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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 4 — Se quem está em pecado mortal pode conceder indulgências.

O quarto discute-se assim. Parece que quem está em pecado mortal não pode conceder indulgências.
 
1. Pois, nenhum rio pode existir senão emanado de uma fonte. Ora, a um prelado em estado de pecado mortal não lhe mana a fonte da graça, a saber, o Espírito Santo. Logo, não pode fazê-las manar a outrem, concedendo indulgências.
 
2. Demais. Mais é conceder indulgência que recebê-la. Ora, quem está em pecado mortal não na pode ganhar, como se dirá. Logo, nem pode concedê-la.
 
Mas, em contrário. As indulgências se concedem pelo poder dado aos prelados da Igreja. Ora, o pecado mortal não tira o poder, mas a bondade. Logo, quem está em pecado mortal pode conceder indulgências.
 
SOLUÇÃO. Conceder indulgências pertence à jurisdição. Ora, o pecado não faz perder a jurisdição. Por onde, as indulgências tem todo o seu valor, concedidas por quem esta em pecado mortal, como se o foram por quem é santíssimo. Pois, não perdoam a pena em virtude dos méritos de quem as concede, mas em virtude dos méritos ocultos nos tesouros da Igreja.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. O prelado que conceder indulgências, em estado de pecado mortal, nada coloca de seu nelas. Por isso, não é necessário receba a emanação da fonte, para as suas indulgências valerem.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Mais é conceder indulgências que recebê-las, quanto ao poder; mas é menos, quanto à utilidade própria.

Art. 3 — Se pode o bispo conceder indulgência.

O terceiro discute-se assim. Parece que não pode o bispo conceder indulgências.
 
1. Pois, o tesouro da Igreja é comum a toda a Igreja. Ora, o comum a toda a Igreja não pode ser dispensado senão pelo chefe universal da mesma. Logo, só o Papa é quem pode conceder indulgências.
 
2. Demais. Ninguém pode perdoar as penas estabelecidas pelo direito, salvo quem tem o poder de fazer o direito. Ora, as penas satisfatórias não são por pecados determinados em direito. Logo, perdoar essas penas só o Papa, que pode constituir o direito.
 
Mas, em contrário, o costume da Igreja, pelo qual os bispos concedem indulgências.
 
SOLUÇÃO. O Papa tem a plenitude do poder pontifical, como um rei no seu reino. Ao passo que os bispos são estabelecidos como juízes de cada cidade para aliviar o Papa de parte da sua universal solicitude. Por isso, nas suas cartas só os bispos o Papa chama irmãos; aos demais, filhos. Por onde, o poder de conceder indulgências o Papa o tem na sua plenitude; pois, pode concedê-las como quiser, desde que haja causa legítima. Ao passo que os bispos tem esse poder determinadamente, por ordem do Papa. Por onde, podem concedê-las conforme lhe foi determinado, mas não mais.
 
Donde se deduzem claras às respostas às objeções.

Art. 2 — Se um diácono ou um não sacerdote pode conceder indulgências.

O segundo discute─se — Parece que um diácono ou um não sacerdote não pode conceder indulgências.
 
1. — Pois, o perdão dos pecados é um efeito do poder das chaves. Ora, poder das chaves não o tem senão o sacerdote. Logo, só ele pode conceder indulgências.
 
2. — Demais. — Perdão mais pleno da pena há, nas indulgências que no foro da penitência. Ora, perdoar no foro da penitência só o pode o sacerdote. Logo, também conceder indulgências.
 
Mas, em contrário. — Pode dispensar os tesouros da Igreja só quem tem dela o governo. Ora, este governo às vezes é cometido a um não sacerdote. Logo, também este pode conceder indulgências, que tiram a sua eficácia da dispensa dos tesouros da Igreja.
 
SOLUÇÃO. O poder de conceder indulgências resulta da jurisdição, como dissemos. E como os diáconos e outros não-sacerdotes podem ter jurisdição ou cometida, como os legados, ou ordinária, como os prelados eleitos por isso também os não-sacerdotes podem conferir indulgências, embora não possam absolver no foro da penitência, que supõe a ordem.
 
Donde se deduzem as respostas às objeções. Pois, conceder indulgências pertence à chave da jurisdição e não à chave da ordem.
 

Art. 1 ─ Se qualquer sacerdote pároco pode conceder indulgências.

O primeiro discute-se assim. Parece que qualquer sacerdote pároco pode conceder indulgências.
 
1. Pois, a indulgência tira a sua eficácia da abundância dos méritos da Igreja. Ora, não há nenhuma congregação de fiéis, que não tenha alguma abundância de méritos. Logo, qualquer sacerdote pode conceder indulgências, e semelhantemente qualquer prelado, desde que tenham jurisdição sobre uma congregação de fiéis.
 
2. Demais. Qualquer prelado representa a pessoa de toda a multidão dos fiéis; assim como um homem representa a sua pessoa. Ora, qualquer pode comunicar a outrem os seus bens, satisfazendo por ele. Logo, também o prelado pode comunicar os bens de todos os fiéis que lhe estão confiados. E portanto, parece que pode conceder indulgências.
 
Mas, em contrário. É menos excomungar, que conceder indulgências. Ora, excomungar não o pode um sacerdote pároco. Logo, nem conceder indulgências.
 
SOLUÇÃO. O efeito da indulgência consiste em as obras satisfatórias de um serem aplicadas a outro, não só por força da caridade, mas também pela intenção do autor delas, de certo modo aplicada a quem ganha a indulgência. Ora, a intenção de um pode aplicar-se a outro de três modos: especial, geral ou singularmente. Singularmente, quando um satisfaz por outro determinadamente. E então qualquer pode comunicar a outrem os seus bens. Especialmente, quando alguém ora pela sua comunidade, pelos fámulos e benfeitores, ordenando também para tal fim as suas obras satisfatórias. E então o superior de uma comunidade de fiéis pode comunicar a outrem as boas obras, aplicando a uma determinada pessoa a intenção dos que lhe pertencem à comunidade. Geralmente, porém, quando alguém ordena as suas obras ao bem da Igreja em geral. E assim, o chefe geral da Igreja pode comunicar as referidas obras, aplicando a sua intenção a este ou aquele. E como um homem faz parte de uma comunidade e esta, da Igreja, por isso na intenção de um bem particular se inclui intenção do bem da congregação e do bem de toda a Igreja. Por onde, o chefe da Igreja pode comunicar tanto os bens da comunidade como os de cada um em particular; e o chefe de uma comunidade pode comunicar os de um membro dela mas não inversamente.
 
Ora, nem a primeira espécie de comunicação nem a segunda constituem mas indulgência, mas só a terceira e por duas razões Primeiro porque por aquelas duas primeiras comunicações, embora o pecador fique livre do reato da pena, perante Deus, não fica contudo isento do dever de cumprir a satisfação imposta, a que está obrigado por preceito da Igreja. Mas, a terceira comunicação absolve também desse débito. Segundo, porque uma pessoa ou uma comunidade podem ter falta de méritos para poderem valer a si e a todos os demais. Por onde, um particular não fica totalmente absolvido da pena devida, se não se lhe fizer por ele determinadamente tanto quanto devia. Ao contrário, na Igreja universal não há deficiência de méritos, sobretudo por causa do mérito de Cristo. Portanto, só quem está à testa da Igreja é que pode conceder indulgência.
 
Mas, sendo a Igreja a comunidade dos fiéis e havendo duas espécies de comunidade humana - a econômica, constituída pelos membros de uma família; e a política, constituída dos que formam um povo a Igreja é comparável à comunidade política, pois é o povo mesmo que é chamado Igreja. Ao passo que as diversas comunidades ou paróquias de uma diocese são comparáveis às agremiações das diversas famílias ou dos diversos ofícios. Por onde, só ao bispo se chama propriamente prelado da Igreja; e por isso só ele, como sendo o esposo, recebe da Igreja o anel. Portanto, só ele tem o pleno poder de dispensar os sacramentos e a plena jurisdição no foro das causas, quase pessoa pública; os outros o tem na medida em que o recebem dele. Os sacerdotes porém que dirigem uma comunidade de fiéis, não são prelados, pura e simplesmente, mas uns como coadjutores; por isso, na consagração dos sacerdotes o bispo diz Quanto mais fracos somos, tanto mais necessitamos destes auxílios. Por isso também é que não podem dispensar todos os sacramentos. Por onde, os sacerdotes párocos, os abades ou outros prelados não podem conceder indulgências.

Questão 26: Dos que podem conceder indulgências.

Em seguida devemos tratar dos que podem conceder indulgências.
 
E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 3 — Se se deve conceder uma indulgência por um subsídio temporal.

O terceiro discute-se assim. Parece que não se deve conceder indulgência por um subsídio temporal.
 
1. Pois, o perdão dos pecados é um bem espiritual. Ora, dar o espiritual pelo temporal é simonia. Logo, tal não se deve fazer.
 
2. Demais. Os socorros espirituais são mais necessários que os temporais. Ora, pelos socorros espirituais não se concedem indulgências. Logo, muito menos se devem conceder por subsídios temporais.
 
Mas, em contrário, o costume comum da igreja, que concede indulgências a quem fizer peregrinações ou esmolas.
 
SOLUÇÃO. Os bens temporais se ordenam aos espirituais, pois, por causa destes é que devemos usar daqueles. Por onde, pelos temporais em si mesmos não se podem conceder indulgências, mas pelos temporais ordenados para os espirituais; tal a repressão dos inimigos da Igreja, que lhe perturbam a paz, ou para a construção de igreja, pontes e a concessão de esmolas tais.
 
Por onde é claro que não há, no caso vertente, simonia, porque não se dá o espiritual pelo temporal.
 
Donde se deduz clara a resposta à primeira objeção.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Mesmo em vista de bens puramente espirituais se podem conceder indulgências, o que às vezes se faz. Assim, a todo aquele que orar pelo rei da França são-lhe concedidos pelo Papa Inocêncio IV dez dias de indulgência. Semelhantemente, aos que pregam a cruzada se lhes concede às vezes a mesma indulgência que aos que nela se inscrevem.

Art. 2 — Se as indulgências valem tanto quanto o seu conteúdo.

O segundo discute-se assim. Parece que as indulgências não valem tanto quanto o seu conteúdo.
 
1. Pois, as indulgências não produzem o seu efeito senão em virtude do poder das chaves. Ora, quem tem o poder das chaves não pode, em virtude dele, perdoar senão uma parte determinada da pena do pecado, considerada a gravidade deste e a Intensidade da contrição do penitente. Logo, como as indulgências são concedidas conforme à vontade de quem as institui, parece não valem tanto quanto o seu conteúdo.
 
2. Demais. Pelo débito da pena se nos restava a obtenção da glória, que devemos sumamente desejar. Ora, se as indulgências valem tanto quanto o seu conteúdo, poderíamos, ganhando umas após outras, nos tornarmos imunes de todo o reato da pena temporal. Logo, parece que devíamos empregar todo o nosso estudo em ganhar as indulgências com prejuízo de quaisquer outras obras.
 
3. Demais. As vezes é concedida a quem der auxílios para a ereção da fábrica de uma igreja, a indulgência de alcançar a remissão da terça parte dos pecados. Se, pois, as indulgências valem tanto quanto o seu conteúdo, então, quem desse um dinheiro, depois mais um e depois ainda um terceiro, alcançaria a absolvição plena da pena de todos os pecados. O que é absurdo.
 
4. Demais. As vezes é a indulgência concedida nos termos seguintes: quem entrar numa igreja ganhará sete anos de perdão dos pecados. Se, pois, uma indulgência vale tanto quanto o seu conteúdo, quem morar perto dessa igreja ou os clérigos da mesma, que a ela vão quotidianamente, ganharão tanto como os que vem de longe o que é injusto. E além disso, segundo parece, ganhará num dia tantas vezes indulgências quantas entrar nessa igreja.
 
5. Demais. Perdoar a alguém uma pena, além do merecido, é o mesmo que perdoar sem causa, pois esse excesso por nada é recompensado. Ora, quem concede a indulgência não pode perdoar a ninguém a sua pena, total ou parcialmente, sem causa; como se lhe dissesse o Papa: Eu te perdoo toda a pena devida pelo pecado. Logo, parece que também não pode perdoar nada além da justa medida. Ora, as indulgências às vezes são pregadas além da justa medida. Logo, não valem tanto quanto o seu contendo.
 
Mas, em contrário. A Escritura diz: Acaso necessita Deus das vossas mentiras para que em sua defesa faleis dolosamente? Logo, a Igreja, quando prega as indulgências, não mente. Logo, valem tanto quanto o por que são pregadas.
 
2. Demais. O Apóstolo diz: Se é vã a nossa pregação também é vã a vossa fé. Logo, quem diz falsidades na pregação torna vã, o quanto pode, a sua fé e portanto peca mortalmente. Logo, se as indulgências não valem tanto quanto o por quê são pregadas, todos os que as pregam pecam mortalmente. O que é absurdo.
 
SOLUÇÃO. Nesta matéria várias são as opiniões. Uns dizem que tais indulgências não valem tanto quanto o seu conteúdo, mas valem para cada um na medida da sua fé e devoção. Mas afirmam que a Igreja usa de uma linguagem exagerada para, mediante uma pia fraude, aliciar à beneficência, como a mãe que promete uma fruta ao filho para provocá-lo a andar. Mas essa é uma opinião muito perigosa de se professar. Pois, como diz Agostinho, se se encontrasse na Sagrada Escritura algo de falso, perderia ela a força da sua autoridade. Semelhantemente, se descobríssemos alguma falsidade na pregação da Igreja, nenhuma autoridade lhe teriam os ensinamentos, para roborar a fé.
 
Por isso outros disseram, que as indulgências valem tanto quanto o seu conteúdo, segundo uma justa ponderação; não porém segundo a ponderação de quem a dá, que estima excessivamente a sua dádiva; nem segundo a estimação de quem a recebe, que poderia avaliar em muito pouco o que foi dado; mas segundo uma avaliação justa, justa pelo juízo dos bons, pesada a condição da pessoa, a utilidade e a necessidade da Igreja, pois, num tempo ela pode necessitar mais que em outro. Mas esta opinião não pode sustentar-se, como passamos a expor. Primeiro, porque de acordo com ela, as indulgências não valeriam para a remissão, mas só para uma certa comutação dos pecados. Além disso, a pregação da Igreja não seria isenta de mentira. Pois, às vezes, uma indulgência seria pregada, muito maior que o que poderia exigir uma justa estimativa, pesadas todas as condições referidas. Assim, quando o Papa concede a indulgência de sete anos a quem entrar numa igreja; e tais indulgências também foram instituídas por São Gregório nas estações de Roma.
 
Por isso outros dizem, que a extensão do perdão nas indulgências não se deve medir pela devoção de quem as ganha somente, como professa a primeira opinião; nem pela quantidade do que é dado, como quer a segunda; mas pela causa por que a indulgência é concedida, e que faz com que alguém seja digno de a ganhar. Por onde, conforme o que se dá por essa causa, nessa medida se consegue o perdão concedido pela indulgência, total ou parcialmente. Mas, de novo, isto não pode salvar o costume da Igreja que concede uma indulgência, ora maior, ora menor, pela mesma causa. Assim, nas mesmas circunstâncias, ora dá a indulgência de um ano aos visitantes de uma igreja; ora, quarenta dias como se o Papa, concedendo uma indulgência, quisesse conferir uma graça. Por onde, a extensão do perdão concedido pela indulgência não se deve medir pela causa, que tornou alguém digno dela.
 
Devemos, pois, opinar diferentemente, que a extensão do efeito depende da extensão da causa. Ora, a causa da remissão da pena nas indulgências não é outra senão a abundância dos méritos da Igreja, suficiente para fazer expiar totalmente a pena. E não é a causa efetiva dela nem a devoção, nem a pena, nem o dom feito por quem a recebe, nem a causa por que é ela dada. Por isso, não há mister de proporcionar a nada disso a extensão do perdão; mas aos méritos, da Igreja, que sempre superabundam. Portanto na medida em que a cada um forem esses méritos aplicados, nessa mesma conseguirá o perdão da culpa. Mas, a fim de serem aplicados a uma pessoa determinada, é necessária a autoridade de dispensar o referido tesouro e a união daquele a quem é dispensado como aquele que mereceu, o que se faz pela caridade. Necessária também é a razão da dispensa, pela qual se obedeça à intenção dos autores de tais obras meritórias pois as fizeram para a honra de Deus e a utilidade geral da Igreja. Por onde, qualquer causa, que redunde em utilidade da Igreja e honra de Deus, é razão suficiente de conceder indulgências.
 
E assim devemos, com outros, pensar que, absolutamente falando, as indulgências tanto valem quanto o por que são pregadas. Contanto que tenha autoridade quem a concede; haja caridade da parte de quem a recebe; e da parte da causa, a piedade, que compreende a honra de Deus e a utilidade do próximo. Nem isso torna demasiado largo o tribunal de Deus ou derroga à justiça divina; porque nada é perdoado da pena, mas a pena de um é atribuída a outro.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. O poder das chaves, como dissemos, é de duas espécies: o da ordem e o da jurisdição. A chave da ordem é um sacramental. E como os efeitos dos sacramentos não são determinados pelo homem, mas por Deus, o sacerdote não pode determinar quanto, pela chave da ordem, é perdoado da pena devida, no foro da consciência; mas tanto será perdoado quanto Deus tiver ordenado. A chave da jurisdição porém não é um sacramental e o seu efeito depende do arbítrio humano. E o efeito dessa chave é a remissão operada pelas indulgências; pois, não depende esse perdão da dispensa dos sacramentos, mas da dos bens comuns da Igreja. Por isso, também os legados não-sacerdotes podem conferir indulgências. Portanto, no arbítrio de quem as concede está determinada a quantidade da pena que pela indulgência será perdoada. Se porém o perdão for desordenado, de modo que os fiéis venham, quase, por nada, a abandonar as obras de penitência: peca quem tais indulgências concede; mas nem por isso deixará ninguém de ganhar uma indulgência plenária.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Embora as indulgências valham muito para a remissão da pena, contudo as outras obras satisfatórias são mais meritórias para se ganhar o prêmio essencial o que é infinitamente melhor que a remissão da pena temporal.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. Quando é concedida uma indulgência determinadamente a quem der auxílio para a fábrica de uma igreja, entende-se esse auxílio como sendo proporcionado a quem o dá; e conforme maior ou menor for ele, maior ou menor será a indulgência ganha. E assim, o pobre que só der um dinheiro ganhará totalmente a indulgência; não porém o rico, que não deve para obra tão pia e frutuosa dar tão pouco, que se poria no caso de um rei do qual não se disse que socorreu alguém por lhe ter dado um óbulo.
 
RESPOSTA À QUARTA. - Quem mora perto da igreja, bem como os sacerdotes e os clérigos ganham tanta indulgência como os que vêm de mil léguas de distância; porque o perdão não se proporciona ao trabalho, como se disse, mas aos méritos aplicados. Mas quem mais penas se desse mais méritos adquiriria. Mas isto se entende de indulgência dada indistintamente. As vezes porém faz-se distinção. Assim o Papa, nas absolvições gerais, dá cinco anos aos que atravessam o mar; aos que atravessarem montes, três; aos outros, um. Contudo, os que visitam o lugar referido, no período durante o qual podem ganhar a indulgência, tantas vezes quantas puderem, nem por isso ganharão outras tantas indulgências. Pois, às vezes uma indulgência é concedida só num tempo determinado, como quando se diz: Quem visitar a igreja tal em tal tempo ganhará tanto de indulgência; entendendo-se uma vez só. Mas se numa igreja houver indulgência perene, como a de quarenta dias na igreja de S. Pedro, então quantas vezes alguém a visitar, outras tantas indulgências ganhará.
 
RESPOSTA À QUINTA. A causa da indulgência é necessária, não a fim de por ela dever medir-se o perdão da pena, mas para que a intenção daqueles cujos méritos são comunicados possa aplicar-se a quem ganhar a indulgência. Ora, o bem de um pode comunicar-se a outro de dois modos. Primeiro, pela caridade; e então, mesmo sem indulgências podemos, se temos a caridade, participar de todos os bens praticados. De outro modo, pela intenção de quem praticou a obra. E assim, pelas indulgências, havendo causa legítima, poderá a intenção de quem praticou uma obra para utilidade da Igreja ser aplicada a quem ganha a indulgência.

Art. 1 — Se a indulgência pode remitir algo da pena satisfatória.

O primeiro discute-se assim. Parece que a indulgência nada pode remitir da pena satisfatória.
 
1. Pois, aquilo do Apóstolo Não pode negar-se a si mesmodiz a Glosa: O que faria, se não cumprisse o prometido. Ora, o próprio Senhor o disse: o número dos golpes regular-se-á pela qualidade do pecado. Logo, nada pode ser perdoado da pena satisfatória, determinada conforme a quantidade da culpa.
 
2. Demais. O inferior não pode absolver daquilo a que o superior obrigou. Ora, Deus, quando absolve da culpa, obriga à pena temporal, como diz Hugo Vitorino. Logo, ninguém pode absolver dessa pena, perdoando alguma parte dela.
 
3. Demais. Pertence ao poder da excelência conferir o efeito dos sacramentos, sem eles. Ora, ninguém tem, a não ser Cristo, o poder de excelência sobre os sacramentos. Ora, sendo a satisfação parte do sacramento da penitência, contribuindo para o perdão da pena devida, parece que nenhum homem, como tal, pode perdoar o débito da pena, sem a satisfação.
 
4. Demais. O poder não foi dado aos ministros da Igreja para a destruição, mas para a edificação. Ora, seria para a destruição, se eliminasse a satisfação, dada como remédio à nossa utilidade. Logo, o poder dos ministros da Igreja não se estende a tal.
 
Mas, em contrário. Aquilo do Apóstolo: Pois eu também a indulgência de que usei, se de alguma tenho usado, foi por amor de vós em pessoa de Cristo, diz a Glosa: isto é, como se Cristo a usasse. Ora, Cristo podia perdoar, sem qualquer satisfação, a pena do pecado, como o fez à mulher adúltera. Logo, também o podia Paulo. Portanto, também o pode o Papa, que não tem na Igreja menor poder que o que tinha Paulo.
 
2. Demais. A Igreja universal não pode errar; pois aquele que em tudo foi atendido pela sua reverência, disse a Pedro, sobre cuja confissão foi fundada a Igreja: Eu roguei por ti para que a tua fé não falte. Ora, a Igreja universal aprova e concede as indulgências. Logo, algum valor elas tem.
 
SOLUÇÃO. — Todos concedem o valor das indulgências, pois, seria ímpio dizer que a Igreja faz qualquer coisa em vão. Certos porém afirmam, que não valem para absolver do reato da pena a ser expiada no purgatório, pelo juízo de Deus; valem porém para absolver da obrigação, pela qual o sacerdote impôs ao penitente uma certa pena, ou a que ele estava obrigado por determinação dos cânones.
 
Esta opinião porém não pode ser tida como verdadeira. Primeiro, porque contraria expressamente o privilégio dado a Pedro que seria perdoado no céu o que perdoasse na terra. Por onde, o perdão dado no tribunal da Igreja vale também no tribunal de Deus. Além disso, concedendo tais indulgências a Igreja antes causaria dano do que auxílio; pois castigaria com as penas do purgatório, que são mais graves, depois de ter perdoado as penitências impostas.
 
Por isso, devemos, de outro modo, afirmar que valem tanto no foro da Igreja quanto no tribunal de Deus, para perdoar as penas restantes depois da contrição, da confissão e da absolvição, quer tenham sido impostas, quer não. E a razão por que podem valer é a unidade do corpo místico na qual muitos fizeram obras de penitência excedentes à medida dos seus débitos; e também sofreram com paciência muitas tribulações injustas pelas quais poderiam expiar uma multidão de penas, se destas fossem réus. E desses méritos tanta é a riqueza que excedeu o total das penas atuais devidas pelos vivos. Mas sobretudo pelo mérito de Cristo que, embora obre nos sacramentos, não limita a eles contudo a sua eficácia; mas pela sua infinidade excede a eficácia dos sacramentos.
 
Ora, como dissemos antes, um pode satisfazer por outro. Os santos porém, cujas obras encerram uma superabundância de satisfação, não nas praticaram por ninguém que em particular precisasse de perdão, pois do contrário, conseguiria esse o perdão sem necessidade de nenhuma indulgência; mas as praticaram, em geral para toda a Igreja, como o Apóstolo diz de si, que cumpre o que resta a padecer a Jesus Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja, à qual escreve. E assim, os referidos méritos são comuns a toda a Igreja. Ora, o que é comum a uma multidão distribuise a cada membro dela segundo o arbítrio de quem a governa. Por onde, assim como alcançaria o perdão dos pecados aquele por quem outrem satisfizesse, assim também se a satisfação de outrem lhe fosse distribuída por quem tem o poder de o fazer.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. O perdão causado pelas indulgências não elimina a proporção entre a pena e a culpa; pois, pela culpa de um, outro sofre voluntariamente uma pena.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Quem ganha as indulgências não fica absolvido, simplesmente falando, do débito da pena, mas recebe o com que pague esse débito.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. O efeito da absolvição sacramental é a diminuição do reato. E esse efeito não no produzem as indulgências; mas quem lhe concede as indulgências absolve o pecador da pena devida, em virtude dos bens comuns da Igreja, como do sobre dito se colhe.
 
RESPOSTA À QUARTA. A graça, mais que as nossas obras habituais, dá o remédio para evitarmos os pecados. E como o afeto, que quem ganha as indulgências concebe, em relação à causa pela qual a indulgência é dada, dispõe para a graça, por isso também pelas indulgências é dado o remédio para se evitarem os pecados. Por onde, a concessão de indulgências não concorre para a ruína das almas, salvo se o forem desordenadamente. Contudo deve-se aconselhar aos que as ganham, que nem por isso se abstenham das obras de penitência prescritas; a fim de também nelas haurirem o remédio, embora imunes do débito da pena, e sobretudo porque pode se dar sejam mais devedores do que crêem.

Questão 25: Da indulgência em si mesma.

Em seguida devemos tratar da indulgência.
 
E primeiro, em si mesma considerada. Segundo, dos que a concedem. Terceiro, dos que a recebem.
 
Na primeira questão discutem-se três artigos:

Art. 3 — Se o firmamento divide umas, de outras águas.

O terceiro discute-se assim. — Parece que o firmamento não divide umas, de outras águas.
 
1. — Pois, cada corpo tem, especificamente, o seu lugar natural. Ora, água é da mesma espécie que água, como diz o Filósofo. Logo, não se podem distinguir, localmente, umas, de outras águas.
 
2. Demais. — Se se disser que essas águas da parte superior do firmamento são de outra espécie que as da parte inferior, digo em contrário o seguinte. — Seres especificamente diversos não precisam de outro que os distingam. Se, pois, as águas superiores e inferiores diferem especificamente, o firmamento não as distingue umas, de outras águas.
 
3. Demais. — Só pode distinguir umas, de outras águas o que é tocado delas por ambos os lados; como a parede levantada no meio de um rio. Ora, é manifesto, as águas inferiores não atingem o firmamento. Logo, este não divide umas, de outras águas.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura: Faça-se o firmamento no meio das águas, e separe umas águas das outras águas.
 
Solução. — Quem considerasse superficialmente a letra do Gênesis, poderia ter tal imaginação, segundo a posição de certos filósofos antigos, que ensinavam ser a água um corpo infinito, princípio de todos os outros corpos. E que essa imensidade das águas podia estar expressa na denominação de abismo, quando a Escritura diz: As trevas cobriram a face do abismo. E também ensinavam que esse céu sensível, que vemos, não contém abaixo de si todos os seres corporais, mas é o corpo infinito das águas superiores ao céu. E assim, poder-se-ia dizer que o firmamento do céu divide as águas exteriores das interiores, i. é, de todos os corpos contidos abaixo do céu, cujo princípio ensinavam ser a água.
 
Como porém se demonstra por verdadeiras razões a falsidade dessa doutrina, não podemos considerá-la como expressiva do sentido da Escritura. Mas devemos atender a que Moisés, falando a um povo rude, e condescendendo com a ignorância deles, propôs-lhes só o manifestamente aparente aos sentidos. Pois todos, por mais rudes que sejam, depreendem pelos sentidos que a terra e a água são corpos. Mas já nem todos percebem que o ar é corpo; a ponto de até certos filósofos dizerem que o ar nada é, chamando vácuo ao que está cheio de ar. Por isso, Moisés faz menção expressa da água e da terra, sem nomear o ar, para não propor nada de ignoto a gente rude. Mas, para exprimir a verdade aos capazes, dá lugar para se compreender o que seja o ar, denominando-o como anexo à água, quando diz que as trevas cobriam a face do abismo; dando assim a entender que sobre a face das águas há um corpo diáfano, sujeito da luz e das trevas.
 
Quer, pois, entendamos, por firmamento, o céu onde estão as estrelas, ou o espaço nebuloso do ar, com propriedade se diz que o firmamento divide umas, de outras águas, sendo estas ou a matéria informe, ou todos os corpos diáfanos, incluídos nessa comum denominação. Pois, o céu sidéreo distingue os corpos inferiores diáfanos dos superiores; ao passo que o ar nebuloso distingue a parte superior do ar, onde se geram as chuvas e outras impressões, da inferior, conexa com as águas e compreendida nesta denominação.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Se por firmamento se entende o céu sidéreo, as águas superiores não são da mesma espécie que as inferiores. Se porém se entende o ar nebuloso, então ambas as águas são da mesma espécie; deputando-se-lhes dois lugares, embora não pela mesma razão; pois, o lugar superior é o da geração delas e o inferior, do repouso.
 
Resposta à segunda. — Se se admitem as águas como especificamente diversas, diz-se que o firmamento as divide, não como causa da divisão, mas como limite de umas e outras.
 
Resposta à terceira. — Moisés, por causa da invisibilidade do ar e de corpos semelhantes, compreendeu todos os corpos dessa natureza na denominação de água. Por onde, é manifesto que há águas de ambos os lados do firmamento, como quer que se compreenda este.

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