Category: Santo Tomás de Aquino
Em seguida devemos tratar do efeito dos sacramentos. E primeiro, do efeito principal, que é a graça. Segundo, do efeito secundário que é o caráter.
Na primeira, discutem-se seis artigos:
O quarto discute-se assim. — Parece que depois de Cristo não deviam existir nenhuns sacramentos.
1. — Pois, o advento da realidade faz cessar o figurado. Ora, como diz o Evangelho, a graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo. Logo, sendo os sacramentos os sinais da verdade ou da figura, parece que depois da Paixão de Cristo não deviam existir sacramentos.
2. Demais. — Os sacramentos supõem certos elementos, como do sobredito se colhe. Ora, o Apóstolo diz: Quando éramos meninos, servíamos debaixo dos rudimentos do mundo; mas agora, quando veio o cumprimento do tempo, já não somos meninos. Logo, parece que não devemos servir a Deus debaixo dos elementos deste mundo, servindo-nos de sacramentos corpóreos.
3. Demais. — Em Deus não há mudança nem sombra alguma de variação, no dizer da Escritura. Ora, implica de certo modo mudança da verdade Divina o conferir aos homens na santificação do tempo da graça, uns sacramentos e, antes de Cristo, outros. Logo, parece que depois de Cristo não deviam ser instituídos outros sacramentos.
Mas, em contrário, Agostinho diz, que os sacramentos da lei antiga foram suprimidos, porque cumpridos; e foram instituídos outros, de maior virtude, de mais utilidade, de prática mais fácil e em menor número.
SOLUÇÃO. — Assim como os antigos Patriarcas foram salvos pela fé na vinda de Cristo, assim também nós o somos pela fé de Cristo que já nasceu e sofreu a sua Paixão. Mas, os sacramentos são uns sinais reveladores da fé pelo qual o homem é justificado. Ora, o futuro, o passado e o presente hão de ser significados por sinais diferentes. Pois, como diz Agostinho uma coisa é enunciada de um modo quando deve ser feita e, de outro, quando já feita; assim como as expressões - haver de sofrer - e - tendo sofrido - não soam do mesmo modo. Por isso era necessário existissem na lei nova, certos outros sacramentos, que significassem o que precedeu a Cristo, além dos da lei antiga, que preanunciavam o futuro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Dionísio, o estado da lei nova é mediatário entre o da lei antiga, cujo sentido figurado se cumpriu na vigência da lei nova, e o estado da glória, no qual será manifestada una e perfeitamente toda a verdade. — E portanto, não haverá então nenhum sacramento. Pois agora, enquanto vemos como por um espelho em enigmas, no dizer do Apóstolo, é-nos forçoso chegar ao espiritual mediante certos sinais sensíveis; para isso servem os sacramentos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Aos sacramentos da lei antiga o Apóstolo lhes chama rudimentos fracos e pobres, porque nem continham, nem causavam a graça. E por isso dos que recorriam eles o Apóstolo diz que serviam a Deus debaixo dos rudimentos do mundo; pois, nada mais eram senão rudimentos deste mundo. Ao contrário, os nossos sacramentos contêm e causam a graça. Logo, a comparação entre eles não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Um pai de família não mostra mudança de vontade pelo fato de dar ordens diversas à sua família, conforme a variação dos tempos, não mandando no inverno o mesmo que manda no verão. Do mesmo modo, não implica nenhuma mudança em Deus o ter instituído uns sacramentos, depois do advento de Cristo, e outros no tempo da lei: Pois, aqueles eram apropriados a prefigurar a graça, e estes o são a manifestar a graça presente.
O terceiro discute-se assim. — Parece que depois do pecado, antes de Cristo, não deviam existir sacramentos.
1. — Pois, como se disse, pelos sacramentos a Paixão de Cristo é aplicada aos homens; e assim a Paixão de Cristo está para os sacramentos como a causa para o efeito. Ora, o efeito não precede a causa. Logo, não devia haver sacramentos antes do advento de Cristo.
2. Demais. — Os sacramentos devem ser convenientes ao estado do gênero humano, como está claro em Agostinho. Ora, o estado do gênero humano não mudou, depois do pecado, até a reparação feita por Cristo. Logo, nem os sacramentos deviam ser mudados de modo que além dos sacramentos da lei natural, outros fossem estatuídos, na lei de Moisés.
3. Demais. — Quanto mais uma coisa está próxima à perfeição, tanto mais se lhe deve assimilar. Ora, a salvação humana, na sua perfeição, operou-a Cristo, de quem estavam mais próximos os sacramentos da lei antiga do que os existentes antes da lei. Logo, deviam ser mais semelhantes aos sacramentos de Cristo. Entretanto, o contrário resulta da predição que o sacerdócio de Cristo havia de ser segundo a ordem de Melquisedeque e não segundo a ordem de Arão, como está no Apóstolo. Logo, antes de Cristo, os sacramentos não foram dispostos convenientemente.
Mas, em contrário diz Agostinho, que os primeiros sacramentos, celebrados e observados na vigência da lei, eram os prenúncios da vinda de Cristo. Ora, era necessário à salvação humana que fosse preanunciado o advento de Cristo. Logo, era necessário que, antes de Cristo, certos sacramentos fossem instituídos.
SOLUÇÃO. — Os sacramentos são necessários à salvação humana, enquanto uns sinais sensíveis de realidades invisíveis pelas quais o homem se santifica. Ora, ninguém pode ser santificado, depois do pecado, senão por Cristo, ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue, a fim de manifestar a sua justiça, a fim de que ele seja achado justo e justificador daquele que tem a fé de Jesus Cristo. Logo, era necessário que antes do advento de Cristo existissem certos sinais visíveis pelos quais o homem proclamasse a sua fé no futuro advento do Salvador. E esses sinais se chamam sacramentos. Por onde é claro que antes do advento de Cristo era necessário fossem instituídos certos sacramentos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A Paixão de Cristo é a causa final dos sacramentos antigos, que alias, foram instituídos para a significar. Ora, a causa final não tem precedência no tempo, mas só na intenção do agente. Logo, não havia inconveniente em certos sacramentos terem existido antes da Paixão de Cristo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O estado do gênero humano, depois do pecado e antes de Cristo, pode ser considerado a dupla luz. - Primeiro, segundo a natureza da fé. E então permaneceu sempre o mesmo, porque os homens eram justificados pela fé no advento futuro de Cristo. - A outra luz pode ser considerado segundo a intenção e a remissão do pecado e o expresso conhecimento de Cristo. Pois no decurso dos tempos, de um lado o pecado começou a dominar cada vez mais o homem, porque obnubilando-lhe a razão, não bastavam ao homem, para viver retamente, os preceitos da lei da natureza, mas foi necessário se determinassem preceitos na lei escrita e, com estes, certos sacramentos da fé. E também de outro lado era necessário que, no decorrer dos tempos, mais se desenvolvesse o conhecimento da fé; pois como diz Gregório, no suceder-se dos tempos teve maior incremento o conhecimento divino. E por isso também foi necessário que, na lei antiga, fossem determinados certos sacramentos da fé, que tinham no futuro advento de Cristo. Os quais estão para 03 sacramentos anteriores à lei, como o determinado para o indeterminado. Porque, antes da lei, não foi prefixado determinadamente ao homem de que sacramentos usasse como o foi pela lei. O que era necessário, tanto pelo entenebrecimento da lei natural como para ser mais determinada a significação da fé.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O sacramento de Melquisedeque, anterior à lei, mais se assemelhava ao sacramento da lei nova pela matéria; isto é, porque oferecia pão e vinho, como está na Escritura; assim como também o sacrifício do Novo Testamento se perfaz pelo oferecimento do pão e do vinho. Ao passo que os sacramentos da lei Mosaica mais se assemelham à realidade significada pelo sacramento, isto é, a Paixão de Cristo, como é claro no caso do cordeiro pascoal e outros semelhantes. E isto assim a fim de que se, na continuidade do tempo, permanecesse a mesma espécie de sacramentos, concluir-se-ía pela continuação do mesmo sacramento.
O segundo discute-se assim. — Parece que antes do pecado os sacramentos eram necessários ao homem.
1. — Pois, como se disse, os sacramentos são necessários para o homem alcançar a graça. Ora, mesmo no estado de inocência o homem precisava da graça, como se estabeleceu na Primeira Parte. Logo, também nesse estado eram lhe necessários os sacramentos.
2. Demais. — Os sacramentos são necessários ao homem em virtude da condição da natureza humana como se disse. Ora, a natureza do homem é a mesma tanto antes como depois do pecado. Logo, parece que também antes do pecado precisava dos sacramentos.
3. Demais. — O matrimônio é um sacramento, segundo aquilo do Apóstolo: este sacramento é grande, mas eu digo em Cristo e na Igreja. Ora, o matrimônio foi instituído antes do pecado, como o refere a Escritura. Logo, os sacramentos eram necessários ao homem antes do pecado.
Mas, em contrário; o remédio não é necessário senão ao doente, segundo aquilo do Evangelho: Os sãos não têm necessidade de médico. Ora, os sacramentos são uns remédios espirituais aplicados contra os males causados pelo pecado. Logo, não eram necessários antes do pecado.
SOLUÇÃO. — No estado de inocência, antes do pecado, os sacramentos não eram necessários. E a razão disso podemos descobri-la na retidão desse estado, em que o inferior, longe de reger o superior, era governado por este; assim como a razão estava sujeita a Deus, assim lhe estavam sujeitas a ela as potências inferiores da alma; e à alma, o corpo. Ora, iria contra essa ordem se a alma se aperfeiçoasse, quer quanto à ciência, quer quanto à graça, por algum meio material, como é o caso nos sacramentos. Por onde, no estado de inocência o homem não precisava de sacramentos, considerados estes não só como ordenados a serem remédio contra o pecado, mas ainda enquanto ordenados à perfeição da alma.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O homem, no estado de inocência, precisava da graça; não porém que a conseguisse por quaisquer sinais sensíveis, mas espiritual e indivisivelmente.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A natureza do homem é a mesma tanto antes como depois do pecado; mas o estado da natureza não é o mesmo. Pois, após o pecado, a alma, ainda na sua parte superior, precisa apoiar-se nos seres materiais, para conseguir a sua perfeição; o que não era necessário ao homem no seu estado primeiro.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O matrimônio foi instituído no estado de inocência, não como sacramento, mas como função da natureza. Mas, por consequência, significava algo que havia de dar-se relativamente a Cristo e à Igreja; como foi o caso de tudo o que precedeu a Cristo e o figurava.
O primeiro discute-se assim. — Parece que os sacramentos não são necessários à salvação humana.
1. — Pois, diz o Apóstolo: O exercício corporal para pouco é proveitoso. O uso dos sacramentos é uma espécie de exercício corporal, porque os sacramentos se perfazem pela significação das coisas sensíveis e das palavras, como se disse. Logo, os sacramentos não são necessários à salvação humana.
2. Demais. — Ao Apóstolo foi dito: Basta-te a minha graça. Ora, não bastaria se os sacramentos fossem necessários à salvação humana. Logo, os sacramentos não são necessários à salvação humana.
3. Demais. — Posta a causa suficiente nada mais é necessário para o efeito. Ora, a Paixão de Cristo é a causa suficiente da nossa salvação. Assim, diz o Apóstolo: Se sendo nós inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida. Logo, os sacramentos não são necessários à salvação humana.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Em nome de nenhuma religião, verdadeira ou falsa, podem os homens adunar-se, se não se associarem num consórcio sob a égide de sinais ou sacramentos visíveis. Ora, é-lhes necessário à salvação os homens se adunarem num nome de verdadeira religião. Logo, os sacramentos são necessários à salvação humana.
SOLUÇÃO. — Os sacramentos são necessários à salvação humana por três razões. - Das quais a primeira deve ser tirada da condição da natureza humana, a que é próprio partir do corpóreo e do sensível para chegar ao espiritual e ao Inteligível. Ora, concerne à divina Providência prover a cada ser conforme ao modo da sua condição. E por isso convenientemente a divina sabedoria confere ao homem os auxílios à salvação sob certos sinais corpóreos e sensíveis, chamados sacramentos. - A segunda razão deve ser tirada do estado do homem, que pelo pecado sujeitou o afeto às coisas corpóreas. Ora, onde padece uma doença aí se deve aplicar ao homem um remédio medicinal. Por isso era conveniente Deus mediante certos sinais corpóreos, aplicar ao homem uma medicina espiritual; pois, se lhe fossem dados remédios puramente espirituais, a sua alma, presa ao material, não poderia servir-se deles. - A terceira razão enfim deve ser haurida no exercício da ação humana, que versa principalmente sobre a matéria. Afim, pois, de não ser duro ao homem o separar-se totalmente dos atos corpóreos, foram-lhe propostos práticas sensíveis, nos sacramentos, com os quais salutarmente se exerce a evitar as práticas supersticiosas, consistentes no culto dos demônios, ou outros maus atos que são as práticas pecaminosas. - Assim, pois, pela instituição dos sacramentos o homem e ensinado por meio do sensível de conformidade com a sua natureza; humilha-se, reconhecendo-se sujeito às coisas materiais, pois acha nelas um auxílio; e também fica preservado de más ações pela prática salutar dos sacramentos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O exercício corporal, como tal, de pouco proveito é. Mas o exercício pelo uso dos sacramentos não é puramente corporal senão, de certo modo, espiritual, isto é, pela significação e pela causalidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A graça de Deus é causa suficiente da salvação humana. Mas Deus dá a graça aos homens segundo o modo que lhes é peculiar. Por isso os sacramentos são necessários aos homens para conseguirem a graça.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo é causa suficiente da salvação humana. Mas nem por isso daí se segue que os sacramentos não sejam necessários à salvação humana, pois, obram em virtude da Paixão de Cristo. E a Paixão de Cristo de certo modo se aplica aos homens pelos sacramentos, segundo aquilo do Apóstolo: Todos os que fomos batizados em Jesus Cristo tomos batizados na sua morte.
Em seguida devemos tratar da necessidade dos sacramentos.
E nesta questão discutem-se quatro artigos:
(II Sent., dist. X, a. 3; Hebr., cap. I, lect.VI).
O quarto discute-se assim. — Parece que todos os anjos da segunda hierarquia são enviados.
1. — Pois, todos os anjos ou assistem ou ministram, conforme está na Escritura. Ora, os anjos da segunda hierarquia, iluminados pelos da primeira, como diz Dionísio, não assistem: Logo, todos os anjos da segunda hierarquia são enviados em ministério.
2. Demais. — Gregório diz serem mais os que ministram que os assistentes. Ora, tal não seria, se os anjos da segunda hierarquia não fossem enviados em ministério. Logo, todos os dessa hierarquia são enviados em ministério.
Mas, em contrário, diz Dionísio, que as Dominações estão acima de toda sujeição. Ora, ser enviado em ministério supõe sujeição. Logo, as Dominações não são enviadas em ministério.
Solução. — Como já se disse, propriamente convém ao anjo ser enviado em ministério exterior, enquanto opera, em relação a alguma criatura corpórea, por ordem divina; e isso é a execução do divino ministério. As propriedades dos anjos porém manifestam-se pelos nomes dos mesmos, como diz Dionísio. Por onde, são enviados para o ministério externo os anjos das ordens em cujos nomes se compreende alguma execução. Ora, o nome das Dominações não importa em nenhuma execução, mas somente em disposição e ordem sobre o que se deve executar; compreendendo-se nos nomes das ordens inferiores tal execução. Assim, os anjos e os Arcanjos têm tais denominações, porque anunciam; as Virtudes e as Potestades são assim designados pela relação com algum ato; e também do Príncipe é próprio ser o primeiro entre os que operam, como diz Gregório. Por onde, é próprio a essas cinco ordens serem mandadas em ministério exterior; não porém, às quatro superiores.
Donde a resposta à primeira objeção. — As Dominações contam-se entre os anjos ministrantes, não porque executem o ministério, mas porque dispõem e mandam o que deve ser feito pelos outros. Assim como nas construções os arquitetos não fazem nada manualmente, mas só dispõem e ordenam o que os outros devem fazer.
Resposta à segunda. — Pode-se dar dupla razão do número dos assistentes e dos ministrantes. — Pois, Gregório diz, que são mais estes do que aqueles. E o passo — um milhão o serviam — não o entende ele em acepção multiplicativa, mas, participativa, como se dissesse: mil do número dos mil. E assim exprime-se que é indefinido o número dos ministrantes, para significar o excesso; porém o dos assistentes é finito, pelo que se acrescenta — mil milhões assistiam diante dele. E isto está de acordo com a razão dos Platônicos, que diziam que, quanto mais os seres se aproximam do primeiro princípio uno, tanto menor é a multidão deles; assim como quanto mais um número se aproxima da unidade tanto menor multidão tem. E esta opinião é exata quanto ao número das ordens, das quais seis ministram e três assistem. — Mas Dionísio diz, que a multidão dos anjos transcende toda multidão material. Pois, assim como os corpos superiores transcendem imensamente em grandeza os corpos inferiores, assim as naturezas incorpóreas superiores transcendem em multidão todas as corpóreas, porque, o melhor é o mais visado e multiplicado por Deus. E segundo esta opinião, sendo os assistentes superiores aos ministrantes, serão mais que estes. Donde, conforme esta mesma opinião um milhão deve-se entender multiplicativamente, como se dissesse mil milhões. E como dez vezes cem são mil, se se dissesse, dez vezes cem mil dar-se-ia a entender, que eram tantos os assistentes como os ministrantes. Mas, como se diz — dez mil vezes cem mil — significa-se serem muito mais os assistentes que os ministrantes. — Mas não se quer dizer com isso que não é maior que esse o número dos anjos senão muito maior, porque excede toda multidão material. O que é expresso pela multiplicação dos maiores números, por si mesmos, que são os números denários, centenários e milenários, como diz Dionísio no mesmo lugar.
(II. Sent., dist. X, a. 1; Hebr., cap. I, lect. VI; In Iob, cap. I lect. II).
O terceiro discute-se assim. — Parece que os anjos enviados também assistem.
1. — Pois, diz Gregório: Logo, os anjos são enviados e assistem; porque embora o espírito angélico seja circunscrito, contudo o sumo espírito, Deus, não o é.
2. Demais. — Um anjo foi enviado a Tobias, em ministério. E contudo disse: Eu sou o anjo Rafael, um dos setes que assistimos diante de Deus, como se lê na Escritura. Logo, os anjos enviados assistem.
3. Demais. — Qualquer dos santos anjos está mais próximo de Deus do que Satan. Ora, Satan é assistente de Deus, conforme a Escritura: Tendo-se os filhos de Deus apresentado diante do Senhor; encontrou-se Satanás entre eles. Logo, com maior razão os anjos enviados em ministério assistem.
4. Demais. — Se os anjos inferiores não assistem é somente porque não recebem as iluminações divinas imediatamente, mas por meio dos superiores. Ora, qualquer anjo, exceto o que de todos é o supremo, recebe por meio do superior essas iluminações. Logo, só o anjo supremo assiste; o que vai contra aquilo da Escritura: Mil milhões assistiam diante dele.
Mas, em contrário, a propósito daquilo da Escritura — Porventura tem número os seus soldados? — diz Gregório: Assistem aquelas potestades, que não saem a anunciar certas cousas aos homens. Logo, os enviados em ministério não assistem.
Solução. — Dividem-se os anjos em assistentes e ministrantes, à semelhança dos que servem a um rei, dos quais uns sempre lhe assistem e lhe ouvem imediatamente as ordens; outros porém recebem, dos assistentes, o enunciado das ordens reais. Assim, os que estão à testa da administração das cidades chamam-se ministrantes e não assistentes. Deve-se pois considerar que, como todos os anjos vêm imediatamente a essência divina, diz-se que todos os que ministram assistem. Por onde, diz Gregório: podem sempre assistir, ou contemplar a face do Pai, os que são mandados em ministério exterior, para a nossa salvação. Mas nem todos os anjos podem alcançar os segredos dos divinos mistérios, na claridade mesma da divina essência; senão só os superiores, que anunciam aos inferiores. E então, só aqueles, que são os da primeira hierarquia, se diz que assistem, por ser próprio dela, como ensina Dionísio, receber a iluminação imediatamente de Deus. E daqui se deduzem as respostas à primeira e à segunda objeções, procedentes do primeiro modo de assistir.
Resposta à terceira. — Não se diz que Satan assistia, mas que estava entre os assistentes; pois, como ensina Gregório, embora perdesse a beatitude, contudo não perdeu a natureza semelhante à dos anjos.
Resposta à quarta. — Todos os assistentes vêm, imediatamente, certas cousas, na claridade da divina essência; e por isso diz-se que é próprio a toda a primeira hierarquia ser iluminada imediatamente por Deus. Mas, nela, os superiores alcançam mais que os inferiores, e isso lhes transmitem a estes, iluminando-os; assim como, dentre os que assistem ao rei, um entra, mais que outro, nos segredos do mesmo.
(II Sent., dist. X. a. 2; Hebr., Xp. I. lect. VI)
O segundo discute-se assim. — Parece que todos os anjos são mandados em ministério.
1. — Pois, diz o Apóstolo: Todos esses espíritos são uns administradores, enviados para exercer o seu ministério.
2. Demais. — Entre as ordens a suprema é a dos Serafins, como resulta do que já foi dito. Ora, um Serafim foi enviado para purificar os lábios do Profeta, como se lê em Isaias. Logo, com maior razão, os anjos inferiores são enviados.
3. Demais. — As divinas Pessoas excedem infinitamente todas as ordens dos anjos. Ora, Elas são enviadas, como antes se disse: Logo, com maior razão, qualquer dos anjos supremos.
4. Demais. — Se os anjos superiores não são enviados para ministério exterior, tal não é senão porque executam os ministérios divinos, pelos inferiores. Ora, como todos os anjos são desiguais, conforme já se estabeleceu, qualquer anjo, exceto o último, se serve do inferior. Logo, só o último é o enviado em ministério, o que vai contra a Escritura que diz: Um milhão o serviam. Mas, em contrário, diz Gregório, referente à sentença de Dionísio: As ordens superiores de nenhum modo exercem o ministério exterior.
Solução. — Como do sobredito resulta, é ordem da divina providência, não só quanto aos anjos, mas quanto a todo o universo, que os seres inferiores sejam governados pelos superiores. Mas para a manifestação da graça, que é de ordem mais alta, o princípio agora referido sofre transgressão, por dispensa divina, quanto aos seres corpóreos. Assim, Deus iluminou o cego e ressuscitou Lázaro, imediatamente, sem a ação dos corpos celestes. Mas, também os anjos bons e maus podem exercer influência nos corpos, fora da ação dos corpos celestes, condensando as nuvens em chuvas, ou cousas semelhantes. Nem deve ninguém duvidar que Deus possa imediatamente revelar certas cousas aos homens, sem a mediação dos anjos; bem como os anjos superiores, sem a mediação dos inferiores. Segundo, pois, esta consideração, alguns disseram que pela lei comum os superiores não são enviados, mas só os inferiores; mas por dispensa divina às vezes também os superiores são enviados. — Mas isto não é racional, porque a ordem angélica é relativa aos dons da graça. Ora, a ordem da graça não deve ser preterida a nenhuma outra ordem, assim como a ordem da natureza lhe é preterida. E deve-se considerar também que a ordem da natureza, na operação dos milagres, é preterida, para a confirmação da fé, para o que nada serviria preterir a ordem angélica, porque nós não poderíamos percebê-lo. Ora, nada há tão grande, nos ministérios divinos, que não possa ser exercido pelas ordens inferiores. Por onde, Gregório diz, que os núncios das cousas mais elevadas chamam-se Arcanjos. E por isso, foi enviado à Virgem Maria o Arcanjo Gabriel, tendo sido esse o mais elevado de todos os ministérios divinos, como no mesmo passo se diz. Por onde, deve-se concluir, absolutamente, com Dionísio, que os anjos superiores nunca são enviados para ministério exterior.
Donde a resposta à primeira objeção. — Como, nas Pessoas divinas, uma é a missão visível, relativa à criatura corpórea; outra, invisível, relativa ao afeto espiritual; assim também há uma missão angélica chamada exterior, relativa a algum ministério, referente a seres corpóreos e, para tal missão nem todos os anjos são enviados. Mas há outra missão, interior, relativa aos afetos intelectuais, pela qual um anjo ilumina outro; e assim todos os anjos são enviados. — Ou, de outro modo, deve-se dizer, que no passo citado, o Apóstolo quer provar que Cristo é maior que os anjos, pelos quais foi dada a lei, mostrando assim a excelência da lei nova sobre a antiga. Donde deve-se necessariamente compreender esse passo como referente só aos ministérios do anjo, pelos quais foi dada a lei.
Resposta à segunda. — Segundo Dionísio, o anjo mandado para purificar os lábios do profeta era dos inferiores; mas foi chamado Serafim, isto é, que incendeia, equivocamente por ter vindo incendiar os lábios do profeta. — Ou se deve dizer, que os anjos superiores comunicam os dons próprios, pelos quais são denominados, mediante os anjos inferiores. Assim, diz-se que um Serafim purificou, incendiando, os lábios do profeta; não que o fizesse imediatamente, mas que, pela sua virtude, o fez por meio de um anjo inferior. Assim como se diz que o Papa absolve alguém, mesmo que dê a absolvição por ofício de outrem.
Resposta à terceira. — As Pessoas divinas não são enviadas em ministério; mas, diz-se que o são, equivocamente, como resulta do que se estabeleceu antes.
Resposta à quarta. — Há muitos graus nos ministérios divinos. Donde, nada impede que mesmo anjos desiguais sejam enviados imediatamente para esses ministérios; de modo porém que os superiores sejam enviados para os ministérios mais altos, e os inferiores, para os inferiores.
(Hebr., cap. I, lect. VI).
O primeiro discute-se assim. — Parece que os anjos não são enviados para ministério.
1. — Pois, qualquer missão é para algum determinado lugar. Ora, os atos intelectuais não determinam lugar, porque o intelecto abstrai deste e do tempo. E como os atos angélicos são intelectuais, resulta que os anjos não são enviados, para realizar os seus atos.
2. Demais. — O céu empírico é lugar pertencente à dignidade dos anjos. Se pois, eles nos são mandados, em ministério, resulta que algo lhes perece da dignidade, o que é inadmissível.
3. Demais. — As ocupações exteriores impedem a contemplação da sabedoria e por isso diz a Escritura: O que menos se distrai com outra qualquer ocupação alcançará a sabedoria. Se pois os anjos são enviados para ministérios exteriores, resulta que se desviam da contemplação. Ora, toda a felicidade deles consiste na contemplação de Deus. Se portanto, fossem enviados, diminuir-se-lhes-ia a beatitude, o que é inadmissível.
4. Demais. — É próprio do inferior ministrar, dizendo por isso Escritura: Qual é maior, o que está sentado à mesa, ou o que serve? Não é maior o que está sentado à mesa? Ora, os anjos são superiores a nós, na ordem da natureza. Logo, não são enviados para o nosso ministério.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Eis que eu enviarei o meu anjo, que vá adiante de ti.
Solução. — Do sobredito pode ser manifesto, que certos anjos são enviados por Deus para ministério. Pois, como já se estabeleceu, quando se tratou da missão das Pessoas divinas, diz-se que é enviado aquele que de algum modo, procede de alguém, de maneira que comece a estar onde antes não estava, ou, onde antes já estava, mas de outro modo. Assim, diz-se que o Filho é enviado, bem como o Espírito Santo, por ser procedente, originariamente, do Padre; de maneira que começa a ser, de novo, i. é, pela graça ou pela natureza assumida, onde já antes estava, pela presença da Deidade. Pois, é próprio de Deus estar em toda parte; sendo agente universal, a sua virtude atinge todos os entes, estando por isso em todas as cousas, como antes já se disse. Ao passo que a virtude do anjo, agente particular, não atinge todo o universo, mas, atingindo um ponto, não atinge outro, e assim, estando num lugar, está em outro. Ora, é manifesto, pelo que já se disse, que a criatura corpórea é administrada pelos anjos. Por onde, quando alguma cousa se deve fazer por algum dos anjos, em relação a alguma criatura corpórea, nessa ocasião é que o anjo aplica a esse corpo a sua virtude e, então nele começa a estar. Mas como tudo isso procede de ordem divina, resulta, conforme o que foi dito, que o anjo é enviado por Deus. A ação porém que o anjo enviado por Deus, exerce, procede de Deus, como do primeiro princípio, por cuja vontade e autoridade os anjos operam, reduz-se a Deus, como ao último fim. E essa é a razão de ser do ministro, que é um como instrumento inteligente; ora, o instrumento é movido por outro e a sua ação se ordena para outro. Por onde, as ações dos anjos chamam-se ministérios, e por isso se diz que eles são enviados em ministério.
Donde a resposta à primeira objeção. — De dois modos se diz que uma operação é intelectual. De um modo, consistindo como que no próprio intelecto, p. ex., a contemplação; e, tal operação não tem determinado lugar; antes, segundo Agostinho, também nós, enquanto temos pela mente, algo de externo, não estamos neste mundo. De outro modo, diz-se que uma ação é intelectual, quando regulada e ordenada por algum intelecto. E assim, é manifesto, que as operações intelectuais às vezes, tem lugares determinados.
Resposta à segunda. — O céu empíreo pertence à dignidade do anjo, por certa congruência; pois, é congruente que o corpo supremo seja atribuído à natureza, que está acima de todos os corpos. Mas nem por isso o anjo recebe qualquer dignidade, do céu empíreo. Por onde, quando neste não está atualmente, nada se subtrai à dignidade angélica; assim como nada perde o rei, quando não está atualmente sentado no sólio real, que lhe é congruente à dignidade.
Resposta à terceira. — Em nós a ocupação exterior impede a pureza da contemplação, porque nos aplicamos à ação pelas virtudes sensitivas, cujos atos, quando praticados, retardam a atividade da virtude intelectiva. Mas a atividade exterior do anjo, regulada só pela operação intelectual, de nenhum modo lhe impede a contemplação; pois, a atividade que é regra e razão de outra não impede a esta última, mas a coadjuva. E por isso Gregório diz, que os anjos não se exteriorizam de modo a serem privados das alegrias da contemplação interna.
Resposta à quarta. — Os anjos, nas suas ações externas, servem principalmente a Deus e, secundariamente a nós. Não porque nós lhe sejamos superiores, absolutamente falando, mas porque qualquer homem ou anjo é superior a toda criatura, quando, aderindo a Deus, torna-se, com Deus, um só espírito. Donde o dizer a Escritura: Tendo cada um aos outros por superiores.