conhece aos que são dele. Logo, os sacramentos não imprimem caráter na alma.
 
2. Demais. — O caráter é um sinal distin­tivo. Ora, o sinal, como diz Agostinho, apresenta uma espécie aos sentidos para causar o conhe­cimento de outra coisa no intelecto. Ora, nada há na alma que introduza alguma espécie nos sentidos. Logo, parece que na alma não impri­mem os sacramentos nenhum caráter.
 
3. Demais. — Assim como pelo sacramento da lei nova distingue-se o fiel do infiel, assim também pelos da lei antiga. Ora, os sacramen­tos da lei antiga não imprimiam nenhum ca­ráter na alma, por isso o Apóstolo lhes chama justiça da carne. Logo parece que nem os sa­cramentos da lei antiga. Mas, em contrário, o Apóstolo: O que nos ungiu é Deus o qual também nos selou e deu em nossos corações a prenda do Espírito. Ora, o caráter nada mais importa senão um certo si­nalamento. Logo, parece que Deus com os seus sacramentos imprime em nós um caráter.
 
SOLUÇÃO. — Como do sobre dito se colhe, os sacramentos da lei nova se ordenam a dois fins: são remédios contra os pecados e aperfeiçoam a alma no concernente ao culto de Deus segundo o rito da vida cristã. Ora, todos os que se des­tinam a um determinado fim costumam ser para isso sinalados; assim os soldados que eram adscritos à milícia antigamente costumavam ser marcados com certos caracteres corpóreos, por serem destinados a um fim material, Ora, como os homens pelos sacramentos são destinados ao fim espiritual de adorar a Deus, resulta por consequência que por eles os fieis são sinalados por um certo caráter espiritual. Por isso diz Agostinho: Se o que não cumpre os seus deveres militares, apesar de ter o caráter da milícia impresso no seu corpo, arrepende-se do seu procedimento e se, cheio de medo, pedir a clemência do Imperador e derramando-se em súplicas e pedindo perdão, começar a militar, porventura, tendo sido perdoado e estando em regra, vão – no privar do seu caráter em vez de reconhecidamente o aprovarem? Ora, por acaso serão menos impressos os sacramentos cristãos que essa nota material?
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os fiéis de Cristo são por certo destinados ao prêmio da glória futura pelo sinal da predestinação divina. Mas são destinados aos atos convenientes à Igreja presente por um certo sinal espiritual que lhes é impresso e que se chama caráter.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O caráter impresso na alma tem natureza de sinal enquanto impresso por um sacramento sensível; pois sabemos que nos foi impresso o caráter batismal por termos sidos lavados sensivelmente pela água. Contudo, também pode chamar-se caráter ou sinal, por uma certa semelhança, tudo o que torna um ser semelhante a outro, ou distingue um de outro, mesmo se não o for sensivelmente. Assim Cristo é chamado figura ou caráter da substância paterna, pelo Apóstolo.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, os sacramentos da lei antiga não tinham em si nenhuma virtude espiritual para produzir algum efeito espiritual. Por isso, nesses sacramentos, não era necessário nenhum caráter espiritual, mas bastava-lhe a circunscisão no corpo, a que o Apóstolo chama sinal.

Questão 63: Do efeito dos sacramentos que é o caráter

Em seguida devemos tratar de outro efeito dos sacramentos que é o caráter. E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 6 — Se os sacramentos da lei antiga causavam a graça.

O sexto discute-se assim. – Parece que os sacramentos da lei antiga causavam a graça.
 
1. Pois como dissemos. os sacramentos da lei nova tiram a sua eficácia da fé na Paixão de Cristo. Ora, a fé na Paixão de Cristo existia na lei antiga, como em a nova, conforme diz o Apóstolo: Pois, nós temos um mesmo espírito de fé. Logo, assim como os sacramentos da lei nova conferem a graça, assim também os da lei antiga a cumpriam.
 
2. Demais. — A santificação não se faz senão pela graça. Ora, pelos sacramentos da lei antiga os homens eram santificados, como lemos na Escritura: Como Moisés santificasse Arão e seus filhos nos seus vestidos, etc. Logo, parece que os sacramentos da lei antiga conferiam a graça.    
 
3. Demais. — Beda diz: A circuncisão, na vigência da lei, exercia a mesma cura salutar contra o ferimento do pecado original, que costuma exercer o batismo no tempo da graça revelada. Ora, o batismo confere a graça. Logo, também a conferia a circuncisão; e pela mesma razão os outros sacramentos da lei nova, assim o era a circuncisão aos sacramentos da lei antiga. Por isso diz o Apóstolo: Protesto a todo homem que se circuncida, que está obrigado a guardar toda a lei.
 
Mas, em contrário. o Apóstolo: Tornai-vos outra vez aos rudimentos fracos e pobres? E a Glosa: Isto é, à lei, chamada fraca porque não justifica perfeitamente. Logo os sacramentos da lei antiga não conferiam a graça.
 
SOLUÇÃO. — Não se pode dizer que os sacramentos da lei antiga conferissem a graça justificante por si mesma, isto é, por virtude própria, porque então a paixão de Cristo não seria necessária, segundo aquilo do Apóstolo: Se a justiça é pela lei, segue-se que morreu Cristo em vão. – Mas nem se pode dizer que da paixão de Cristo tenham a virtude de conferir a graça justificante. Pois, como do sobredito se infere, a virtude da paixão de Cristo se nos aplica pela fé e pelos sacramentos, mas diferentemente. Assim a continuidade fundada na fé resulta de um ato da alma; ao passo que a fundada nos sacramentos resulta do uso exterior das coisas. Ora, nada impede ao que é posterior no tempo mover, antes de existir, enquanto tem precedência, por um ato da alma; assim o fim, posterior no tempo, move o agente, enquanto apreendido e desejado por ele. Mas, o ainda não existente como realidade da natureza, não move pelo uso que disso se faça; por isso a causa eficiente não pode ser posterior na sua existência pela ordem de duração, como a causa final. Assim, pois, é manifesto, que da paixão de Cristo, causa da justificação humana, convenientemente deriva a justificativa para os sacramentos da lei nova, mas não para os da lei antiga. E, contudo pela fé da paixão de Cristo foram justificados os antigos Patriarcas, como o somos nós. Pois, os sacramentos da lei antiga eram uma quase manifestação dessa fé, enquanto sig­nificavam a paixão de Cristo e os seus efeitos. - Por onde é claro que os sacramentos da lei antiga não tinham em si nenhuma virtude pela qual pudessem conferir a graça justificante: mas somente significavam a fé, pela qual se operava a justificação.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os antigos Patriarcas tinham fé na paixão futura de Cristo, a qual, enquanto já apreendida pela alma, podia justificar. Ao passo que nós temos fé na Paixão de Cristo consumada, que pode justificar mesmo pelo uso real das coisas sacramentais, como se disse.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa santificação era figurada; pois, os sacramentos da lei antiga se consideravam como santificantes por serem apli­cados ao culto divino conforme o dito dessa lei, que toda se ordenava a figurar a paixão de Cristo.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Muitas foram as opi­niões a respeito da circuncisão. Assim, certos disseram que não era pela circuncisão conferida a graça, mas apenas delido o pecado. – Isto, porém não é admissível, por­que o homem não é justificado do pecado senão pela graça, segundo aquilo do Apóstolo: Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça. Por isso opinavam outros que pela circuncisão era conferida a graça, quanto aos seus efeitos de removerem a culpa, mas não quanto aos efeitos positivos dela. - Mas também esta opinião é falsa. Pois, a circuncisão dava às crianças a faculdade de chegar à glória, que é o último efeito positivo da graça. E, além disso, segundo a ordem da causa formal, os efeitos po­sitivos têm naturalmente prioridade sobre os privativos, embora o contrário se dê segundo a ordem da causa material; pois, a forma não ex­clui a privação, senão informando o sujeito.
 
E por isso outros dizem que a circuncisão conferia a graça mesmo quanto a um certo efei­to positivo, que é tornar digno da vida. eterna: mas não porque reprimisse a concupiscência, que excita a pecar. E assim me pareceu algum tem­po. - Mas, mais atentamente refletindo, veri­fiquei que também isto não é verdadeiro; porque uma graça mínima pode resistir a qualquer concupiscência e merecer a vida eterna. Por onde e melhor, devemos concluir que a circuncisão era só o sinal da fé justificante. Donde o dizer o Apóstolo: que Abraão recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé. Por isso a circuncisão conferia a graça, enquan­to sinal da futura paixão de Cristo, como a se­guir se dirá.

Art. 5 — Se os sacramentos da lei nova tiram a sua virtude da Paixão de Cristo.

O quinto discute-se assim. — Parece que os sacramentos da lei nova não tiram a sua virtude da Paixão de Cristo.
 
1. — Pois, o fim da virtude dos sacramentos é causar a graça na alma, que a faz viver espiritualmente. Ora, como diz Agostinho, O Verbo, como estava no princípio junto de Deus, assim vivifica as almas; mas, enquanto feito carne, vivifica os corpos. Ora, a Paixão de Cris­to concernindo ao Verbo, enquanto feito carne, parece que não pode causar a virtude dos sa­cramentos.
 
2. Demais. — A virtude dos sacramentos depende da fé, porque, como diz Agostinho, o Verbo de Deus perfaz os sacramentos, não por ser proferido, mas por ser crido. Ora, a nossa fé não só respeita à Paixão de Cristo, mas tam­bém outros mistérios da sua humanidade, e mais principalmente ainda da sua divindade. Logo. parece que os sacramentos não têm especial­mente a sua virtude, da Paixão de Cristo.
 
3. Demais. — Os sacramentos se ordenam à santificação do homem, segundo aquilo do Apóstolo: Haveis sido lavados e haveis sido jus­tificados. Ora, a justificação é atribuída à res­surreição, segundo o Apóstolo: Ressuscitou para nossa justificação. Logo, parece que os sacra­mentos tiram a sua virtude antes da ressurreição que da Paixão de Cristo.
 
Mas, em contrário, àquilo do Apóstolo - ­Por uma transgressão semelhante à de Adão, diz a Glosa: Ao lado de Cristo, expirado na cruz, manavam os sacramentos, pelos quais se salvou a Igreja. Assim os sacramentos parece que ti­ram a sua virtude da Paixão de Cristo.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, o sacramento contribui para causar a graça, a modo de instrumento. Ora, há duas espécies de instrumen­tos: um separado, como o bastão; outro conjunto, como as mãos. Ora, pelo instrumento conjunto é movido o instrumento separado; assim. o bastão, pela mão. Ora, a causa eficiente principal da graça é Deus mesmo, para quem esta a humanidade de Cristo como um instrumento conjunto, e o sacramento como um instrumento separado. Por onde e necessariamente, a virtude salutífera deriva da divindade de Cristo,por meio de sua humanidade, para os sacramentos. Ora, a graça sacramental sobretudo se ordena a duas coisas, a saber: polir a mácula dos pecados passados, que passam quanto ao ato, porém ficam quanto ao reato; e além disso, aperfeiçoar a alma no atinente ao culto de Deus, segundo a religião da vida cristã. Ora, é manifesto, pelo que foi dito antes, que Cristo livrou-nos dos nossos pecados sobretudo pela sua paixão, não só suficiente e meritoriamente, mas também satisfatoriamente. Do mesmo modo, com a sua paixão iniciou o rito da religião cristã, entregou-se a si mesmo como oferenda e hóstia a Deus, no dizer do Apostolo. Por onde, é manifesto que os sacramentos da igreja tiram especialmente a sua virtude da Paixão de Cristo, cuja virtude de algum modo se nos une a nós pela suscepção dos sacramentos. Para sinal do que, do lado de Cristo pendente da Cruz correu água e sangue, simbolizando aquela o batismo e este à Eucaristia os mais principais dos sacramentos.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Verbo, enquanto existente no princípio junto de Deus, vivifica as almas, como agente princi­pal; mas a sua carne e os mistérios nela perpe­trados, obram instrumentalmente a vida da alma. Mas a vida do corpo, não só instrumen­talmente senão ainda por uma certa exemplari­dade como dissemos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Pela fé Cristo habita em nós, como diz o Apóstolo. E assim a virtude de Cristo se nos aplica pela fé. Mas, a virtude remissiva dos pecados de certo modo especial pertence à Paixão de Cristo. Por isso, pela fé na sua Paixão os homens são especialmente li­bertados dos pecados, segundo aquilo dos Apóstolos: Ao qual propôs Deus para ser vitima de propiciação pela fé no seu sangue. Por onde, a virtude dos sacramentos, ordenada a delir os pecados, emana principalmente da fé na Paixão de Cristo.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A justificação é atribuída à ressurreição relativamente ao termo final, que é a vida nova da graça. Mas é atribuída à Paixão em razão do termo de origem, isto é, quanto ao perdão da culpa.

Art. 4 — Se nos sacramentos há alguma virtude causadora da graça.

O quarto discute-se assim. – Parece que nos sacramentos não há nenhuma virtude causadora da graça.
 
1. Pois, a virtude causadora da graça é a virtude espiritual. Ora, no corpo não pode haver nenhuma virtude espiritual. Nem de modo que lhe seja própria, porque a virtude emana da essência do ser e, por consequência, não pode transcendê-la; nem pela receber de outro ser, porque o recebido de fora nele existiria como em recipiente. Logo, nos sacramentos não pode haver nenhuma virtude causadora da graça.
 
2. Demais. Tudo o existente se reduz a algum gênero de ser e a algum grau do bem. Ora, não é possível dizer a que gênero de ser pertenceria a referida virtude, como o verá quem passar em revista os casos particulares. Assim, não pode reduzir-se a nenhum grau de bondade; pois, nem se classifica entre os bens mínimos porque os sacramentos são de necessidade para a salvação; nem ainda entre os bens máximos, pois, nem é graça nem virtude do intelecto. Logo, parece que nos sacramentos não há nenhuma virtude causativa da graça.
 
3. Demais. — Se a referida graça existe nos sacramentos, neles não é causada senão pela criação de Deus. Ora, parece inconveniente que tão nobre criatura desapareça, logo que o sacramento foi consumado. Logo, parece que nenhuma virtude há nos sacramentos para causar a graça.                        
 
4. Demais. — Um mesmo elemento não pode existir em coisas diversas. Ora, para os sacramentos concorrem diversos elementos, a saber, palavras e coisas; mas um sacramento não pode ter senão uma virtude. Logo, parece que nos sacramentos não há nenhuma virtude.
 
Mas, em contrário, Agostinho diz: Que tão grande virtude tem a água para tocar o corpo e lavar o coração? E Beda: O Senhor, pelo con­tacto da sua puríssima carne, conferiu à água a virtude regenerativa.
 
SOLUÇÃO. — Os que afirmam que os sacramentos não causam a graça senão por uma certa concomitância, admitem que não há no sacra­mento nenhuma virtude que lhe cause o efeito; há porém uma virtude divina, coassistente ao sacramento, que produz o efeito sacramental. Mas, admitindo que o sacramento é a causa instrumental da graça, necessário é simultanea­mente admitir-se que há no sacramento uma virtude instrumental que produz o efeito sacra­mental. E essa virtude se proporciona ao instru­mento. Por onde, está para a virtude absoluta e perfeita de um ser como está o instrumento para o agente principal. Pois, o instrumento, como se disse, não obra senão quando movido pelo agente principal, que age por si mesmo. Por isso a virtude do agente principal tem um ser de natureza permanente e completo; ao passo que a virtude instrumental tem um ser transitivo de um para outro e incompleto; assim como o movimento é um ato imperfeito que passa do agente para o paciente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Uma virtude espiritual não pode existir num ser corpóreo a modo de virtude permanente e com­pleta, como o prova a razão. Nada impede po­rem haver num corpo uma virtude espiritual instrumental; isto é, enquanto esse corpo pode ser movido por uma substância espiritual a produ­zir um efeito espiritual. Assim como na pala­vra sensível há uma certa virtude espiritual ca­paz de despertar o nosso intelecto, por proceder ela da concepção da mente. E, deste modo, a virtude espiritual existe nos sacramentos en­quanto ordenados por Deus a um efeito espiri­tual.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como o movi­mento, por ser um ato imperfeito, não entra propriamente em nenhum gênero, mas se reduz ao gênero de ato perfeito, como a alteração à qualidade, assim, a virtude instrumental não está propriamente falando, em nenhum gênero, mas se reduz ao gênero e à espécie da virtude perfeita.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como a virtu­de instrumental o instrumento a adquire por isso mesmo que é movido pelo agente principal, assim também um sacramento adquire a virtude espiritual pela bênção de Cristo e pela aplicação do ministro ao uso desse sacramento. Por isso diz Agostinho: Nada há para admirar, quando dizemos que a água, substância material, chega a purificar a alma. Chega-o de fato e penetra todos os latíbulos da consciência. Embora seja de natureza subtil e leve, torna-se ainda mais subtil pela graça de Cristo e penetra com a subtileza do seu orvalho as fontes da vida e os recônditos da alma.
RESPOSTA À QUARTA. — Assim como a mesma virtude do agente principal existe instrumental­mente em todos os instrumentos ordenados a produzir um efeito enquanto formam numa certa ordem uma unidade; assim também a mesma virtude sacramental existe nas palavras e nas coisas, enquanto que cada sacramento se perfaz por meio de certas palavras e coisas.

Art. 3. — Se os sacramentos da lei nova contêm a graça.

O terceiro discute-se assim. — Parece que os sacramentos da lei nova não contêm a graça.
 
1. — Pois, o conteúdo está incluído no continente. Ora, a graça não a inclui o sacramento, nem como sujeito, porque o sujeito da graça não é o corpo, mas o espírito; nem como um vaso, porque um vaso é um local móvel como diz Aristóteles, e ocupar um lugar não o pode o aci­dente. Logo, parece que os sacramentos da lei nova não contêm a graça.
 
2. Demais. — O fim dos sacramentos é nos tornar possível a consecução da graça. Ora, a graça, sendo um acidente não pode passar de um sujeito para outro. Logo, nela seria a graça sacramental.
 
3. Demais. — O espiritual não pode ser contido pelo corporal, mesmo se nele estiver; assim, a alma não é contida pelo corpo, mas, antes, contém o corpo. Logo, parece que a graça, sendo de natureza espiritual, não está contida num sacramento corporal.
 
Mas, em contrário, Hugo de S. Vitor diz que o sacramento, por santificação, contém a graça invisível.
 
SOLUÇÃO. — De muitos modos podemos dizer que um ser está em outro; e desses, há dois pelos quais a graça está no sacramento. Primeiro por serem eles sinais; pois, um sacramento é sinal da graça. Depois, por serem causa; pois, como dissemos, o sacramento da lei nova é causa ins­trumental da graça. Por onde, a graça existe nos sacramentos da lei nova, não por semelhança específica, como o efeito está contido na causa unívoca; nem ainda segundo nenhuma forma própria e permanente, proporcionada a tal efei­to, como se dá com os efeitos nas causas não unívocas, por exemplo, no caso das causas geradas, que estão no sol; mas segundo uma certa virtude instrumental,cujo ser é natureza transitiva e incompleta, como a seguir se dirá.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Não se diz eu a graça esta no sacramento como no sujeito; nem como num vaso, enquanto é este uma espécie de lugar. Mas no sentido em que dizemos ser um vaso um instrumento com que fazemos uma obra, conforme aquilo da Escritura: Cada um tem na sua mão um instrumento de morte.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Embora o acidente não passe de um sujeito para outro passa contudo de certo modo, da causa para o sujeito, mediante o instrumento. Não que de maneira idêntica existe em ambos, mas em cada um de modo próprio.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. O espiritual existente de maneira perfeita em outro ser, contém-no e não é contido por este. Ora, a graça esta no sacramento como um ser transitivo e incompleto. E por isso não é inexato dizer-se que o sacramento contém a graça.

Art. 2 — Se a graça sacramental faz algum acréscimo à graça das virtudes e à dos dons.

O segundo discute-se assim. — Parece que a graça sacramental nada acrescenta à graça das virtudes e à dos dons.
 
1. — Pois, pela graça das virtudes e dos dons a alma se aperfeiçoa suficientemente, tanto na sua essência como nas suas potências, conforme resulta do que foi dito na Segunda Parte. Ora, a graça se ordena à perfeição da alma. Logo, a graça sacramental nada pode acrescentar à graça das virtudes e dos dons.
 
2. Demais. — Os defeitos da alma são cau­sados pelo pecado. Ora, todos os pecados são suficientemente evitados pela graça das virtudes e dos dons; pois, não há nenhum pecado que não contrarie alguma virtude. Logo, a graça sacramental, ordenada a purificar a alma dos seus defeitos, nada pode acrescentar à graça das virtudes e dos dons.
 
3. Demais. — Toda adição ou subtração na forma faz variar a espécie, como diz Aristóteles. Se, pois, a graça sacramental faz algum acréscimo à graça das virtudes e dos dons, se­gue-se que a palavra graça é empregada em sentido equívoco. E assim, nada se nos afirma de certo em dizer-se que os sacramentos causam a graça.
 
Mas, em contrário, se a graça sacramental nada acrescenta à graça dos dons e das virtudes, em vão se conferenciam os sacramentos aos que têm os dons e as virtudes. Logo, parece que graça sacramental algo acrescenta à graça das virtudes e dos dons.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos na Segunda Parte, a graça, em si mesmo considerada, aper­feiçoa a essência da alma, fazendo-a participar de certo modo da semelhança do ser divino. E assim como da essência da alma emanam as suas potências, assim da graça efluem certas perfei­ções para as potências da alma, chamadas vir­tudes e dons, que aperfeiçoam essas potências em relação aos seus atos. Ora, os sacramentos se ordenam a certos efeitos especiais necessários à vida cristã. Assim, o batismo se ordena de algum modo à regeneração especial pela qual o homem morre aos vícios e se torna membro de Cristo; e esse é um efeito especial, além dos atos das potências da alma. E o mesmo se dá com os outros sacramentos. Portanto, assim co­mo as virtudes e os dons acrescentam à graça comum uma certa perfeição determinadamente ordenada aos atos próprios das potências, assim também a graça sacramental acrescenta à graça comum e às virtudes e aos dons um certo auxí­lio divino para se conseguir o fim do sacramento. E deste modo a graça sacramental algo acrescenta à graça das virtudes e dos dons.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­A graça das virtudes e a dos dons aperfeiçoa suficientemente a essência e as potências da alma em relação aos atos a que geralmente se ordenam. Mas para certos efeitos especiais, necessários à vida cristã, é preciso a graça sa­cramental.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Com as virtudes e os dons evitamos suficientemente os vícios e os pecados presentes e futuros, porque essas virtu­des e esses dons nos fortalecem para os evitar­mos. Mas, quanto aos pecados pretéritos que, como atos, já passaram, permanecendo porém, quanto ao reato, os sacramentos conferem ao homem um remédio especial.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A noção de graça sacramental está para a graça comumente cha­mada, como a noção de espécie para a de gênero. Por onde, assim como a palavra animal, comu­mente usada e tomada para significar o homem, não se emprega em sentido equívoco, assim tam­bém em sentido equívoco não se emprega a graça usada na significação comum e a graça sacramental.

Art. 1 — Se os sacramentos são a causa da graça.

O primeiro discute-se assim. Parece que os sacramentos não são a causa da graça.
 
1. — Pois, o mesmo não pode ser o sinal que a causa, porque ser sinal é por natureza mais próprio do efeito. Ora, o sacramento é o sinal da graça. Logo, não é a causa dela.
 
2. Demais. — Nenhum ser material pode agir sobre o ser espiritual, porque O agente é mais digno que o paciente, como diz Agostinho. Ora, o sujeito da graça é a inteligência do homem, de natureza espiritual. Logo, os sacra­mentos não podem causar a graça.
 
3. Demais. — O que é próprio de Deus não deve ser atribuído a nenhuma criatura ora, causar a graça é próprio de Deus, segundo aquilo da Escritura: o Senhor dará a graça e a glória. Logo, consistindo os sacramentos em certas palavras ou coisas criadas, parece que não podem conferir a graça.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho, que a água batismal toca o corpo e lava o coração. Ora, o coração só pode ser lavado pela graça. Logo causa a graça. E, pela mesma razão, os outros sacramentos da Igreja.
 
SOLUÇÃO. — É necessário admitir-se que os sacramentos da lei nova de certo modo causam a graça. Pois, é manifesto que pelos sacramentos da lei nova o homem se incorpora a Cristo, como do batismo diz o Apóstolo: Todos os que tostes batizados em Cristo revestiste-vos de Cristo. Ora, só pela graça se torna o homem membro de Cristo.
 
Certos porém opinam que os sacramentos não são causa da graça por produzirem alguma operação, mas porque Deus, conferidos eles, ope­ra na alma. E aduzem o exemplo daquele que, trazendo um dinheiro de chumbo, recebeu cem libras por ordem do rei; não que esse dinheiro em nada contribuísse para receber a quantia das referidas libras, porque isso só o foi por vontade do rei. Donde o dizer Bernardo: Assim como o cônego recebe a sua investidura pelo li­vro, o abade pelo báculo, o bispo pelo anel, assim os sacramentos transmitem espécies diversas de graças.
 
Mas, quem considerar acertadamente verá que esse modo de obrar não transcende a natu­reza do sinal. Pois, o dinheiro de chumbo não era mais do que um sinal da ordem régia indi­cativo de terem as libras sido recebidas pelo que o entregou. Semelhantemente, o livro é um sinal indicador de que foi conferido o canonicato. Ora, a ser assim os sacramentos da lei nova não se­riam senão o sinal da graça; e contudo das autoridades de muitos santos resulta que esses sacramentos não só significam, mas causam a graça.
 
Portanto devemos pensar de outro modo, que dupla é a causa agente - principal e instrumental. - Ora, a principal opera por virtude da sua forma, à qual o efeito se assimila, assim o fogo aquece com o calor. E, desta maneira, só Deus pode causar a graça; pois, a graça outra coisa não é senão uma semelhança participada da natureza divina, segundo aquilo da Escritura: Comunicou-nos as mui grandes e preciosas graças que tinha prometido, para que sejamos feitos participantes da natureza divina. - Quanto à causa instrumental, ela não age em virtude da sua forma, mas só pelo movimento que recebe do agente principal. Por isso o efeito não se assemelha ao instrumento, mas ao agente prin­cipal; assim um leito não se assemelha ao ma­chado, mas à arte que o artista tinha em mente. E, desta maneira, os sacramentos da lei nova causam a graça; pois, são conferidos por dispo­sição divina aos homens para neles a causarem. Donde o dizer Agostinho: Todas estas coisas, isto é, os sacramentais, operam e passam; mas a virtude (de Deus) que eles obram, permanece perenemente. Ora, instrumento propriamente se chama aquilo com que obramos. Por isso diz o Apóstolo: O salvador nos salvou pelo batismo de regeneração.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. A causa principal não pode propriamente con­siderar-se sinal do efeito, embora oculto, mesmo se ela for sensível e manifesta, Mas a causa instrumental, sendo manifesta, pode chamar-se o sinal do efeito oculto. Porque não somente é causa, mas também de certo modo efeito, en­quanto movida pelo agente principal. E, assim sendo, os sacramentos da lei nova são simulta­neamente causas e sinais. Donde vem que, como se diz comumente, realizam o que figuram. Por onde também é claro que têm perfeitamente natureza de sacramento, enquanto se ordenam a um fim sagrado não só a modo de sinal, mas também a modo de causa.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Um instrumento pro­duz duas ações: uma instrumental, pela qual opera, não por virtude própria, senão por virtude do agente principal; mas tem outra ação, que lhe é própria, e lhe cabe pela sua forma própria. Assim ao machado é próprio o cortar, em razão da sua acuidade; mas, fazer um leito, enquanto instrumento da arte. Mas, não efetiva a sua ação instrumental, senão exercendo a sua ação própria; pois, cortando é que faz o leito. E se­melhantemente, os sacramentos corpóreos, pela própria operação que exercem sobre o corpo, que tocam, realizam uma operação instrumental por virtude divina sobre a alma. Assim a água do batismo, lavando o corpo pela sua virtude pró­pria lava a alma enquanto instrumento da vir­tude divina, pois, corpo e alma constituem uma unidade. Tal o sentido das palavras de Agosti­nho - toca o corpo e lava a alma.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A objeção colhe, do que é causa da graça a modo de agente princi­pal; o que é próprio de Deus, como se disse.

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