Category: Santo Tomás de Aquino
O sexto discute-se assim. — Parece que os maus, ministrando os sacramentos não pecam.
1. — Pois, assim como se serve a Deus com os sacramentos, assim também por meio de obras de caridade conforme àquilo do Apóstolo: Não vos esqueçais de fazer bem e de repartir dos vossos bens com os outros, porque com tais oferendas é que Deus se dá por obrigado. Ora, os maus não pecam, servindo a Deus com obras de caridade; antes deve lhes ser isso aconselhado, conforme àquilo da Escritura: Segue o conselho que te doa e rime o teu pecado com esmolas. Logo, parece que os maus não pecam ministrando os sacramentos.
2. Demais. — Todo o que é cúmplice do pecado de outrem é também réu do pecado, segundo aquilo do Apóstolo: São dignos de morte não somente os que cometem pecados, mas também os que consentem aos que os cometem. Ora, se os maus ministros pecam ministrando os sacramentos, os que deles recebem os sacramentos também participam desse pecado. Logo, também pecariam; o que é inadmissível.
3. Demais. — Ninguém deve viver perplexo, porque então seríamos levados ao desespero, por não podermos fugir o pecado. Ora, se os maus pecassem ministrando os sacramentos ficariam perplexos, porque às vezes pecariam não os ministrando por exemplo, quando por dever são a isso necessàriamente obrigados. Assim, diz o Apóstolo: Ai de mim se não evangelizar, pois me é imposta essa obrigação. E outras vezes por perigo; tal o caso do pecado a quem se apresenta para ser batizada uma criança em perigo de morte. Logo, parece que os maus não pecam ministrando os sacramentos,
Mas, em contrário, Dionísio diz, que aos maus não é permitido nem tocar os símbolos, isto é, os sinais sacramentais. E noutro lugar: Esse tal, isto é, o pecador, será audacioso se tocar com as mãos nas cousas sacerdotais, despido de tremor e de decência, buscando a divindade, sem respeito ao divino, e julgando que Deus ignora o que ele em si mesmo conhecia. Pensando enganar aquele a quem chama mentirosamente de Pai, ousa formalmente, pronunciar, em nome de Cristo, não direi orações, mas infames e impuras palavras sobre os sinais divinos.
SOLUÇÃO. — Peca, na sua ação, quem obra diferentemente do que deve como diz o Filósofo. Ora, como dissemos, convém os ministros dos sacramentos serem justos, pois devem os ministros se conformar com o Senhor, segundo aquilo da Escritura: Sede santos porque eu sou santo. E noutro lugar: Qual é o juiz do povo tais são também os seus ministros. Não há, pois, dúvida que os maus, procedendo como ministros de Deus e da Igreja na dispensação dos sacramentos, pecam. E como esse pecado implica uma irreverência a Deus e profanação dos sacramentos, por parte do pecado embora, santos em si mesmos, não sejam os sacramentos susceptíveis de profanação, resulta por consequência que tal pecado é no seu gênero mortal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As obras de caridade não são santificadas por nenhuma consagração, mas estão incluídas na santidade da justiça, como partes desta. Por isso o homem que se exibe dá a Deus como ministro nas obras de caridade - se for justo, mais se santificará; se porem for pecador, assim se disporá para a santidade. Mas os sacramentos em si mesmos encerram uma certa, santificação pela consagração mística. Por isso, preexige-se do ministro a santidade da justiça, para bem exercer o seu ministério. Por onde, age inconvenientemente e peca se, vivendo no pecado exercer tal ministério.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O que se acerca dos sacramentos recebe-os do ministro da Igreja, não enquanto é este uma determinada pessoa, mas enquanto ministro. Por isso, enquanto a Igreja o tolera no ministério, quem dele receber o sacramento não lhe participa do pecado: mas está em comunhão com a Igreja, que o tem como ministro. Se, porém a Igreja não o tolera - por exemplo, quando é degradado ou excomungado ou suspenso - peca quem dele receber o sacramento, porque lhe participa do pecado.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Quem está em pecado mortal não está perplexo, absolutamente falando, se por dever tem de dispensar os sacramentos; porque pode arrepender-se do pecado e ministrar licitamente. Mas não há inconveniente se estiver perplexo, feita a suposição que queira perseverar no pecado. - Mas em artigo de necessidade não pecaria batizando, em caso em que mesmo um leigo pudesse batizar. Por onde é claro que não procederia como ministro da Igreja, mas em socorro da necessidade do paciente. Mas o mesmo não se dá com aqueles sacramentos que não são de tanta necessidade como o batismo, como a seguir se dirá.
O quinto discute-se assim. — Parece que o sacramento não pode ser conferido por maus ministros.
1. — Pois, os sacramentos da lei nova se ordenam à purificação da culpa e à colação da graça. Ora, os maus, sendo imundos, não podem purificar os outros do pecado, segundo aquilo da Escritura: Que coisa será alimpada por um imundo? E, além disso, não tendo a graça, não na podem conferir, porque ninguém dá o que não tem. Logo, parece que os sacramentos não podem ser conferidos pelos maus.
2. Demais. — Toda a virtude dos sacramentos deriva de Cristo, como se disse. Ora, os maus estão separados de Cristo, por não terem a caridade, que une os membros à cabeça segundo aquilo da Escritura: Aquele que permanece na caridade permanece em Deus. Logo, parece que pelos maus os sacramentos não podem ser conferidos.
3. Demais. — Faltando alguma das condições necessárias para o sacramento, este não tem lugar; assim, se faltar a forma ou as matérias devidas. Ora, o ministro competente do sacramento é o que não tem a mácula do pecado, segundo aquilo da Escritura: O homem de qualquer das famílias da tua linhagem, que tiver deformidade não oferecerá pães ao seu Deus nem se chegará ao seu ministério. Logo, parece que, sendo o ministro mau, não se realiza o sacramento.
Mas, em contrário, àquilo do Evangelho sobre quem vires o Espírito - diz Agostinho: João não sabia que o próprio Senhor haveria de ter e reservar para si o poder de batizar, mas haveria de conferir completamente o ministério, tanto aos bons como aos maus. Que te importa o mau ministro, quando o Senhor é bom?
SOLUÇÃO. — Como dissemos os ministros da Igreja atuam nos sacramentos instrumentalmente, pois, de certo modo o ministro e o instrumento têm a mesma natureza. Porque, como dissemos o instrumento não age pela sua forma própria, mas por virtude de quem o move. Por isso o instrumento, como tal, pode acidentalmente ter qualquer forma ou virtude, além do que exige a sua natureza de instrumento. Assim, o corpo do médico, instrumento da alma possuidora da arte, pode ser são ou enfermo; o tubo, por onde passa a água, pode ser de prata ou de chumbo. Por onde, os ministros da Igreja podem conferir os sacramentos, mesmo sendo maus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. - Os ministros da Igreja nem purificam dos pecados os que se achegam aos sacramentos, nem têm o poder de conferir a graça; mas isso tudo o faz Cristo com o seu poder, mediante os ministros como uns instrumentos. Por onde, alcançam os efeitos dos sacramentos os que os recebem, não por serem esses efeitos semelhanças dos ministros, mas por serem configuração de Cristo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Pela caridade os membros de Cristo se unem com o chefe, de modo a receberem dele a vida; pois, como diz a Escritura: aquele que não ama permanece na morte. Mas, podemos obrar por meio de um instrumento sem vida e sem união corporal conosco, contanto que nos esteja unido por algum movimento; pois, de um modo obra o artista com as mãos e, de outro, com um machado. Assim, portanto, Cristo atua nos sacramentos: pelos bons, como por membros vivos; e pelos maus, como por instrumentos carecentes de vida.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Uma condição pode ser necessária a um sacramento, de dois modos. - Primeiro como sendo de necessidade para o sacramento. E então, faltando, não se perfaz o sacramento; talo caso de falhar a forma ou a matéria própria. - De outro modo uma condição é necessária ao sacramento por uma certa conveniência. E assim, é necessário que os ministros dos sacramentos sejam bons.
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo não podia comunicar aos ministros o poder que tem nos sacramentos.
1. — Pois, como argumenta Agostinho, se podia e não queria era invejoso. Ora, a inveja de nenhum modo existia em Cristo, que tinha a suma plenitude da caridade. Logo, não tendo Cristo comunicado o seu poder aos ministros parece que não podia comunicar.
2. Demais. — Aquilo de João - Fará coisas maiores que esta - diz Agostinho: Dizia que é certamente maior, isto é, de um ímpio fazer um justo, do que criar o céu e a terra. Ora, Cristo não podia comunicar aos ministros o criarem o céu e a terra. Logo, nem o justificarem o ímpio. Ora, a justificação do ímpio, fazendo-se pelo poder que Cristo tem nos sacramentos, parece que o seu poder, que tinha nos sacramentos, não no podia comunicar aos ministros.
3. Demais. — A Cristo, enquanto cabeça da Igreja competia derivar de si a graça para os outros, segundo aquilo do Evangelho: Da sua plenitude todos nós recebemos. Ora, isso não era comunicável a outrem, porque então a Igreja seria monstruosa, por ter muitas cabeças. Logo, parece que Cristo não podia comunicar o seu poder aos ministros.
Mas, em contrário, àquilo do Evangelho Eu não no conhecia - diz Agostinho: Não sabia que o poder mesmo do batismo o Senhor o teria e guardaria para si. Ora, isso não o havia de ignorar João, se tal poder não fosse comunicável. Logo, Cristo podia comunicar o seu poder aos ministros.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, Cristo nos sacramentos tem um duplo poder. - Um, como autor, que lhe compete enquanto Deus. E esse a nenhuma criatura podia comunicar, como não podia comunicar a divina essência. - Mas tinha outro poder, o de excelência, que lhe cabia como homem, e esse podia comunicar aos ministros, dando-lhes tão grande plenitude de graça, que o mérito deles contribuísse para o efeito do sacramento; de modo que pela invocação do nome deles fossem santificados os sacramentos, que eles próprios pudessem instituir sacramentos e, sem o rito destes, conferissem pelo seu só império os efeitos sacramentais. Pois um instrumento conjunto, quanto mais forte for, tanto mais pode influir a sua virtude ao instrumento separado; como as mãos, ao bastão.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Não foi por inveja que Cristo deixou de comunicar aos ministros o poder da excelência da Igreja, mas para utilidade dos fiéis, a fim de que não pusessem no homem a sua esperança. E não houvesse diversos sacramentos donde nascesse a divisão na Igreja, como entre aqueles que diziam: Eu sou de Paulo e eu de Apolo e eu de Cefas, segundo refere o Apóstolo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção procede, no atinente ao poder de autoria, que convém a Cristo enquanto Deus. Embora também o poder de excelência possa chamar-se autoria por comparação com os outros ministros. Por onde, àquilo do Apóstolo - Está dividido Cristo - diz a Glosa, que podia dar a autoridade de batizar aqueles a quem conferiu o ministério.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Para evitar o inconveniente de haver muitas cabeças na Igreja. Cristo não quis comunicar o poder da sua excelência aos ministros. Se, porém a tivesse comunicado, seria ele o chefe principal e os outros, secundários.
O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo, enquanto homem tinha o poder de produzir o efeito interior dos sacramentos.
1. — Pois, diz João Batista, como refere o evangelista: O que me mandou batizar em água me disse - Aquele sobre que tu vires descer o Espírito e repousar sobre ele, esse é o que batiza no Espírito Santo. Ora, batizar no Espírito Santo é conferir interiormente a graça do Espírito Santo. Ora, este desceu sobre Cristo enquanto homem e não enquanto Deus, porque enquanto Deus é que ele dá o Espírito Santo. Logo, parece que Cristo, enquanto homem tinha o poder de causar o efeito interior dos sacramentos.
2. - Demais. — O Senhor diz no Evangelho: Sabei que o Filho do homem tem o poder sobre a terra de perdoar os pecados. Ora, o perdão dos pecados é o efeito interior dos sacramentos. Logo, parece que Cristo, enquanto homem, produz o efeito interno dos sacramentos.
3. Demais. —- A instituição dos sacramentos pertence aquele que como agente principal, produz o efeito interno deles. Ora, é manifesto que Cristo instituiu os sacramentos. Logo, ele é quem produz o efeito interno deles.
4. Demais. —- Ninguém pode, prescindindo do sacramento, conferir-lhe o efeito, salvo se produzir por virtude própria o efeito do mesmo. Ora, Cristo, sem sacramento, conferiu-lhe o efeito, como é claro pelo que disse a Madalena: Perdoados te são teus pecados. Logo, parece que Cristo, enquanto homem, produz o efeito interior dos sacramentos.
5. Demais. — Aquele por virtude de quem o sacramento é produzido é o agente principal do efeito interior. Ora, os sacramentos tiram a sua virtude da paixão de Cristo e da invocação do seu nome, segundo aquilo do Apóstolo: Porventura Paulo foi crucificado por vós, ou haveis sido batiza dos em nome de Paulo? Logo, Cristo enquanto homem produz o efeito interno dos sacramentos.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Nos sacramentos a virtude divina produz mais secretamente a salvação. Ora, a virtude divina é Cristo, enquanto Deus e não enquanto homem. Logo, Cristo não produz o efeito interior dos sacramentos enquanto homem, mas enquanto Deus.
SOLUÇÃO. — Cristo produz o efeito interior dos sacramentos enquanto Deus e enquanto homem, mas de modos diferentes. Pois, enquanto Deus age como autor dos sacramentos; e enquanto homem produz os efeitos internos dos sacramentos meritória e eficientemente, mas instrumentalmente. Pois, como dissemos a paixão de Cristo, que sofreu enquanto revestido da natureza humana, é a causa da nossa justificação e meritoriamente. E efetivamente, não a modo de agente principal, ou como antes, mas a modo de instrumento, enquanto a humanidade é o instrumento de sua divindade, como se disse.
Contudo, como é um instrumento unido à divindade na pessoa, tem uma certa principalidade e causalidade em relação aos instrumentos extrínsecos, que são os ministros da Igreja, como do sobre dito se colhe. Por onde, assim como Cristo, enquanto Deus tem nos sacramentos o poder de autor deles, assim também, enquanto homem, tem o poder de ministério principal ou poder de excelência. E este consiste em quatro coisas. - Primeiro, em que o mérito e a virtude da sua paixão opera nos sacramentos, como se disse. - Ora, a virtude da paixão se nos une pela fé, segundo aquilo do Apóstolo: Ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue, fé que manifestamos pela invocação do nome de Cristo. Por onde e em segundo lugar, do poder de excelência que Cristo tem nos sacramentos resulta que no seu nome os sacramentos são santificados. - E como pela sua instituição é que os sacramentos têm a sua virtude, dai vem, em terceiro lugar, que por causa da excelência do seu poder é que Cristo, que deu a virtude aos sacramentos, podia instituí-los. E não dependendo a causa do efeito, mas antes ao contrário, em quarto lugar, pela excelência do seu poder Cristo podia conferir o efeito dos sacramentos sem nenhum sacramento externo.
Donde se deduzem claras as respostas às objeções; pois uma e outra parte das objeções é verdadeira de certo modo, como se disse.
O segundo discute-se assim. — Parece que os sacramentos não procedem só da instituição divina.
1. — Pois, as instituições divinas nô-las transmite a Escritura. Ora, há certas práticas sacramentais de que nenhuma menção faz a Escritura Sagrada. Assim, o crisma pelo qual os homens são confirmados; o óleo com o qual são ungidos os sacerdotes; e muitas outras palavras e atos, de que se usa nos sacramentos. Logo os sacramentos não procedem só da instituição divina.
2. Demais. — Os sacramentos são uns sinais.
Ora, as coisas sensíveis têm naturalmente uma significação. Nem se pode dizer que Deus se compraz com umas significações e não com outras, pois ele aprova tudo quanto fez. E é procedimento próprio do demônio aliciar a algum fim por meio de certos sinais. Assim, diz Agostinho: Criaturas que os demônios não fizeram, mas que são a obra de Deus, os atraem a habitar nelas por encantos que variam segundo suas diversas espécies. Não por alimentos, como se dá com os animais, mas por sinais, como convém aos espíritos. Logo, parece que os sacramentos não precisam ser instituídos por Deus.
3. Demais. — Os Apóstolos fizeram as vezes de Deus no mundo, donde o dizer o Apóstolo: Pois eu também a indulgência de que usei, se de alguma tenha usado, foi por amor de vós em pessoa de Cristo, isto é, como o próprio Cristo o fizesse. Donde se conclui que os Apóstolos e os seus sucessores podiam instituir novos sacramentos.
Mas, em contrário, faz uma instituição quem lhe dá vigor e virtude, como o demonstram os que instituem leis. Ora, a virtude dos sacramentos vem só de Deus, como do sobredito resulta. Logo, só Deus pode instituir o sacramento.
SOLUÇÃO. — Como do sobredito se infere os sacramentos produzem, como instrumentos, efeitos espirituais. E, o instrumento tira a sua virtude do agente principal. Ora, o agente, com respeito ao sacramento, é duplo, a saber: quem o institui e quem usa do sacramento instituído, aplicando-o à produção do seu efeito. Mas, a virtude do sacramento não pode provir de quem usa dele, que não age senão como ministro. Donde se conclui que a virtude do sacramento procede de quem o instituiu. Logo, provindo à virtude do sacramento só de Deus, resulta por consequência que só Deus é o instituidor dos sacramentos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As práticas instituídas pelos homens, no ministrar os sacramentos, não são de necessidade para a existência deles; mas constituem uma certa solenidade, a eles acrescentada para excitar a devoção e a reverência nos que· os recebem. Pois o que o sacramento implica necessàriamente, o próprio Cristo o instituiu que é Deus e homem. E embora tudo não tenha sido comunicado pela Escrituras, a Igreja, contudo o tem da tradição familiar dos Apóstolos, como o diz o Apóstolo: No tocante às demais causas e as ordenarei quando for.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As coisas sensíveis têm uma certa aptidão, por sua natureza, a significar efeitos espirituais; mas essa aptidão é determinada a uma significação especial, por instituição divina. Por isso diz Hugo de S. Victor, que o sacramento significa em virtude de uma instituição. Deus, porém escolheu de preferência certas coisas, de entre outras, para as significações sacramentais, não porque a isso lhes reduzisse os efeitos, mas para que a significação fosse mais conveniente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os Apóstolos e os seus sucessores são os vigários de Deus quanto ao regime da Igreja constituída pela fé e pelos sacramentos da fé. Por onde, assim como não lhes era lícito constituir outra Igreja, assim também não lhes era permitido comunicar outra fé nem instituir outros sacramentos; mas está dito, que pelos sacramentos que emanaram do lado de Cristo pendente da cruz, foi fabricada a Igreja de Cristo.
O primeiro discute-se assim. — Parece que não só Deus, mas também, o ministro contribui para o efeito do sacramento.
1. — Pois, o efeito interior do sacramento é purificar-nos do pecado e iluminar-nos pela graça. Ora, aos ministros da Igreja compete purificar, iluminar e aperfeiçoar, como está claro em Dionísio. Logo, parece que não só Deus, mas também os ministros da Igreja contribuem para o efeito do sacramento.
2. Demais. — Ao conferir os sacramentos se propõem certos sufrágios de orações. Ora, às orações dos justos Deus as ouve melhor do que as de quaisquer outros, segundo aquilo do Evangelho: Se alguém dá culto a Deus e faz a sua vontade, a este escuta Deus. Logo, parece que alcança maior efeito do sacramento aquele que o recebe de um bom ministro. Assim, pois, também o ministro obra para o efeito interior do sacramento e não só Deus.
3. Demais. — Mais digno é um homem que um ser inanimado. Ora, o ser inanimado contribui de certo modo para o efeito interior, pois, a água toca o corpo e purifica o coração, no dizer de Agostinho. Logo, o homem contribui de certo modo para o efeito do sacramento e não só Deus.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Deus é quem justifica. Sendo, pois, a justificação o efeito interior de todos os sacramentos, parece que só Deus causa o efeito interior do sacramento.
SOLUÇÃO. — De dois modos pode ser causado um efeito - a modo de agente principal e a modo de instrumento. - Ora, do primeiro modo só Deus causa o efeito interior do sacramento.
Quer porque só Deus penetra na alma, no que recebe o efeito do sacramento, e não pode nenhum agente obrar imediatamente onde não está. Quer também porque a graça, efeito interior do sacramento, vem só de Deus, como dissemos na Segunda Parte. E ainda o caráter, efeito interior de certos sacramentos, é uma virtude instrumental, que dimana do principio agente que é Deus. Mas, do segundo modo, o homem pode contribuir para o efeito interior do sacramento, enquanto age como ministro. Pois, o mesmo que se dá com o ministro se dá com o instrumento: o ato de um e de outro é de origem extrínseca, mas produz um efeito interno em virtude do agente principal que é Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A purificação, enquanto atribuída aos ministros da Igreja, não se refere à do pecado. Mas, dizemos que os diáconos purificam, ou porque expulsam os imundos da sociedade dos fiéis, ou com sacras admoestações os dispõem à recepção dos sacramentos. Semelhantemente também se diz dos sacerdotes, que iluminam o povo fiel, não por certo infundindo a graça, mas comunicando os sacramentos da graça, como está claro no mesmo lugar de Dionísio.
RESPOSTA À. SEGUNDA. - As orações ditas ao se conferirem os sacramentos são feitas a Deus, não em nome de uma pessoa particular, mas em nome de toda a Igreja, cujas preces são ouvidas por Deus, segundo o diz o Evangelho: Se dois de vós se unirem entre si sobre a terra, seja qual for a causa que eles pedirem, meu Pai que está no céu lh'a fará. Ora, nada impede a oração de um varão justo em algo contribuir para isso. Mas aquele que é realmente o efeito do sacramento não é impetrado por oração da Igreja ou do ministro, mas resulta do mérito da paixão de Cristo, cuja virtude opera nos sacramentos, como se disse. Por isso o efeito do sacramento não se torna melhor por ser melhor o ministro. Mas, junto com esse efeito, pode ser impetrada uma graça àquele que recebe o sacramento, pela devoção do ministro; mas essa não é obra do ministro, que pede a Deus a conceda.
RESPOSTA À TERCEIRA. — As coisas inanimadas não contribuem para o efeito interior, senão instrumentalmente, como se disse. E semelhantemente, os homens não contribuem para o efeito dos sacramentos senão a modo de ministério, como dissemos.
Em seguida devemos tratar da causa dos sacramentos, quer quanto à autoria quer quanto ao ministério. E nesta questão discutem-se dez artigos:
O sexto discute-se assim. — Parece que todos os sacramentos da lei nova imprimem caráter.
1. — Pois, todos os sacramentos da lei nova tornam participante do sacerdócio de Cristo. Ora, o caráter sacramental outra causa não é senão a participação do sacerdócio de Cristo, como se disse. Logo, parece que todos os sacramentos da lei nova imprimem caráter.
2. Demais. — O caráter está para a alma onde existe como a consagração para as coisas consagradas. Ora, por qualquer sacramento da lei nova o homem recebe a graça santificante como se disse. Logo, parece que qualquer sacramento da lei nova imprime caráter.
3. Demais. — O caráter em uma parte material é um sacramento. Ora, em qualquer sacramento da lei nova há uma parte que é somente material e outra que somente é sacramento, e ainda outra que é material e sacramento. Logo, qualquer sacramento da lei nova imprime caráter.
Mas, em contrário, os sacramentos que imprimem caráter não se reiteram, por ser o caráter indelével, como se disse. Ora, certos sacramentos se reiteram, como é o caso da penitência e do matrimônio. Logo nem todos sacramentos imprimem caráter.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, os sacramentos da lei nova a dois fins se ordenam, a saber, a serem remédio do pecado e ao culto divino. Pois, é comum a todos os sacramentos o serem remédios contra o pecado, porque conferem a graça. Mas, nem todos se ordenam diretamente ao culto divino, como claramente o mostra a penitência, pela qual nos livramos do pecado; pois nada de novo nos confere pertinente ao culto divino, mas nos restitui ao primeiro estado.
Pode, porém um sacramento respeitar ao culto divino de três modos: atualmente e em si mesmo, ou como de agente ou como recipiente - A modo de ação em si mesma considerada concerne ao culto divino a Eucaristia, na qual principalmente esse culto consiste, enquanto ela é um sacrifício da Igreja. E esse sacramento não imprime caráter porque não ordena o homem à nada de ulterior, que deva ser feito ou recebido, pois, antes é o fim e a consumação de todos os sacramentos, como diz Dionísio. Porque em si mesmo contém a Cristo, em quem não existe caráter, mas é a plenitude total do sacerdócio. - Mas, aos que devem agir ministrando os sacramentos concerne o sacramento da ordem; pois, por esse sacramento são destinados certos a comunicar os sacramentos aos outros. - Enfim, aos que recebem respeita o sacramento do batismo, porque confere ao homem o poder de receber os outros sacramentos da Igreja; por isso se chama o batismo a porta dos sacramentos. Ao mesmo fim também de certo modo se ordena a confirmação, como em seu lugar se dirá. - E assim esses três sacramentos imprimem caráter, a saber, o batismo, a confirmação e a ordem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Todos os sacramentos tornam o homem participante do sacerdócio de Cristo, porque recebe assim um certo, efeito dele. Mas nem por todos os sacramentos somos destinados a fazer alguma coisa ou a receber o que pertença ao culto do sacerdócio de Cristo. O que é necessário para o sacramento imprimir caráter.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Por todos os sacramentos se santifica o homem, porque a santidade implica a purificação do pecado, resultante da graça. Mas especialmente por certos sacramentos, que imprimem caráter, o homem se santifica por uma certa consagração, como destinado ao culto divino. Assim também dizemos que as coisas inanimadas santificam, enquanto destinadas ao culto divino.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora o caráter implique uma coisa material e seja um sacramento, nem por isso tudo o que é coisa material e sacramento há de ser caráter. O que seja, porém a coisa material e o sacramento, diremos quando tratarmos dos outros sacramentos (nos lugares próprios).
O quinto discute-se assim. — Parece que o caráter não existe na alma indelevelmente.
1. — Pois, quanto mais perfeito é um acidente tanto mais firme é a sua inerência. Ora, a graça é mais perfeita que o caráter, porque este se ordena àquela como a um fim ulterior. Mas a graça se perde pelo pecado. Logo, com muito maior razão o caráter.
2. Demais. — O caráter destina uma pessoa ao culto divino, como se disse. Ora, certos abandonam o culto divino e, apostatando da fé, passam a um culto contrário. Logo, parece que esses tais perdem o caráter sacramental.
3. Demais. — Desaparecido o fim, deve também desaparecer o meio que, aliás, permaneceria em vão. Assim, depois da ressurreição não haverá matrimônio porque terá cessado a geração, a que se o matrimônio ordena. Ora, o culto externo, a que se ordena o caráter, não permaneceria na pátria, onde nada haverá de figurado, sendo tudo a nua verdade. Logo, o caráter sacramental não permanece perpetuamente na alma. E, portanto não existe nela de modo indelével.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Os sacramentos cristãos não se imprimem menos que a nota material da milícia. Ora, o caráter militar não é tirado, mas é reconhecido e aprovado naquele que depois da culpa, merece o perdão do imperador. Logo, nem o caráter sacramental pode ser delido.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, o caráter sacramental é uma certa participação do sacerdócio de Cristo nos seus fiéis. De modo que, assim como Cristo tem o pleno poder do sacerdócio espiritual, assim os fiéis com ele se configurem participando de alguma sorte do poder espiritual com respeito aos sacramentos e ao concernente ao culto divino. E também por isto não compete a Cristo ter caráter, mas o poder do seu sacerdócio está para o caráter como o pleno e perfeito para qualquer participação dele. Ora, o sacerdócio de Cristo é eterno, segundo aquilo da Escritura: Tu és sacerdote em eterno segundo a ordem de Melquisedeque. Donde vem que toda santificação causada pelo seu sacerdócio é perpétua, enquanto permanece o ser consagrado. O que é patente mesmo com as causas inanimadas; assim, a consagração de uma igreja ou de um altar permanece sempre enquanto não forem destruídos. Ora, sendo a alma, na sua parte intelectual, o sujeito do caráter, na qual reside a fé, como dissemos, é manifesto que assim como o intelecto é perpétuo e incorruptível, assim o caráter permanece indelevelmente na alma.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — De um modo existe na alma a graça e de outro o caráter. Assim, a graça está na alma como uma forma que tem nela o seu ser completo; ao passo que o caráter nela está, como uma virtude instrumental, segundo dissemos. Ora, uma forma completa está no sujeito segundo a condição deste. E sendo a alma mutável pelo seu livre arbítrio, enquanto permanece nesta vida, resulta por consequência que a graça está na alma de modo mudável. A virtude instrumental, porém mais se funda na condição do agente principal. Por onde, o caráter está na alma de maneira indelével, não por perfeição sua, mas pela perfeição do sacerdócio de Cristo, do qual deriva como uma virtude instrumental.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Agostinho diz no mesmo lugar: Sabemos que nem nos apóstatas fica delido o batismo; pois, quando voltam pela penitência, não se lhes renova e por isso julgamos que não o podem perder. E a razão é que o caráter é uma virtude instrumental, como se disse. Ora, a natureza do instrumento está em ser movido por outro agente, e não em mover-se a si mesmo o que é próprio da vontade. Por onde, embora a vontade se mova para o contrário, o caráter não desaparece, por causa da imobilidade do motor principal.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora depois desta vida desapareça o culto externo, permanece contudo o fim desse culto. E portanto, após esta vida, permanece o caráter - nos bons, para a glória deles; e para sua ignomínia, nos maus. Assim como também o caráter militar permanece nos soldados depois de alcançada a vitória - nos que venceram, para glória; e nos vencidos, para pena.
O quarto discute-se assim. — Parece que o caráter não está nas potências da alma como no seu sujeito.
1. — Pois, caráter se chama uma disposição para a graça. Ora, a graça tem na essência da alma o seu sujeito, como se disse na Segunda Parte. Logo, parece que o caráter está na essência da alma e não nas potências.
2. Demais. — Uma potência da alma não pode ser sujeito senão de um hábito ou de uma disposição. Ora, o caráter, como se disse, não é hábito nem disposição, mas antes, uma potência, cujo sujeito não é senão a essência da alma. Logo, parece que o caráter não tem o seu sujeito na potência da alma, mas antes, na essência dela.
3. Demais. — As potências da alma racional se dividem em cognitivas e apetitivas. Ora, não se pode dizer que o caráter esteja somente na potência cognitiva, nem só também na potência apetitiva; pois não se ordena nem só a conhecer nem só a apetir. E também não se pode dizer que esteja em ambas, porque um mesmo acidente não pode existir em diversos sujeitos. Logo, parece que o caráter não tem na potência da alma, mas antes na essência dela o seu sujeito.
Mas, em contrário, na definição do caráter anteriormente citada, o caráter é impresso na alma recional segundo a imagem. Ora, a imagem da Trindade na alma se funda nas potências Logo, o caráter existe nas potências da alma.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, o caráter é um sinal que marca uma alma para receber ou comunicar aos outros o concernente ao culto divino. Ora, o culto divino consiste em certos atos. E a agir propriamente se ordenam as potências da alma, como a essência se ordena a existir. Logo, o caráter tem o seu sujeito, não na essência da alma, mas na sua potência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O sujeito é atribuído a um acidente relativamente àquilo a que ele proximamente dispõe e não relativamente ao que dispõe remota ou indiretamente. Ora, o caráter direta e proximamente dispõe a alma à prática do concernente ao culto divino. E como essa não se faz convenientemente sem o auxílio da graça, porque, no dizer do Evangelho, em espírito e verdade é que devem adorar a Deus os que o adoram, por consequência a divina liberalidade confere a graça aos que recebem o caráter, a fim de cumprirem bem aquilo a que são destinados. Por onde ao caráter devemos antes atribuir um sujeito no ponto de vista dos atos concernentes ao culto divino, que no ponto de vista da graça.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A essência da alma é o sujeito da potência natural, procedente dos princípios da essência. Ora, tal potência não é o caráter, que é uma certa potência espiritual de procedência extrínseca. Por onde, assim como a essência da alma, da qual se origina a vida natural do homem, se aperfeiçoa pela graça, pela qual a alma vive espiritualmente, assim também a potência natural da alma se aperfeiçoa pela potência espiritual, que é o caráter. Quanto ao hábito e à disposição, pertencem à potência da alma, porque se ordenam aos atos, dos quais as potências são os princípios. E pela mesma razão, tudo o que se ordena ao ato deve atribuir-se à potência.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, o caráter se ordena às coisas do culto divino. E este é uma manifestação da fé mediante sinais exteriores. Por onde, é necessário que o caráter exista na potência cognitiva da alma, onde reside a fé.