Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute-se assim. ─ Parece que os flagelos por que somos punidos por Deus nesta vida não podem ser satisfatórios.
1. ─ Pois, satisfatório não pode ser senão o que é meritório, como do sobredito resulta. Ora, não podemos merecer senão pelo que em nós existe. Logo, como os flagelos pelos quais somos punidos por Deus não existem em nós, parece que não podem ser satisfatórios.
2. Demais. ─ A satisfação é obra só própria dos bons. Ora, os tais flagelos recaem também sobre os maus e sobre eles devem principalmente recair. Logo, não podem ser satisfatórios.
3. Demais. ─ A satisfação concerne os pecados passados. Ora, às vezes esses flagelos recaem sobre quem não tem pecado, como se deu com Jó. Logo, parece que não são satisfatórios.
Mas, em contrário, o Apóstolo: A tribulação produz paciência, e a paciência experiência, isto é, purificação dos pecados, como o expõe a Glosa. Logo, os flagelos desta vida purificam dos pecados. Portanto, são satisfatórios.
2. Demais. ─ Ambrósio diz: Embora a fé, isto é, a consciência do pecado, falte, a pena satisfaz. Logo, os flagelos desta vida são satisfatórios.
SOLUÇÃO. ─ A compensação pela ofensa passada pode ser dada por quem ofendeu, e por outrem. Quando dada por outrem, essa compensação tem natureza, antes, de vingança, que de satisfação; quando porém dada pelo ofensor mesmo, tem também natureza de satisfação. Por onde, se os flagelos, que Deus às vezes inflige pelos pecados, se tornem de certo modo do próprio paciente, assumem a natureza de satisfação Ora, o paciente os apropria a si quando os aceita para se purificar dos seus pecados, sofrendo-os com paciência. Mas, se, com impaciência, recalcitrar contra eles, então de nenhum modo se lhe tornam próprios. Por isso não assumem, a natureza de satisfação, mas só de vingança.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora os flagelos de nenhum modo dependam da nossa vontade, têm contudo a finalidade de serem sofridos por nós pacientemente. E assim fazemos da necessidade virtude. Por onde, podem ser meritórios e satisfatórios.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Como, no dizer de Agostinho, o mesmo fogo que torna o ouro incandecente queima a palha, assim também contra os mesmos flagelos, que purificam os bons, os maus se rebelam com impaciência. Por onde embora os flagelos sejam comuns, contudo servem só aos bons de satisfação.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os flagelos concernem sempre à culpa passada; mas nem sempre a uma culpa pessoal, porque podem ser provocados por culpa da natureza. Pois, se nenhuma culpa preexistisse na natureza humana, nenhuma pena haveria. Como porém a culpa precedeu na natureza, Deus faz recair a pena sobre uma determinada pessoa, sem culpa dela, para mérito da virtude e cautela do pecado futuro. E esses são dois elementos necessários da satisfação Pois, há de a obra ser meritória para dar glória a Deus; e é mister seja guarda das virtudes, para ficarmos preservados dos pecados futuros.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a satisfação não há de dar-se por obras penais.
1. ─ Pois, a satisfação há de ser uma compensação pela ofensa a Deus. Ora, nenhuma compensação pode dar-se por meio de obras penais, porque Deus não se deleita com os nossos males. Logo, não é por obras penais que se há de dar satisfação.
2. Demais. ─ Quanto maior a caridade donde procede uma obra, tanto menos penal ela é, pois, na caridade não há temor, como diz a Escritura. Se portanto, as obras satisfatórias hão de ser penais, quanto mais se inspirarem na caridade tanto menos satisfatórias serão. O que é falso.
3. Demais. ─ Satisfazer, como diz Anselmo, é dar a honra devida a Deus. Ora, isso pode ser feito de outro modo que não por obras penais. Logo, a satisfação não há de fazer-se por obras penais.
Mas, em contrário, diz Gregório: Justo é que o pecador chore tanto mais os seus pecados pela penitência, quanto maior se fez mal a si mesmo por eles.
2. Demais. ─ A satisfação deve curar perfeitamente a chaga do pecado. Ora, as penas são o remédio dos pecados. Logo, pelas obras penais é que devemos dar satisfação.
SOLUÇÃO. ─ A satisfação concerne a ofensa passada, pela qual ela dá uma compensação; e também a culpa futura, da qual por ela nos preservamos. Ora, de ambos esses modos há de a satisfação dar-se por meio de obras penais. ─ Assim, a compensação pela ofensa implica uma igualdade que há de ser entre o ofensor e a vítima da ofensa. Ora, a igualdade, na justiça humana, se produz subtraindo a quem tem mais do que o justo para adicionar a quem sofreu a subtração. Ora, embora a Deus, como tal, nada possa ser tirado, contudo o pecador, na medida do seu possível, subtrai-lhe alguma causa pecando, como se disse. Por onde, é necessário, a fim de haver compensação, que algo seja tirado ao pecador, pela satisfação, que redunda em glória de Deus. A obra boa porém, como tal, de nada priva ao seu autor, mas antes, o aperfeiçoa. Portanto, subtração não pode ser feita por uma obra boa, senão penal. E assim, para uma obra ser satisfatória, há de ser boa, para redundar em glória de Deus; e penal, para assim o pecador sofrer uma privação. ─ Semelhantemente, a pena preserva da culpa futura, pois não facilmente voltamos a pecar desde que sofremos uma pena. Por isso, segundo o Filósofo, as penas são remédios.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ─ Embora Deus não se deleite com os nossos males, enquanto penas, deleita-se contudo com elas enquanto justas. E assim, podem ser satisfatórias.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Assim como na satisfação se considera a penalidade, assim no mérito, a dificuldade. Ora, a diminuição da dificuldade relativa ao ato mesmo, diminui em igualdade de circunstâncias, o mérito; mas a diminuição da dificuldade relativa à presteza da vontade, longe de diminuir, aumenta o mérito. Semelhantemente, a diminuição da penalidade, quanto à presteza da vontade, produzida pela caridade, não diminui a eficácia da satisfação, mas a aumenta.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O débito pelo pecado cometido é uma compensação da ofensa, que não vai sem pena para o pecador. E é a esse débito que se refere Anselmo.
Em seguida devemos tratar dos meios pelos quais satisfazemos.
E nesta questão discutem-se três artigos:
O quinto discute-se assim. ─ Parece que as obras referidas valem para a mitigação das penas do inferno.
1. ─ Pois, segundo a quantidade da culpa tal será a quantidade da pena no inferno. Ora, as obras feitas sem caridade não diminuem a quantidade do pecado. Logo, nem a pena do inferno.
2. Demais. ─ A pena infernal, embora de duração infinita, é contudo de intensidade finita. Ora, toda quantidade finita desaparece, se lhe fazem subtrações de suas partes finitas. Se, pois, as obras feitas sem caridade causassem alguma diminuição da pena devida aos pecados, resultaria que essas obras podiam multiplicar-se a ponto de eliminar totalmente a pena do inferno. O que é falso.
3. Demais. ─ Os sufrágios da Igreja são mais eficazes que as obras feitas sem caridade. Ora, como diz Agostinho, aos condenados ao inferno não aproveitam os sufrágios da Igreja. Logo, com muito maior razão, as penas não se mitigam pelas obras feitas sem caridade.
Mas, em contrário diz o mesmo Agostinho, que as obras feitas sem caridade valem para a remissão plena ou para se tornar mais tolerável a danação.
2. Demais. ─ Mais é fazer o bem que perdoar o mal. Ora, perdoar o mal sempre evita a pena, mesmo em quem carece da caridade. Logo e com maior razão, fazer o bem.
SOLUÇÃO. ─ De dois modos podemos entender a diminuição da pena infernal. Por ser o condenado liberado da pena já merecida. E então como ninguém é liberado da pena que não seja absolvido da culpa ─ pois, os efeitos não diminuem nem desaparecem senão diminuindo ou eliminando a causa ─ pelas obras feitas sem caridade, por não poderem eliminar nem diminuir a culpa, a pena do inferno não pode ser mitigada. ─ Ou, de outro modo, por impedir o mérito da pena. E então as referidas obras diminuem a pena do inferno. Primeiro, porque evita o reato da omissão quem tais obras pratica. Segundo, porque tais obras de certo modo dispõem ao bem fazendo com que, se pecamos, com menor desprezo de Deus o façamos; ou ainda que nos livremos, por tais obras, de muitos pecados. ─ Quanto à diminuição ou à dilação da pena temporal, essas obras a merecem, como diz Acab, do mesmo modo por que merecem alcançar os bens temporais.
Certos porém dizem, que diminuem a pena do inferno, não por lhe tirar nada à substância, mas por fortificar o autor delas para melhor as suportar. ─ Mas isto não pode ser. Pois, a fortificação não resulta senão de extirpação da possibilidade. Ora, a possibilidade é proporcional à gravidade da culpa. Por onde, não diminuindo a culpa, também o sujeito não pode fortificar-se.
Certos outros dizem ainda, que diminui a pena do verme roedor da consciência, embora não a do fogo. ─ Mas também nada disto é exato. Pois, assim como a pena do fogo é proporcional à culpa, assim também a do remordimento da consciência. Por isso o mesmo se dá com ambas.
Donde se deduzem as respostas às objeções.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que as obras feitas sem caridade merecem algum bem, ao menos temporal.
1. ─ Pois, assim está a pena para o ato mau como o prêmio para o bom. Ora, nenhuma obra má fica impune perante Deus, juiz justo. Portanto, por esse bem algo se merece.
2. Demais. ─ Recompensa não se dá senão ao mérito. Ora, as obras feitas sem caridade recebem recompensa; assim, diz o Evangelho que os que fazem obras boas, por glória humana, recebem a sua recompensa. Logo, essas obras foram meritórias de algum bem.
3. Demais. ─ Duas pessoas em estado de pecado, uma tendo feito muitas obras genéricas e circunstancialmente boas, e outra nenhumas, não estão em situação igualmente próxima para receberem bens de Deus; do contrário, não teriam nenhuma razão de fazer qualquer boa obra. Ora, quem mais se aproxima de Deus mais lhe recebe os bens. Logo, quem fez quaisquer obras boas merece algum bem de Deus.
Mas, em contrário, Agostinho diz: o pecador não é digno do pão que come. Logo, nada pode merecer de Deus.
2. Demais. ─ Quem é nada pode merecer. Ora, o pecador, sem caridade como é, é nada enquanto ser espiritual, na expressão do Apóstolo. Logo, nada pode merecer.
SOLUÇÃO. ─ Chama-se propriamente mérito a ação que torna justa uma retribuição a quem a praticou. Ora, a justiça é susceptível de duplo sentido. Um próprio, aplicado ao direito estrito que tem alguém a uma cousa. Outro, analógico quando significa apenas uma conveniência da parte de quem dá, pois, podemos dar o que contudo não é recebido por outrem como lhe sendo devido. Por isso se chama a justiça uma conveniência da divina bondade; e Anselmo diz que Deus é justo quando tem misericórdia dos pecadores, porque isso lhe convém. Sendo assim, o mérito é susceptível de duplo sentido. Num, significa o ato pelo qual o agente recebe alguma cousa como lhe sendo devida. E esse se chama o mérito de condigno. Noutro é o ato pelo qual a dádiva é feita por conveniência do doador. E esse se chama mérito de côngruo.
Ora, sendo o amor a razão de todas as dádivas gratuitas é impossível que quem carece da amizade se torne objeto de tais dádivas. E portanto, como todos os bens temporais e eternos nos são dados pela divina liberalidade, ninguém pode receber como lhe sendo devido nenhum dos referidos dons senão pela caridade para com Deus. Por onde, as obras feitas sem caridade não são meritórias perante Deus de nenhum bem eterno nem temporal, ex condigno. ─ Mas como é próprio da divina bondade acrescentar uma perfeição a todo ser a esta disposto, por isso dizemos que alguém merece, por mérito de côngruo, um bem por boas obras que fez sem caridade. E neste sentido, essas obras são susceptíveis de um tríplice valor: para a consecução de bens temporais; para a disposição para a graça: e para gerar o costume da prática de boas obras.
Esse mérito porém não merece propriamente o nome de mérito; donde devemos concluir que tais obras não são meritórias de nenhum bem, do que dizer que o sejam.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Como diz o Filósofo, um filho, por mais que faça, não pode dar em retorno do pai tanto quanto dele recebeu; por isso não pode nunca o pai tornar-se devedor do filho. E muito menos podemos fazer de Deus o nosso devedor, por equivalência de obras. Donde, nenhuma obra nossa pode merecer nada, seja qual for a sua bondade; mas o pode por força da caridade, que torna comuns os bens dos amigos. Portanto, por boa que seja a obra feita sem caridade, não faz, propriamente falando, com que Deus esteja obrigado a dar por ela nenhuma remuneração. A obra má porém merece uma pena equivalente à gravidade da sua malícia; porque, da parte de Deus, nenhumas obras más nos foram feitas como o foram as boas. Por onde, embora uma obra má mereça uma pena ex condigno, contudo nenhuma obra boa feita sem caridade merece ex condigno prêmio.
RESPOSTA À SEGUNDA E TERCEIRA. ─ Essas objeções procedem relativamente ao mérito ex condigno.
Quanto às outras objeções, elas procedem relativamente ao mérito ex condigno.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que depois de termos a caridade começa a valer a satisfação precedente.
1. ─ Pois, aquilo da Escritura ─ Se teu irmão, achando-se pobre, etc. ─ diz a Glosa: Os frutos da boa conversação devem ser contados desde o tempo que se pecou. Ora, não seriam contados se não recebessem alguma eficácia da caridade subseqüente. Logo, começam a valer depois da caridade recuperada.
2. Demais. ─ Assim como a eficácia da satisfação fica impedida pelo pecado, assim a do batismo, pela dissimulação. Ora, o batismo começa a valer quando desaparece a dissimulação. Logo, a satisfação, quando desaparece o pecado.
3. Demais. ─ A quem tivessem sido impostos muitos jejuns pelos pecados cometidos e de os terem cumprido depois de caído em pecado, a esse, quando de novo confessar, não se lhe reiteram esses jejuns. Ora, eles se lhe reiterariam si por eles não fosse cumprida a satisfação. Logo, da penitência subseqüente as obras precedentes recebem a sua eficácia satisfatória.
Mas, em contrário. ─ As obras feitas sem caridade não foram satisfatórias, por serem mortas. Ora, a penitência não as vivifica. Logo, nem começam por ela a ser satisfatórias.
2. Demais. ─ A caridade não informa senão um ato que dela de certo modo procedeu. Ora, as obras não podem ser aceitas de Deus, e portanto não podem ser satisfatórias, sem serem informadas pela caridade. Logo, como as obras feitas sem caridade não procedem dela de nenhum modo, nem jamais poderão proceder, de maneira nenhuma podem considerar-se como satisfatórias.
SOLUÇÃO. ─ Alguns disseram que as obras feitas com caridade, e chamadas vivas, são meritórias para a vida eterna e satisfatórias para o perdão da pena. E que a caridade subseqüente vivifica as obras feitas sem ela, para o efeito de serem satisfatórias, não porém para o de serem meritórias da vida eterna. ─ Mas isto não pode ser. Pois, ambos esses efeitos as obras feitas com caridade o produzem pelo mesmo fundamento, a saber, o de serem gratas a Deus. Por onde, assim como a caridade adveniente não pode tornar gratas as obras feitas sem caridade, para um efeito, assim também não o podem para o outro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Não se deve entender que os frutos sejam contados desde o tempo em que se começou a estar em pecado, mas do em que se cessou de pecar isto é, desde o tempo em que se esteve por último em pecado. ─ Ou significa o tempo em que, logo depois do pecado, tivemos contrição e fizemos muitas obras boas, antes da confissão. ─ Ou significa que quanto maior a contrição tanto mais diminui a pena; e quanto mais fizermos boas obras, estando em pecado, mais nos dispomos à graça da contrição; sendo então provável que seremos devedores de uma pena menor. Por isso o sacerdote deveria discretamente atentar em nos impor uma pena menor desde que nos encontre bem dispostos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O batismo imprime caráter na alma; não porém a satisfação. Por isso a caridade adveniente, que elimina a dissimulação e o pecado, faz o batismo produzir o seu efeito; mas não o faz o mesmo com a satisfação. ─ Além disso, o batismo justifica pelo dom mesmo que lhe foi feito (ex opere operato) que não procede do homem, mas de Deus. Por isso não se torna uma obra mortal, do mesmo modo que a satisfação, obra do homem.
RESPOSTA À TERCEIRA. - Há certas satisfações que influem determinados efeitos nos satisfacientes, mesmo depois de acabado o ato da satisfação; assim, do jejum resta a debilitação do corpo; das esmolas distribuídas, a diminuição do patrimônio; e assim por diante. E tais satisfações pelos pecados não é preciso sejam reiteradas; porque, pelo delas remanescente, são recebidas de Deus como penitência. Mas as satisfações, que não deixam após si nenhum efeito no satisfaciente, depois de o ato acabado, essas hão de ser renovadas, como a oração e outras semelhantes. Ora, o ato interior, por desaparecer totalmente, de nenhum modo pode ser vivificado, mas é necessário ser reiterado.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que quem primeiro teve contrição de todos os pecados, e depois veio a pecar, pode, estando assim sem caridade, satisfazer pelos outros pecados que lhe foram perdoados.
1. ─ Pois, disse Daniel a Nabucodonosor: Rime os teus pecados com esmola. Ora, ainda era ele pecador, como o demonstra a pena subseqüente. Logo, pode satisfazer quem está em pecado.
2. Demais. ─ Diz a Escritura: Não sabe o homem se é digno de amor ou de ódio. Se, pois, não pode satisfazer senão quem tem a caridade, ninguém teria a certeza de haver satisfeito. O que não é admissível.
3. Demais. ─ A nossa intenção inicial informa totalmente o ato que praticamos. Ora, o penitente, ao começar a penitência, estava em caridade. Logo, toda a satisfação subseqüente tirou a sua eficácia dessa caridade informadora da intenção.
4. Demais. ─ A satisfação consiste numa certa igualdade entre a pena e a culpa. Ora, essa igualdade pode existir mesmo em quem não possui a caridade. Logo, etc.
Mas, em contrário. - Diz a Escritura: A caridade cobre todos os delitos. Ora, a virtude da satisfação é apagar os delitos. Logo, não tem a sua virtude sem a caridade.
2. Demais. ─ A obra principal na satisfação é a esmola. Ora, a esmola feita sem caridade não vale, conforme ao dito do Apóstolo: Se eu distribuir todos os meus bens em o sustento dos pobres, etc. Logo, também não há nenhuma satisfação.
SOLUÇÃO. ─ Certos disseram, que quem teve todos os seus pecados perdoados pela contrição precedente e veio depois a cair em pecado, antes de cumprir a satisfação, e está a cumprir em estado de pecado, a esse lhe vale a satisfação, de modo que morrendo no seu pecado, não será ele punido no inferno. ─ Mas isto não pode ser. Porque a satisfação exige, além do reatamento da amizade, a restauração da igualdade da justiça, cujo contrário destrói a amizade, como diz o Filósofo. Ora, relativamente a Deus a igualdade da satisfação não se funda na equivalência mas antes, na aceitação dele. Por isso é necessário, mesmo se a ofensa já foi perdoada pela contrição precedente, que as obras satisfatórias sejam aceitas de Deus. E isso lhes faculta a caridade. Portanto, feitas sem caridade as obras não são satisfatórias.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O conselho de Daniel supõe que o rei cessasse de pecar e fizesse penitência, e assim satisfizesse pelas suas esmolas.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Assim como não sabemos com certeza se tivermos a caridade ao satisfazer e a temos, assim também com certeza não sabemos se plenamente satisfizemos. Donde o dizer a Escritura: Não estejas sem temor da ofensa que te foi remitida. Não é porém necessário, que por causa desse temor, reiteremos a satisfação já dada, se não temos consciência do pecado mortal. Embora, pois, não expiemos a pena com essa satisfação, contudo não incorremos no reato de omissão de uma satisfação, que deixasse de ser devida; assim como quem se achega à Eucaristia sem consciência de pecado mortal a que estivesse preso, não incorre no reato de a receber indignamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essa intenção foi interrompida pelo pecado subseqüente. Por isso não influi em nada nas obras feitas depois do pecado.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Não pode haver igualdade suficiente nem quanto à aceitação divina, nem por equivalência. Por isso a objeção não colhe.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que podemos satisfazer por um pecado, sem satisfazermos por outro.
1. ─ Pois, de coisas sem conexão mútua podemos eliminar uma sem eliminarmos a outra. Ora, os pecados não têm conexão mútua; do contrário quem tivesse um teria todos. Logo, podemos expiar um sem dar satisfação por outro.
2. Demais. ─ Deus é mais misericordioso que o homem. Ora, nós recebemos a solução de uma dívida com exclusão de outra. Logo, também Deus receberá satisfação de um pecado sem a receber por outro.
3. Demais. ─ A satisfação, como diz a letra do Mestre, consiste em eliminar as causas dos pecados, sem lhes permitir a entrada às suges tões. Ora, isso pode se dar em relação a um pecado e não a outro; como se alguém referisse a luxúria e desse largas à avareza. Logo, podemos satisfazer por um pecado sem satisfazermos por outro.
Mas, em contrário. ─ Lemos na Escritura, que o jejum de aqueles que jejuarem para prosseguir demandas e contendas, não era aceito de Deus, embora o jejum seja obra satisfatória. Ora, não podemos dar satisfação senão por uma obra aceita de Deus. Logo, não pode quem tem algum pecado satisfazer a Deus.
2. Demais. ─ A satisfação é um remédio curativo dos pecados passados e preservativo dos futuros, como se disse. Ora, os pecados não podem curar-se sem a graça. Logo, como qualquer pecado nos priva da graça, não podemos satisfazer por um pecado sem ao mesmo tempo satisfazermos pelos outros.
SOLUÇÃO. ─ Certos, como o Mestre das Sentenças literalmente o diz, afirmaram que podemos satisfazer por um pecado sem satisfazermos pelos outros. ─ Mas isto não pode ser. Pois, como a satisfação deve eliminar a ofensa precedente, há de o modo da satisfação ser tal que possa delir a ofensa. Ora, apagar a ofensa é reatar a amizade. Por onde, havendo algum obstáculo, impediente do reatamento da amizade, também não poderá haver satisfação, mesmo entre os homens. Ora, como qualquer pecado impede a amizade da caridade, que é a existente entre o homem e Deus, é impossível satisfazermos por um pecado sem o fazermos pelos outros; assim como não satisfaria ao seu semelhante quem se lhes prostrasse diante, por um tapa que lhe deu, aplicando-lhe simultaneamente outro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Como os pecados não têm entre si conexão por um laço comum, podemos cometer um sem cometer outro. Mas é por uma única razão que todos são perdoados. Por onde é conexa a remissão de pecados diversos. Portanto, não podemos satisfazer por um sem satisfazermos também pelos outros.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Na obrigação do débito só há desigualdade oposta à justiça, por ter um a coisa de outrem. Por isso a restituição não exige senão que se restaure em igualdade. E isso pode se dar em relação a um débito sem se dar em relação a outro. ─ Mas onde há ofensa aí há também desigualdade, não somente oposta à justiça, mas ainda à amizade. Por onde, para ser a ofensa apagada pela satisfação, não somente é necessária a restituição da igualdade da justiça, pela compensação de uma pena igual, mas também que seja restituída a igualdade de amizade. E isso não pode fazer-se se algum obstáculo impede a amizade.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Um pecado com o seu peso arrasta outro, como diz Gregório. Logo, quem retém um pecado não elimina totalmente as causas de outro.
Em seguida devemos tratar da qualidade da satisfação.
E nesta questão discutem-se cinco artigos:
O segundo discute-se assim. — Parece que a luz é corpo.
1. — Pois, Agostinho diz que a luz tem o primeiro lugar entre os corpos. Logo, é corpo.
2. Demais. — O Filósofo diz que a luz é uma espécie de fogo. Ora, este é corpo. Logo, a luz é corpo.
3. Demais. — Ser transportado, entrecortado e refletido são propriedade dos corpos. Ora, todas essas propriedades, que só aos corpos convém, se atribuem à luz ou aos seus raios, pois, os diversos raios se conjugam ou separam, como diz Dionísio, o que também só aos corpos pode convir. Logo, a luz é corpo.
Mas, em contrário, dois corpos não podem estar simultaneamente no mesmo lugar. Ora, a luz está no mesmo lugar, simultaneamente com o ar. Logo, não é corpo.
Solução. — Que é impossível a luz seja corpo, de tríplice modo se prova. O primeiro argumento é tirado do lugar. Pois o lugar de um corpo não é o de outro; nem é naturalmente possível estejam dois corpos quaisquer simultaneamente no mesmo lugar, porque o contíguo exige situação distinta.
Em segundo lugar, o mesmo resulta da natureza do movimento. Se, pois, a luz fosse corpo, a iluminação seria o movimento local do corpo. Ora, nenhum movimento dessa espécie pode ser instantâneo, porque tudo o que se move localmente deve chegar ao meio do espaço a percorrer, antes de chegar ao fim. Ora, a iluminação é instantânea e nem se pode dizer que se realize num tempo imperceptível. Porquanto, se num espaço pequeno, o tempo nos escapasse, o mesmo não se daria num grande espaço, p. ex., o que meia entre o oriente e o ocidente. Ora, assim que o sol nasce num ponto do oriente, ilumina-se todo o hemisfério, até o ponto oposto. — Mas ainda há outra consideração a fazer, quanto ao movimento, a saber. Todo corpo tem um movimento natural determinado; ora, o movimento da iluminação se opera em todas as direções, sem que seja antes circular que reto. Por onde, é manifesto que a iluminação não é o movimento local de nenhum corpo.
Em terceiro lugar, o mesmo resulta da geração e da corrupção. Pois, se a luz fosse corpo, resultaria que este se corromperia e a sua matéria receberia outra forma, quando o ar se entenebrece, por ausência da luz. O que não se dá, a menos que não se considerem também as trevas como corpo. E nem ainda se compreenderia de que matéria fosse gerado esse corpo imenso que quotidianamente enche meio hemisfério. E seria também ridículo dizer-se que ele se corrompe unicamente pela ausência de luz. E se dissermos que não se corrompe, mas nasce e move-se em círculo, simultaneamente com o sol, o que se há de opor ao fato de obscurecer-se toda a casa pela só interposição de um corpo contra a candeia? E nem se diga que a luz se congrega em torno da candeia, porque não era antes aí maior do que agora a claridade. Ora, como todos esses fatos repugnam não só à razão, mas também aos sentidos, conclui-se que é impossível a luz ser corpo.
Donde a resposta à primeira objeção. — Agostinho entende por luz o corpo atualmente lúcido, isto é, o fogo, o nobilíssimo dos quatro elementos.
Resposta à segunda. — Aristóteles denomina luz ao fogo, na sua matéria própria; assim como o fogo, na matéria aérea, se denomina chama, e, na térrea, carvão. Todavia, não se ligue muita importância aos exemplos dados por Aristóteles nos tratados de lógica, porque os apresenta como prováveis, segundo a opinião dos outros.
Resposta à terceira. — Tais propriedades se atribuem todas à luz, metaforicamente, como também se podem atribuir ao calor. Pois, sendo o movimento local naturalmente o primeiro dos movimentos, como prova o Filósofo, aplicamos os nomes próprios a esse movimento local, à alteração e a todos os movimentos; assim como também o nome de distância, derivado do lugar, se aplica a todos os contrários, como diz Aristóteles.