Category: Santo Tomás de Aquino
O quinto discute-se assim. — Parece que contra uma corporação interna pode ser proferida sentença de excomunhão.
1. — Pois, pode uma corporação constituir-se para um mau fim. Ora, a excomunhão deve ser aplicada a quem é contumaz na malícia. Logo, pode ser proferida a excomunhão contra uma corporação inteira.
2. Demais. — O gravíssimo na excomunhão é a separação dos sacramentos da Igreja. Ora, pode se dar que a toda uma cidade seja interdita a celebração dos sacramentos. Logo, também uma corporação inteira pode ser excomungada.
Mas, em contrário, a Glosa de Agostinho, que diz que nem o príncipe nem o povo devem ser excomungados.
SOLUÇÃO. — Ninguém deve ser excomungado senão por um pecado mortal. Ora, o pecado consiste num ato; e este não é prática de uma comunidade, mas de cada um em particular, no mais das vezes. Por isso cada membro da comunidade de per si pode ser excomungado, mas não a comunidade mesma. E se por vezes se dá que o autor do ato é toda a multidão em si mesma — como quando muitos puxam um barco, o que cada um por si só não poderia fazer — contudo não é provável que uma comunidade consinta toda ela no mal a ponto de dele não discernir nenhum dos membros da mesma. E como não é próprio de Deus, juiz de toda a terra, condenar o justo com o ímpio, no dizer da Escritura, por isso a Igreja, que deve imitar o juízo de Deus, bastante providente estatuiu, que uma comunidade não seja excomungada, para que talvez não suceda que, arrancando a cizânia, arranqueis juntamente com ela também o trigo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A solução se deduz do que foi dito.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A suspensão não é tão grande pena como a excomunhão; porque os suspensos não ficam privados dos sufrágios da Igreja, como os excomungados. Por onde, pode um ser suspenso sem ser por pecado próprio; assim como todo um reino pode ser posto sob interdito pelo pecado do rei. Portanto, não há símile entre a excomunhão e a suspensão.
O quarto procede-se assim. — Parece que alguém pode excomungar a si mesmo, ao seu igual ou ao superior.
1. — Pois, o anjo de Deus era maior que Paulo, segundo aquilo do Evangelho: O que é menor no reino dos céus é maior do que ele, pois entre os nascidos de mulheres não se levantou outro maior. Ora, Paulo excomungou um anjo do céu. Logo, pode um homem excomungar o seu superior.
2. Demais. — O sacerdote excomunga às vezes em geral, por causa de furto ou coisa semelhante. Ora, pode dar-se que o culpado fosse ele próprio ou o superior ou o igual. Logo, pode alguém excomungar a si ou ao igual ou ao superior.
3. Demais. — Alguém pode absolver o seu superior no foro da penitência, ou o seu igual; tal o bispo que se confessa a seus súditos, e quando um sacerdote confessa a outros pecados veniais. Logo, parece que também pode alguém excomungar o superior ou o igual.
Mas, em contrário. — A excomunhão é um ato de jurisdição. Ora, ninguém pode exercer jurisdição sobre si mesmo, porque ninguém pode ser juiz e réu na mesma causa. Nem tão pouco sobre um superior ou um igual. Logo, não pode ninguém excomungar um superior, um igual ou a si mesmo.
SOLUÇÃO. — Como a jurisdição, fazendo de quem a exerce o juiz daquele sobre quem a exerce, o constitui num estado de superioridade sobre este, por isso ninguém pode ter jurisdição sobre si mesmo ou sobre o superior ou sobre o igual. E por consequência, ninguém pode excomungar a si mesmo nem ao superior nem ao igual.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Apóstolo fala hipoteticamente, isto é, suposto que o anjo pecasse; porque então superior não seria ao Apóstolo, mas inferior. Ora, nada há de contraditório que, nas proposições condicionais, cujos antecedentes são impossíveis; impossíveis também sejam os consequentes.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Em tal caso ninguém é excomungado, porque um igual não tem jurisdição sobre o seu igual.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A absolvição e a ligação no foro da confissão são relativas só a Deus, perante quem o superior torna-se inferior por causa do seu pecado. Ora, a excomunhão concerne o juízo externo, onde ninguém perde a superioridade, porque peca. Por onde, não há semelhança de razão num e noutro foro. – E contudo, mesmo no foro da confissão ninguém pode absolver-se a si mesmo, nem ao superior nem ao igual, em matéria de pecado mortal, senão lhe foi isso confiado. Mas, em matéria de pecado venial o pode, porque os pecados veniais
ficam perdoados por qualquer dos sacerdotes que conferem a graça; por onde, a remissão dos pecados veniais resulta do poder da ordem.
O terceiro discute─se assim. — Parece que um excomungado ou um suspenso pode excomungar.
1. — Pois, o excomungado ou o suspenso não perde a ordem nem a jurisdição; porque nem precisa de reordenar-se, depois de absolvido, nem precisa ser de novo instalado no seu curato. Ora, a excomunhão não demanda nem a ordem nem a jurisdição. Logo, também o excomungado e o suspenso podem excomungar.
2. Demais. — Maior poder é necessário para consagrar o corpo de Cristo que para excomungar. Ora, os de que se trata podem consagrar. Logo, podem também excomungar.
Mas, em contrário. — Quem está corporalmente ligado não pode ligar a outrem. Ora, o vínculo espiritual é mais forte que o corporal. Logo, um excomungado não pode excomungar outro, por ser a excomunhão um vínculo espiritual.
SOLUÇÃO. — O uso da jurisdição é relativo a outrem. Por onde, todo excomungado ficando separado da comunhão dos fiéis, fica privado do uso da jurisdição. E como a excomunhão é um ato de jurisdição, um excomungado não pode excomungar. — E o mesmo se dá com o que tem a sua jurisdição suspensa. Se pois, está suspenso apenas da ordem, então não pode exercê-la ou aplicá-la, mas pode exercer a jurisdição. E ao contrário, se está suspenso da jurisdição e não da ordem. E se de ambas, então nada poderá fazer.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora o excomungado ou o suspenso não perca a jurisdição, perde contudo o uso desta.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Consagrar depende do poder resultante do caráter, que é indelével. Por onde, o sacerdote, desde que tem o caráter da ordem, sempre pode consagrar, embora nem sempre isso lhe seja lícito. Outra coisa porém se passa com a excomunhão, resultante da jurisdição, que pode ser perdida ou suspensa.
O segundo discute-se assim. — Parece que os não-sacerdotes não podem excomungar.
1. — Pois, a excomunhão é um ato de poder das chaves, como diz o Mestre das Sentenças. Ora, os não-sacerdotes não tem o poder das chaves. Logo, não podem excomungar.
2. Demais. — Maior poder é necessário para excomungar, do que para absolver no foro da penitência. Ora, o não sacerdote não pode absolver no foro da penitência. Logo, nem proferir excomunhão.
Mas, em contrário, os arquidiáconos, os legados e os prelados eleitos, excomungam, estes que às vezes não são sacerdotes. Logo, nem só os sacerdotes podem excomungar.
SOLUÇÃO. — Os sacramentos pelos quais é conferida a graça, dispensá-los só o podem os sacerdotes. Por isso só eles podem absolver e ligar no foro da penitência. Ora, a excomunhão não diz respeito à graça, diretamente, senão só por consequência, enquanto o excomungado fica separado dos sufrágios da Igreja que dispõem para a graça ou nela conservam. Por isso também os não sacerdotes, contanto que tenham jurisdição no foro contencioso, podem excomungar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora os não-sacerdotes não tenham a chave da ordem, tem contudo a da jurisdição.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A excomunhão e a absolvição estão entre si como o excedente para o excedido. Por isso o que cabe a um não cabe ao outro.
O primeiro discute-se assim. — Parece que qualquer sacerdote pode excomungar.
1. — Pois, a excomunhão é um ato de quem tem o poder das chaves. Ora, qualquer sacerdote tem esse poder. Logo, qualquer sacerdote pode excomungar.
2. Demais. — É mais absolver e ligar no foro da penitência, que no foro judicial. Ora, qualquer sacerdote pode absolver e ligar no foro da penitência os que lhe estão sujeitos. Logo, também pode qualquer sacerdote excomungar os seus súbditos.
Mas, em contrário. — É preciso reservar aos mais elevados em dignidade as funções expostas a maiores perigos. Ora, a pena de excomunhão é muito perigosa, não sendo aplicada com moderação. Logo, não deve ser cometida a qualquer sacerdote.
SOLUÇÃO. — No foro da consciência a causa de decide entre o homem e Deus; ao passo que no foro do juízo exterior, a causa se decide entre um homem e outro. Por onde, a absolvição ou a ligação, que obriga um homem só para com Deus, pertence ao foro da penitência; mas a que obriga para com os outros homens pertence ao foro público do juízo exterior. E o homem pela excomunhão fica separado da comunhão dos fiéis, por isso a excomunhão pertence ao foro exterior. Por isso só podem excomungar os que tem a jurisdição no foro judicial. Donde vem que os bispos, por autoridade própria, e os prelados maiores podem, segundo uma opinião mais comum, excomungar; ao passo que os sacerdotes párocos só o podem quando isso lhes é cometido; ou em certos casos, como o de furto, de roubo e semelhantes, nos quais lhes é concedido por direito, que possam excomungar. — Outros porém disseram que também os sacerdotes párocos podem excomungar. Mas a opinião referida antes é mais racional.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A excomunhão não é menos um ato que implique o uso direto do poder das chaves, que um ato do juízo exterior. Ora, a sentença de excomunhão, embora promulgada pelo juízo exterior, como porém de certo modo respeita à entrada no Reino, pois que a Igreja militante é a via para a triunfante, por isso também essa jurisdição, que da o direito de excomungar, pode chamar-se poder das chaves. Donde o distinguirem certos a chave da ordem, que todos os sacerdotes tem, da chave da jurisdição no foro judicial, que tem só os juízes do foro exterior. E ambas essas chaves Deus concedeu a Pedro; e deles derivam esses poderes, naqueles que o tem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os sacerdotes párocos tem certa jurisdição sobre os seus súditos, quanto ao foro da consciência, mas não quanto ao foro judicial, porque não podem convir na presença deles nos negócios contenciosos. Por isso não podem excomungar, mas podem absolver no foro da penitência. E embora o foro da penitência seja mais digno, contudo o foro judicial demanda maior solenidade; porque nele há de satisfazer-se não só a Deus mas também ao homem.
Em seguida devemos tratar dos que podem excomungar e ser excomungados.
E nesta questão discutem-se seis artigos:
O quarto discute-se assim. — Parece que uma excomunhão injustamente proferida não produz nenhum efeito.
1. — Pois, a excomunhão priva da proteção e da graça de Deus, da qual ninguém pode ser privado sem injustiça. Logo, a excomunhão proferida injustamente não produz nenhum efeito.
2. Demais. — Jerônimo diz que seria orgulho farisaico considerar como ligado ou absolvido, quem foi ligado ou absolvido injustamente. Ora, o orgulho farisaico se inspira na soberba e no erro. Logo a excomunhão injusta não produz nenhum efeito.
Mas, em contrário. — Segundo Gregório, ordens de um pastor, quer justas, quer injustas, devem ser temidas. Ora, não o seriam se não produzissem nenhum dano, mesmo quando injusto. Logo, etc.
SOLUÇÃO. — Uma excomunhão pode ser considerada injusta de dois modos. — Primeiro por parte do seu autor, como quando o faz por ódio ou ira. E então a excomunhão nem por isso deixa de produzir o seu efeito, embora quem excomunga peque; pois, o excomungado sofre justamente, embora o autor da excomunhão tenha procedido injustamente. — De outro modo, por parte da excomunhão mesma: ou por não ser justa sua causa; ou por ter sido proferida a sentença, em desobediência à exigência do direito. E então, sendo a sentença de modo errada a se tornar nula, não tem nenhum efeito, por não ser excomunhão. Se porém o erro não anular a sentença, esta produz o seu efeito. O excomungado deve então obedecer-lhe humildemente, o que lhe redundará em mérito. Ou pode recorrer a um juiz superior ou pedir ser absolvido da excomunhão. Se porém a desprezar por isso mesmo pecará mortalmente. — Acontece porém algumas vezes, que a causa seja justa por parte de quem excomunga, sem o ser da parte do excomungado; como quando alguém é excomungado por um falso crime, provado em juízo. E então, se humildemente o suportar, o mérito da humildade recompensará o dano da excomunhão.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. — Embora não possamos perder injustamente a graça de Deus, podemos porém perder injustamente as condições que da nossa parte disporiam a essa graça; assim, se alguém fosse privado do poder de ensinar, que justamente tem. E neste sentido dizemos que a excomunhão priva da graça de Deus, como do sobre dito de colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Jerônimo se refere à culpa e não as penas, que podem também ser injustamente infligidas pelos reitores das Igrejas.
O terceiro discute-se assim. — Parece que ninguém deve ser excomungado por causa de um dano material.
1. — Pois, não deve a pena exceder à culpa. Ora, a pena de excomunhão é a privação de um bem espiritual, que tem preeminência sobre todos os bens temporais. Logo, por causa de um bem temporal ninguém deve ser excomungado.
2. Demais. — A ninguém devemos pagar o mal com o mal, segundo o preceito do Apóstolo. Ora, seria pagar o mal com o mal o excomungar alguém por um mal temporal. Logo, de nenhum modo isso deve fazer-se.
Mas, em contrário, Pedro condenou à morte Ananias e Safira pela defraudação do preço de um campo. Logo, também à Igreja é lícito ex-comungar por causa de danos temporais.
SOLUÇÃO. — Pela excomunhão o juiz eclesiástico exclui de certo modo, do Reino, os excomungados. Ora, não deve excluir do Reino senão os indignos, como resulta da definição do poder das chaves. E ninguém se torna indigno senão pelo pecado mortal, que priva da caridade, que é o caminho conducente ao Reino. Por onde, ninguém pode ser excomungado senão por causa de pecado mortal. Mas, quem prejudica a outrem no seu ou nos seus bens temporais, de certo modo peca mortalmente e age contra a caridade. Portanto, contra quem causou um dano material, pode a Igreja proferir a excomunhão. Ora, como a excomunhão é a gravíssima das penas, as penas são remédios, segundo o Filósofo, por isso, assim como um médico sábio começa pelos remédios mais brandos e menos perigosos, assim também não deve a excomunhão ser infligida, mesmo por um pecado mortal, senão ao pecador contumaz, ou porque não se apresentou ao juiz, ou por ter abandonado o juízo sem licença e antes de ele terminado, ou por não lhe obedecer à determinação. Pois então, se depois de advertido não obedecer e desprezar, será reputado contumaz; e deve ser excomungado pelo juiz, que já nada mais tem a fazer contra ele.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A gravidade da culpa não se mede pelo dano causado pelo seu autor, mas pela vontade que teve de agir contra a caridade. Por onde, embora a pena de excomunhão exceda o dano, não excede contudo a gravidade da culpa.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Ao que a pena corrige não se lhe faz um mal mas um bem; porque as penas são remédios, como se disse.
O segundo discute-se assim. — Parece que a Igreja não deve excomungar ninguém.
1. — Pois, a excomunhão é uma maldição. Ora, segundo o Apóstolo, somos proibidos de maldizer. Logo, a Igreja não deve excomungar.
2. Demais. — A Igreja militante deve imitar a triunfante. Ora, na Epístola de S. Judas se lê: Quando o arcanjo Miguel, disputando com o diabo, altercava sobre o corpo de Moisés, não se atreveu a fulminar-lhe sentença de blasfemo, mas disse — mande-te o Senhor. Logo, também a Igreja militante não deve proferir contra ninguém um juízo de maldição e excomunhão.
3. Demais. — Ninguém deve ser entregue às mãos de seu inimigo, salvo quem estiver de todo desesperado. Ora, pela excomunhão o ex-comungado comungado é entregue às mãos de Satanás, como o diz o Apóstolo. Logo, como de ninguém devemos desesperar nesta vida, a Igreja não deve excomungar a ninguém.
Mas, em contrário, O Apóstolo manda que um certo seja excomungado.
2. Demais. — No Evangelho se diz daquele que despreza ouvir as palavras da Igreja: Tem-no por um gentio ou um publicano. Ora, os gentios estão fora da Igreja. Logo, os que desprezam ouvir as palavras da Igreja, devem ser excluídos pela excomunhão.
SOLUÇÃO. — O juízo da Igreja deve ser conforme ao juízo de Deus. Ora, Deus pune de muitos modos os pecadores, para trazê-las ao bem: ou castigando-os com flagelos; ou abandonando-os a si próprios de maneira que, subtraindo-lhes os seus auxílios, que os livram de cair no mal, reconheçam suas fraquezas e voltem humildes ao Deus de que se afastaram na sua soberba. Ora, de ambos esses modos a Igreja, na sentença de excomunhão, imita o juízo divino. Assim, quando exclui alguém da comunhão dos fiéis, para que disso se envergonhe, imita o juízo divino, que castiga com os seus flagelos. E quando exclui dos sufrágios e dos outros bens espirituais, imita o juízo divino pelo qual o homem é abandonado a si próprio, a fim de que conhecendo-se a si mesmo com humildade, volte para Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — De dois modos pode se dar a maldição. — Primeiro, tendo como intenção o mal mesmo que irrogamos ou dizemos, e tal maldição é absolutamente proibida. — Ou com a intenção de que redunde em bem de outrem o mal que lhe desejamos com a nossa maldição. E assim, a maldição é às vezes lícita e salutar, do mesmo modo que um médico pratica sobre um doente o mal da incisão, para livrá-lo da doença.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O diabo é incorrigível. Por isso não é susceptível de nenhum bem, pela pena de excomunhão.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O fato mesmo de ser um privado dos sufrágios da Igreja causa-lhe tríplice dano, oposto ao tríplice bem que recebemos dos sufrágios da Igreja. — Pois, esses sufrágios valem para o aumento da graça nos que já a tem, ou para merecê-la nos que não a tem. Por isso, o Mestre das Sentenças diz: Da graça de Deus ficamos privados pela excomunhão. — Também valem para guarda da virtude. Por isso diz que ficamos privados da proteção; não que o excomungado seja absolutamente excluído da providência divina, senão só daquela proteção com que Deus guarda de modo mais especial os filhos da Igreja. — Servem também para nos defender do inimigo. Por isso diz, que ao diabo é dado maior poder, espiritual e corporal, de agir sobre o excomungado. Por isso, na Igreja primitiva quando era necessário trazer os homens à fé por meio de sinais, assim como os dons do Espírito Santo se manifestavam visivelmente, assim também a excomunhão era conhecida pelas vexações corporais causadas do diabo. Nem há mal em entregar ao inimigo quem não desesperou; pois, não lhe é entregue como danando, mas como corrigindo, porque a Igreja tem o poder de lh'o arrancar das mãos quando quiser.
O primeiro discute-se assim. — Parece má a seguinte definição da excomunhão, dada por certos: A excomunhão é a separação da comunhão da Igreja, quanto ao fruto e aos sufrágios gerais.
1. — Pois, os sufrágios da Igreja aproveitam àqueles por quem se fazem. Ora, a Igreja reza pelos separados dela, como os heréticos e os pagãos. Logo, pelos excomungados, que também estão fora dela. Portanto, os sufrágios da Igreja lhes aproveitam.
2. Demais. — Ninguém perde, senão por culpa, os sufrágios da Igreja. Ora, a excomunhão não é culpa, mas pena. Logo, por ela ninguém perde os sufrágios comuns da Igreja.
3. Demais. — Fruto da Igreja não há outro senão os sufrágios; pois, não podemos aplicar a definição ao fruto das boas obras temporais, de que não ficam privados os excomungados. Logo, não se deviam incluir os frutos e os bens temporais na definição.
4. Demais. — A excomunhão menor é uma excomunhão. Ora, por ela não se perdem os sufrágios da Igreja. Logo, a definição não é boa.
SOLUÇÃO — Quem pelo batismo entra na Igreja a duas coisas fica adstrito — à comunhão dos fiéis e à participação dos sacramentos. Destes, a segunda pressupõe a primeira, porque na participação dos sacramentos também os fiéis comunicam. Por onde, pode alguém ficar fora da Igreja pela excomunhão, de dois modos. Primeiro, por ficar privado só da participação dos sacramentos, e essa será a excomunhão menor. Segundo, por ser excluído tanto dessa participação como da comunhão dos fiéis, e essa será a excomunhão maior ora definida. Não pode haver um terceiro caso — o de ser excluído da comunhão dos fiéis mas não da participação dos sacramentos, pela razão já dada, a saber, porque os fiéis comunicam nos sacramentos. Ora, a comunicação dos fiéis é dupla — uma espiritual, como nas orações mútuas e nas reuniões para receber os sacramentos; outra, a em matéria temporal, suposto que o seja por atos permitidos. E essas comunicações estão contidas nos versículos seguintes:
Quem se fizer anátema pelos seus delitos.
Negue-se-lhe a boca, a oração, o adeus e a mesa.
Pela negação da boca não se lhe dará o ósculo: pela da oração não se rezará com os excomungados; pela do adeus não se lhe dará saudação; pela da comunhão, ninguém comunicará com ele nos sacramentos; nega-se-lhe a mesa porque ninguém comerá com ele. — Ora, a definição referida implica a separação dos sacramentos, quando diz — quanto ao fruto; da comunhão dos fiéis, na ordem espiritual, quando diz — e dos sufrágios comuns da Igreja. — Há porém outra definição, fundada na separação dos dois atos supra-referidos, e é a seguinte: A excomunhão é a separação de qualquer comunhão ou ato legítimo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Oramos pelos infiéis mas da oração não colhem eles o fruto senão quando se converterem à fé. Também podemos orar pelos excomungados, embora não nas orações que se fazem pelos membros da Igreja. Contudo, não lhes colhem os frutos Enquanto lhes dura a excomunhão; mas oramos para que se lhes dê o espírito de penitência, a fim de serem absolvidos da excomunhão.
RESPOSTA A SEGUNDA. — Os nossos sufrágios aproveitam a outrem na medida em que não lhe sofrem solução de continuidade. Ora, pode haver continuidade entre a ação de um e o outro, a quem aproveita, de dois modos. Primeiro, em virtude da caridade, que abrange todos os fiéis numa só unidade em Deus, conforme o dito da Escritura: Eu sou participante, etc. E essa continuidade a excomunhão não a interrompe. Pois, justamente ninguém pode ser excomungado senão por uma culpa mortal, pela qual já se apartou da caridade, mesmo sem estar excomungado. Ora, uma excomunhão injusta a ninguém priva da caridade; pois esta é dos bens máximos, que a ninguém podem ser tirados, contra a vontade. — Segundo, pela intenção de quem faz os sufrágios, cujo objeto é aquele por quem são feitos. E essa continuidade a excomunhão a exclui; pois, pela sentença da excomunhão, a Igreja exclui os excomungados do grêmio dos fiéis, pelos quais os sufrágios se fazem. Por isso, os sufrágios da Igreja, feitos pela Igreja universal, não lhes aproveitam; e nenhum membro da Igreja, agindo em nome desta, pode orar por eles, embora um particular possa fazer algum sufrágio com a intenção de lhes obrar a conversão.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O fruto espiritual da Igreja não só resulta dos sufrágios, mas também do recebimento dos sacramentos e da comunicação dos fiéis.
RESPOSTA À QUARTA. — A excomunhão menor não realiza perfeitamente a essência da excomunhão; mas algo dela participa. Por onde, não é necessário lhe convenha totalmente com a definição da excomunhão, mas bastando que o seja apenas parcialmente.