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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Questão 112: Da missão dos anjos.

Em seguida deve-se tratar da missão dos anjos.
 
E sobre esta questão quatro artigos se discutem:

Art. 8 — Se é lícito fazer algum acréscimo às palavras nas quais consiste a forma dos sacramentos.

O oitavo discute-se assim. — Parece que não é lícito fazer nenhum acréscimo às palavras nas quais consiste a forma dos sacramentos.
 
1. — Pois, não impõem menor necessidade essas palavras sacramentais que as da Sagrada Escritura. Ora, às palavras da Sagrada Escritura não é lícito acrescentar nem diminuir nada. Assim, diz a Escritura: Vós não ajuntareis nem tirareis nada às palavras que eu vos digo. E noutro lugar: Eu protesto a todos os que ouvem as palavras da profecia deste livro. Que se alguém lhe ajuntar alguma causa, Deus o cas­tigará com as pragas que estão escritas neste livro; e se algum tirar qualquer causa, tirará Deus a sua parte do livro da vida. Logo, parece que também à forma dos sacramentos não é lí­cito fazer nenhum acréscimo ou diminuição.
 
2. Demais. — As palavras desempenham, nos sacramentos, o papel de forma, como se disse. Ora, qualquer adição ou subtração varia a es­pécie da forma como também se dá com os nú­meros, no dizer de Aristóteles. Logo, parece que se fizer algum acréscimo ou subtração à forma do sacramento, já este não será o mesmo.
 
3. Demais. — Assim como a forma do sacramento requer um número determinado de palavras, assim também uma ordem determina­da delas e mesmo a continuidade da oração. Se pois, a adição ou a subtração não elimina a realidade do sacramento, parece que, pela mes­ma razão, não a elimina nem a transposição das palavras nem a interpolação na pronúncia.
 
Mas, em contrário, nas formas dos sacramentos, uns fazem certos acréscimos que outros não fazem. Assim os latinos batizam sob esta forma — Eu te batizo em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo; ao passo que os gre­gos, sob est'outra — Seja batizado o servo de Cristo N. em nome do Padre, etc. E, contudo ambos conferem verdadeiramente o sacramento. Logo, é lícito fazer acréscimos ou diminuições nas formas dos sacramentos.
 
SOLUÇÃO. — Acerca de todas as mudanças que podem ocorrer nas formas dos sacramentos, duas coisas devemos considerar. — Uma relativa a quem profere as palavras, cuja intenção é necessária à existência do sacramento, como a seguir se dirá. E assim, se tiver a intenção, por essa adição ou subtração de introduzir outro rito que não o recebido pela Igreja, não perfaz o sacramento, por não ter a intenção de fazer o que faz a Igreja. — A outra causa a considerar é relativa à significação das palavras. Pois como as palavras operam, nos sacramentos, pelo sentido que fazem, conforme dissemos devemos considerar se a referida alteração tira às pala­vras o sentido próprio, porque então é manifesto que elimina a realidade sacramental.
 
Ora, é manifesto que, feita uma diminuição na substância da forma sacramental, desaparece o sentido próprio das palavras e portanto não se perfaz o sacramento. Por isso Dídimo diz: Quem pretender batizar, mas omitindo uma das refe­ridas palavras, isto é, do Padre, do Filho e do Es­pírito Santo, não batiza completamente. Mas se a subtração for do que não é da substância da forma, essa diminuição não tira o sentido pró­prio das palavras e por conseqüência não priva o sacramento da sua perfeição. Assim, na forma da Eucaristia, que é — Este pois é o meu corpo — o vocábulo pois, eliminado, não exclui o sen­tido próprio das palavras e portanto não priva o sacramento da sua perfeição. Embora possa dar-se que quem o omitiu peque por negligên­cia ou desprezo.
 
Quanto à adição, sucede o fazer-se um acréscimo corruptivo do sentido próprio; assim se alguém dissesse modo de batizar dos Arianos: Eu te batizo em nome do Padre maior e do Filho menor. E então esse acréscimo elimina a ver­dade do sacramento. Mas se o acréscimo for tal que não faça desaparecer o sentido próprio, não desaparece a realidade sacramental. Nem im­porta se essa adição se faça no princípio, no meio ou no fim. Assim, se disser — Eu te batizo em nome de Deus Padre onipotente e do seu Filho Unigênito e do Espírito Santo Pa­ráclito, haverá verdadeiramente batismo. E semelhantemente, se disser — Eu te batizo em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo, e a Santa Virgem te ajude, haverá verdadeira­mente batismo.
 
Talvez, porém se dissesse — Eu te batizo em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo e da Santa Virgem Maria — não haveria batis­mo, porque diz o Apóstolo: Porventura Paulo foi crucificado por vós? Ou haveis sido batizados em nome de Paulo? E isto é verdade se entender o ser batizado em nome da Santa Virgem, como se o fosse em o da Trindade, pelo qual foi o batismo consagrado; pois, tal sentido seria con­trário à verdadeira fé e por consequência exclui­ria a realidade do sacramento. Se porém se entender o acréscimo — em nome da Santa Vir­gem — como significando não que o nome da Santa Virgem tenha qualquer operação no ba­tismo, mas que a sua intercessão seja útil para o batizado conservar a graça batismal, não desa­parece a perfeição do sacramento.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­Às palavras da Sagrada Escritura não é lícito fazer nenhum acréscimo, quanto ao sentido delas; mas para explicá-las, os doutores lhes ajuntam muitas outras. Mas, essas não se lhes podem acrescentar como se considerassem partes integrantes delas, porque haveria então o vício da falsidade. E semelhantemente, se alguém dissesse ser de necessidade para a exis­tência da forma o que não o é.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras perten­cem à forma do sacramento em razão do sen­tido significado. Por isso, qualquer acréscimo ou subtração de palavras, que nada acrescente ou subtraia ao sentido próprio, não elimina a espé­cie do sacramento.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Se a interrupção das palavras for tão grande que intercepte a inten­ção de quem as pronuncia, desaparece o sentido do sacramento, e por consequência a sua reali­dade. Mas não desaparece, quando a interrup­ção, sendo pequena não faz interromper a in­tenção mental. — E o mesmo se deve dizer da transposição das palavras. A qual, destruindo o sentido da locução, não se perfaz o sacramento; tal o caso da negação preposta ou posposta ao sinal. Se porém a transposição for tal que não altere o sentido da locução, não desaparece a realidade sacramental; pois, segundo diz o Filó­sofo, os nomes e as palavras transpostas signi­ficam o mesmo.

Art. 7 — Se os sacramentos exigem palavras determinadas.

O sétimo discute-se assim. — Parece que os sacramentos não exigem palavras determinadas.
 
1. — Pois, como diz o Filósofo as palavras não são as mesmas para todos. Ora, a salvação que alcançamos por meio dos sacramentos, é a mesma para todos. Logo, os sacramentos não exigem palavras determinadas.
 
2. Demais. — Os sacramentos implicam a palavra, cuja principal função dela é ser signi­ficativa, como se disse. Ora, diversas palavras podem significar a mesma coisa. Logo, os sa­cramentos não exigem palavras determinadas.
 
3. Demais. — A corrupção de um ser muda-lhe a espécie. Ora, certos proferem corruptamente as palavras, mas nem por isso se crê que fica impedido o efeito dos sacramentos; do con­trário os iletrados e os gagos, que conferissem os sacramentos, frequentemente introduziram de­feitos neles. Logo, parece que os sacramentos não requerem palavras determinadas.
 
Mas, em contrário, o Senhor proferiu palavras determinadas na consagração do sacramen­to da Eucaristia, dizendo: Este é o meu corpo. Semelhantemente, também mandou aos discípu­los batizarem sob uma determinada forma de palavras, conforme está no Evangelho: Ide e ensinai a todas as gentes, batizando-as em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, nos sacramentos as palavras desempenham o papel de forma, e as coisas sensíveis o de matéria. Ora, em todos os seres compostos de matéria e forma, o princípio da determinação procede da forma, que é de certo modo o fim e o termo da matéria. Por isso, um ser, na sua essência, implica mais principalmente uma forma determinada, que uma determinada matéria; pois, a matéria determi­nada é necessário seja proporcionada a uma determinada forma. Ora como os sacramentos re­querem determinadas coisas sensíveis, que neles desempenham o papel de matéria, com muito maior razão exigem uma determinada forma de palavras.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Como diz Agostinho, a palavra opera nos sacra­mentos, não por serem proferidas, isto é, não pelo som exterior da voz, mas por serem cridas, isto é, pelo sentido delas, apreendido pela fé. Ora, esse sentido é o mesmo para todos, embora as pala­vras não tenham o mesmo som. Por onde, o sacramento se perfaz, uma vez existente o refe­rido sentido das palavras, qualquer que seja a língua.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora em qualquer língua palavras diversas possam significar a mesma coisa, sempre contudo uma dessas pala­vras é a que mais principal e comumente usam os que falam a língua, para significar tal coisa. E essa deve ser a palavra empregada na signi­ficação do sacramento. Assim como também dentre as coisas sensíveis tornamos aquela, para a significação do sacramento, cujo uso é mais comum, para exprimir o ato pelo qual é signi­ficado o efeito do sacramento. Tal a água, de que os homens usam mais comumente para lavar o corpo, o que significa a ablução espiri­tual; por isso foi à água escolhida como a ma­téria do batismo.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Quem profere cor­ruptas as palavras sacramentais, se por indús­tria o fizer, não intenciona fazer o que faz a Igreja e, portanto não consuma o sacramento. ­Se o fizer, porém por erro ou lapso da língua e for a corruptela tanta que prive totalmente de sentido a locução, não perfaz o sacramento. E isto, sobretudo se dá quando a corruptela está no princípio da dicção; tal o caso de quem em vez de dizer — em nome do Padre, dissesse — em nome da mãe. – Se, porém a referida corruptela não privar totalmente de sentido a locução, então perfaz-se o sacramento. O que, sobretudo acontece quando a corruptela vem no fim; por exemplo: se alguém dissesse pátrias et filias. Pois, embora essas palavras assim proferidas nada signifiquem quando empregadas, concede-se, po­rém que sejam significativas pela acomodação do uso. Por isso, embora seja mudado o som sensível, permanece. contudo, o mesmo sentido. ­Isso, porém que fica dito, sobre a diferença da corruptela no princípio ou no fim da dicção, se funda em que, para nós, o variar da dicção no princípio muda o sentido, ao passo que a varia­ção final não o muda, no mais das vezes. Mas entre os gregos o sentido varia, mesmo no prin­cípio da dicção, em declinação das palavras. ­Mas sobretudo devemos atender à grandeza da corruptela relativamente a dicção. Pois, tanto no fim como no principio pode ela ser tão pe­quena que não tire o sentido às palavras; e tão grande que o tire. Um desses defeitos porém mais facilmente resulta da corrupção no princí­pio e o outro, na do fim.

Art. 6 — Se para significar os sacramentos são necessárias palavras.

O sexto discute-se assim. — Parece que para significar os sacramentos não são necessárias palavras.
 
1. — Pois, diz Agostinho: Que outra coisa, são os sacramentos corpóreos senão umas como palavras visíveis? E assim acrescentar palavras às coisas sensíveis, nos sacramentos, é acrescen­tar palavras a palavras. Ora, isso é supérfluo. Logo não é necessário que, nos sacramentos, sejam as palavras acrescentadas às coisas sen­síveis.
 
2. Demais. — Um sacramento, é uma certa unidade. Ora, de coisas de gêneros diversos não pode resultar nenhuma unidade. Pertencendo, pois, as coisas sensíveis e as palavras a gêneros diversos, porque as coisas sensíveis provêm da natureza, e as palavras da razão parece que nos sacramentos não é necessário acrescentar as palavras às coisas sensíveis.
 
3. Demais. — Os sacramentos da lei nova sucederam aos da antiga; pois, desaparecidos aqueles, foram institui dos estes, como ensina Agostinho. Ora, nos sacramentos da lei antiga não era necessária nenhuma forma de palavras. Logo, nem nos sacramentos da lei nova o são.
 
Mas, em contrário, o Apóstolo: Cristo amou a Igreja e por ela se entregou a si mesmo, para a santificar purificando-a no batismo da água pela palavra da vida. E Agostinho diz: Acrescentou-se a palavra ao elemento e nasceu o sa­cramento.
 
SOLUÇÃO. — Os sacramentos como foi dito, se aplicam à santificação dos homens, como uns sinais. Por isso pode ser considerados a trí­plice luz, e de qualquer modo convém-lhes que se acrescentem as palavras às coisas sensíveis. — Assim, primeiro, podem ser considerados em relação à causa santificante que é o Verbo en­carnado, ao qual o sacramento de certo modo se conforma por ser acrescentada a palavra à coisa sensível, como no mistério da Encarnação o Verbo de Deus se uniu à carne sensível. — Se­gundo, podem ser considerados os sacramentos relativamente ao homem que se santifica, com­posto de alma e de corpo; — ao qual se propor­ciona o remédio sacramental que, por meio de uma coisa visível toca o corpo e é crido pela alma por meio da palavra. Por isso, àquilo do Evangelho — Vós já estais puros em virtude da palavra etc., diz Agostinho: Donde vem essa tão grande virtude da água, de tocar o corpo e puri­ficar o coração, senão causada pelo verbo, não enquanto proferido, mas enquanto crido? ­Terceiro, podem ser considerados relativamente à própria significação sacramental. Assim, como diz Agostinho, as palavras obtiveram entre os homens o principado no significar; porque as palavras podem ser formadas diversamente para significar os diversos conceitos da mente, donde vem que pelas palavras podemos mais distintamente exprimir o que na mente concebemos. Por isso, para a perfeição da significa­ção sacramental foi necessário que a significa­ção das coisas sensíveis fosse determinada por certas palavras. Assim a água pode significar tanto a ablução, por causa da sua humildade, como o refrigério por causa da sua frigidez. Mas quando dizemos — Eu te batizo — manifestamos que usamos da água no batismo para significar a purificação espiritual.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. As coisas visíveis dos sacramentos se chamam palavras por uma certa semelhança; isto é, en­quanto participam de uma certa virtude signi­ficativa, que principalmente está nas palavras mesmo, como se disse. Por isso não há supér­flua duplicação de palavras quando nos sacra­mentos o verbo se acrescenta às coisas visíveis; pois, uma dessas realidades é determinada pela outra.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora as palavras e as outras coisas sensíveis sejam de gênero di­verso, no concernente à natureza delas, contudo convêm pelo modo de significar, mais perfeito nas palavras do que nas outras coisas. Por isso, das palavras e das coisas resulta de certo modo uma unidade nos sacramentos, como da forma e da matéria; isto é, enquanto que pelas palavras se completa a significação das coisas, como se disse. Pois, nas palavras também se compreen­dem os próprios atos sensíveis, como a ablução, a unção e outros semelhantes; porque têm elas o mesmo modo de significar que as coisas.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Agostinho, uns são os sacramentos da realidade presente e outros os da futura. Assim, os sacramentos da lei antiga eram o prenúncio de Cristo que devia vir. Por isso não significavam a Cristo de modo tão expressivo como os sacramentos da lei nova, que emanam do próprio Cristo, e encerram em si mesmos uma certa semelhança, como se disse. — Na vigência da lei antiga, porém usavam de certas palavras, no atinente ao culto de Deus, tanto os sacerdotes, que eram os ministros des­ses sacramentos, segundo aquilo da Escritura — ­Assim abençoareis os filhos de Israel e lhes direis: O Senhor te abençoe, etc.; como também os que se serviam desses sacramentos, segundo aquele outro lugar: Confesso hoje diante do Senhor teu Deus, que, etc.

Art. 5 — Se os sacramentos implicam coisas determinadas.

O quinto discute-se assim. — Parece que os sacramentos não implicam coisas determinadas.
 
1. Pois, as coisas sensíveis são usadas, nos sacramentos, como meios de significar, confor­me se disse. Ora, nada impede diversas coisas sensíveis significarem a mesma realidade; assim, na Sagrada Escritura Deus é significado, meta­foricamente umas vezes pela pedra, outras pelo leão, outras pelo solou por coisas semelhantes. Logo, parece que coisas diversas podem convir ao mesmo sacramento. Portanto, os sacramen­tos não implicam coisas determinadas.
 
2. Demais. — Mais necessária é a salvação da alma que a do corpo. Ora, dos remédios materiais, ordenados à saúde do corpo, um pode ser usado na falta de outro. Logo e com maior razão, nos sacramentos, remédios espirituais ordenados à salvação da alma pode ser usada uma coisa, em falta de outra.
 
3. Demais. — A salvação do homem não deve ser dificultada pela lei divina; e sobretudo pela lei de Cristo, que veio salvar a todos. Ora, na condição da lei da natureza não eram ne­cessárias, para os sacramentos, nenhumas coisas determinadas, mas estas eram tomadas em virtude de um voto. Assim, como lemos na Es­critura, Jacó obrigou-se por voto a oferecer a Deus dízimos e hóstias pacíficas. Logo, parece que não devia o homem ficar adstrito a usar, na ministração dos sacramentos, coisas determina­das, sobretudo no regime da lei nova.
 
Mas, em contrário, diz ó Senhor: Quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus.
 
SOLUÇÃO. — No uso dos sacramentos, duas coisas podemos considerar: o culto divino e a nossa santificação. Dessas, a primeira concerne ao homem relativamente a Deus; e a segunda, a Deus, relativamente ao homem. Ora, a nin­guém pertence determinar o que depende do poder de outrem, mas só o que depende do poder próprio. Ora, a salvação do homem, dependendo do poder de Deus, que o santifica não nos per­tence a nós, de nosso próprio juízo, escolher as coisas com que nos santifiquemos; mas deve ser determinado por instituição divina. Por isso nos sacramentos da lei nova, com que os homens se santificam, segundo aquilo do Apóstolo. — Haveis sido lavados, haveis sido santificados ­é necessário usar de coisas determinadas por divina instituição.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Uma mesma coisa pode ser significada por si­nais diversos; mas ao agente que usa do sinal pertence determinar o sinal a ser usado para significar. Ora, Deus foi quem nos significou as coisas espirituais por meio das coisas sensíveis, nos sacramentos, e pelas palavras similitudina­res nas Escrituras. Por onde, assim como por juízo do Espírito Santo foi determinado por que semelhanças, em certos lugares da Escritura as causas espirituais fossem significadas; assim também deve ser determinado por instituição divina que causas devam ser tomadas para signi­ficar, neste ou naquele sacramento.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As causas sensíveis têm virtudes em si naturalmente infundidas e apropriadas à saúde do corpo; por isso não im­porta se duas delas tenham a mesma virtude, de que nos sirvamos. Mas, a santificarem não se ordenam por nenhuma virtude que lhes seja naturalmente infusa, mas só por instituição di­vina. Por isso foi necessário ser determinado por Deus que coisas sensíveis se devem usar, na ministração dos sacramentos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA — Como diz Agostinho, a sacramentos diversos concernem tempos diver­sos; assim como também por palavras diversas são significados tempos diversos, a saber, o presente, o pretérito e o futuro. Por onde, assim como na condição da lei natural os homens eram levados a adorar a Deus, não por qualquer lei que lhes fosse imposta de fora, mas só pela inspiração interior, assim também por uma inspiração interior lhes era determinado de que coisas sensíveis usassem para o culto de Deus. Mas depois foi necessário dar-lhes também uma lei externa, quer por ter, o pecado dos homens obscurecido a lei da natureza; quer ainda para significar mais expressamente a graça de Cristo, pela qual o gênero humano se santifica. E por isso também foi necessário determinar as coisas de que os homens usassem, nos sacramentos. Nem por isso, contudo, se dificulta a via à salva­ção; pois, as coisas cujo uso é necessário nos sacramentos, ou se encontram em toda parte ou podem ser obtidas com emprego de pequeno esforço.

Art. 4 — Se um sacramento é sempre uma realidade sensível.

O quarto discute-se assim. — Parece que um sacramento nem sempre é uma realidade sensível.
 
1. Porque, segundo o Filósofo, todo efeito é sinal da sua causa. Ora, como há certos efeitos sensíveis, há também certos inteligíveis; assim a ciência, efeito da demonstração. Logo, nem todo sinal é sensível. Ora, para um sacra­mento existir basta seja o sinal de uma coisa sagrada pela qual o homem se santifique, con­forme se disse. Logo, não é necessário seja um sacramento nenhuma realidade sensível.
 
2. Demais. — Os sacramentos dizem respei­to ao culto ou ao reino de Deus. Ora, as coisas sensíveis não respeitam ao culto de Deus, segundo aquilo do Evangelho: Deus é espírito e em espírito e verdade é que o devem adorar os que o adoram. E o Apóstolo: O reino de Deus não é comida nem bebida. Logo, não é necessário seja o sacramento uma realidade sensível.
 
3. Demais. — Agostinho diz, que as coisas sensíveis são os mínimos bens, sem os quais o homem pode viver rectamente. Ora, os sacra­mentos são necessários à salvação do homem como a seguir se dirá, e portanto não pode o homem viver bem sem eles. Logo, não é preciso que os sacramentos sejam realidades sensíveis.
 
Mas, em contrário, Agostinho diz: Acrescenta-se a palavra ao elemento e nasce o sacra­mento. E refere-se nesse lugar à água, elemen­to sensível. Logo, os sacramentos supõem coisas sensíveis.
 
SOLUÇÃO. — A sabedoria divina provê a cada coisa conforme à natureza desta; por isso diz a Escritura, que dispõe tudo com suavidade. Donde a expressão do Evangelho: Deu a cada um segundo a sua capacidade. Ora, é conatural ao homem chegar, por meio das coisas sensíveis ao conhecimento das inteligíveis. Ora, o sinal é o meio de chegarmos a um conhecimento ulte­rior. E assim, sendo as coisas sagradas, signi­ficadas pelos salvamentos, uns bens espirituais e inteligíveis pelos quais o homem se santifica, resulta por conseqüência, que a significação do sacramento se manifesta completamente me­diante certas coisas sensíveis. Assim também é pela semelhança das coisas sensíveis que a divina Escritura nos descreve as coisas espiri­tuais. Por isso é que os sacramentos requerem as coisas sensíveis, como também o prova Dio­nísio.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Um ser é denominado e definido principalmente pelo que lhe convém primária e essencialmente e não pelo que acidentalmente lhe convém. Ora, a essência do efeito sensível, como sendo o que o homem conhece primária e essencialmente, é levá-lo a um conhecimento ulterior, pois, todo o nosso conhecimento nasce dos sentidos. Ora, nos efeitos inteligíveis não está o poderem conduzir a um conhecimento ulterior senão en­quanto manifestados por outros meios, que são as realidades sensíveis. Donde vem que primá­ria e principalmente se chamam sinais os que nos afetam os sentidos; por isso diz Agostinho que sinal é aquilo que sugere ao nosso pensa­mento uma realidade diferente da apreendida pelos sentidos. Ora, os efeitos inteligíveis não têm a natureza de sinal, senão enquanto ma­nifestados por certos sinais. E também deste modo certas coisas que não são sensíveis se chamam de algum modo sacramentos, enquanto significados por meio de realidades sensíveis, do que mais adiante se tratará.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As coisas sensíveis, consideradas em sua natureza, não concernem ao culto ou ao reino de Deus; mas só enquanto sinais das coisas espirituais, nas quais consiste o reino de Deus.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Agostinho se refere às coisas sensíveis consideradas em a natureza delas; não porém quando assumidas a significar as coisas espirituais, que são os máximos bens.

Art. 3 — Se o sacramento não é sinal senão de uma só coisa.

 

O terceiro discute-se assim. Parece que o sacramento não é sinal senão de uma só coisa.
 
1. Pois, o que significa muitas coisas é um sinal ambíguo e, por consequência, ocasião de engano; tais os nomes equívocos. Ora, nenhuma falácia pode se atribuir à religião cristã, segundo aquilo do Apóstolo: Estai sobre aviso para que ninguém vos engane com filosofias e com os seus falaces sofismas. Logo, parece que o sacra­mento não é sinal de várias coisas.
 
2. Demais. — Como se disse, o sacramento significa uma coisa sagrada enquanto causa de santificação humana. Ora, uma só é a causa da santificação humana, a saber, o sangue de Cristo, segundo aquilo do Apóstolo: Jesus, para que santificasse ao povo pelo seu sangue, pade­ceu fora da porta. Logo, parece que o sacra­mento não significa várias coisas.
 
3. Demais. — Como se disse, o sacramento significa propriamente o fim mesmo da santifi­cação. Ora, o fim da santificação é a vida eter­na, segundo o Apóstolo: Tendes o vosso fruto em santificação e por fim a vida eterna. Logo, parece que o sacramento não significa senão uma só coisa, isto é, a vida eterna.
 
Mas, em contrário, o sacramento do Altar tem dupla significação — o corpo de Cristo verdadeiro e místico, como diz Agostinho.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, o sacramento propriamente se chama o que se ordena a signi­ficar a nossa santificação. Na qual podemos dis­tinguir tríplice elemento: a causa mesma da nossa santificação que é a Paixão de Cristo; a forma da nossa santificação, que consiste na graça e nas virtudes; e o fim último da nossa santificação, que é a vida eterna. E tudo isto os sacramentos o significam. Por isso o sacra­mento é: o sinal rememorativo do que passou, isto é, da Paixão de Cristo; e demonstrativo do que em nós obra a Paixão de Cristo, isto é, da graça; e prognóstico, isto é, prenunciativo da futura glória.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­O sinal ambíguo é ocasião de engano, quando significa muitas coisas, das quais uma não se ordena à outra. Mas, quando significa muitas mas de modo que constituam de certo modo uma unidade, então o sinal não é ambíguo, mas certo. Assim, a palavra homem significa a alma e o corpo, enquanto constitutivos da natureza hu­mana. E, dest'arte, o sacramento tem a tríplice significação deferida, enquanto há aí a unidade, numa certa ordem.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O sacramento, en­quanto significativo da coisa santificante, há de necessariamente significar o efeito, compreendi­do da causa mesma santificante, como tal.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O sacramento, na sua noção, baste que signifique a perfeição, co­mo, forma; nem é necessário signifique só a perfeição, como fim.

 

Art. 2 — Se todo sinal de uma coisa sagrada é sacramento.

O segundo discute-se assim. — Parece que nem todo sinal de uma coisa sagrada é sacramento.
 
1. Pois, todas as criaturas sensíveis são sinais de coisas sagradas, segundo aquilo do Apóstolo: As causas invisíveis de Deus se vêem consideradas pelas obras que foram feitas. Mas nem por isso todas as causas sensíveis podem chamar-se sacramentos. Logo, nem todo sinal de uma coisa sagrada é sacramento.
 
2. Demais. — Tudo o que se fazia na lei antiga figurava a Cristo, que é O Santo dos santos, segundo aquilo do Apóstolo: Todas estas coisas lhes aconteciam a eles em figuras. E noutro lugar: Que são sombras das causas vin­douras, mas o corpo é em Cristo. Ora, nem todos os efeitos dos Patriarcas do Antigo Testamento e nem todas as cerimônias da lei são sacramen­tos, mas só certas em especial, como se disse na segunda Parte. Logo, parece que nem todo sinal de uma coisa sagrada é sacramento.
 
3. Demais. — Também ao regime do Novo Testamento muitos atos se praticam como sinal de uma coisa sagrada, que contudo não se cha­mam sacramentos; tal a aspersão da água benta, a consagração do altar e outras semelhantes. Logo, parece que nem todo sinal de uma coisa sagrada é sacramento.
 
Mas, em contrário, a definição se converte com a causa definida. Ora certos definem o sa­cramento dizendo que é o sinal de uma coisa sagrada; e isso resulta também do lugar de Agostinho supra citado. Logo parece que todo sinal de uma coisa sagrada é sacramento.
 
SOLUÇÃO. — Os homens se servem de sinais para, por meio do conhecido, chegar ao desconhecido. Por onde, propriamente se chama sacramento ao sinal de uma coisa sagrada con­cernente aos homens; isto é, propriamente se cha­mará sacramento, no sentido em que agora o vejamos, o sinal de uma coisa sagrada enquan­to santificadora dos homens.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­As criaturas sensíveis significam algo de sagrado, isto é, a sabedoria e a bondade divinas, enquanto estas são em si mesmas sagradas; mas não en­quanto nós nos santifiquemos por meio delas. Por onde, não podem chamar-se sacramentos, no sentido em que agora tratamos dos sacra­mentos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Certas cerimônias do Antigo Testamento significavam a santidade de Cristo, enquanto ele em si mesmo é santo. Ou­tras porem lhe significavam a santidade, en­quanto por meio delas nós nos santificamos; assim, a imolação do cordeiro pascal significava a imolação de Cristo, pela qual fomos santifica­dos. E essas cerimônias propriamente se chamam sacramentos da lei antiga.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — As coisas se deno­minam pelo seu fim e pelo seu complemento. Ora, a disposição não é fim nem perfeição. Logo o que significa a disposição para a santidade não se chama sacramento, no sentido em que se funda a objeção. Mas o que significa a per­feição da santidade humana.

Art. 1 — Se o sacramento é genericamente um sinal.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o sacramento não é genericamente um sinal.
 
1. Pois a palavra sacramento vem de sa­crar, como medicamento de medicar. Ora, essa noção implica antes a idéia de causa que a de sinal. Logo, o sacramento é genericamente antes uma causa que um sinal.
 
2. Demais. — Sacramento significa alguma coisa de oculto, segundo aquilo da Escritura: É bom conservar escondido o sacramento do rei. E o Apóstolo diz: Qual seja a comunicação do sacramento escondido desde os séculos em Deus. Ora, o escondido é contrário à idéia de sinal, pois, como diz Agostinho, sinal é aquilo que sugere ao nosso pensamento uma realidade diferente da apreendida pelos sentidos. Logo, parece que o sacramento não é genericamente um sinal.
 
3. Demais. — Às vezes o juramento é chamado sacramento. Assim, diz um Decretal: As crianças, ainda sem o uso da razão, não se­jam compelidas a jurar; e a que uma vez tiver perguntado, nem seja depois disso testemunha, nem se achegue ao sacramento, isto é, ao juramen­to. Ora, o juramento não inclui nenhuma idéia de sinal. Logo, parece que o sacramento não é genericamente um sinal.
 
Mas, em contrário, Agostinho diz: O sacrifício visível é o sacramento, isto é, o sinal sacro do sacrifício invisível.
 
SOLUÇÃO. — Todas as coisas ordenadas a uma terceira, embora de modos diversos, podem receber dessa a sua denominação. Assim, da sua saúde tira o apelativo de são não somente o animal, sujeito da saúde, mas também — a medicina, sã enquanto efetiva da saúde; a die­ta, enquanto conservadora dela, e a urina, en­quanto significativa da mesma. Do mesmo modo, podemos chamar sacramento ao que tem em si uma santidade oculta, e então sacramento é o mesmo que segredo sacro; ou ao que se ordena de certo modo a essa santidade como causa, ou o sinal ou segundo outra relação qualquer. E neste sentido o sacramento é considerado genericamente como um sinal.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­A medicina se comporta como causa eficiente da saúde; donde vem que tudo o que dela tira a sua denominação implica dependência de um agente primeiro; e por isso o medicamento su­põe de certo modo uma causalidade. Mas a san­tidade, onde haure o sacramento o seu apelativo, não implica um sentido de causa eficiente, mas antes, o de causa formal ou final. Por onde, não é necessário que o sacramento suponha sem­pre a causalidade.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção colhe, sendo sacramento o mesmo que sacro se­gredo. Assim, chamamos secreto não só o que é de Deus, mas também dizemos que é sacro e sa­cramento o que respeita a um rei. Porque os antigos denominavam santo ou sacramento tudo o que não era lícito violar; tais os muros da cidade e as pessoas constituídas em dignidade. Por isso aqueles segredos, divinos ou humanos, que a ninguém é lícito violar, publicando-os, chamam-se sacros ou sacramentos.
 
RESPOSTAS À TERCEIRA. — Também o juramento tem de certo modo relação com as coisas sa­gradas, enquanto é uma espécie de contestação feita mediante algo de sagrado. Por isso dize­mos que o juramento é um sacramento não no mesmo sentido em que agora nos referimos aos sacramentos. Pois, não é a denominação de sacramento tomada equivocamente, mas em sen­tido analógico, isto é, segundo a diversidade de relação com um termo determinado, isto é, a causa sagrada.

Questão 60: Dos Sacramentos

 
Na primeira questão discutem-se oito ar­tigos:

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