O segundo discute-se assim. – Parece que a inveja não é pecado.
1. – Pois, diz Jerônimo Tenha companheiras com as quais aprenda, a que inveje e cujos ardores as estimulem: Ora, ninguém deve ser solicitado a pecar. Logo, a inveja não é pecado.
2. Demais. – A inveja é a tristeza causada pelos bens alheios, como diz Damasceno: Ora, esta às vezes é louvável; pois, diz a Escritura: quando os ímpios tomarem o governo, gemerá o povo.
3. Demais. – A inveja designa um certo zelo. Ora, há um zelo bom, conforme aquilo da Escritura: O zelo da tua casa me devorou. Logo, a inveja nem sempre é pecado.
4. Demais. – A pena se divide da culpa, por oposição. Ora, a inveja é uma pena, conforme diz Gregório. Quando a gangrena da inveja corrompeu o coração que dela se deixou vencer, o próprio exterior também indica quão gravemente a vesânia excita a alma. Pois, a coloração do rosto degenera em palidez, os olhos se abalem, o espírito se inflama, os membros esfriam, o delírio se apodera da imaginação e os dentes rangem. Logo, a inveja não é pecado.
Mas, em contrário, a Escritura: Não nos façamos cobiçosos da vanglória, provocando-nos uns aos outros, tendo inveja uns dos outros.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, a inveja é uma certa tristeza causada pelos bens alheios. Ora, esta tristeza pode sobrevir de quatro modos.
De um modo, quando sofremos com o bem alheio, por temermos que nos cause algum dano a nós, ou ainda a outros bens. Ora, tal tristeza não é inveja, como dissemos, e pode existir sem pecado. Por onde, diz Gregório: Costuma acontecer muitas vezes que, sem perdermos a caridade, a ruína do inimigo nos alegre, e também que, sem a culpa da inveja, a sua glória nos contriste; porque, quando ele rui, cremos que certos lerão o bem de se levantar e se se excalça, tememos não sejam muitos oprimidos injustamente.
De outro modo, podemos nos entristecer com o bem alheio, não porque outrem possua um bem, mas por estarmos nós privados dele. O que é propriamente o zelo, como diz o Filósofo E se esse zelo for concernente a bens honestos, é louvável, conforme aquilo do Apostolo: anelai aos dons espirituais. Se, porém disser respeito aos bens temporais, pode implicar ou não, o pecado.
De terceiro modo, entristecemo-nos com o bem de outrem, quando o que o obtém é indigno; e essa tristeza não pode ser produzida pelos bens honestos, ela, que nos torna justos; mas, como diz o Filósofo: é relativa às riquezas e bens semelhantes, que podem ser possuídos tanto por dignos como por indignos deles. E essa tristeza, segundo o Filósofo, se chama némese e tem por objeto os bons costumes. Mas isto ele diz, considerando os bens temporais em si mesmos, enquanto podem parecer grandes aos que não levam em conta os bens eternos. Mas, segundo a doutrina da fé, os bens temporais, que caem em partilha aos indignos, são assim dispostos pela justa ordenação de Deus, quer para a correção, quer para a danação deles. E tais bens são quase nada em comparação com os futuros, dados aos bons. Por isso, tal tristeza é proibida na Sagrada Escritura, conforme aquilo Não queiras invejar aos malignos nem invejes aos que obram iniquidades. E noutro lugar: Por pouco se não transtornaram os meus passos, porque tive zelo sobre os iníquos, vendo a paz dos pecadores.
E de quarto modo, entristecemo-nos com os bens de outrem, quando esses bens excedem aos nossos. E isto é propriamente inveja e é sempre mau, como também o reconhece o Filósofo porque nos condoemos com o que devia nos alegrar, isto é, com o bem do próximo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – No lugar citado a inveja é considerada como o zelo com que devemos nos excitar para progredir com os melhores.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe quanto à tristeza causada pelos bens alheios, conforme ao primeiro modo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A inveja difere do zelo, como se disse. Por onde, há certo zelo que pode ser bom. Mas a inveja é sempre má.
RESPOSTA À QUARTA. – Nada impede seja um pecado também pena em razão de alguma circunstância que se lhe acrescente como já dissemos quando tratamos dos pecados.