O primeiro discute-se assim. — Parece que o firmamento não foi feito no segundo dia.
1. — Pois, diz a Escritura: Chamou Deus ao firmamento céu. Ora, o céu foi feito antes de todos os dias, como é claro pela passagem: No princípio criou Deus o céu e a terra. Logo, o firmamento não foi feito no segundo dia.
2. Demais. — As obras dos seis dias se ordenam pela disposição da divina sapiência. Ora, não lhe seria lógico, a esta, se fizesse posteriormente o que é naturalmente anterior. Mas, o firmamento é naturalmente anterior à água e à terra, das quais, todavia, se faz menção antes da formação da luz, no primeiro dia. Logo, o firmamento não foi feito no segundo dia.
3. Demais. — Tudo o feito durante os seis dias foi formado da matéria criada primeiro, antes de qualquer dia. Ora, o firmamento não podia ser formado de matéria preexistente; porque então seria susceptível de geração e corrupção. Logo, o firmamento não foi feito no segundo dia.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Disse também Deus: faça-se o firmamento. E a seguir: E da tarde e da manhã se fez o dia segundo.
Solução. — Como diz Agostinho, devem-se observar duas coisas, em tais questões. Primeira, que se conserve de maneira inconcussa a verdade da Escritura. Segunda, como a divina Escritura pode ser exposta em muitos sentidos, ninguém deve aderir a uma exposição de maneira tão precisa, a ponto de ser a Escritura objeto de irrisão para os infiéis, aos quais se fecharia, então, a via para a crença, se se estabelecesse, por uma razão certa, como falso aquilo que se presumia ser o sentido escritural.
Ora, é preciso saber-se que a lição sobre ter sido o firmamento feito no segundo dia pode ter duplo sentido. Num, trata-se do firmamento em que estão os astros, e então teremos que expor diversamente, segundo as várias opiniões dos homens sobre o firmamento. — Assim, uns disseram ser esse firmamento composto dos elementos. E tal foi a opinião de Empédocles, ensinando que, então esse corpo era indissolúvel por não haver discórdia na sua composição, mas somente amizade. — Outros porém disseram que o firmamento é da natureza dos quatro elementos; não que seja composto dos elementos, mas sendo um como elemento simples. E esta foi a opinião de Platão (no Timeu), admitindo que o corpo celeste é o elemento do fogo. — Outros ainda disseram que o céu não é da natureza dos quatro elementos, mas é um quinto corpo, além deles. E esta foi a opinião de Aristóteles.
Ora, segundo a primeira opinião poder-se-ia absolutamente conceder que o firmamento, mesmo na sua substância, foi feito no segundo dia. Pois, à obra da criação pertence o produzir a substância mesma dos elementos; à obra da distinção, porém, e da ornamentação, o formar das coisas, dos elementos preexistentes.
Mas, segundo a opinião de Platão, não é procedente se creia que o firmamento, na sua substância, foi feito no segundo dia. Pois, fazer o firmamento, segundo tal opinião, é produzir o elemento do fogo. Ora, a produção dos elementos pertence à obra da criação, conforme os que admitem que a informidade da matéria precedeu, no tempo, à formação da mesma; pois, as formas dos elementos são o que primeiro advêm à matéria.
E muito menos pode-se admitir, conforme a opinião de Aristóteles, que o firmamento, na sua substância, fosse produzido no segundo dia, entendendo-se, por esses dias, a sucessão do tempo. Pois o céu, incorruptível por natureza, é de matéria que não pode ser sujeita a outra forma. Por onde, é impossível que o firmamento fosse feito da matéria existente, anteriormente, no tempo. Por isso, a produção da substância do firmamento pertence à obra da criação. Mas alguma formação dele, segundo essas duas opiniões, pertence à obra do segundo dia; assim, Dionísio diz que o lume do sol foi informe no primeiro tríduo, tendo sido formado, em seguida, no quarto dia.
Se, porém, esses dias não designam a sucessão do tempo, ma somente a ordem da natureza, como quer Agostinho, nada impede, dizer-se, segundo qualquer das sobreditas opiniões, que a formação do firmamento, na sua substância pertence ao segundo dia.
Mas também se pode, de outro modo, entender que o firmamento, do qual se lê como feito no segundo dia, não é onde estão fixas as estrelas, mas a parte do ar onde se condensam as nuvens. E se chama firmamento por causa da espessura do seu ar. Pois, do espesso e sólido se chama corpo firme, diferentemente do corpo matemático, como diz Basílio. — E, conforme esta exposição, nada de repugnante resultando de qualquer das opiniões, Agostinho a recomenda, dizendo: Julgo esta consideração digníssima de louvor. Diz, nem é contra a fé e pode ser acreditada com a prova sob os olhos.
Donde a resposta à primeira objeção. — Segundo Crisóstomo, Moisés disse, primeiro sumariamente, o que Deus fez: No princípio criou Deus o céu e a terra, e, em seguida, explicando-o por partes. Como se alguém dissesse: este artífice fez esta casa; e, em seguida, acrescentasse: primeiro, fez-lhe os fundamentos; segundo, erigiu as paredes; terceiro, superpôs o teto. Assim, não devemos entender que é um o céu, quando se diz: No princípio criou Deus o céu e a terra; e outro, quando se diz que o firmamento foi feito no segundo dia. Porém, pode-se dizer que um é o céu do qual se lê como criado no princípio, e outro o do qual se lê como feito no segundo dia; e isto de diversos modos. — Pois, segundo Agostinho, o primeiro é a natureza espiritual informe; o segundo, o céu corpóreo. — Porém, segundo Beda e Estrabo, o primeiro é o céu empíreo; o segundo, o céu sidéreo. — Mas, segundo Damasceno, o primeiro é um céu esférico, sem estrelas, do qual os filósofos falam quando dizem que esse é a nona esfera e o móvel primeiro, movido pelo movimento diurno; pelo segundo, porém, entende-se o céu sidéreo. — Conforme, ainda, outra exposição, à qual Agostinho alude, o céu feito no primeiro dia é o céu sidéreo mesmo; ao passo que pelo firmamento, feito no segundo dia entende-se o espaço do ar no qual as nuvens se condensam, e que também se chama céu equivocamente. E, assim, para designar a equivocação, diz-se expressivamente: E chamou Deus o firmamento céu, como, antes, dissera: E chamou à luz dia, porque dia também significa o espaço de vinte e quatro horas. E o mesmo se deve observar, em outras passagens, como diz Rabbi Moisés.
Do que acaba de ser dito é clara a RESPOSTA À SEGUNDA E À TERCEIRA OBJEÇÃO.