O segundo discute-se assim. — Parece que cada homem não é guardado por um anjo.
1. — Pois este tem maior virtude que o homem. Ora, um homem basta para guardar muitos outros. Logo, com maior razão um anjo pode guardar muitos homens.
2. Demais. — Os seres inferiores são dependentes de Deus, por meio dos superiores, que se servem dos médios, como diz Dionísio. Ora, sendo todos os anjos desiguais, como já se disse, há só um anjo sem intermediário, em relação aos homens. Logo, é só um o que guarda imediatamente todos os homens.
3. Demais. — Os anjos maiores são delegados para maiores ofícios. Ora, não é maior ofício guardar antes um homem, do que outro, sendo todos os homens iguais por natureza. Ora, como, entre todos os anjos, um é maior que outro, como diz Dionísio, resulta que homens diversos não são guardados por anjos diversos.
Mas, em contrário, Jerônimo, expondo aquilo da Escritura — os seus anjos nos céus — diz: Deve ser grande a dignidade das almas, para que cada uma tenha desde o princípio do nascimento, um anjo delegado para sua guarda.
Solução. — Para cada homem é delegado um anjo da guarda. E a razão é que a guarda dos anjos é uma execução da divina Providência, em relação aos homens. Ora, a Providência de Deus procede, de um modo, com os homens e, de outro, com as outras criaturas corruptíveis, porque aqueles e estas se relacionam diferentemente com a incorruptibilidade. Pois, os homens são incorruptíveis, não só quanto à espécie comum, mas também quanto às formas próprias de cada um, que são as almas racionais, o que não se pode dizer dos outros seres corruptíveis. Ora, é manifesto que a Providência de Deus visa, principalmente, os seres que permanecem perpetuamente; quanto aos transitórios porém a Providência com eles se ocupa só para ordená-los para os seres perpétuos. Assim pois a Providência de Deus está para cada homem como está para cada gênero ou espécie dos seres corruptíveis. Ora, segundo Gregório, ordens diversas são delegadas para os diversos gêneros de coisas; assim, as Potestades, para afastar os demônios; as Virtudes, para fazer milagres, em relação às coisas corpóreas. E é provável que às diversas espécies das coisas sejam prepostos diversos anjos duma mesma ordem. E por isso também é racional, que a homens diversos sejam delegados, como guardas, anjos diversos.
Donde a resposta à primeira objeção. — De dois modos pode ser dado um guarda a um homem. Como homem singular e, assim, a um mesmo homem é necessário um guarda e, às vezes, vários são delegados para a guarda de um só. De outro modo, como parte de um colégio e, então, a todo o colégio é preposto um só homem, como guarda, ao qual pertence tomar providência sobre o que diz respeito a cada homem, em dependência de todo o colégio; assim, sobre as obras exteriores, em relação às quais uns são edificados e outros escandalizados. Os anjos porém são delegados como guardas dos homens, mesmo quanto ao que é invisível e oculto, que diz respeito à salvação de cada um em si mesmo. Por onde, a cada homem é delegado, como guarda, um anjo.
Resposta à segunda. — Como já se disse, todos os anjos da primeira hierarquia, quanto a certas coisas, são iluminados por Deus imediatamente; mas só os superiores são assim iluminados, quanto a outras coisas, que revelam aos inferiores. E o mesmo se deve dizer em relação às ordens inferiores. Pois, qualquer anjo ínfimo é iluminado, quanto a certas coisas, por algum dos supremos, e quanto a outras, por aquele que lhe é imediatamente superior. E, assim, é possível que um anjo, iluminando imediatamente o homem, seja também superior a outros anjos, que ilumina.
Resposta à terceira. — Embora os homens sejam iguais, por natureza, contudo a desigualdade neles existe por serem ordenados pela divina Providência uns para coisas maiores e outros, para menores; conforme aquilo da Escritura: Pela grandeza da sua sabedoria, o Senhor distingui-os: a uns abençoou e exaltou; a outros amaldiçoou e humilhou. E, assim, maior ofício é guardar antes um homem, que outro.