Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute-se assim. – Parece que a sabedoria não tem o intelecto como sujeito.
1. – Pois, diz Agostinho, que a sabedoria é a caridade de Deus. Ora, o sujeito da caridade é a vontade não o intelecto, como antes se estabelece Logo, a sabedoria não tem o intelecto como sujeito.
2. Demais. – A Escritura diz: A sabedoria, que faz o homem inteligente, é segundo o nome que tem. Ora, sabedoria ou sapiência significa como que sápida ciência, pois parece pertencer ao afeto, ao qual é próprio experimentar os prazeres ou as doçuras espirituais. Logo, a sabedoria não está no intelecto, mas antes no afeto.
3. Demais. – A potência intelectiva é suficientemente aperfeiçoada pelo dom do intelecto. Ora, o que pode ser feito por uma causa é superfluamente atribuído a mais de uma. Logo, não está no intelecto.
Mas, em contrário, diz Gregório, que a sabedoria é contrária à estultice. Ora, a estultice está no intelecto. Logo, também a sabedoria.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, a sabedoria implica uma certa retidão do juízo fundado nas razões divinas. Ora, de dois modos pode o juízo ter a sua retidão: por causa do uso perfeito da razão, ou por uma certa conaturalidade com aquilo que deve julgar. Assim, no atinente à castidade, o que aprende a ciência moral julga retamente pela indagação racional; mas quem tem o hábito da castidade julga retamente de tal objeto por uma certa conaturalidade com ele. Por onde, julgar retamente das coisas divinas, pela indagação racional, é próprio da sabedoria, que é uma virtude intelectual; mas julgá-las retamente por uma certa conaturalidade com elas, é próprio da sabedoria enquanto dom do Espírito Santo. Assim, diz Dionísio que Hieroteu é perfeito, relativamente às coisas divinas, não só aprendendo-as, mas também recebendo-as passivamente. Ora, esse receber passivamente ou essa conaturalidade com as coisas divinas, dá-se pela caridade, que nos une a Deus, conforme aquilo da Escritura: O que está unido a Deus é um mesmo espírito com ele. Assim, pois, a sabedoria, como dom, tem, por certo, a sua causa na vontade, a saber, a caridade; mas a sua essência está no intelecto, cujo ato é julgar retamente, como dissemos antes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Agostinho se refere à sabedoria relativamente à sua causa. Donde também deriva o nome de sapiência, enquanto implica um certo sabor.
DONDE SE DEDUZ CLARA A RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO – dado que a interpretação supra do lugar de S. Agostinho, seja exata. O que não se dá, porque essa interpretação só convém ao nome de sapiência na língua latina; não lhe convém em grego, nem talvez nas outras línguas. Por onde, o nome de sapiência, no lugar citado, parece antes ser tomado pela sua fama, que a faz recomendada de todos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O intelecto tem dois atos: perceber e julgar. Ao primeiro dos quais se ordena o dom do intelecto. E ao segundo, quanto às razões divinas, o dom da sabedoria; e quanto às razões humanas, o dom da ciência.
O primeiro discute-se assim. – Parece que a sabedoria não deve ser enumerada entre os dons do Espírito Santo.
1. – Pois, os dons são mais perfeitos que as virtudes, como se disse antes. Ora, a virtude só tem por objeto o bem; donde o dizer Agostinho que ninguém usa mal da virtude. Logo, com maioria de razão, os dons do Espírito Santo só têm por objeto o bem. Ora a sabedoria; pode também ter o mal como objeto, conforme a Escritura: Há uma sabedoria terrena, animal, diabólica. Logo, a sabedoria não deve ser enumerada entre os dons do Espírito Santo.
2. Demais. – Como diz Agostinho, a sabedoria é o conhecimento das causas divinas. Ora, o conhecimento das coisas divinas, que o homem pode ter pelas suas faculdades naturais, é próprio da sabedoria, que é uma virtude intelectual; ao passo que o conhecimento sobrenatural das coisas divinas pertence à fé, que é uma virtude teologal, como do sobredito resulta. Logo, a sabedoria deve ser considerada, antes virtude, que dom.
3. Demais. – A Escritura diz: Eis aqui o temor do Senhor; ele é a mama sabedoria e apartar-se do mal é a inteligência; ou, segundo a letra dos Setenta, de que usa Agostinho: Eis aqui a piedade, ela mesma é a sabedoria. Ora, tanto o temor como a piedade são considerados dons do Espírito Santo. Logo, a sabedoria não deve ser enumerada entre os dons do Espírito Santo, como dom distinto dos outros.
Mas, em contrário, a Escritura. Descansará sobre ele o Espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de entendimento.
SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, é próprio da sabedoria considerar a causa altíssima pela qual julgamos certissimamente das outras e pela qual devemos ordenar todas as coisas. Ora, a causa altíssima pode ser considerada à dupla luz - absolutamente ou em relação a um determinado gênero. Por onde, quem conhece a causa altíssima, num determinado gênero e, por ela, pode julgar e ordenar tudo o mais a esse gênero pertencente, é considerado sapiente, nesse gênero, por exemplo, na medicina ou na arquitetura, conforme o Apóstolo. Como um sábio arquiteto coloquei o fundamento. Aquele, porém, que conhece a causa absolutamente altíssima, que é Deus, é chamado sábio absolutamente, enquanto pelas leis divinas pode julgar e ordenar todas as coisas. O mesmo juízo o homem obtém pelo Espírito Santo, conforme aquilo da Escritura. O espiritual julga de todas as coisas, porque, como no mesmo lugar se diz, Espírito tudo penetra, ainda o que há de mais oculto na profundidade de Deus. Por onde, é manifesto que a sabedoria é um dom do Espírito Santo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O bem tem dupla acepção. Numa, significa o verdadeiramente bom e absolutamente perfeito. Noutra, chamamos bem, por uma certa semelhança, ao que é perfeito na malícia; assim, dizemos bom ladrão ou perfeito ladrão, como está claro no Filósofo. Ora, das coisas verdadeiramente boas descobrimos uma causa altíssima, que é o sumo bem e o fim último, conhecendo a qual o homem é considerado verdadeiramente sábio. Pois assim também, na ordem do mal, chegamos a um termo a que tudo o mais se refere, como ao último fim, conhecendo o qual, o homem é considerado sábio no malfazer, conforme aquilo da Escritura. Sábios são para fazer o mal; mas não souberam fazer o bem. Ora, quem se afasta do fim devido, necessariamente há de propor-se algum fim indevido, porque, todo agente age em virtude de um fim. Por onde, a sabedoria que se propuser um fim consistente nos bens terrenos externos, será chamada sabedoria terrena; se nos bens do corpo, sabedoria animal; se enfim, nalguma excelência, sabedoria diabólica por causa da imitação da sabedoria do diabo, da qual diz a Escritura. Ele é o rei de todos os filhos da soberba.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A sabedoria, considerada como dom do Espírito Santo, difere da considerada virtude intelectual adquirida. Pois esta é adquirida pelo esforço humano; aquela desce do alto, como diz a Escritura: Semelhantemente, também difere da fé. Pois, a fé assente na verdade divina em si mesma; ao passo que o juízo concorde com a verdade divina pertence ao dom da sabedoria. Por onde, o dom da sabedoria pressupõe a fé, porque cada qual julga bem aquilo que conhece, diz Aristóteles.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como a piedade, que pertence ao culto de Deus, manifesta a fé, enquanto que, pelo culto de Deus, protestamos a nossa fé; assim também, a piedade manifesta a sabedoria. E por isso se diz que a piedade é a sabedoria. Pela mesma razão o temor. Pois pelo temer e adorar a Deus mostra o homem que julga retamente das coisas divinas.
O primeiro discute-se assim. – Parece que a sabedoria não deve ser enumerada entre os dons do Espírito Santo.
1. – Pois, os dons são mais perfeitos que as virtudes, como se disse antes. Ora, a virtude só tem por objeto o bem; donde o dizer Agostinho que ninguém usa mal da virtude. Logo, com maioria de razão, os dons do Espírito Santo só têm por objeto o bem. Ora a sabedoria; pode também ter o mal como objeto, conforme a Escritura: Há uma sabedoria terrena, animal, diabólica. Logo, a sabedoria não deve ser enumerada entre os dons do Espírito Santo.
2. Demais. – Como diz Agostinho, a sabedoria é o conhecimento das causas divinas. Ora, o conhecimento das coisas divinas, que o homem pode ter pelas suas faculdades naturais, é próprio da sabedoria, que é uma virtude intelectual; ao passo que o conhecimento sobrenatural das coisas divinas pertence à fé, que é uma virtude teologal, como do sobredito resulta. Logo, a sabedoria deve ser considerada, antes virtude, que dom.
3. Demais. – A Escritura diz: Eis aqui o temor do Senhor; ele é a mama sabedoria e apartar-se do mal é a inteligência; ou, segundo a letra dos Setenta, de que usa Agostinho: Eis aqui a piedade, ela mesma é a sabedoria. Ora, tanto o temor como a piedade são considerados dons do Espírito Santo. Logo, a sabedoria não deve ser enumerada entre os dons do Espírito Santo, como dom distinto dos outros.
Mas, em contrário, a Escritura. Descansará sobre ele o Espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de entendimento.
SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, é próprio da sabedoria considerar a causa altíssima pela qual julgamos certissimamente das outras e pela qual devemos ordenar todas as coisas. Ora, a causa altíssima pode ser considerada à dupla luz - absolutamente ou em relação a um determinado gênero. Por onde, quem conhece a causa altíssima, num determinado gênero e, por ela, pode julgar e ordenar tudo o mais a esse gênero pertencente, é considerado sapiente, nesse gênero, por exemplo, na medicina ou na arquitetura, conforme o Apóstolo. Como um sábio arquiteto coloquei o fundamento. Aquele, porém, que conhece a causa absolutamente altíssima, que é Deus, é chamado sábio absolutamente, enquanto pelas leis divinas pode julgar e ordenar todas as coisas. O mesmo juízo o homem obtém pelo Espírito Santo, conforme aquilo da Escritura. O espiritual julga de todas as coisas, porque, como no mesmo lugar se diz, Espírito tudo penetra, ainda o que há de mais oculto na profundidade de Deus. Por onde, é manifesto que a sabedoria é um dom do Espírito Santo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O bem tem dupla acepção. Numa, significa o verdadeiramente bom e absolutamente perfeito. Noutra, chamamos bem, por uma certa semelhança, ao que é perfeito na malícia; assim, dizemos bom ladrão ou perfeito ladrão, como está claro no Filósofo. Ora, das coisas verdadeiramente boas descobrimos uma causa altíssima, que é o sumo bem e o fim último, conhecendo a qual o homem é considerado verdadeiramente sábio. Pois assim também, na ordem do mal, chegamos a um termo a que tudo o mais se refere, como ao último fim, conhecendo o qual, o homem é considerado sábio no malfazer, conforme aquilo da Escritura. Sábios são para fazer o mal; mas não souberam fazer o bem. Ora, quem se afasta do fim devido, necessariamente há de propor-se algum fim indevido, porque, todo agente age em virtude de um fim. Por onde, a sabedoria que se propuser um fim consistente nos bens terrenos externos, será chamada sabedoria terrena; se nos bens do corpo, sabedoria animal; se enfim, nalguma excelência, sabedoria diabólica por causa da imitação da sabedoria do diabo, da qual diz a Escritura. Ele é o rei de todos os filhos da soberba.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A sabedoria, considerada como dom do Espírito Santo, difere da considerada virtude intelectual adquirida. Pois esta é adquirida pelo esforço humano; aquela desce do alto, como diz a Escritura: Semelhantemente, também difere da fé. Pois, a fé assente na verdade divina em si mesma; ao passo que o juízo concorde com a verdade divina pertence ao dom da sabedoria. Por onde, o dom da sabedoria pressupõe a fé, porque cada qual julga bem aquilo que conhece, diz Aristóteles.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como a piedade, que pertence ao culto de Deus, manifesta a fé, enquanto que, pelo culto de Deus, protestamos a nossa fé; assim também, a piedade manifesta a sabedoria. E por isso se diz que a piedade é a sabedoria. Pela mesma razão o temor. Pois pelo temer e adorar a Deus mostra o homem que julga retamente das coisas divinas.
O oitavo discute-se assim. – Parece que a ordem da caridade não é objeto de preceito.
1. – Pois, todo aquele que transgride um preceito pratica uma injustiça. Ora, quem ama a outrem quanto deve, e mais ama a um terceiro, a ninguém faz injustiça. Logo, não transgride o preceito e, portanto, a ordem da caridade não constitui objeto de preceito.
2. Demais. – O que constitui objeto de preceito para nós, a Escritura nô-lo ensina suficientemente Ora, a Escritura em lugar nenhum nos ensina a ordem da caridade supra-referida. Logo, não constitui objeto de preceito.
3. Demais. – A ordem implica uma certa distinção. Ora, sem nenhuma distinção é preceituado o amor do próximo, quando se diz Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Logo, a ordem da caridade não constitui objeto de preceito.
Mas, em contrário. – O que Deus obra em nós pela graça, ele nos ensina pelos preceitos da lei, conforme aquilo da Escritura. Imprimirei a minha lei nas suas entranhas, Ora, Deus causa em nós a ordem da caridade, segundo a Escritura: ordenou em mim a caridade. Logo, a ordem da caridade constitui objeto de preceito.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o modo pertinente à natureza do ato virtuoso constitui objeto do preceito, que regula o ato da virtude. Ora, a ordem da caridade pertence à natureza mesma da virtude, pois, é estabelecida sobre a proporção entre o amor e o objeto amado, segundo do sobredito resulta. Por onde, é manifesto que a ordem da caridade deve constituir objeto de preceito.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O homem mais satisfaz Aquele a quem mais ama. E assim, quem amasse menos aquele a quem devesse amar mais, quereria satisfazer mais aquele a quem menos devia fazê-la. E então seria feita injustiça aquele a quem mais devia amar.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A Sagrada Escritura enumera os quatro objetos a serem amados com caridade. Assim, quando manda amarmos a Deus de todo o coração, dá a entender que devemos amá-la acima de tudo. Quando manda amarmos ao próximo como a nós mesmos, antepõe o amor de nós mesmos ao do próximo. Semelhantemente, quando nos diz que devemos dar a nossa vida pelos nossos irmãos, isto é, a vida corpórea, dá a entender que devemos amar mais ao próximo que ao nosso próprio corpo. Do mesmo modo quando manda, façamos bem principalmente aos domésticos da fé, e censura quem não tem cuidado dos seus e principalmente dos da sua casa, dá a entender que dentre os próximos, devemos amar mais os melhores e os mais chegados.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A expressão: Amarás ao teu próximo - dá consequentemente a entender que os que nos são mais chegados devem ser mais amados.
O sétimo discute-se assim. – Parece que foi inconvenientemente dado o preceito do amor ao próximo.
1. – Pois, o amor de caridade estende-se a todos os homens, mesmo aos inimigos, como se vê no Evangelho. Ora, a denominação de próximo implica uma certa, proximidade que parece não convir a todos os homens. Logo, parece que esse preceito foi dado inconvenientemente.
2. Demais. – Segundo o Filósofo, amizade que temos por outrem vem da que temos por nós mesmos; donde, a amizade por nós mesmos é o princípio da amizade pelo próximo. Ora, o princípio é anterior ao que dele deriva. Logo, o homem não deve amar ao próximo como a si mesmo.
3. Demais. – O homem ama-se a si mesmo naturalmente não porém ao próximo. Logo, é inconvenientemente mandado amar ao próximo como a si mesmo.
Mas, em contrário, o Evangelho: O segundo preceito é semelhante a este: Amarás a teu próximo como a ti mesmo.
SOLUÇÃO. – O preceito em questão foi dado convenientemente, pois, compreende a razão de amar e o modo do amor. A razão de amar está compreendida na demoninação de próximo. Pois devemos amar aos outros com caridade, porque são nossos próximos, tanto por serem naturalmente a imagem de Deus, como por serem capazes da glória. Nem importa se se fala de próximo ou de irmão, como o faz o Evangelho, ou de amigo, como está no Antigo Testamento, porque todas essas expressões designam a mesma afinidade. Por outro lado, o modo do amor está compreendido na expressão - como a ti mesmo. O que não se deve entender como significando que devemos amar ao próximo com um amor igual, mas semelhante, ao com que nós amamos a nós mesmos. E isto, sob uma tríplice relação. - Primeiro, relativamente ao fim, isto é, devemos amar ao próximo por amor de Deus, assim como por amor de Deus devemos nos amar a nós mesmos; para que seja assim, santo o amor do próximo. - Segundo, relativamente à regra do amor, isto é, que não condescendamos com o próximo em nada de mau, mas, só no bem, assim como devemos satisfazer a nossa vontade só para as coisas boas; para que, assim, seja o amor do próximo justo. - Terceiro, relativamente à razão do amor, isto é, não devemos amar ao próximo por qualquer utilidade ou deleitação nossa, mas, pela razão de lhe querermos bem, assim como o queremos para nós mesmos; para que, assim o amor do próximo seja verdadeiro. Pois, quando amamos ao próximo por utilidade ou deleitação nossa, amamos verdadeiramente, não a ele, mas a nós mesmos.
Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.
O sexto discute-se assim. – Parece que o preceito do amor de Deus pode ser observado nesta vida.
1. – Pois, segundo Jerônimo, é maldito quem diz que Deus mandou algo de impossível. Ora, Deus deu o referido preceito, como se vê na Escritura: Logo, tal preceito pode ser cumprido nesta vida.
2. Demais. – Quem não cumpre um preceito peca mortalmente, pois, segundo Ambrósio, o pecado não é mais do que a transgressão da lei divina e uma desobediência aos mandamentos do céu. Se portanto este preceito não pode ser cumprido nesta vida, segue-se que ninguém pode haver, nesta, sem pecado mortal. O que encontra as palavras do Apóstolo: Ele vós confirmará até ao fim, sem crime; e ainda: Exercitem o ministério, achando-se que não tem crime algum.
3. Demais. – Os preceitos foram estabelecidos para dirigir os homens na via da salvação, conforme aquilo da Escritura, o preceito do Senhor é claro, que esclarece os olhos, Ora, em vão é alguém dirigido para o impossível. Logo, não é impossível observar o referido preceito nesta vida.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Na plenitude da caridade da pátria será cumprido aquele preceito - amarás o Senhor teu Deus etc. Pois, enquanto houver algo da concupiscência carnal que devemos refrear pela continência, Deus não é amado absolutamente de toda a nossa alma.
SOLUÇÃO. – Um preceito pode ser cumprido de dois modos - perfeita e imperfeitamente. Perfeitamente é cumprido um preceito, quando chegamos ao fim do que ele visa preceituar; é cumprido, porém imperfeitamente, quando embora não alcancemos ao fim do preceituado, não nos afastamos, contudo, da ordem conducente ao fim. Assim, se o chefe de um exército mandar os soldados combaterem, cumpre perfeitamente a ordem aquele que, lutando, vence o inimigo, que era o fim visado pelo chefe. Cumpre-o também, mas imperfeitamente, aquele que lutou, sem atingir a vitória, mas sem contudo, nada ter feito contra a disciplina militar. Ora, pelo referido preceito, Deus quer que o homem com ele se una totalmente, o que se dará na pátria, quando Deus for tudo em todos. Por onde, na pátria, esse preceito será cumprido plena e perfeitamente. Nesta vida também será cumprido, mas imperfeitamente. E contudo, na vida presente, um o cumprirá tanto mais perfeitamente que outro, quanto mais se aproximar, por uma certa semelhança, da perfeição da pátria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção prova que o preceito em questão pode de algum modo, ser cumprido nesta vida, embora não perfeitamente.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como um soldado, que luta legitimamente, embora não vença, nem por isso é culpado ou merece qualquer pena; assim também, nesta vida, cumpre o preceito em questão quem, nada fazendo contra a lei divina, não peca mortalmente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Agostinho, porque não havia de ser preceituada ao homem essa perfeição, embora nesta vida ninguém a lenha? Pois, não podemos correr bem se não sabemos para onde devemos correr. E como sabê-lo-íamos, se nenhum preceito o mostrasse?
O quinto discute-se assim. – Parece que, inconvenientemente, ao preceito – Amaras ao Senhor teu Deus de todo o teu coração - se acrescenta: - e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças.
1. – Pois, coração não é aqui tomado por um órgão corpóreo, porque amar a Deus não é ato do corpo. Logo, havemos de tomar o coração no seu sentido espiritual. Ora, neste sentido o coração é ou a alma mesmo, ou algo dela. Portanto, era supérfluo falar naquele e nesta.
2. Demais. – A fortaleza do homem depende especialmente do coração, quer consideremos a este espiritualmente, quer corporalmente. Logo depois do dito, - Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração - era supérfluo acrescentar - e de todas as tuas forças.
3. Demais. – O Evangelho diz - de todo o teu entendimento o que não se menciona no lugar em questão. Logo, parece que este preceito está inconvenientemente formulado pela Escritura.
Mas, em contrário, é a autoridade da mesma Escritura.
SOLUÇÃO. – O preceito em questão encontramo-lo diversamente referido em diversos lugares da Escritura. Pois, no lugar citado, três condições se estabelecem: de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. O Evangelho só fala de duas: de todo o teu coração e de toda a tua alma, omitindo de todas as tuas forças, mas acrescentando, de todo o teu entendimento. Noutro lugar do Evangelho se estabelecem quatro: de todo o teu coração, de toda a lua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas virtudes, que é o mesmo que força. E ainda noutro lugar, o Evangelho toca nessas quatro condições, pois em vez de força ou virtude, diz, com todas as tuas forças.
Por onde, devemos assinalar a razão dessas quatro condições. Pois, se uma delas se omite num lugar, é por estar suficientemente compreendida nas outras. Devemos, pois, considerar que o amor é ato de vontade, o que, no lugar referido acima, é significado pelo coração, pois, assim como o coração, materialmente falando, é o princípio de todos os movimentos do corpo, assim também a vontade, sobretudo quando relativa à intenção do fim último, que é o objeto da caridade, é o principio de todos os movimentos espirituais. Três porém são os princípios dos atos movidos pela vontade, a saber: o intelecto, significado pelo entendimento; a potência apetitiva inferior, significada pela alma; a potência executiva exterior, significada pela força ou virtude ou forças. Por isso nos é preceituado que todas as nossas intenções sejam dirigidas para Deus, o que é significado pela expressão - de todo o teu coração; e que o nosso intelecto seja sujeito a Deus, o que está na expressão - de todo o entendimento; e que o nosso apetite seja regulado pela lei de Deus, o que é significado pela expressão - de toda a alma; e que os nossos atos exteriores obedeçam a Deus, e tal é o sentido das expressões amar a Deus de toda a tua força, ou virtude, ou de todas as tuas forças. Crisóstomo, porém toma as expressões coração e alma - em sentido contrário ao que acaba de ser explicado. - Agostinho, por seu lado, refere coração aos pensamentos; alma, à vida; e entendimento, ao intelecto. - Mas outros dizem; pelo coração, isto é, pelo intelecto; pela alma, isto é, pela vontade; e pelo entendimento, isto é, pela memória. - Ou, segundo Gregório Nissen coração significa a alma vegetativa; alma, a sensitiva; entendimento, a intelectiva: pois, o pelo que nos nutrimos, sentimos e inteligimos, devemos referir a Deus.
Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.
O quarto discute-se assim. – Parece que não foi convenientemente mandado que amemos a Deus de todo o coração.
1. – Pois, o modo do ato virtuoso não é objeto de preceito, como do sobredito resulta. Ora, o dizer-se-de todo o coração implica o modo do amor divino. Logo, é inconvenientemente mandado que Deus seja amado de todo o coração.
2. Demais. – Total e perfeito é aquilo a que nada falta, como diz Aristóteles. Se pois constitui objeto de preceito, que Deus seja amado de todo o coração, quem quer que faça alguma coisa, não condicente com o amor de Deus, age contra o preceito; e, por ,consequência, peca mortalmente. Ora, o pecado venial não condiz com o amor de Deus. Logo, o pecado venial será mortal; o que é inadmissível.
3. Demais. – Amar a Deus de todo o coração constitui a perfeição; pois, segundo o Filósofo: todo e perfeito se identificam. Ora, o que é próprio de perfeição, não é objeto de preceito, mas de conselho. Logo, não deve ser preceituado que Deus seja amado de todo o coração.
Mas, em contrário, a Escritura: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração.
SOLUÇÃO. – Sendo os preceitos estabelecidos para regular os atos das virtudes, na medida em que um ato é de virtude, nessa mesma depende do preceito. Ora, um ato de virtude exige que, não somente recaia sobre a sua matéria devida, mas também que seja rodeado das devidas circunstâncias, que o tornam proporcionado à referida matéria. Ora, Deus deve ser amado como o fim último, a quem tudo deve ser referido. E por isso foi preciso designar uma certa totalidade, relativamente ao preceito do amor de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O preceito dado para regular o ato de uma virtude não abrange o modo que esse ato recebe de uma virtude superior. Compreende-se, porém, no preceito o modo pertencente à natureza da própria virtude. E esse modo está significado pela expressão de todo o coração.
RESPOSTA À SEGUNDA. – De dois modos podemos amar a Deus de todo o coração. De um modo, em ato, isto é, que todo o nosso coração seja sempre e atualmente levado para Deus; isto é, de maneira que não busque nada de contrário ao amor de Deus. E esta é a perfeição da vida, a que não contraria o pecado venial, que, não tendendo para um objeto oposto, não elimina o hábito da caridade, mas somente impede o uso desta.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A perfeição da caridade, a que se ordenam os conselhos, é um meio termo entre as duas perfeições referidas, de modo que, quanto possível, o homem se aparte das coisas temporais, mesmo lícitas, que, preocupando-lhe a alma, impedem a tendência atual do coração para Deus.
O terceiro discute-se assim. – Parece que não bastam dois preceitos sobre a caridade.
1. – Pois, os preceitos são dados sobre os atos das virtudes. Ora, os atos distinguem-se pelos seus objetos, E como o homem deve aplicar a sua caridade a quatro objetos, a saber, a Deus, a si próprio, ao próximo e ao seu próprio corpo, como do sobredito resulta parece que quatro devem ser os preceitos da caridade. E assim, dois não bastam.
2. Demais. – Ato de caridade não é só o amor, mas também, a alegria, a paz, a beneficência. Ora, preceitos devem ser dados sobre os atos das virtudes. Logo, dois preceitos sobre a caridade não bastam.
3. Demais. – Assim como é próprio da virtude fazer o bem, assim também o é evitar o mal. Ora, a fazer o bem somos induzidos por preceitos afirmativos; e a evitar o mal, por preceitos negativos. Logo, deviam estabelecerse sobre a caridade preceitos, não somente afirmativos, mas também negativos. E assim, os dois referidos preceitos sobre a caridade não bastam.
Mas, em contrário, diz o Senhor. Destes dois mandamentos depende toda a Lei e os Profetas.
SOLUÇÃO. – A caridade como já dissemos, uma espécie de amizade. Ora, a nossa amizade é relativa a outrem; por isso, diz Gregório: Não é possível haver caridade entre menos de duas pessoas. E como nós nos amamos a nós mesmos com caridade, Já o dissemos. Ora, tendo a dileção e o amor por objeto o bem, e este sendo relativo ao fim ou aos meios, são convenientes e bastantes dois preceitos sobre a caridade; um que nos leva a amar a Deus como fim; outro, ao próximo, por causa de Deus, com por causa do fim.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Agostinho devendo ser quatro objetos amados com caridade, do segundo e do quarto, isto é, do amor de nós mesmos e do nosso próprio corpo, não deviam ser estabelecidos nenhuns preceitos. Pois, por mais que o homem se afaste da verdade, conserva sempre o amor de si e o do seu próprio corpo. Mas deve ser-lhe um objeto de preceito o modo de amar; isto é, que se ame ordenadamente a si e ao seu próprio corpo. O que se realiza amando ele, a Deus e ao próximo.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os outros atos de caridade resultam do ato do amor como o efeito, da causa, conforme do sobredito resulta. Por onde, os preceitos do amor incluem virtualmente os relativos aos outros atos. E contudo, por causa dos de espírito tardonho, encontramos na Escritura preceitos estabelecidos explicitamente sobre cada um desses atos. - Assim, sobre a alegria: Alegrai-vos incessantemente no Senhor. - Sobre a paz: Segui a paz com todos. - Sobre a beneficência: Enquanto temos tempo, façamos bem a todos. - Também encontramos nela preceitos estabelecidos sobre cada uma das partes da beneficência, como ficará claro a quem nela atentar diligentemente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Vale mais praticar o bem que evitar o mal. Por onde, os preceitos afirmativos incluem virtualmente os negativos. E contudo encontramos na Escritura preceitos estabelecidos explicitamente contra os vícios opostos à caridade. - Assim, contra o ódio: Não aborrecerás a teu irmão no teu coração. Contra a acédia: Não te enojes com as suas prisões. - Contra a inveja: Não nos façamos cobiçosos da vanglória. - Contra a discórdia: Todos digais uma mesma coisa e que não haja entre vós cismas, - Contra o escândalo enfim: Não ponhais tropeço ou escândalo ao vosso irmão.
O segundo discute-se assim. – Parece que não deviam estabelecer-se dois preceitos sobre a caridade.
1. – Pois, os preceitos da lei ordenam-se para a virtude, como se disse. Ora, a caridade não é uma virtude, como se determinou. Logo, sobre a caridade devia estabelecer-se um só preceito.
2. Demais. – Santo Agostinho diz que a caridade não ama no próximo senão a Deus. Ora, para nos fazer amar a Deus basta suficientemente o preceito - amarás ao Senhor teu Deus. Logo, não é preciso acrescentar outro preceito relativo ao amor do próximo.
3. Demais. – Pecados diversos se opõem a preceitos diversos. Ora, não peca quem deixa de lado o amor ao próximo, se não fizer o mesmo com o amor de Deus; antes, está no Evangelho: Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai e mãe, não pode ser meu discípulo. Logo, não é um o preceito sobre o amor de Deus e outro, sobre o do próximo.
4. Demais. – O Apóstolo diz: Aquele que ama ao próximo tem cumprido com a lei. Ora, não cumprimos com a lei senão pela observância de todos os preceitos. Logo, todos estão incluídos no amor do próximo. Portanto, é suficiente esse só preceito do amor do próximo e por consequência não devem ser dois os preceitos da caridade.
Mas, em contrário, o Evangelho: Nós temos de Deus este mandamento, que o que ama a Deus ame também o seu irmão.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, quando tratamos dos preceitos da lei, tais preceitos desempenham a mesma função que as proposições nas ciências especulativas, cujas conclusões estão virtualmente contidas nos primeiros princípios. Por onde, quem conhecesse perfeitamente os primeiros princípios em toda sua virtude, não teria necessidade que se lhe propusessem separadamente as conclusões. Mas, como nem todos os que conhecem os princípios são capazes de compreender tudo o que está neles suficientemente contido, é necessário que, para eles, as conclusões científicas sejam deduzidas dos princípios. Na ordem prática, porém, na qual os preceitos da lei é que nos dirigem, o fim exerce a função de princípio, como dissemos. Ora, o amor de Deus é um fim ao qual se ordena o amor do próximo. Por onde, não somente é necessário estabelecerem-se preceitos sobre o amor de Deus, mas também, sobre o do próximo, por causa dos menos capazes, que não pudessem compreender facilmente que um desses preceitos está contido em outro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora a caridade seja uma só virtude, implica, contudo dois atos, dos quais um se ordena para o outro como para o fim. Ora, preceitos se estabelecem sobre os atos das virtudes. Logo, necessariamente serão vários os preceitos sobre a caridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Deus é amado no próximo, como amamos o fim, nos meios. Contudo era necessário se estabelecessem explicitamente preceitos sobre um e outro, pela razão já exposta.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O meio tem natureza de bem, por se ordenar ao fim. E assim sendo, e não de outro modo, afastar-se dele é, por natureza, mal.
RESPOSTA À QUARTA. – No amor do próximo se inclui o amor de Deus, como o fim, nos meios, e não inversamente. E, contudo era necessário estabelecer explicitamente um e outro preceitos pela razão já apontada.