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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 1 ─ Se uma penitência deve ser pública ou solenemente imposta.

 

O primeiro discute-se assim. Parece que nenhuma penitência deve ser pública ou solenemente imposta.
 
1. Pois, não é lícito a um sacerdote, mesmo por medo, revelar o pecado ouvido em confissão, por mais público que seja. Ora, pela penitência solene torna-se público o pecado. Logo, não deve nenhuma penitência ser solenemente imposta.
 
2. Demais. O juízo deve ser conforme à condição do foro. Ora, a penitência é um juízo que se pronuncia num foro secreto. Logo, não deve ser tornada pública ou solene.
 
3. Demais. A penitência reduz à perfeição todas as imperfeições morais, como diz Ambrósio. Ora, uma solenização faz o contrário, porque enreda o penitente em muitos defeitos. Assim, um leigo não pode, depois de uma penitência solene, ser promovido ao clericato, nem um clérigo às ordens superiores. Logo, a penitência não pode ser imposta com solenidade.
 
Mas, em contrário. A penitência é um sacramento. Ora, todo sacramento há de ser conferido com uma certa solenidade. Logo, também a penitência pode ser imposta com solenidade.
 
2. Demais. O remédio deve convir à doença. Ora, o pecado às vezes é público, o que serve de exemplo para aliciar muitos ao pecado. Logo, também a penitência, que é o seu remédio, deve ser pública e solene, pela qual muitos se edifiquem.
 
SOLUÇÃO. Certas penitências devem ser públicas e solenes por quatro razões, Primeiro, para dar um remédio público ao pecado público. Segundo, porque quem cometeu um crime gravíssimo é digno da máxima confusão, mesmo neste mundo. Terceiro, para servirem de terror aos outros. Quarto, para servirem de exemplo de penitência, a fim de não desesperarem os réus de pecados graves.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. O sacerdote não revela a confissão quando impõe tal penitência, embora gere ela a suspeição que o penitente cometeu algum enorme pecado. Pois, não podemos conhecer ao certo a culpa pela pena, por que pode se dar faça um penitência por outro; assim, as Vidas dos Padres narram que um deles, para excitar o companheiro à penitência, a fazia com ele, se o pecado porém for público, o próprio penitente, cumprindo a penitência, manifesta a confissão que fez.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. A penitência solene, quanto à sua imposição, não ultrapassa o foro secreto; pois, a quem às ocultas pecou secretamente se lhe impõe uma penitência. A exceção dela porém ultrapassa o foro oculto. E nisso não há nenhum mal.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. A penitência, embora reduza todos os defeitos, restituindo o penitente à graça primitiva, não restitui sempre porém a dignidade primitiva. Por isso também as mulheres depois de cumprida a penitência, pelo pecado de fornicação, não recebem o véu, porque não recuperam a dignidade virginal. Semelhantemente, depois da penitência pública, o pecador não recupera a dignidade de poder ser aceito para o clericato; e o bispo que o mandasse deveria ser privado do poder de ordenar, salvo se o exigisse a necessidade da Igreja ou um costume. Pois então terá a dispensa de ser recebido para as ordens menores, mas não para as ordens sacras. Primeiro, por causa da dignidade dessas ordens. Segundo, pelo temor da recidiva. Terceiro, para evitar escândalo que poderia nascer no povo pela lembrança dos pecados precedentes. Quarto, porque, tendo sido o seu pecado público, não teria autoridade para corrigir os outros.
 

 

Questão 28: Da solenidade da penitência.

Em seguida devemos tratar da solenidade da penitência.

 
E nesta questão discutem-se três artigos:

Art. 1 — Se com propriedade se diz que a congregação das águas foi feita no terceiro dia.

 

O primeiro discute-se assim. — Parece que não se diz com propriedade que a congregação das águas foi feita no terceiro dia.
 
1. — Pois, a palavra faça-se exprime as coisas feitas no primeiro e no segundo dia. Assim, está escrito: Disse Deus, faça-se a luz; e disse também: faça-se o firmamento. Ora, o terceiro dia entra na mesma divisão que a dos outros dois. Logo, a obra desse dia devia ser expressa pela palavra faça-se e não somente pela palavra congreguem-se.
 
2. Demais. — Primitivamente, a terra estava coberta de águas por toda parte, sendo por isso dita invisível. Portanto, não havia nenhum lugar, sobre a terra, em que as águas pudessem congregar-se
 
3. Demais. — Coisas sem mútua continuidade não ocupam o mesmo lugar. Ora, nem todas as águas têm mútua continuidade. Logo, nem todas foram congregadas no mesmo lugar.
 
4. Demais. — A congregação é própria do movimento local. Ora, as águas são naturalmente fluentes e correm adunadas. Logo, para tal não era necessário recorrer-se a um preceito divino.
 
5. Demais. — A terra também aparece denominada no princípio da sua criação, quando se diz: No princípio criou Deus o céu e a terra. Logo, é impróprio dizer-se que o nome de terra foi imposto no terceiro dia.
 
Mas, em contrário, basta a autoridade da Escritura.
 
Solução. — Neste assunto devemos sentir diferentemente, conforme a exposição de Agostinho ou dos outros Santos Padres. Agostinho, em todas as suas obras, não fala em ordem de duração, mas só na de origem e natureza. Assim diz que em primeiro lugar foi criada a natureza espiritual informe e a natureza corpórea sem nenhuma forma, designada esta primeiramente pelos nomes de terra e água; não que essa informidade precedesse temporalmente à formação, senão só quanto à origem. Nem, na sua opinião, uma formação precedeu à outra, na duração, mas só na ordem da natureza. E segundo esta ordem era necessário que, primeiro, se colocasse a formação da natureza suprema, i. é, a espiritual; lendo-se, por isso, que, no primeiro dia foi feita a luz. Mas, assim como a natureza espiritual tem preeminência sobre a corporal, assim também têm preeminência os corpos superiores sobre os inferiores. Por onde, em segundo lugar, toca na formação dos corpos superiores, quando se diz: Faça-se o firmamento; pelo que se entende a impressão da forma celeste na matéria informe, no princípio ainda não existente, no tempo, mas só em origem. Por fim, em terceiro lugar, a impressão das formas elementais da matéria informe, precedente, não temporal, mas originalmente. Por onde, pelo dito as águas ajuntem-se num só lugar, e apareça o elemento árido, entende-se que na matéria corporal foi impressa a forma substancial da água, pela qual lhe compete à mesma um determinado movimento; e a forma substancial da terra, pela qual esta aparece com determinado aspecto.
 
Porém os outros Santos Padres, como nessas obras também se atende à ordem da duração, ensinam que a informidade da matéria precedeu, no tempo, à formação; e uma forma, à outra. Mas, dizem, pela informidade da matéria não se entende a carência de toda forma, porque já existia o céu, a água e a terra, três denominações de seres manifestamente perceptíveis pelos sentidos; mas a carência da distinção devida e de uma certa beleza consumada. E por três nomes introduziu a Escritura três informidades. Ao céu, que está na parte superior e é a origem da luz, respeita a informidade das trevas. Ao passo que a informidade da água, que é média, é expressa pelo nome de abismo, significativo de uma certa imensidade desordenada de águas, como diz Agostinho. E por fim alude-se à terra quando se diz que a terra estava informe, ou invisível, por estar coberta de águas. Assim, pois, a formação do corpo supremo foi feita no primeiro dia; e como o tempo, resultante do movimento do céu, é o número do movimento desse corpo, fez-se, por essa formação, a distinção do tempo, i. é, da noite e do dia. Porém, no segundo dia, foi formado o corpo médio, i. é, a água que recebeu pelo firmamento uma certa distinção e ordem, de modo que o nome de água compreende também outras coisas, como antes se disse. Enfim, no terceiro dia foi formado o último corpo, i. é, a terra, por ter sido descoberta das águas, e fez-se a distinção no ínfimo lugar, entre a terra e o mar. Por onde, assim como, com bastante congruência, exprimiu-se a informidade da terra, dizendo que a terra era invisível, ou informe, assim a sua formação foi expressa pelo dito: E o elemento árido apareça.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Segundo Agostinho, na obra do terceiro dia, a Escritura não usa da palavra faça-se, como nas obras precedentes, para mostrar que as formas superiores, i. é, as espirituais, dos anjos e dos corpos celestes, são perfeitas no ser e estáveis; ao passo que as formas inferiores são imperfeitas e móveis. Por onde, a congregação das águas e a aparição do árido designam a impressão de tais formas: pois a água tem fluxo corredio e a terra está fixa estavelmente, como diz o mesmo. Porém, segundo os outros, devemos dizer que na obra do terceiro dia, completando-se somente quanto ao movimento local, não era necessário que a Escritura usasse da palavra faça-se.
 
Resposta à segunda. — Para Agostinho é clara a solução: não se deve dizer que a terra estava, primeiro, coberta de águas e que, depois, estas se congregaram; mas sim que foram feitas já congregadas. — Segundo os outros, porém, de três modos se responde, como diz Agostinho. De um, dizendo-se que no lugar onde se congregaram, se elevaram a maior altitude; pois, que o mar é mais alto que a terra, a experiência, no Mar Vermelho, o prova, como diz Basílio. De outro modo, dizendo-se que a água mais rarefeita, como nuvem, que cobria as terras, densificou-se pela congregação. De um terceiro, dizendo-se que a terra podia oferecer algumas partes côncavas, onde as águas, refluindo, fossem recebidas. Dentre essas opiniões a primeira parece mais provável.
 
Resposta à terceira. — Todas as águas têm um termo, i. é, o mar, ao qual confluem, por meatos manifestos ou ocultos; e por isso se diz que as águas se congregam em um lugar. — Ou esse único lugar é assim chamado, não absolutamente, mas por comparação com o lugar da terra dessecada, sendo então o sentido: As águas ajuntem-se num só lugar, i. é, separadas da terra árida. Pois, para designar a pluralidade dos lugares da água, acrescenta: ao caminho das águas chamou mares.
 
Resposta à quarta. — A ordem de Deus constitui os corpos no seu movimento natural; por onde, se diz que eles executam, pelos seus movimentos naturais, esse verbo. — Ou se pode dizer que era natural cercasse a água à terra, por todos os lados, como o ar cerca, por todos os lados, a água e a terra; mas, por necessidade de fim, i. é, para existirem animais e plantas sobe a terra foi necessário que alguma parte dela ficasse a descoberto das águas. O que alguns filósofos atribuem à ação do sol, dessecando a terra pela elevação dos vapores. Mas a Sagrada Escritura o atribui ao poder divino, não só no Gênesis, mas também em Jó, onde se diz da pessoa do Senhor: Encerrei o mar nos limites que lhe prescrevi; e Jeremias: não me temereis a mim, diz o Senhor..., que pus a areia por limite ao mar?.
 
Resposta à quinta. — Segundo Agostinho, pela terra, da qual primeiro se fez menção, entende-se a matéria prima; agora, porém, se entende o elemento mesmo da terra. — Ou, se pode dizer, segundo Basílio, que, primeiro, era a terra assim denominada, quanto à sua natureza, agora porém, o é quanto à sua principal propriedade, que é secura. Por onde se diz que chamou ao elemento árido terra. — Ou se pode dizer, conforme Rabbi Moisés, que a expressão chamou, onde quer que apareça, significa a equivocação do nome. Por onde, primeiro se disse que chamou à luz dia, porque também se chama dia ao espaço de vinte e quatro horas, conforme o que no mesmo lugar se diz: E da tarde e da manhã se fez o dia primeiro. Semelhantemente, deve-se dizer que o firmamento, i. é, o ar chamou céu, porque também se chama céu ao que foi criado em primeiro lugar. E ainda, semelhantemente, aí se diz árido, i. é, a parte descoberta das águas, chamou terra, para que esta se distinga do mar; embora seja chamada pelo nome comum de terra, quer esteja coberta quer descoberta das águas. E, em todos os passos, o dito chamou significa deu uma natureza ou propriedade para poder se assim chamado.

Questão 69: Da obra do terceiro dia.

Em seguida, devemos considerar a obra do terceiro dia. E, nesta questão, dois artigos se discutem:

Art. 4 — Se a indulgência vale para quem a concede.

O quarto discute-se assim. Parece que a indulgência não vale para quem a concede.
 
1. Pois, conceder uma indulgência é de quem tem a jurisdição. Ora, ninguém pode exercer a jurisdição sobre si mesmo. Logo, ninguém pode participar da indulgência por si mesmo concedida.
 
2. Demais. Se assim fosse, quem concede a indulgência poderia, com uma prática de valor mínimo, perdoar-se a si mesmo a pena de todos os seus pecados; e assim pecaria impunemente. O que é inadmissível.
 
3. Demais. Quem pode conceder indulgências também pode excomungar. Ora, ninguém pode excomungar a si mesmo. Logo, também não pode ser participante da indulgência que concede.
 
Mas, em contrário, ficaria em piores condições que os outros, se não pudesse usar do tesouro da Igreja, que dispensa a eles.
 
SOLUÇÃO. Uma indulgência deve ser dada por alguma causa, para sermos levados à prática de um ato que redunde em utilidade da Igreja e honra de Deus. Ora, o prelado a quem foi cometido o dever de zelar pela utilidade da Igreja e pela honra divina, não tem causa para se excitar a si mesmo a ganhar a indulgência. Por isso não pode conferir nenhuma indulgência a si mesmo. Mas pode aproveitar da que concede aos outros, pois, tem alguma causa para lhes conceder a eles.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Ninguém pode exercer sobre si mesmo um ato de jurisdição. Ora, daquilo que é dado a outrem pela autoridade, que tem jurisdição, pode também o prelado servir-se, tanto na ordem temporal como na espiritual; assim como o sacerdote, que dá a Eucaristia aos outros também a recebe. E ainda, o bispo, que pode receber para si os sufrágios da Igreja, que dispensa aos outros, cujo efeito imediato é a remissão das penas pelas indulgências, e não um efeito de jurisdição.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Deduz-se do que foi dito.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. A excomunhão é proferida como uma sentença, que ninguém pode pronunciar contra si mesmo, porque em juízo ninguém pode ser ao mesmo tempo juiz e réu. Ao passo que a indulgência não é dada a modo de sentença, mas como uma certa dispensa, que uma pessoa pode se dar a si mesma.

Art. 3 — Se a quem não praticou o ato prescrito, para ganhar a indulgência, se lhe pode às vezes conceder esta.

O terceiro discute-se assim. Parece que a quem não praticou o ato prescrito, para ganhar a indulgência, se lhe pode às vezes conceder esta.
 
1. Pois, quem não pode agir, a vontade lhe supre o ato. Ora, às vezes se concede uma indulgência por uma esmola a ser feita, que um pobre não pode fazer embora de boa vontade o fizesse. Logo, a indulgência não lhe aproveita.
 
2. Demais. Um pode satisfazer por outro. Ora, a Indulgência, como a satisfação, se ordena ao perdão da pena. Logo, um pode ganhar indulgência por outro. E assim, ganhará a indulgência quem não estava nas condições de a ganhar.
 
Mas, em contrário. Eliminada a causa, eliminado fica o efeito. Quem, pois, não se submeter à condição exigida para ganhar a indulgência, o que é a causa dela, esse não a alcançará.
 
SOLUÇÃO. Sem a condição não se ganha o que condicionalmente é dado. Ora, como a indulgência é concedida sob a condição de fazermos ou darmos alguma coisa, se não o fizermos, não ganharemos a indulgência.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Isso se entende quanto ao prêmio essencial; mas não quanto aos prêmios acidentais, como o perdão da pena e outros semelhantes.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Uma obra própria nossa podemos aplicá-la pela intenção que quisermos; portanto, podemos satisfazer por quem quisermos. Mas, uma indulgência a ninguém podemos aplicá-la, senão conforme à intenção de quem a concede. Por onde, se este a concede a quem fizer ou dar uma coisa, quem tal fizer não pode transferir a indulgência a outra intenção. Se porém a indulgência fosse concedida nestes termos Aquele que fizer ou aquele por quem fizer tal causa ganhará tanto de indulgência valeria ela para aquele a quem tal coisa é feita. Mas nem por isso quem fizesse tal obra daria ao outro a indulgência; senão aquele que a concede sob tal forma.

Art. 2 — Se as indulgências valem para os religiosos.

O segundo discute-se assim. Parece que as indulgências não valem para os religiosos.
 
1. Pois, não se deve suprir aqueles cuja superabundância supre os outros. Ora é da superabundância das obras satisfatórias dos religiosos que se suprem os outros, pelas indulgências. Logo, não devem eles ser supridos pelas mesmas.
 
2. Demais. Nada deve fazer-se na Igreja que leve outrem à dissolução. Ora, se as indulgências aproveitassem aos religiosos dariam ocasião à dissolução da disciplina regular; porque então os religiosos passariam a vida em peregrinações, para ganhar tais indulgências, e não cumpririam as penas que lhes foram impostas no capítulo. Logo, não lhas aproveitam.
 
Mas, em contrário. Ninguém colhe dano, e um bem. Ora, a religião é um bem. Logo, não podem os religiosos sofrer o dano de não lhes valerem as indulgências.
 
SOLUÇÃO. Tanto aos seculares como aos religiosos valem as indulgências, contanto que tenham a caridade e observem as condições nas quais elas são concedidas; pois, os religiosos não aproveitam menos que aos seculares os méritos alheios.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Embora o religioso esteja no estado de perfeição, contudo não pode viver isento de pecado. Por onde, se vier a ser réu de uma pena, por um pecado cometido, pode expiá-lo pelas indulgências. Pois, nenhuma impossibilidade há em aquele que tem superabundância, absolutamente falando, sofrer necessidade em tempo determinado e em certas condições, e assim precisa de um suplemento de méritos que o socorra. Donde o dizer o Apóstolo: Levai uns as cargas dos outros.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. As indulgências não devem ser causa da dissolução da observância regular; pois, os religiosos merecem mais, observando as regras da sua religião para alcançarem o prêmio da vida eterna, do que buscando ganhar indulgências, embora mereçam menos, procedendo do primeiro modo; quanto ao perdão da pena, que é um menor bem. Além disso, pelas indulgências não ficam perdoadas as penas impostas no capítulo, porque este funciona antes como foro judicial do que como foro da penitência; por isso, mesmo um não sacerdote pode presidir o capítulo. Quanto às penas devidas pelos pecados cometidos, é no tribunal da penitência que um religioso é absolvido da pena imposta ou devida, pelo pecado.

Art. 1 — Se a indulgência vale para quem está em pecado mortal.

O primeiro discute-se assim. Parece que a indulgência vale para os que estão em pecado mortal.
 
1. Pois, pode um, mesmo em pecado mortal, merecer para outrem a graça e muitos outros bens. Ora, as indulgências tiram sua eficácia da aplicação dos méritos dos santos a uma determinada pessoa. Logo, produzem o seu efeito sobre os que estão em pecado mortal.
 
2. Demais. Onde há maior indigência, aí há mais lugar à misericórdia. Ora, quem está em pecado mortal está na máxima indigência. Logo, a ele sobretudo se lhe deve misericórdia, mediante a indulgência.
 
Mas, em contrário. Um membro morto já não recebe influência dos outros membros vivos. Ora, quem está em pecado mortal é um como membro morto. Logo, pela indulgência não sofre a influência dos méritos dos membros vivos.
 
SOLUÇÃO. Certos dizem que as indulgências valem mesmo para os que estão em pecado mortal. Não certo para perdão da pena, porque não pode a pena ser perdoada senão a quem o foi a culpa; porque quem não conseguiu de Deus a remissão da culpa não pode conseguir de um ministro da Igreja a remissão da pena, nem mediante as indulgências, nem no foro da penitência; as indulgências porém lhe valem para adquirir a graça. Mas esta opinião não é verdadeira. Porque, embora os méritos comunicados pela indulgência possam valer para se merecer a graça, não é para isso contudo que são dispensados, mas determinadamente para a remissão da pena. Portanto, não vale para quem está em pecado mortal. Por isso, em todas as indulgências se faz menção dos verdadeiramente contritos e confessados. Se a comunicação fosse feita porem deste modo Faço-te participante dos méritos de toda a Igreja, ou de uma comunidade, ou de uma pessoa em especial - então poderá valer para merecer algo, a quem esta em pecado mortal, como diz a opinião referida.
 
Donde se deduz a resposta à primeira objeção.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Embora quem esta em pecado mortal seja mais indigente, contudo é menos capaz.

Questão 27: Daqueles para quem valem as indulgências.

Em seguida devemos tratar daqueles a quem valem as indulgências.
 
Nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 4 — Se há só um céu.

O quarto discute-se assim. — Parece que há só um céu.
 
1. — O céu se opõe à terra, conforme se diz: No princípio criou Deus o céu e a terra. Mas a terra é uma só. Logo, também é um só o céu.
 
2. Demais. — Todo o existente com a sua matéria total é único. Ora, assim é o céu, como o prova o Filósofo. Logo, há só um céu.
 
3. Demais. — O que se predica de vários univocamente, deles se predica por uma só razão. Ora, se vários céus há, de vários se predica o vocábulo céu, univocamente; pois, se se predicasse equivocamente, não se poderia dizer em sentido próprio, que há vários céus, haja para isso alguma razão comum. Ora, não se pode assinalar qual esta seja. Logo, não se pode dizer que existam vários céus.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura: Louvai-o, céus dos céus.
 
Solução. — Neste assunto, há certa diversidade entre Basílio e Crisóstomo. Assim, para este, só há um céu; e a expressão plural, céu dos céus, provém de uma propriedade da língua hebraica que usa o nome céu só no plural, como também acontece em latim, em que há muitos nomes sem singular. Porém, Basílio e Damasceno que o segue, dizem que há vários céus. — Mas, esta diversidade é antes de palavra, que real. Pois, Crisóstomo denomina um só céu todo o corpo que está sobre a terra e a água; assim também as aves do ar se chamam, por isso, aves do céu. Mas, o haver nesse corpo muitas distinções levou Basílio a admitir vários céus.
 
Por onde, para se conhecer a distinção dos céus, deve-se considerar que céu, na Escritura, toma-se em tríplice acepção. — Ora, empregado própria e naturalmente, chama-se céu qualquer corpo sublime e luminoso, atual ou potencialmente, e incorruptível por natureza. E neste sentido admite-se três céus. O primeiro, totalmente lúcido, chamado empíreo. O segundo, totalmente diáfano, chamado céu aquoso e cristalino. O terceiro, em parte diáfano e em parte atualmente lúcido, chama-se céu sidéreo, e é dividido em oito esferas, convém a saber, a das estrelas fixas e as sete dos planetas, perfazendo os denominados oito céus.
 
Num segundo sentido, céu é o que participa de alguma propriedade do corpo celeste, convém a saber, a sublimidade e a luminosidade, atual ou potencial. E assim, Damasceno compreende como um só céu todo o espaço que vai das águas até a esfera da lua, e o denomina aéreo. Por onde, na sua opinião, há três céus, o aéreo, o sidéreo e outro superior, entendendo-se que este último é o ao que, conforme a lição — até ao terceiro dia — o Apóstolo foi arrebatado. Mas, como esse espaço contém dois elementos, o fogo e o ar, e em ambos há uma região chamada superior e outra inferior, por isso Rabano distingue, neste céu, quatro outros: a suprema região do fogo, chamando-lhe céu ígneo; depois, a inferior ou céu Olímpio, por causa da altura do monte chamado Olimpo; em seguida, à suprema região do ar chamou-lhe céu etéreo, por causa da inflamação; e, por fim, à região inferior, céu aéreo. E assim, como estes quatro céus se conumeram com os três superiores, são ao todo sete céus corpóreos, conforme Rábano.
 
Num terceiro sentido céu se emprega metaforicamente; assim, por vezes, a própria santa Trindade é chamada céu, por causa da sua sublimidade e luz espiritual. Em relação a esse céu é que se entende o dito do diabo: Subirei ao céu, isto é, à igualdade com Deus. Outras vezes, como ensina Agostinho, também os bens espirituais, entre os quais a remuneração dos santos, se denominam céus, por causa da eminência deles, conforme a Escritura: Grande é a vossa recompensa nos céus. Outras vezes ainda, os três gêneros das visões sobrenaturais; a corpórea, a imaginária e a intelectual, chamam-se três céus, dos quais Agostinho expõe, que Paulo foi arrebatado até ao terceiro céu.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A terra está para o céu, como o centro para a circunferência. Donde, assim como muitas circunferências podem ter o mesmo centro, assim, existindo só uma terra, admitem-se muitos céus.
 
Resposta à segunda. — Essa objeção procede, se o céu importa a universidade das criaturas corporais; havendo então, só um céu.
 
Resposta à terceira. — Em todos os céus encontra-se comumente a sublimidade e alguma luminosidade, como do sobredito se colhe.

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