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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Questão 21: Da definição da excomunhão, da sua conveniência e da sua causa.

Em seguida devemos tratar da excomunhão.
 
E então devemos, primeiro, examinar a definição de excomunhão, da conveniência e da causa. Segundo, Quem pode excomungar e ser excomungado. Terceiro, da comunicação com os excomungados. Quarto, a absolvição da excomunhão.
 
Na primeira questão discutem-se quatro artigos:

Art. 3 — Se pode alguém exercer o poder das chaves relativamente ao seu superior.

O terceiro discute-se assim. Parece que ninguém pode exercer o poder das chaves relativamente ao seu superior.
 
1. Pois, qualquer ato sacramental supõe a matéria própria. Ora, a matéria própria do exercício das chaves é a pessoa sujeita, como se disse. Logo, sobre quem não é súbdito não pode o sacerdote exercer o poder das chaves.
 
2. Demais. A Igreja militante imita a triunfante. Ora, na Igreja celeste o anjo inferior nunca purifica, ilumina ou aperfeiçoa o superior. Logo, também nenhum sacerdote inferior pode exercer sobre o superior a função hierárquica de absolver.
 
3. Demais. O juízo da penitência deve ser mais ordenado do que o do foro externo. Ora, no foro externo o inferior não pode excomungar ou absolver o superior. Logo, parece que nem no foro da penitência.
 
Mas, em contrário. O prelado superior também está cercado de enfermidade e sujeito ao pecado. Ora, o remédio contra os pecados é o poder das chaves. Logo, não podendo ele exercer esse poder sobre si mesmo, porque não pode ser simultaneamente juiz e réu, parece que pode o inferior exercer sobre ele o poder das chaves.
 
2. Demais. A absolvição feita pelo poder das chaves se ordena ao recebimento da Eucaristia. Ora, o inferior pode dispensar a Eucaristia ao superior, se este a pedir. Logo, pode também exercer sobre ele o poder das chaves, se se lhe submeter.
 
SOLUÇÃO. O poder das chaves, em si mesmo considerado, se estende a todos, como se disse. Ora, o não poder o sacerdote exercer o poder das chaves sobre uma determinada pessoa, resulta de ser o seu poder especialmente limitado a certos. Por onde, quem o limitou pode estendê-lo sobre quem quiser. Por isso também lhe pode dar o poder das chaves e a ele se submeter, embora ninguém possa exercer sobre si mesmo esse poder; porque tal poder exige como matéria alguém que lhe esteja sujeito e assim, uma pessoa diversa; pois, a si mesmo ninguém pode estar sujeito.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. Embora o bispo, a quem o simples sacerdote absolve, lhe seja superior, absolutamente falando, é-lhe contudo inferior enquanto se lhe submeteu como pecador.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Nos anjos não pode haver nenhum defeito em razão do qual os superiores venham a sujeitar-se aos inferiores, como acontece com os homens. Por onde, o símile não colhe.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. O juízo exterior é estabelecido pelos homens; mas o da confissão concerne a Deus, perante quem se torna menor quem peca, o que não se dá na hierarquia da justiça humana. Por isso, no juízo exterior, como ninguém pode proferir contra si mesmo sentença de excomunhão, também não pode fazer-se ex-comungado por outro. Mas no foro da consciência pode confiar a outro a sua absolvição, pela não poder a si mesmo se dar. Ou devemos dizer que a absolvição no foro da confissão pertence principalmente ao poder das chaves e, por conseqüência, respeita a jurisdição; ao passo que a excomunhão respeita totalmente a jurisdição. Quanto porém ao poder da ordem, todos são iguais, mas não quanto à jurisdição. Logo, a comparação não colhe.

Art. 2 — Se um sacerdote pode sempre absolver o seu súbdito.

O segundo discute-se assim. Parece que um sacerdote nem sempre pode absolver um seu súbdito.
 
1. Pois, como diz Agostinho, conforme a letra do Mestre, ninguém deve exercer as funções de sacerdote se não estiver isento das faltas que censurar nos outros. Ora, pode acontecer ao sacerdote ser cúmplice do crime praticado pelo súbdito; assim quando conheceu a mulher que lhe está subordinada. Logo, parece que nem sempre pode exercer o poder das chaves sobre os seus súbditos.
 
2. Demais. Pelo poder das chaves o homem é curado de todos os seus defeitos. Ora, às vezes a um pecado vai anexo um defeito de irregularidade, ou uma sentença de excomunhão, de que o simples sacerdote não pode absolver. Logo, parece que não pode exercer o poder das chaves sobre os que andam enredados em tais irregularidades.
 
3. Demais. O poder e o juízo do nosso sacerdócio foram figurados pelo juízo exercido pelo antigo sacerdócio. Ora, aos juízos menores não compete resolver todos os casos, mas devem recorrer aos superiores, conforme o determina a lei: Se sobrevier alguma disputa entre vós consultá-los-eis, Logo, parece que também o sacerdote não pode absolver ao seu súdito, de pecados mais graves; mas deve recorrer ao superior.
 
Mas, em contrário. A quem é cometido o principal também o é o acessório. Ora, aos sacerdotes foi cometido dispensar a Eucaristia aos seus súditos, e a isso se ordena a absolvição, que dão aos pecados, a quem lhes pede. Logo, o sacerdote pode absolver o seu súdito, de todos os pecados, pelo poder das chaves.
 
2. Demais. A graça apaga todos os pecados, por pequena que seja. Ora, o sacerdote ministra os sacramentos, mediante os quais é conferida a graça. Logo, pelo poder das chaves pode absolver de todos os pecados.
 
SOLUÇÃO. O poder da ordem, em si mesmo considerado, se estende à remissão de todos os pecados. Mas como para o exercício desse poder é necessária a jurisdição, que desce do superior para o inferior, por isso pode o superior reservar certos casos para si, que não confia ao juízo do seu inferior. Do contrário, um simples sacerdote com a jurisdição de absolver poderia julgar de tudo.
 
Ora, há cinco casos em que está obrigado o simples sacerdote a remeter o penitente ao superior. Primeiro, quando é necessário impor uma penitência solene, porque o ministro próprio dela é o bispo. Segundo, quando se trata de excomungados, caso em que o sacerdote inferior não pode absolver. Terceiro, quando se acha em face de uma irregularidade, para cuja dispensa deve remeter o penitente ao superior. Quarto, em se tratando de incendiários. Quinto, quando é costume, em certos bispados reservar ao bispo os crimes de maior gravidade, para incutir medo; pois o costume dá ou tira em tais casos o poder.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Em tal caso, não deve o sacerdote ouvir da mulher, com quem pecou, a confissão do pecado dela, mas deve remetê-la a outro sacerdote. Nem deve ela lhe confessar, mas pedir licença para fazê-lo com outro; ou recorrer ao superior, se lhe ele negar a licença quer por causa do perigo, quer pela menor vergonha que terá em confessar. Se porém esse sacerdote a absolvesse, estaria absolvida. Quanto ao dito de Agostinho, que o sacerdote não o deve fazer, em se tratando de crime em que é cúmplice, entende-se por conveniência e não corno de uma condição de que dependa a validade do sacramento.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. A penitência remedeia a todas as misérias do pecado, não porém a todos os sofrimentos da pena; pois, ainda depois de feita a penitência por um homicídio; permanece uma irregularidade. Por isso o sacerdote pode absolver do crime, devendo porém remeter o penitente ao superior, para perdoar a pena. Salvo na excomunhão, por que a absolvição dela deve preceder à do pecado, pois, o ex-comungado não pode receber nenhum sacramento da Igreja.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. A objeção colhe quanto ao que os superiores tem o poder de reservar para si à jurisdição.

Art. 1 — Se o sacerdote pode exercer o seu poder das chaves sobre qualquer.

O primeiro discute-se assim. Parece que o sacerdote pode exercer o seu poder das chaves sobre qualquer.
 
1. Pois, o poder das chaves o sacerdote o tem daquela autoridade divina que disse: Recebei o Espírito Santo; aos que vós perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados. Ora, isso o disse indeterminadamente, de todos. Logo, quem tem o poder das chaves pode usar dele indeterminadamente sobre qualquer.
 
2. Demais. Uma chave material que abre uma fechadura abre todas as da mesma forma. Ora, todos os nossos pecados são, pela mesma razão, obstáculos para a nossa entrada no céu. Logo, podendo o sacerdote absolver a um, em virtude do seu poder das chaves, poderá também absolver qualquer outro.
 
3. Demais. O sacerdócio do Novo Testamento é mais perfeito que o do Antigo. Ora, o sacerdote do Antigo Testamento podia exercer o poder de discernir entre lepra e lepra, indiferentemente em relação a todos. Logo e com maior razão o sacerdote evangélico pode exercer o seu poder sobre todos.
 
Mas, em contrário, um cânone: A nenhum sacerdote é permitido ligar ou absolver o paroquiano de outro. Logo, qualquer sacerdote não pode absolver a qualquer.
 
2. Demais. O juízo espiritual deve ser mais ordenado que o temporal. Ora, no juízo temporal não pode qualquer juiz julgar a qualquer. Ora, o uso do poder das chaves sendo o exercício de um juízo, não pode um sacerdote qualquer exercer o seu poder das chaves sobre qualquer.
 
SOLUÇÃO. O que deve ser aplicado a casos particulares não compete a todos do mesmo modo. Por isso, assim como os médicos devem conhecer o meio de aplicar os preceitos gerais da medicina a cada doente em particular, assim em qualquer governo é necessário haver quem aplique os preceitos universais da lei a cada caso concreto. Eis porque a hierarquia celeste, abaixo das Potestades, que governam indistintamente, vem os Principados, atribuídos a cada província em particular, e abaixo deles os anjos, destinados à guarda de cada homem, conforme resulta do que dissemos no segundo livro. E o mesmo deve passar no governo da Igreja militante, de modo que a certos caiba governar indistintamente a todos; e abaixo desses exerçam outros um poder distinto sobre diversos. E como o uso das chaves exige um poder superior, em virtude do qual aquele a quem é comunicado o uso delas seja a matéria própria do ato do primeiro, por isso, quem tem indistintamente o poder sobre todos pode exercer o das chaves sobre qualquer. Aqueles porém que, em dependência desse receberam poderes distintos, não podem exercê-los sobre quaisquer, mas só sobre os que lhes caíram por sorte; salvo em artigo de necessidade, quando a ninguém se devem negar os sacramentos.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Para absolver do pecado é necessário um duplo poder: o da ordem e o da jurisdição. O primeiro todos os sacerdotes o tem igualmente; mas não o segundo. Por isso quando o Senhor deu em geral a todos os Apóstolos o poder de perdoar os pecados, entende-se por esse poder o resultante da ordem. Daí aos sacerdotes se lhes dizerem as referidas palavras, quando se ordenam. Mas a Pedro em particular deu o poder de perdoar os pecados; entendendo-se que tem ele, de preferência aos outros, o poder de jurisdição. Quanto ao poder da ordem, dá por si mesmo a faculdade de absolver a todos. Por isso o Senhor disse indeterminadamente Aos que vós perdoardes os pecados, entendendo contudo que o uso desse poder devia ser em dependência do que antes foi conferido a Pedro, quando o Senhor mesmo o ordenou.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Uma chave material não pode abrir senão a fechadura para a qual foi feita; nem nenhuma virtude ativa pode agir senão sobre a matéria própria. Ora, uma pessoa se torna a matéria própria do poder da ordem, pela jurisdição. Por isso ninguém pode exercer o poder das chaves sobre quem não lhe foi dada jurisdição.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. O povo de Israel era um povo único e tinha um só templo. Por isso não era necessário distinguir as jurisdições dos sacerdotes, como agora na Igreja, na qual se congregam diversos povos e nações.
 

Questão 20: Daqueles sobre quem pode exercer-se o poder das chaves.

 

Em seguida devemos tratar daqueles sobre quem pode exercer-se o poder das chaves.
 
Nesta questão discutem-se três artigos:

 

Art. 1 — Se o firmamento foi feito no segundo dia.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o firmamento não foi feito no segundo dia.
 
1. — Pois, diz a Escritura: Chamou Deus ao firmamento céu. Ora, o céu foi feito antes de todos os dias, como é claro pela passagem: No princípio criou Deus o céu e a terra. Logo, o firmamento não foi feito no segundo dia.
 
2. Demais. — As obras dos seis dias se ordenam pela disposição da divina sapiência. Ora, não lhe seria lógico, a esta, se fizesse posteriormente o que é naturalmente anterior. Mas, o firmamento é naturalmente anterior à água e à terra, das quais, todavia, se faz menção antes da formação da luz, no primeiro dia. Logo, o firmamento não foi feito no segundo dia.
 
3. Demais. — Tudo o feito durante os seis dias foi formado da matéria criada primeiro, antes de qualquer dia. Ora, o firmamento não podia ser formado de matéria preexistente; porque então seria susceptível de geração e corrupção. Logo, o firmamento não foi feito no segundo dia.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura: Disse também Deus: faça-se o firmamento. E a seguir: E da tarde e da manhã se fez o dia segundo.
 
Solução. — Como diz Agostinho, devem-se observar duas coisas, em tais questões. Primeira, que se conserve de maneira inconcussa a verdade da Escritura. Segunda, como a divina Escritura pode ser exposta em muitos sentidos, ninguém deve aderir a uma exposição de maneira tão precisa, a ponto de ser a Escritura objeto de irrisão para os infiéis, aos quais se fecharia, então, a via para a crença, se se estabelecesse, por uma razão certa, como falso aquilo que se presumia ser o sentido escritural.
 
Ora, é preciso saber-se que a lição sobre ter sido o firmamento feito no segundo dia pode ter duplo sentido. Num, trata-se do firmamento em que estão os astros, e então teremos que expor diversamente, segundo as várias opiniões dos homens sobre o firmamento. — Assim, uns disseram ser esse firmamento composto dos elementos. E tal foi a opinião de Empédocles, ensinando que, então esse corpo era indissolúvel por não haver discórdia na sua composição, mas somente amizade. — Outros porém disseram que o firmamento é da natureza dos quatro elementos; não que seja composto dos elementos, mas sendo um como elemento simples. E esta foi a opinião de Platão (no Timeu), admitindo que o corpo celeste é o elemento do fogo. — Outros ainda disseram que o céu não é da natureza dos quatro elementos, mas é um quinto corpo, além deles. E esta foi a opinião de Aristóteles.
 
Ora, segundo a primeira opinião poder-se-ia absolutamente conceder que o firmamento, mesmo na sua substância, foi feito no segundo dia. Pois, à obra da criação pertence o produzir a substância mesma dos elementos; à obra da distinção, porém, e da ornamentação, o formar das coisas, dos elementos preexistentes.
 
Mas, segundo a opinião de Platão, não é procedente se creia que o firmamento, na sua substância, foi feito no segundo dia. Pois, fazer o firmamento, segundo tal opinião, é produzir o elemento do fogo. Ora, a produção dos elementos pertence à obra da criação, conforme os que admitem que a informidade da matéria precedeu, no tempo, à formação da mesma; pois, as formas dos elementos são o que primeiro advêm à matéria.
 
E muito menos pode-se admitir, conforme a opinião de Aristóteles, que o firmamento, na sua substância, fosse produzido no segundo dia, entendendo-se, por esses dias, a sucessão do tempo. Pois o céu, incorruptível por natureza, é de matéria que não pode ser sujeita a outra forma. Por onde, é impossível que o firmamento fosse feito da matéria existente, anteriormente, no tempo. Por isso, a produção da substância do firmamento pertence à obra da criação. Mas alguma formação dele, segundo essas duas opiniões, pertence à obra do segundo dia; assim, Dionísio diz que o lume do sol foi informe no primeiro tríduo, tendo sido formado, em seguida, no quarto dia.
 
Se, porém, esses dias não designam a sucessão do tempo, ma somente a ordem da natureza, como quer Agostinho, nada impede, dizer-se, segundo qualquer das sobreditas opiniões, que a formação do firmamento, na sua substância pertence ao segundo dia.
 
Mas também se pode, de outro modo, entender que o firmamento, do qual se lê como feito no segundo dia, não é onde estão fixas as estrelas, mas a parte do ar onde se condensam as nuvens. E se chama firmamento por causa da espessura do seu ar. Pois, do espesso e sólido se chama corpo firme, diferentemente do corpo matemático, como diz Basílio. — E, conforme esta exposição, nada de repugnante resultando de qualquer das opiniões, Agostinho a recomenda, dizendo: Julgo esta consideração digníssima de louvor. Diz, nem é contra a fé e pode ser acreditada com a prova sob os olhos.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Segundo Crisóstomo, Moisés disse, primeiro sumariamente, o que Deus fez: No princípio criou Deus o céu e a terra, e, em seguida, explicando-o por partes. Como se alguém dissesse: este artífice fez esta casa; e, em seguida, acrescentasse: primeiro, fez-lhe os fundamentos; segundo, erigiu as paredes; terceiro, superpôs o teto. Assim, não devemos entender que é um o céu, quando se diz: No princípio criou Deus o céu e a terra; e outro, quando se diz que o firmamento foi feito no segundo dia. Porém, pode-se dizer que um é o céu do qual se lê como criado no princípio, e outro o do qual se lê como feito no segundo dia; e isto de diversos modos. — Pois, segundo Agostinho, o primeiro é a natureza espiritual informe; o segundo, o céu corpóreo. — Porém, segundo Beda e Estrabo, o primeiro é o céu empíreo; o segundo, o céu sidéreo. — Mas, segundo Damasceno, o primeiro é um céu esférico, sem estrelas, do qual os filósofos falam quando dizem que esse é a nona esfera e o móvel primeiro, movido pelo movimento diurno; pelo segundo, porém, entende-se o céu sidéreo. — Conforme, ainda, outra exposição, à qual Agostinho alude, o céu feito no primeiro dia é o céu sidéreo mesmo; ao passo que pelo firmamento, feito no segundo dia entende-se o espaço do ar no qual as nuvens se condensam, e que também se chama céu equivocamente. E, assim, para designar a equivocação, diz-se expressivamente: E chamou Deus o firmamento céu, como, antes, dissera: E chamou à luz dia, porque dia também significa o espaço de vinte e quatro horas. E o mesmo se deve observar, em outras passagens, como diz Rabbi Moisés.
 
Do que acaba de ser dito é clara a RESPOSTA À SEGUNDA E À TERCEIRA OBJEÇÃO.

Art. 6 — Se os cismáticos, os heréticos, os excomungados, os suspensos e os degradados têm o uso das chaves.

O sexto discute-se assim. — Parece que os cismáticos, os heréticos, os excomungados, os suspensos e os degradados têm o uso das chaves.
 
1. — Pois, assim como o poder das chaves depende da ordem, assim também o poder de consagrar. Ora, os sacerdotes não podem perder o uso do poder de consagrar; pois, o que consagraram consagrado esta, mesmo que pequem os que o fizeram. Logo, também não podem perder o uso das chaves.
 
2. Demais. — Toda potência espiritual ativa, de quem tem o uso do livre arbítrio pode exercer-se quando quiser. Ora, nos supra-referidos subsiste o poder das chaves; pois, como não é este dado senão com a ordem, se o tivessem perdido, seria necessário reordená-los quando voltassem ao grêmio da Igreja. Logo, sendo uma potência ativa, podem exercê-la quando quiserem.
 
3. Demais. — A graça espiritual sofre maior impedimento da culpa que da pena. Ora, a ex-comunhão, a suspensão, a degradação não são nenhumas penas. Logo, como pela culpa não se perde o uso das chaves, parece que nem pelas três razões que se acabam de dar.
 
Mas, em contrário. — Agostinho diz, que a caridade da Igreja perdoa os pecados. Ora, a caridade é a que obra a união da Igreja. Logo, como os supra-referidos estão fora da união da Igreja, parece que não têm o uso das chaves para perdoar os pecados.
 
2. Demais. — Ninguém pode ser absolvido do pecado por um ato que também não pudesse ser praticado, sem pecado. Ora, se um dos referidos desse a absolvição dos pecados a quem lh'a pedisse, iria contra o preceito da Igreja. Logo, por eles não pode ser absolvido. Donde se conclui o mesmo que antes.
 
SOLUÇÃO. — Em todos os casos referidos subsiste na sua essência o poder das chaves; mas o uso fica impedido por falta de matéria. Pois, como quem exerce o poder das chaves deve ser superior àquele sobre quem o exerce, conforme dissemos, a matéria própria sobre quem se exerce o uso das chaves é a pessoa a ele sujeita. E como pela condenação da Igreja um esta sujeito a outro, por isso também pelos superiores eclesiásticos pode ser desligado da obediência a alguém, quem a ele estava sujeito. Por onde, a Igreja exclui os heréticos e os cismáticos e outros tais, desligando-lhes os súditos, da obediência, total ou parcialmente; e por ficarem assim privados do exercício da ordem não podem ter o uso das chaves.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A matéria do sacramento da Eucaristia, sobre a qual o sacerdote exerce o seu poder, não é o homem, mas o pão de trigo; e no batismo, o homem como tal. Por onde, assim como se privasse o herético do pão de trigo, não poderia ele consagrar, assim tirada ao prelado a sua prelatura, não poderá absolver. Pode porém batizar e consagrar, embora para sua condenação.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A proposição é verdadeira, quando não falta a matéria, como se dá no caso vertente.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Não é da culpa em si mesma que resulta a privação da matéria, como o resultaria da pena. Por isso a pena não impede, por contrariedade, a produção do efeito, mas pela razão aduzida.

Art. 5 — Se os maus sacerdotes têm o uso das chaves.

O quinto discute-se assim. — Parece que os maus sacerdotes não têm o uso das chaves.
 
1. — Pois, como lemos no Evangelho, antes de dar aos apóstolos o uso das chaves, Cristo lhes conferiu o Espírito Santo. Ora, os maus não tem o Espírito Santo. Logo, não tem o uso das chaves.
 
2. Demais. — Nenhum rei sábio comete a um inimigo a dispensação do seu tesouro. Ora, o uso das chaves consiste na dispensação do tesouro do Rei celeste, que é a sabedoria mesma. Logo, os maus, que pelo pecado se lhe tornaram inimigos, não tem o uso das chaves.
 
3. Demais. — Agostinho diz que o sacramento da graça Deus o confere também pelos maus; mas a graça, só por si mesmo ou pelos seus santos; daí o perdoar por si mesmo o pecado, ou pelos membros da Pomba (da Igreja). Ora, o perdão dos pecados é o uso das chaves. Logo, os pecadores, que não são membros da Pomba, não têm o uso das chaves.
 
4. Demais. — A intercessão do mau sacerdote não tem nenhuma eficácia para reconciliar; porque, segundo Gregório, buscar, como intercessor, quem desagrada, é provocar ainda mais a cólera da pessoa ofendida. Ora, o uso das chaves supõe de certo modo a intercessão, como o demonstra a forma da absolvição. Logo, os maus sacerdotes não têm um uso eficaz das chaves.
 
Mas, em contrário. — Ninguém pode saber se outrem está em estado de graça. Se portanto ninguém pudesse usar das chaves para absolver, senão quem estivesse em estado de graça, ninguém poderia saber se foi absolvido; o que é inadmissível.
 
2. Demais. — A iniquidade do ministro não pode anular a liberalidade do senhor. Ora, o sacerdote é só ministro. Logo, não pode com a sua malícia privar-nos do dom que Deus nos faz por ele.
 
SOLUÇÃO. — Assim como participar da forma, que deve ser infundida no efeito, não é o que faz o instrumento; assim, nem a privação dessa forma tem o uso do instrumento. Por onde, agindo o homem apenas como instrumento no uso das chaves, embora esteja privado da graça pelo pecado, pela qual se faz a remissão dele, de nenhum modo porém fica privado do uso das chaves.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O dom do Espírito Santo é necessário para o uso das chaves; não porque sem ele não possa haver esse uso; mas porque, nessas condições, quem delas usa mal, embora, sujeitando-se a elas, consiga-lhes o efeito.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Um rei terreno pode ser defraudado no seu tesouro e enganado; por isso não lhe confia a dispensação a um inimigo. Mas o Rei celeste não pode ser defraudado. Pois, tudo lhe redunda em honra, mesmo o usar alguém mal das chaves; porque sabe fazer nascer o bem, do mal, e fazer muitos bens mesmo por meio dos maus. Por onde, o símile não colhe.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. - Agostinho se refere à remissão dos pecados, enquanto os varões santos para ela cooperam, não em virtude das chaves mas pelo mérito ex congruo. Por isso diz que mesmo pelos maus Deus confere os sacramentos; e entre os outros sacramentos também a absolvição deve ser computada, ela que é o uso das chaves. Mas, pelos membros da Pomba, isto é, pelos varões santos, obra a remissão dos pecados, pelos remitir por intercessão deles. — Ou podemos dizer que pelos membros da Pomba entende todos os que não estão separados da Igreja. Pois, os que deles recebem os sacramentos alcançam a graça. Não porém os que os recebem dos separados da Igreja, pois, pelo fazerem pecam; exceto o batismo, que em caso de necessidade é lícito receber mesmo de um excomungado.
 
RESPOSTA À QUARTA. — A intercessão, exercida por um sacerdote mau e pela sua pessoa própria, não tem eficácia; tem-na porém o que exerce como ministro da Igreja e pelo mérito de Cristo. Mas, de ambos os modos deve a intercessão do sacerdote ser útil ao povo que lhe está sujeito.

Art. 4 — Se também os varões santos não sacerdotes tem o uso das chaves.

O quarto discute-se assim. — Parece que também os varões santos não sacerdotes tem o uso das chaves.
 
1. — Pois, a absolvição e a ligação, feitas pelas chaves, tiram a sua eficácia do mérito da paixão de Cristo. Ora, aqueles por excelência se conformam com a paixão de Cristo que pela paciência e pela prática das outras virtudes sofrem com ele. Logo, parece que mesmo sem a ordem sacerdotal, podem ligar e absolver.
 
2. Demais. — O Apóstolo diz: Sem nenhuma contrição, o que é inferior recebe a bênção do superior. Ora, na ordem espiritual, segundo Agostinho, ser superior é ser melhor. Logo, os melhores, isto é, os que tem mais caridade podem abençoar os outros, absolvendo-os. Donde, a mesma conclusão anterior.
 
Mas, em contrário. — Quem tem o poder também tem a ação, segundo o Filósofo. Ora, as chaves, que são o poder espiritual, só cabem aos sacerdotes. Logo, só os sacerdotes podem ter o uso delas.
 
SOLUÇÃO. — O agente essencial e o instrumental diferem em que este não infunde no efeito a sua semelhança, mas a do agente principal, o qual, sim, nele infunde a sua semelhança. Por onde, é agente principal o que tem uma forma que pode transfundir em outro; não constitui isso porém o agente instrumental, mas o ser aplicado pelo agente principal para produzir um certo efeito. Ora, como no exercício do poder das chaves o agente principal é Cristo, pela sua autoridade, como Deus e pelo seu mérito, como homem, resulta da plenitude mesma da divina bondade e da perfeição da sua graça, que pode exercer o poder das chaves. Mas, nenhum outro homem pode exercer esse poder como agente principal; pois nenhum pode dar a outrem a graça, pela qual se remitem os pecados, nem merecer suficientemente. Por isso não pode agir senão como agente instrumental. Assim, aquele que recebe o efeito do poder das chaves, não se assemelha a quem usa desse poder, mas a Cristo. E por isso, seja qual for a graça que alguém tenha, não pode alcançar o efeito das chaves; se a ela não for chamado na qualidade de ministro mediante a recepção da ordem.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como entre o instrumento e o efeito não é necessária a semelhança por uma conveniência formal, mas segundo uma proporção entre o instrumento e o efeito, assim também nem entre o instrumento e o agente principal. E tal semelhança existe entre os varões santos e Cristo padecente; mas essa não lhes confere o poder das chaves.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora um simples homem não possa merecer a outro a graça de condigno, contudo o mérito de um pode cooperar para a salvação de outro. Donde uma dupla bênção. — Uma, desse homem, puro e simples, como merecedor, pelo seu ato próprio. Essa qualquer varão santo, em quem Cristo habita pela graça, pode conferi-la; e requer dum tal varão maior bondade, pelo menos enquanto confere a bênção. — Outra é a bênção pela qual quem a dá não age senão como instrumento, e em virtude do mérito de Cristo. E essa implica superioridade em ordem, mas não em virtude.

Art. 3 — Se só os sacerdotes têm o poder elas chaves.

O terceiro discute-se assim. — Parece que não só os sacerdotes têm o poder das chaves.
 
1. — Pois, diz Isidoro, que o ostiário deve julgar entre os bons e os maus, recebendo aqueles e rejeitando estes. Ora, esta é a definição das chaves, como do sobre dito resulta. Logo, não só os sacerdotes, mas também os ostiários, tem o poder das chaves.
 
2. Demais. — O poder das chaves é dado aos sacerdotes quando são ungidos por Deus. Ora, os reis também tem de Deus o poder sobre o povo fiel, e são santificados pela unção. Logo, nem só os sacerdotes tem o poder das chaves.
 
3. Demais. — O sacerdócio é uma ordem que cabe só a uma pessoa em particular. Ora, às vezes é toda uma congregação que tem o poder das chaves; pois, certos capítulos podem impor a excomunhão, o que pertence ao poder das chaves. Logo, nem só os sacerdotes tem o poder das chaves.
 
4. Demais. — A mulher, não podendo ensinar nas igrejas, como o afirma o Apóstolo, não pode também receber a ordem sacerdotal. Ora, certas mulheres tem o poder das chaves; assim as abadessas tem poder espiritual sobre as suas súditas. Logo, nem só os sacerdotes tem o poder das chaves.
 
Mas, em contrário, diz Ambrósio: este direito, isto é, de ligar e absolver, é permitido só aos sacerdotes.
 
2. Demais, — O poder das chaves estabelece um mediador entre o povo e Deus. Ora, isso cabe somente aos sacerdotes, constituídos naquelas causas que tocam a Deus, para que ofereçam dons e sacrifícios pelos pecados, no dizer do Apóstolo. Logo, só os sacerdotes tem o poder das chaves.
 
SOLUÇÃO. — Duplo é o poder das chaves, — Um tem por fim imediato de remover os obstáculos à entrada no céu, pela remissão dos pecados, E este se denomina chave da ordem, que só os sacerdotes tem, porque só eles se ordenam ao povo naquelas coisas que tocam diretamente a Deus. — Outra é a chave que não tem por objeto direto abrir o céu, mas só mediante a Igreja militante, que nos torna possível entrar nele; pois, por esse poder das chaves somos excluídos do consórcio da Igreja militante, ou nele admitidos, pela excomunhão e pela absolvição. E essa se chama a chave da jurisdição no foro das causas. Por onde, também os não sacerdotes podem tê-la; assim, os arquidiáconos, os prelados eleitos e outros, que podem excomungar.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os ostiários tem o poder das chaves, a fim de guardar as coisas contidas no templo material; e podem julgar os que devem ser excluídos desse templo ou nele admitidos. Não que julguem por natureza própria, quais sejam os dignos ou os indignos, mas devem cumprir as decisões dos sacerdotes, de modo que sejam assim de certo modo executores do poder sacerdotal.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os reis, não tendo nenhum poder na ordem espiritual, não recebem a chave do reino celeste; mas o poder deles é puramente temporal, o qual também não pode provir senão de Deus, segundo o Apóstolo. Nem recebem unção que lhes conferisse qualquer ordem sacra; o serem ungidos significa apenas que a excelência do poder deles vem de Cristo, para reinarem, sujeitos a Cristo, sobre o povo cristão.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como na ordem política o governo pode ser confiado ora a um só juiz, como na monarquia: ora a muitos constituídos, mesmo por igual, em diversos oficias, assim também a jurisdição espiritual pode ser exercida por um só, como pelo bispo, e por vários ao mesmo tempo, como pelo capitulo. E assim todos têm simultaneamente a chave da jurisdição, mas não a da ordem.
 
RESPOSTA À QUARTA. — A mulher, segundo o Apóstolo, vive em estado de sujeição. Por isso não pode exercer nenhuma jurisdição espiritual; pois, o próprio Filósofo também diz que a ordem da cidade se corrompe quando o poder vem a cair em mãos de mulher. Eis porque ela não tem a chave da ordem nem a da jurisdição. É-lhes porém cometido um certo uso das chaves, de modo que possa governar outras mulheres, por causa do perigo que podia advir de homens conviverem com elas.

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