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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Artigo 2 - Se a prudência só pertence à razão prática, ou se também à especulativa.

O segundo discute-se assim. – Parece que a prudência não pertence só à razão prática, mas também, à especulativa.

1 – Pois, diz a Escritura: A sabedoria é para o homem prudente. Ora, a sabedoria consiste mais principalmente na contemplação. Logo, também a prudência.

2. Demais. – Ambrósio diz: A prudência versa sobre a investigação da verdade, e infunde o desejo de uma ciência mais plena. Ora, isto é próprio da razão especulativa. Logo, a prudência também existe na razão especulativa.

3. Demais. – O Filósofo localiza na mesma parte da alma a arte e a prudência da, a arte não somente é prática, mas também especulativa, como o demonstram as artes liberais. Logo, também a prudência só é própria à razão prática.

Mas, em contrário, o Filósofo diz que a prudência é a razão reta aplicada ao que nós devemos fazer. Ora, isto só pertence à razão prática. Logo, a prudência só é própria á razão prática.

SOLUÇÃO. – Como diz o Filósofo, é próprio do prudente poder ser bem aconselhado, Ora, o conselho diz respeito ao que devemos fazer, em ordem a algum fim. Mas, a razão que se ocupa com o que devemos fazer em vista de algum fim é a razão prática. Por onde, é manifesto que a prudência não pertence senão à razão prática.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como já dissemos, a sabedoria considera a causa absolutamente altíssima. Por onde, considerar a causa altíssima, em qualquer gênero, é próprio da sabedoria, nesse gênero. Ora, no gênero dos atos humanos, a causa altíssima é o fim comum a toda a vida humana. E este é o fim que visa a prudência. Pois, diz o Filósofo, assim como aquele que raciocina bem relativamente a um fim particular, por exemplo, a vitória, chama-se prudente, não absolutamente, mas nesse gênero, isto é, no da arte bélica; assim, quem raciocina certo relativamente ao bem viver, chama-se prudente, em absoluto. Por onde é manifesto, que a prudência é a sabedoria concernente às coisas humanas. Não porém, a sabedoria, absolutamente falando; porque não versa sobre a causa altíssima absoluta, pois diz respeito ao bem humano; ora, o homem não é o melhor dos seres existentes. Por isso, a Escritura diz, sinaladamente, que a prudência é a sabedoria para o homem; não porém a sabedoria, em sentido absoluto.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Ambrósio e também Túlio tomam a palavra prudência em sentido mais largo, para significar qualquer conhecimento humano, tanto especulativo como prático. - Embora se possa dizer que o ato mesmo da razão especulativa, enquanto voluntário, depende da eleição e do conselho, quanto ao seu exercício; e por conseguinte depende, da ordenação da prudência. Mas quanto à sua espécie, relativamente ao objeto que é a verdade necessária, não depende do conselho nem da prudência.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Toda aplicação da razão reta a algo de factível pertence à arte. Mas, à prudência não pertence senão a aplicação da razão reta às coisas reguladas pelo conselho, e que não oferecem meios determinados para chegar a um fim, como diz Aristóteles. Ora, a razão especulativa produz certas operações, a saber, silogismos, proposições e outras semelhantes, nas quais procede por certos meios fixos e determinados. Por onde, essas operações podem incluir essencialmente a arte, mas não a prudência; e por isso há uma arte especulativa, não porém uma prudência especulativa.

Artigo 1 - Se a prudência reside na potência cognoscitiva ou na apetitiva.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a prudência não reside na potência cognoscitiva, mas na apetitiva.

1. – Pois, diz Agostinho. A prudência é um amor, que sagazmente, seleciona o que nos ajuda, do que nos prejudica. Ora, o amor não tem a sua sede na potência cognoscitiva, mas na apetitiva. Logo, a prudência reside na potência apetitiva.

2. Demais. – Como resulta da definição anterior, à prudência pertence escolher sagazmente. Ora, a escolha é um ato da virtude apetitiva, como se estabeleceu Logo, a prudência não tem sua sede na potência cognoscitiva, mas na apetitiva.

3. Demais. – O Filósofo diz, quem peca voluntariamente, no domínio da arte, é melhor que quem o faz involuntariamente; mas em relação à prudência ou às outras virtudes, é o contrário. Ora, as virtudes morais de que aqui se trata, residem na parte apetitiva, ao passo que a arte tem sua sede na razão. Logo, a prudência reside antes na parte apetitiva, que na razão.

Mas, em contrário, Agostinho: A prudência é o conhecimento das coisas que devemos buscar e evitar.

SOLUÇÃO. – Como diz Isidoro, ser prudente significa, por assim dizer, ver ao longe; pois o prudente é perspicaz e prevê os acontecimentos incertos. Ora, a visão não pertence à potência apetitiva, mas à cognoscitiva. Por onde é manifesto, que a prudência diretamente pertence à potência cognoscitiva. Não à sensitiva; pois por esta conhecemos só o que se realiza no presente e é objeto dos sentidos. Ora, conhecer o futuro pelo presente ou pelo passado - o que pertence à prudência ­ propriamente compete à razão; pois, isso se dá por uma certa comparação. Donde se conclui que a prudência tem propriamente sua sede na razão.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Como se disse antes, a vontade move todas as potências para os seus atos. Ora, o primeiro ato da virtude apetitiva é o amor, como dissemos. Por isso chama-se amor à prudência, não essencialmente, mas enquanto move ao ato dela. De aí o acrescentar Agostinho, em seguida, que a prudência é o amor, enquanto discerne com acerto que nos ajuda a tender para Deus, daquilo que nô-lo pode impedir. E diz-se que o amor discerne, por mover a razão ao discernimento.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O prudente considera as coisas afastadas enquanto próprias a ajudar ou impedir o que deve fazer o presente. Por onde é claro que o objeto considerado pela prudência se ordena, como meio, para um fim. Ora, os meios são: o conselho na razão, e a eleição, no apetite. E desses dois meios, o conselho pertence mais propriamente à prudência; por isso diz o Filósofo, que o prudente é de bom conselho. Mas, pressupondo a eleição o conselho - pois ela é o apetite do que foi de ante-mão aconselhado, como diz Aristóteles - podemos também atribuí-la à prudência, consequentemente, isto é, enquanto dirige a eleição, pelo conselho.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O mérito da prudência não consiste só em considerar; mas em aplicar-se à ação, que é o fim da razão prática. Por onde, qualquer falha que haja relativamente a ele, tal será soberanamente contrária à prudência; pois, como o fim é, em cada ordem de coisas, o que há de mais importante, assim é péssima a falha relativamente ao fim. Por isso, no mesmo lugar, o Filósofo acrescenta, que a prudência não é acompanhada só da razão, como a arte; pois, importa, como dissemos, na aplicação à obra, o que se dá pela vontade.

Artigo 2 - Se a estultícia é pecado.

O segundo discute-se assim. – Parece que a estultícia não é pecado.

1. – Pois, nenhum pecado nasce em nós da natureza. Ora, certos são naturalmente estultos. Logo, a estultícia não é pecado.

2. Demais. – Todo pecado é voluntário, como diz Agostinho. Ora, à estultícia não é voluntária. Logo, não é pecado.

3. Demais. – Todo pecado se opõe a algum preceito divino. Ora, à estultícia nenhum preceito divino se opõe. Logo, a estultícia não é pecado.

Mas, em contrário, a Escritura: a prosperidade dos insensatos os virá a perder. Ora, ninguém se perde senão por causa do pecado.

SOLUÇÃO. – A estultícia, como dissemos, implica uma certa estupidez do sentido ao julgar e sobretudo no concernente à causa altíssima, que é o fim último e o sumo bem. Ora, em tal matéria, o homem pode sofrer dessa estupidez no julgar, de dois modos. - De um modo, por indisposição natural, como se dá com os loucos. E tal estultícia não é pecado. - De outro, por mergulhar o homem os sentidos nas coisas terrenas, o que o torna de senso incapaz de perceber as coisas divinas, conforme aquilo do Apóstolo. O homem animal não percebe aquelas coisas, que são do Espírito de Deus; assim como quem tem o gosto depravado pelos maus humores, não sente o que é doce. E tal estultícia é pecado.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora ninguém queira a estultícia, há quem queira, contudo, coisas que a produzem; isto é, afastar o sentido dos bens espirituais e afogá-lo nos terrenos. E o mesmo também se dá com outros pecados. Assim, o luxurioso quer o prazer, sem o qual não há pecado, embora não queira, absolutamente falando, o pecado, pois quer gozar aquele sem cometer este.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A estultícia se opõe aos preceitos que regulam a contemplação da verdade, os quais já examinamos, quando tratamos da ciência e do intelecto.

Artigo 3 - Se a estultícia é filha da luxúria.

O terceiro discute-se assim. – Parece que a estultícia não é filha da luxúria.

1. – Pois, Gregório enumera as filhas da luxúria, entre as quais não coloca, contudo, a estultícia. Logo, a estultícia não procede da luxúria.

2. Demais. – O Apóstolo diz: A sabedoria deste mundo é uma estultícia diante de Deus. Ora, como diz Gregório, a sabedoria do mundo consiste em ocultar as intenções por meio da astúcia; o que é próprio da duplicidade. Logo, a estultícia é, antes, filha da duplicidade que da luxúria.

3. Demais. – Devido principalmente à ira, alguns caem no furor e na insânia. Furor e insânia pertencem à estultícia. Logo, esta provém mais da ira que da luxúria.

Mas, em contrário, a Escritura. Segue-a logo, a saber, uma meretriz, ignorando o néscio que é arrastado para uma prisão,

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, a estultícia, quando é pecado, nasce do embotamento do senso espiritual, que o torna inapto para julgar das coisas espirituais. Ora, o sentido do homem chafurda-se nas coisas terrenas, sobretudo pela luxúria, que versa sobre os mais intensos prazeres, que absorvem soberanamente a alma. Por onde, a estultícia, que é pecado, nasce principalmente da luxúria.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A estultícia leva o homem a aborrecer Deus e os seus dons. Por isso, Gregório enumera duas, dentre as filhas da luxúria, que pertencem à estultícia: o ódio de Deus e o desespero de alcançar a vida futura, como que dividindo a estultícia em duas partes.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As palavras citadas do Apóstolo não se devem entender causal, mas essencialmente; isto é, porque a sabedoria mesma do mundo é uma loucura perante Deus. Por onde, não é forçoso seja tudo o pertencente à sabedoria do mundo causa dessa estultícia.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A ira, como dissemos pela sua máxima acuidade, altera soberanamente a natureza do corpo. Por onde, causa, por excelência, a estultícia, nascida de alguma desordem corpórea, Ora, a estultícia, nascida de uma desordem espiritual, isto é, do afogar-se o espírito nas coisas terrenas, sobretudo provém da luxúria, como dissemos.

Artigo 2 - Se a estultícia é pecado.

O segundo discute-se assim. – Parece que a estultícia não é pecado.

1. – Pois, nenhum pecado nasce em nós da natureza. Ora, certos são naturalmente estultos. Logo, a estultícia não é pecado.

2. Demais. – Todo pecado é voluntário, como diz Agostinho.  Ora, à estultícia não é voluntária. Logo, não é pecado.

3. Demais. – Todo pecado se opõe a algum preceito divino. Ora, à estultícia nenhum preceito divino se opõe. Logo, a estultícia não é pecado.

Mas, em contrário, a Escritura: a prosperidade dos insensatos os virá a perder. Ora, ninguém se perde senão por causa do pecado.

SOLUÇÃO. – A estultícia, como dissemos, implica uma certa estupidez do sentido ao julgar e sobretudo no concernente à causa altíssima, que é o fim último e o sumo bem. Ora, em tal matéria, o homem pode sofrer dessa estupidez no julgar, de dois modos. - De um modo, por indisposição natural, como se dá com os loucos. E tal estultícia não é pecado. - De outro, por mergulhar o homem os sentidos nas coisas terrenas, o que o torna de senso incapaz de perceber as coisas divinas, conforme aquilo do Apóstolo. O homem animal não percebe aquelas coisas, que são do Espírito de Deus; assim como quem tem o gosto depravado pelos maus humores, não sente o que é doce. E tal estultícia é pecado.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora ninguém queira a estultícia, há quem queira contudo coisas que a produzem; isto é, afastar o sentido dos bens espirituais e afogá-lo nos terrenos. E o mesmo também se dá com outros pecados. Assim, o luxurioso quer o prazer, sem o qual não há pecado, embora não queira, absolutamente falando, o pecado, pois quer gozar aquele sem cometer este.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A estultícia se opõe aos preceitos que regulam a contemplação da verdade, os quais já examinamos, quando tratamos da ciência e do intelecto.

Artigo 1 - Se a estultícia se opõe à sabedoria.

O primeiro discute-se assim. Parece que a estultícia não se opõe à sabedoria.

1. Pois, a insipiência se opõe diretamente à sapiência. Ora, segundo parece, a estultícia não é o mesmo que a insipiência: pois, parece que esta, como a sapiência, só diz respeito às coisas divinas; ao passo que a estultícia é relativa tanto às coisas divinas como às humanas. Logo, a sapiência não se opõe à estultícia.

2. Demais. Um contrário não é a via para se chegar ao outro. Ora, a estultícia é a via para se chegar à sapiência; pois, diz a Escritura Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se insensato para ser sábio. Logo, à sabedoria não se opõe a estultícia.

3. Demais. – Um contrário não é causa do outro. Ora, a sabedoria é causa da estultícia; pois, diz a Escritura: Todos estes homens se tornaram néscios pela sua ciência; ora, a sabedoria é uma espécie de ciência. E a Escritura ainda diz: A tua sabedoria e a lua ciência é a que te seduziu; ora, ser seduzido é próprio da estultícia. Logo, à sabedoria não se opõe a estultícia.

4. Demais. – Isidoro diz: estulto é quem a desonra não causa dor nem se aflige com a injúria. Ora, isso pertence à sabedoria espiritual, como diz Gregório. Logo, a estultícia não se opõe à sabedoria.

Mas, em contrário, Gregório diz, que o dom da sabedoria é um dom oposto à estultícia.

SOLUÇÃO. – Parece que O nome de estultícia é derivado de estupor. Donde o dizer Isidoro: estulta é o que, por estupor, não se move. E também difere a estultícia da fatuidade, como no mesmo lugar o diz; porque a estultícia implica o embotamento do coração e a obtusidade dos sentidos; ao passo que a fatuidade importa totalmente na privação do senso espiritual. Por onde e convenientemente, a estultícia se opõe à sabedoria. Pois, como diz Isidoro no mesmo lugar, a denominação de sapiente é derivada de sabor; porque assim como o gosto tem por junção discernir o sabor dos alimentos, assim o sapiente, a de discriminar as coisas e as causas. Por onde, é claro que a estultícia se opõe, como contrária, à sabedoria; ao passo que a fatuidade se lhe opõe como pura negação. Pois, o fátuo carece do senso judicativo; o estulto tem esse senso, mas embotado; e enfim o sapiente tem-no subtil e perspicaz.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Como diz Isidoro, o insipiente é contrário ao sapiente, por não ler o sabor do discernimento e do sentido. Por isso a insipiência é o mesmo que a estultícia. Pois é considerado como estulto principalmente quem padece falta dessa sabedoria de juízo, cujo objeto é a causa a mais elevada; pois, a ninguém que lhe falte o juízo relativo ao que é de pouca importância se lhe chama estulto.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como, conforme dissemos, há uma   sabedoria má, chamada sabedoria do século, que toma como causa altíssima e fim último um bem terreno; assim também, há uma estultícia boa, oposta a essa má sabedoria, que nos faz desprezar as coisas terrenas. E dessa estultícia é que fala o Apóstolo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A sabedoria do século é a que engana, e nos torna estulto diante de Deus, como claramente o diz o Apóstolo.

RESPOSTA À QUARTA. – Não se comover com injúrias pode, às vezes, provir de que ao homem não sabem bem as coisas terrenas, mas só as celestes. Por onde, isso pertence à estultícia do mundo, mas também à sabedoria de Deus, como diz Gregório no mesmo lugar. Outras vezes, porém, procede de ser o homem absolutamente estúpido, em relação a tudo; como o demonstram os loucos, que não discernem o que é injúria. E isso pertence à estultícia absoluta.

Artigo 6 - Se a sétima bem-aventurança corresponde ao dom da sabedoria.

O sexto discute-se assim. Parece que a sétima bem-aventurança não corresponde ao dom da sabedoria.

1. Pois, a sétima bem-aventurança é: Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus. Ora, ambas essas coisas pertencem imediatamente à caridade. Assim, da paz, diz a Escritura. Gozam muita paz os que amam a lua lei. E como diz o Apóstolo, a caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado; o qual é o Espírito de adoção de filhos, segundo o qual clamamos, dizendo: Pai, Pai, conforme o mesmo Apóstolo. Logo, a sétima bem-aventurança deve ser atribuída antes à caridade que à sabedoria.

2. Demais. Uma causa se manifesta mais pelo seu efeito próximo elo que pelo remoto. Ora, parece que o efeito próximo da sabedoria é a caridade, conforme a Escritura: Pelas nações se transfunde nas almas santas, forma os amigos de Deus e dos profetas, Ora, a paz e a adoção dos filhos parece serem efeitos remotos, por procederem da caridade, como se disse. Logo, a bem-aventurança correspondente à sabedoria devia, antes, ser determinada pelo amor da caridade do que pela paz.

3. Demais. A Escritura diz: A sabedoria que vem lá de cima, primeiramente é na verdade casta; depois, pacifica, moderada, dócil, susceptível de todo o bem, cheia de misericórdia e de bons frutos; não julga, não é dissimulada. Logo, a bem-aventurança, correspondente à sabedoria, não deve ser determinada, antes relativamente à paz, que aos outros efeitos da sabedoria celeste.

Mas, em contrário, Agostinho: A sabedoria convém aos pacíficos, que não sentem nenhum movimento de rebelião, mas nos quais tudo obedece à razão.

SOLUÇÃO. A sétima bem-aventurança corresponde perfeitamente ao dom da sabedoria, tanto quanto ao mérito como quanto ao prêmio. - Pois, ao mérito é relativo o dito – bem-aventurados os pacíficos. E pacíficos se chamam, por assim dizer, os que estabelecem a paz, tanto em si mesmos como nos outros. O que num e noutro caso se dá, reduzindo-se à ordem devida as coisas que constituem a paz. Pois, a paz é a tranquilidade da ordem, como diz Agostinho. Ora, ordenar é próprio do sábio, como está claro no Filósofo. Por onde, o atributo de ser pacífica é convenientemente predicado da sabedoria. - Por outro lado, ao prêmio se refere o dito: Serão chamados filhos de Deus. Ora, filhos de Deus se chamam os que participam da semelhança do Filho unigênito e natural, conforme aquilo do Apóstolo – os que conheceu, na sua presciência para serem conformes a imagem de seu Filho, o qual é a Sabedoria gerada. Portanto, participando do dom da sabedoria o homem alcança a filiação divina.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ É próprio da caridade ter a paz; mas, estabelecer a paz é próprio da sabedoria ordenadora. ­ Também e semelhantemente, o Espírito Santo se chama Espírito de adopção, enquanto que por ele nos é dada a semelhança do Filho natural, que é a Sabedoria gerada.

RESPOSTA À SEGUNDA. O lugar citado deve entender-se da Sabedoria incriada, que primeiramente se nos une pelo dom da caridade e, assim, nos revela os mistérios, cujo conhecimento é a sabedoria infusa. Por onde, a sabedoria infusa, que é um dom, não é causa, mas antes, efeito da caridade.

RESPOSTA À TERCEIRA. Como já dissemos à sabedoria, enquanto dom, pertence, não somente contemplar as coisas divinas, mas também regular os atos humanos. Ora, na direção deles cumpre-lhe, primeiramente, remover os males contrários à sabedoria. Por isso, se diz que o temor é o princípio da sabedoria, enquanto nos afasta do mal. E por último, e como um fim, cumpre-lhe reduzir todas as coisas à ordem devida, o que pertence essencialmente à paz. Por isso, Jacó diz convenientemente, que a sabedoria que vem lá de cima, e é um dom do Espírito Santo, primeiramente é casta, quase evitando as corrupções do pecado; depois, pacifica, que é um efeito final da sabedoria, pelo qual é considerada bem-aventurança. - Mas, todas as atribuições seguintes fazem conhecer o que conduz à paz, segundo a ordem conveniente. Assim, ao homem que, pela pudicícia, se afasta da corrupção, o primeiro dever que lhe cumpre é, na medida em que lhe for possível, conservar o modo em todas as coisas; e por isso, a sabedoria é chamada moderada. Em segundo lugar, deve o homem, nos casos em que a si mesmo não se basta, aquiescer às advertências dos outros; e por isso a sabedoria é chamada dócil. E essas duas atribuições são relativas à consecução da paz em nós mesmos. Mas ulteriormente, para que o homem seja pacífico para com os outros, requer-se, primeiramente, que não lhes contrarie aos bens; e por isso, da sabedoria se diz que é susceptível de lodo o bem. Em segundo lugar, que se compadeça pelo afeto, com os defeitos do próximo, e lhes vá em socorro efetivamente: e, por isso, se diz que a sabedoria é cheia de misericórdia e de bons frutos, Em terceiro lugar se exige, seja solícito em corrigir os pecados dos outros; e por isso se diz, que não julga, não é dissimulada ; isto é, que, a pretexto de correção não dá vasão ao ódio.

Artigo 5 - Se a sabedoria existe em todos os que tem a graça.

O quinto discute-se assim. Parece que a sabedoria não existe em todos os que têm a graça.

1.  Pois, é melhor ter, que ouvir a sabedoria. Ora, só os perfeitos podem ouvi-la, conforme a Escritura: Entre os perfeitos falamos da sabedoria. Ora, não sendo perfeitos todos os que têm a graça, resulta que muito menos têm a sabedoria todos os que têm a graça.

2. Demais. – E próprio do sapiente ordenar, como diz o Filósofo: a Escritura diz: julgando sem dissimulação. Ora, nem a todos os que têm a graça pertence julgar ou ordenar os outros; mas só aos superiores. Logo, nem todos os que têm a graça têm a sabedoria.

3. Demais. A sabedoria é um dom oposto à estultícia, como diz Gregório. Ora, muitos têm a graça e são naturalmente estultos, como o demonstram os loucos batizados ou os que, depois do batismo, caem na loucura, sem pecado. Logo, nem todos os que têm a graça têm a sabedoria.

Mas, em contrário, quem não tem pecado mortal é amado de Deus; pois tem a caridade, pela qual ama a Deus; e Deus ama aos que o amam, diz a Escritura. Ora, também ela diz: Deus a ninguém ama senão ao que habita com sabedoria. Logo, todos os que têm a graça e não estão em pecado mortal têm a sabedoria.

SOLUÇÃO. A sabedoria de que tratamos implica, como já dissemos uma certa retidão do juízo sobre as verdades divinas que devemos contemplar e consultar. Ora, quanto a esta e àquela, certos adquirem a sabedoria, em graus diversos, pela união com as divinas verdades: ­ Pois, uns, relativamente à contemplação das verdades divinas, como à ordenação das coisas humanas, conforme as regras divinas, participam do juízo reto, tanto quanto lhes é necessário à salvação. E este juízo a ninguém, falta, que esteja sem pecado mortal, em virtude da graça santificante; porque, se a natureza não falta com o necessário, muito menos a graça. Por isso, diz a Escritura: A sua unção vos ensina em todas as causas, - Outros, porém, recebem o dom da sabedoria em mais alto grau. Quanto à contemplação das coisas divinas, por conhecerem certos mistérios mais elevados e poderem manifestá-los aos outros. E também quanto à direção das coisas humanas, de acordo com as regras divinas, por poderem seguindo­as, ordenar, não só a si mesmos, mas também aos outros: E este grau de sabedoria não é comum a todos os que têm a graça santificante; mas antes, é próprio das graças gratuitas, que o Espírito Santo distribui como quer, conforme aquilo do Apóstolo. A um pelo Espírito é dada a palavra de sabedoria, etc.

 DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ No lugar citado, o Apóstolo se refere à sabedoria, enquanto se estende aos mistérios ocultos das coisas divinas, como no mesmo passo diz: Falamos da sabedoria de Deus em mistério encoberta.

RESPOSTA À SEGUNDA. Embora ordenar os outros homens e julgá-los só pertença aos superiores, contudo, ordenar os atos próprios e julgá-los pertence a cada um de nós, como está claro em Dionísio.

RESPOSTA À TERCEIRA. Os loucos batizados, bem como as crianças, têm, certo, o hábito da sabedoria, enquanto dom do Espírito Santo; mas não a têm em ato, por causa de um impedimento corpóreo, que os priva do uso da razão.

Artigo 4 - Se a sabedoria pode existir sem a graça e coexistir com pecado mortal.

O quarto discute-se assim. Parece que a sabedoria pode existir sem a graça e coexistir com o pecado mortal.

1. Pois, os santos glorificam-se sobretudo do que não se pode obter sem pecado mortal, conforme a Escritura da nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência. Ora, ninguém deve gloriar-se da sua sabedoria, segundo aquilo da Escritura: Não se glorie o sábio no seu saber. Logo, a sabedoria pode existir sem a graça e coexistir com o pecado mortal.

2. Demais. A sabedoria implica o conhecimento das verdades divinas, como se disse. Ora, certos podem, em estado de pecado mortal, ter conhecimento da verdade divina, segundo aquilo da Escritura. Retêm na injustiça a verdade de Deus. Logo, a sabedoria pode coexistir com o pecado mortal.

3. Demais. Agostinho diz falando da caridade: Nenhum é mais excelente que este dom de Deus; é o único que separa os filhos do reino eterno dos da eterna perdição. Ora, a sabedoria difere da caridade. Logo, não separa os filhos do reino dos da perdição. Portanto pode coexistir com o pecado mortal.

Mas, em contrário, a Escritura: Na alma maligna não entrará a sabedoria, nem habitará no corpo sujeito a pecados.

SOLUÇÃO. A sabedoria, como dom do Espírito Santo, produz, segundo dissemos, a retidão do juízo sobre as coisas divinas; ou sobre as outras coisas, mediante regras divinas, por uma certa conaturalidade ou união com as divinas verdades, a qual é produzida pela caridade, como se disse. Por onde, a sabedoria, de que falamos, pressupõe a caridade. Ora, a caridade não pode coexistir com o pecado mortal, como do sobredito se colhe. Donde se conclui que a sabedoria, de que tratamos, não pode coexistir com o pecado mortal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ O lugar citado deve entender-se da sabedoria relativa às coisas do mundo, ou ainda da concernente às coisas divinas, mas mediante razões humanas. Ora, de tal não se gloriam os santos, mas confessam não tê-la, conforme a Escritura: A sabedoria dos homens não está comigo. Pelo contrário, gloriam-se da sabedoria divina, segundo aquilo do Apóstolo: O qual nos tem sido jeito por Deus sabedoria.

RESPOSTA À SEGUNDA. A objeção colhe relativamente ao conhecimento das verdades divinas, que alcançamos pelo estudo e pela indagação racional, que pode coexistir com o pecado mortal; não porém a sabedoria de que tratamos.

RESPOSTA À TERCEIRA. A sabedoria, embora difira da caridade, contudo pressupõe-na; e por isso mesmo separa os filhos da perdição dos do reino.

Artigo 3 - Se a sabedoria só é prática ou especulativa.

O terceiro discute-se assim. Parece que a sabedoria não é somente prática ou especulativa.

1. Pois, o dom da sabedoria é mais excelente que a sabedoria como virtude intelectual. Ora, como virtude intelectual a sabedoria é somente especulativa. Logo, com maior razão, a sabedoria, como dom, é especulativa e não, prática.

2. Demais. O intelecto prático versa sobre os atos, que são contingentes. Ora, a sabedoria versa sobre as verdades divinas, que são eternas e necessárias. Logo, a sabedoria não pode ser prática.

3. Demais. Gregório diz, que, na contemplação buscamos o principio, que é Deus; ao passo que na ação, trabalhamos sob o pesado fardo da necessidade. Ora, à sabedoria pertence a visão das coisas divinas, a ela a que não é próprio o trabalhar sob um pesado fardo; pois, como diz a escritura, a sua conversação nada tem de desagradável, nem a sua companhia nada de fastidioso. Logo, a sabedoria é somente contemplativa e não, prática ou ativa.

Mas, em contrário, o Apóstolo. – Conduzi-vos em sabedoria com aqueles que estão fora, reunindo o tempo. Ora, isto pertence à ação. Logo, a sabedoria não é somente especulativa, mas também prática.

SOLUÇÃO. Como diz Agostinho, a parte superior da razão é atribuída à sabedoria: a inferior, porém, à ciência. Ora, a razão superior, como diz no mesmo lugar aplica-se às verdades sobrenaturais, isto é, divinas, quer para considerá­las, quer para consultá-las, Para considerá-las, enquanto contempla as verdades divinas em si mesmas; para consultá-las, enquanto julga, pelas verdades divinas, das coisas humanas, dirigindo os atos humanos por meio de regras divinas. Por onde, a sabedoria, como dom, não sô é especulativa, mas também prática.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ Quanto mais elevada é uma virtude, mais coisas abraça como diz um autor. E assim, de ser a sabedoria, como dom, mais excelente que a sabedoria, virtude intelectual, por atingir mais imediatamente a Deus, por uma certa união da alma com ele, é que ela dirige, não só na contemplação, mas também na ação.

RESPOSTA À SEGUNDA. As verdades divinas, em si mesmas, são certo, necessárias e eternas; contudo, são regras das coisas contingentes, que constituem a matéria dos atos humanos.

RESPOSTA À TERCEIRA. Antes de considerarmos uma coisa nas suas relações com outra, havemos de considerá-la em si mesma. Por onde, à sabedoria pertence primeiro, a contemplação das verdades divinas, que é a visão do princípio; e depois, dirigir os atos humanos pelas regras divinas. Nem contudo pelos dirigir a sabedoria, provém aos atos humanos o amargor ou o trabalho; mas ao contrário, o amargor, por causa da sabedoria, se transforma em doçura e o trabalho, em descanso.

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