O primeiro discute-se assim. – Parece que a inveja não é tristeza.
1. – Pois, o objeto da tristeza é o mal. Ora, o objeto da inveja é o bem, conforme ao dizer de Gregório falando do invejoso: O coração que a felicidade alheia atormenta e faz consumir-se, traz em si mesmo a sua pena. Logo, a inveja não é a tristeza.
2. Demais. – A semelhança não é a causa da tristeza, mas antes, do prazer. Ora, a semelhança é causa da inveja; pois, diz o Filósofo: Certos invejarão aos que lhes são semelhantes pelo nascimento, ou pelo parentesco, ou pela estatura, ou pelo hábito ou pela reputação. Logo, a inveja não é a tristeza.
3. Demais. – A tristeza é causada por alguma privação; por isso, os que padecem grande privação são inclinados à tristeza, como já se disse quando se tratou das paixões. Ora, aqueles que faltam de pouco, que são amantes da honra e são considerados sábios, são invejosos, como se lê no Filósofo: Logo, a inveja não é tristeza.
4. Demais. – A tristeza se opõe ao prazer. Ora, os contrários não tem a mesma causa. Logo, sendo a recordação dos atos bons a causa do prazer, como se disse antes, não será a causa da tristeza. E, porém a causa da inveja; pois, como diz o Filósofo, certos invejam os que tem ou possuíram o que lhes convinha ou o que eles próprios possuíram. Logo, a inveja não é a tristeza.
Mas, em contrário, Damasceno considera a inveja uma espécie de tristeza, e diz que a inveja é a tristeza causada pelos bens alheios.
SOLUÇÃO. – O objeto ela tristeza é o mal próprio. Ora, pode suceder que o bem alheio seja considerado como nosso mal próprio. E então pode haver tristeza causada pelo bem alheio. O que de dois modos pode dar-se. - De um modo, quando nos entristecemos com o bem de outrem, por nos constituir este perigo iminente de algum mal; por exemplo, quando nos entristecemos com a exaltação de um inimigo, por temermos que nos venha a fazer mal. E tal tristeza não é inveja, mas antes, efeito do temor, como diz o Filósofo: De outro modo, consideramos o bem de outrem como nosso mal próprio, quando vem diminuir a nossa glória ou a nossa excelência. E deste modo a inveja se entristece com o bem alheio. Por isso os homens invejam principalmente os bens que trazem a glória, por causa dos quais gostam de ser honrados e tidos em boa reputação, como diz o Filósofo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nada impede que o bem de um seja considerado mal para outro. E sendo assim, pode haver uma tristeza por causa do bem, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Visando à inveja a glória de outrem, enquanto diminui a que desejamos, resulta que só temos inveja daqueles, cuja glória queremos igualar ou sobrepujar. Ora, isto não se dá em relação aos que distam muito de nós. Pois, ninguém, a não ser um insensato, pretende igualar ou sobrepujar, em glória, os que lhe são muito maiores; por exemplo, um plebeu, a um rei, ou ainda, um rei, a um plebeu, ao qual muito excede. Por onde, não invejamos aos que dista muito de nós, pelo lugar, pelo tempo ou pelo estado; mas aos que nos são chegados, e aos quais pretendemos igualar ou sobrepujar. Pois, a nossa tristeza é causada por nos excederem eles em glória e ir isso contra a nossa utilidade. E quanto à semelhança ela causa prazer, enquanto concorda com a nossa vontade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Ninguém se esforça por conseguir aquilo que de todo lhe falta. Por isso não invejamos a quem nisso nos excede. Mas quando nos falta pouco, parece-nos podermos alcançá-lo, e então a isso nos esforçamos. Por onde, quando fica frustado o nosso esforço pelo excesso da glória de outrem, nós nos entristecemos. Donde vem que os amantes das honras são mais invejosos. E semelhantemente, os pusilânimes são invejosos, por tudo reputarem grande, e quando alguém alcança qualquer bem, consideram-se sobrepujados grandemente. Por isso, diz a Escritura: A inveja mata o pequeno. E Gregório diz: não podemos invejar senão aos que consideramos melhores que nós em alguma coisa.
RESPOSTA À QUARTA. – A lembrança dos bens passados, enquanto foram possuídos, causa prazer; mas causam tristeza, por terem sido perdidos; e causam inveja quando os vemos possuídos por outrem, pois isto sobretudo parece, privar-nos da nossa glória. Por isso, diz o Filósofo: Os velhos invejam os mais moços; e os que dispenderam muito para conseguir alguma coisa invejam os que a conseguiram com pouco esforço; pois, sofrem com a perda dos seus bens e por ver que outros os possuem.