O primeiro discute-se assim. — Parece que o sacerdote pode exercer o seu poder das chaves sobre qualquer.
1. Pois, o poder das chaves o sacerdote o tem daquela autoridade divina que disse: Recebei o Espírito Santo; aos que vós perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados. Ora, isso o disse indeterminadamente, de todos. Logo, quem tem o poder das chaves pode usar dele indeterminadamente sobre qualquer.
2. Demais. — Uma chave material que abre uma fechadura abre todas as da mesma forma. Ora, todos os nossos pecados são, pela mesma razão, obstáculos para a nossa entrada no céu. Logo, podendo o sacerdote absolver a um, em virtude do seu poder das chaves, poderá também absolver qualquer outro.
3. Demais. — O sacerdócio do Novo Testamento é mais perfeito que o do Antigo. Ora, o sacerdote do Antigo Testamento podia exercer o poder de discernir entre lepra e lepra, indiferentemente em relação a todos. Logo e com maior razão o sacerdote evangélico pode exercer o seu poder sobre todos.
Mas, em contrário, um cânone: A nenhum sacerdote é permitido ligar ou absolver o paroquiano de outro. Logo, qualquer sacerdote não pode absolver a qualquer.
2. Demais. — O juízo espiritual deve ser mais ordenado que o temporal. Ora, no juízo temporal não pode qualquer juiz julgar a qualquer. Ora, o uso do poder das chaves sendo o exercício de um juízo, não pode um sacerdote qualquer exercer o seu poder das chaves sobre qualquer.
SOLUÇÃO. — O que deve ser aplicado a casos particulares não compete a todos do mesmo modo. Por isso, assim como os médicos devem conhecer o meio de aplicar os preceitos gerais da medicina a cada doente em particular, assim em qualquer governo é necessário haver quem aplique os preceitos universais da lei a cada caso concreto. Eis porque a hierarquia celeste, abaixo das Potestades, que governam indistintamente, vem os Principados, atribuídos a cada província em particular, e abaixo deles os anjos, destinados à guarda de cada homem, conforme resulta do que dissemos no segundo livro. E o mesmo deve passar no governo da Igreja militante, de modo que a certos caiba governar indistintamente a todos; e abaixo desses exerçam outros um poder distinto sobre diversos. E como o uso das chaves exige um poder superior, em virtude do qual aquele a quem é comunicado o uso delas seja a matéria própria do ato do primeiro, por isso, quem tem indistintamente o poder sobre todos pode exercer o das chaves sobre qualquer. Aqueles porém que, em dependência desse receberam poderes distintos, não podem exercê-los sobre quaisquer, mas só sobre os que lhes caíram por sorte; salvo em artigo de necessidade, quando a ninguém se devem negar os sacramentos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Para absolver do pecado é necessário um duplo poder: o da ordem e o da jurisdição. O primeiro todos os sacerdotes o tem igualmente; mas não o segundo. Por isso quando o Senhor deu em geral a todos os Apóstolos o poder de perdoar os pecados, entende-se por esse poder o resultante da ordem. Daí aos sacerdotes se lhes dizerem as referidas palavras, quando se ordenam. Mas a Pedro em particular deu o poder de perdoar os pecados; entendendo-se que tem ele, de preferência aos outros, o poder de jurisdição. Quanto ao poder da ordem, dá por si mesmo a faculdade de absolver a todos. Por isso o Senhor disse indeterminadamente — Aos que vós perdoardes os pecados, entendendo contudo que o uso desse poder devia ser em dependência do que antes foi conferido a Pedro, quando o Senhor mesmo o ordenou.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Uma chave material não pode abrir senão a fechadura para a qual foi feita; nem nenhuma virtude ativa pode agir senão sobre a matéria própria. Ora, uma pessoa se torna a matéria própria do poder da ordem, pela jurisdição. Por isso ninguém pode exercer o poder das chaves sobre quem não lhe foi dada jurisdição.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O povo de Israel era um povo único e tinha um só templo. Por isso não era necessário distinguir as jurisdições dos sacerdotes, como agora na Igreja, na qual se congregam diversos povos e nações.