Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a escravidão não impede de receber o sacramento da ordem.
1. ─ Pois, a sujeição corporal não repugna à prelatura espiritual. Ora, o escravo vive em sujeição corporal. Logo, não fica impedido de receber a prelatura espiritual, conferida pela ordem.
2. Demais. ─ Uma ocasião de se praticar a humildade não deve impedir a suscepção de nenhum sacramento. Ora, tal é a escravidão; por isso o Apóstolo aconselha que quem puder prefira viver servo. Logo, não deve ficar impedido de ser promovido à dignidade da ordem.
3. Demais. ─ Mais vexatório seria um clérigo ser vendido como escravo, que um escravo ser promovido a clérigo. Ora, um clérigo pode ser licitamente vendido como escravo; assim, o bispo de Nola, Paulino, vendeu-se a si mesmo como escravo. Logo, e com maior razão, pode um escravo ser promovido a clérigo.
Mas, em contrário. ─ Parece que ser escravo é impedimento para a validade do sacramento. ─ Pois, a mulher não pode, em razão da sua sujeição, receber o sacramento da ordem. Ora, maior sujeição é a do escravo; pois, a mulher não se torna escrava do seu marido, sendo por isso que lhe não foi tirada dos pés. Logo, também o escravo não recebe o sacramento.
2. Demais. ─ Quem recebe a ordem está por isso mesmo obrigado a ministrá-la. Ora, ninguém pode ao mesmo tempo servir, como escravo ao seu dono, e exercer o ministério espiritual. Logo, parece que não pode receber a ordem, porque os interesses do seu dono seriam lesados.
SOLUÇÃO. ─ Quem recebe a ordem se destina ao serviço divino. E como ninguém pode dar o que não é seu, o escravo, que não pode dispor de si, não pode ser promovido às ordens. Mas, se o for, recebe-las-à: porque a liberdade não é necessária à validade do sacramento, embora seja de necessidade de preceito; pois, a falta de liberdade impede, não de receber uma faculdade, senão apenas de exercê-la. E o mesmo se dá com todos os obrigados para com outrem, como os que se ocupam com cálculos e pessoas tais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Quem recebe um poder espiritual assume a obrigação de exercer uma certa atividade corporal. Fica por isso impedido se tem o seu corpo sujeito.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Podemos aproveitar de muitas outras ocasiões para praticar a humildade, que não as impedientes à recepção do sacramento da ordem. Por onde, a objeção não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ S. Paulino procedeu assim por abundância de caridade e guiado pelo Espírito de Deus. E os acontecimentos o provam, pois, pela sua escravidão muitos do seu rebanho foram livrados dela. Não devemos portanto, argumentar com esse exemplo, porque onde está o Espírito do Senhor aí está a liberdade.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Os sinais sacramentais representam por semelhança natural. Ora, a mulher é sujeita por natureza, mas não o escravo. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À QUINTA. - O escravo promovido à dignidade das ordens, com ciência do dono e sem reclamação dele, por isso mesmo fica livre. Se porém o dono não o souber, então o bispo e quem apresentou o escravo a ser ordenado, estão obrigados a lhe pagar o dobro do valor do escravo, se sabiam que era escravo. Ou, tendo o escravo pecúlio deve remir-se a si mesmo; do contrário voltaria ao domínio do seu senhor, embora não pudesse assim exercer a ordem.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que as crianças e os que carecem do uso da razão não podem receber as ordens.
1. ─ Pois, como diz o Mestre, os sagrados cânones estatuíram uma determinada e certa idade para se receberem as ordens. Ora, isso não se daria se as crianças pudessem receber o sacramento da ordem.
2. Demais. ─ O sacramento da ordem é mais digno que o do matrimônio. Ora, as crianças e os privados da razão não podem contrair matrimônio. Logo, nem receber as ordens.
3. Demais. ─ A potência e o ato são correlativos, como diz o Filósofo. Ora, o ato de exercer as ordens requer o uso da razão. Logo, também o poder das ordens.
Mas, em contrário. ─ Quem foi promovido às ordens, antes da idade de razão, pode às vezes exercê-las sem que precise de as ter renovadas. Ora, tal não se daria se não tivesse recebido a ordem. Logo, uma criança pode receber as ordens.
2. Demais. ─ Os outros sacramentos que imprimem caráter, como o batismo e a confirmação, as crianças podem recebê-los. Logo, pela mesma razão, as ordens.
SOLUÇÃO. ─ A puerícia e outras deficiências, que privam do uso da razão, impedem a ação. Por onde, todos aqueles sacramentos, que supõem uma atividade por parte de quem os recebe, não podem receber os privados do uso da razão. Tal a penitência, o matrimônio e outros. Mas, por um lado as potências infusas, como as naturais, são anteriores aos atos, embora as adquiridas lhes sejam posteriores. Por outro lado, removido o posterior, não fica por isso removido o anterior. Por onde, todos os sacramentos, que não requerem, para serem válidos, nenhuma cooperação da parte de quem os recebe, por lhes ser dado por Deus um poder espiritual, podem as crianças recebê-los e os demais carecentes do uso da razão. Deve-se porém fazer notar que para receber as ordens menores, é necessária a discrição racional, pelo respeito que a dignidade do sacramento exige, embora não seja ela necessária, nem por necessidade de preceito, nem para a validade do sacramento. Por isso, urgindo a necessidade e havendo esperança de aproveitamento espiritual, os que ainda não chegaram à idade de discernimento podem ser promovidos, sem pecados, às ordens menores; porque, embora não sejam ainda idôneos para o exercício das funções que lhe são cometidas, o costume contudo os tornará tais. Mas, para se receberem as ordens maiores, é necessário o uso da razão, tanto por causa da dignidade delas, como por ser de necessidade de preceito. Pois, implicam elas o voto de continência; e além disso, é nos cometido o poder de conferir os sacramentos. Quanto ao episcopado, como o poder que ele confere se exerce, ademais, sobre o corpo místico de Jesus Cristo, sua colação demanda concurso ativo de quem o recebe, por causa da cura pastoral das almas. Por isso, a consagração episcopal supõe necessariamente o uso da razão.
Mas certos dizem, que todas as ordens implicam o uso da razão, para a validade do sacramento. Mas essa opinião não é corroborada pela razão nem por nenhuma autoridade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Nem tudo o que é de necessidade de preceito o é para a validade do sacramento, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O matrimônio supõe o consentimento que não pode existir sem o uso da razão. Ora, para receber a ordem não é necessária nenhuma cooperação da parte de quem a recebe. O que é demonstrado pelo fato de não mencionar nenhuma cooperação deles o cerimonial da consagração. Logo, não há símile.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Ato e potência são correlativos, contudo às vezes a potência precede, como no caso do livre arbítrio e do uso da razão. Tal o caso proposto.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o sexo feminino não impede receber a ordem.
1. ─ Pois, o ofício de profeta é mais elevado que o do sacerdote, porque o profeta é medianeiro entre Deus e os sacerdotes, como o sacerdote o é entre Deus e o povo. Ora, às vezes o ofício de profeta foi concedido a mulheres, como lemos na Escritura. Logo, também podem elas exercer o ofício do sacerdócio.
2. Demais. ─ Assim como a ordem implica uma certa eminência, assim também o ofício de prelado, o de testemunha da fé e o do estado religioso. Ora, a prelatura pode, no regime do Novo Testamento, ser conferida a mulheres, como é o caso das abadessas; e no Testamento Velho há o exemplo de Débora, que julgou Israel. Podem também ser testemunhas da fé e professar no estado religioso. Logo, também podem receber as ordens eclesiásticas.
3. Demais. ─ O poder das ordens se radica na alma. Ora, o sexo não tem a alma. Logo, a diversidade de sexo não obra nenhuma distinção para o efeito de se receberem as ordens.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Eu não permito à mulher que ensine na Igreja, nem que tenha domínio sobre o marido.
2. Demais. ─ Os ordenandos hão de ter coroa, embora não seja ela necessária para a validade do sacramento. Ora, coroa ou tonsura não na podem ter as mulheres, como o diz o Apóstolo. Logo, nem podem receber as ordens.
SOLUÇÃO. ─ Certas condições requerem-se necessariamente de quem recebe um sacramento para a validade deste; e se faltarem não pode ninguém receber o sacramento e nem a realidade dele. Outras condições porém não são necessárias à validade do sacramento, mas são impostas por um preceito e por conveniência para com o sacramento. E sem essas podemos receber o sacramento, mas não a realidade dele. Ora, o sexo masculino é uma condição necessária para a suscepção das ordens, não só do segundo modo referido, mas também do primeiro. Por onde, embora a uma mulher se lhe fizessem todas as cerimônias próprias da ordenação, contudo não receberia a ordem. Porque, sendo o sacramento um sinal, nos que o vão receber há de existir não só a realidade mas também a significação dela. Assim, como dissemos, a extrema unção só pode ser ministrada a um doente, a fim de significar que tem necessidade de cura. Ora, não poderia o sexo feminino exprimir uma situação de eminência, porque a mulher vive num estado de sujeição, por isso não pode receber o sacramento da ordem.
Certos, porém, ensinaram, que o sexo masculino é de necessidade de preceito, mas não é necessário para ser conferido o sacramento, pois as próprias Decretais se referem à diaconisa e à presbitera. ─ Mas, diaconisa aí se chama à que participa de algum ato do diácono, isto é, a que lê as homílias na Igreja; e presbítera, à viúva, porque presbiter é a mesma coisa que mais velho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A profecia não é um sacramento, mas um dom de Deus. Por isso, não se exige dela uma significação mas só a realidade. E como no concernente à realidade da alma a mulher não difere do homem, pois até mesmo às vezes uma mulher tem alma melhor que a de muitos homens, por isso o dom da profecia e outros semelhantes pode a mulher recebê-los, mas não o sacramento da ordem.
Donde se deduz a resposta à segunda e à terceira objeções.
Das abadessas porém se diz que não tem a prelatura ordinária, mas como em comissão, por causa do perigo da convivência entre homens e mulheres. ─ Quanto à Débora, teve um poder temporal e não sacerdotal; e assim, ainda agora podem as mulheres exercer o poder.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que os heréticos e excluídos da Igreja não podem conferir as ordens.
1. ─ Pois, mais é conferir ordens do que absolver ou ligar. Ora, o herético não pode absolver nem ligar. Logo, não pode conferir ordens.
2. Demais. ─ O sacerdote excluído da Igreja pode consagrar, porque o caráter que lhe deu esse poder nele permanece indelevelmente. Ora, o bispo, quando promovido à sua dignidade, não recebe nenhum caráter. Logo, não é forçoso que o poder episcopal nele permaneça depois da sua exclusão da Igreja.
3. Demais. ─ Todo o que é excluído de uma comunidade não pode mais dispor dos ofícios dela. Ora, as ordens são uns ofícios da Igreja. Logo, quem é excluído dela não pode conferir.
4. Demais. ─ Os sacramentos haurem a sua eficácia na paixão de Cristo. Ora, o herético não lhe aproveita a paixão de Cristo ─ nem pela sua fé própria, pois é infiel; nem pela da Igreja, pois dela está excluído. Logo, não pode conferir o sacramento da ordem.
5. Demais. ─ A colação da ordem implica a bênção. Ora, o herético não pode abençoar; ao contrário, a sua bênção se converte em maldição, como o demonstram as autoridades citadas pelo Mestre. Logo, não pode conferir as ordens.
Mas, em contrário, o bispo que incidir em heresia, quando se reconcilia não precisa ser sagrado de novo. Logo, não perdeu o poder que tinha de conferir as ordens.
2. Demais. ─ O poder de conferir as ordens é superior ao de exercê-las. Ora, o poder de as exercer não fica perdido por heresia ou coisa semelhante. Logo, nem o poder de as conferir.
3. Demais. ─ Como quem batiza exerce um ministério só externo, assim também quem confere as ordens, pois quem obra interiormente é Deus. Ora, por nenhuma razão quem é excluído da Igreja perde o poder de batizar. Logo, nem o de conferir as ordens.
SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria o Mestre das Sentenças apresenta quatro opiniões.
Assim, certos disseram que os heréticos, enquanto tolerados na Igreja, tem o poder de conferir as ordens, mas não depois de excluídos dela; do mesmo modo os degradados e outros tais. E esta é a primeira opinião. ─ Mas não é admissível. Porque todo poder dado em virtude de uma consagração em nenhum caso pode desaparecer, enquanto existe o seu titular, como também a consagração não pode ser anulada; assim, mesmo o altar ou o crisma, uma vez consagrados, consagrados permanecem perpetuamente. Por onde, como o bispo recebe o seu poder mediante uma consagração, há de ela permanecer perpetuamente, por mais que pequena ou seja excluído da Igreja. Por isso outros disseram que os excluídos da Igreja, que nela desempenhavam funções episcopais, conservam o poder de ordenar e promover, mas os promovidos não recebem deles as dignidades a que o foram. E esta é a quarta opinião. ─ Mas também isto não pode ser. Porque se os promovidas a uma dignidade eclesiástica conservam o poder que receberam, é claro que, exercendo as suas funções, consagram verdadeiramente. E portanto conterem verdadeiramente todo poder que receberam com a consagração. E assim os ordenados ou promovidos por eles tem o mesmo poder que eles tem.
Por isso disseram outros, que também os excluídos da Igreja podem conferir a ordem e os demais sacramentos contanto que observem a forma devida e também a intenção de à conferir. E a conferem tanto quanto ao primeiro efeito, que é a colação do sacramento, como quanto ao último, que é a colação da graça. E esta é a segunda opinião. ─ Mas também não pode sustentar-se. Porque o fato mesmo de comunicarmos, em matéria de sacramentos, com um herético excluído da Igreja é pecado. Por onde, quem assim recebe o sacramento o faz dissimulado e não pode obter a graça, salvo no batismo e em artigo de necessidade. Por isso outros dizem, que conferem verdadeiramente os sacramentos mas com estes não é dada a graça; não por ineficácia deles, mas pelo pecado de quem recebe, desses tais, os sacramentos, com proibição da Igreja. E esta é a terceira opinião e a verdadeira.
DONDE A RESPOSTA À OBJEÇÃO. ─ O efeito da absolvição não é outro senão o perdão dos pecados dado de graça. Por isso, um herético não pode absolver como nem conferir a graça com os sacramentos. Além disso, para absolver é preciso ter jurisdição, e essa não na tem o excluído da Igreja.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Quando o bispo é promovido ao episcopado é-lhe dado um poder, que permanece sempre, embora não possa ser chamado caráter; porque esse poder não destina ninguém diretamente para Deus, mas para o corpo místico de Cristo. E contudo, permanece indelével, como o caráter, e é dado pela consagração.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os promovidos pelos heréticos, embora recebam a ordem, não recebem contudo o exercício dela de modo a poderem licitamente ministrar de acordo com as ordens que tem, pela razão aduzida na objeção.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Pela fé da Igreja continuam os heréticos a receber os benefícios da paixão de Cristo. Pois, embora a ela não lhe pertençam, como tais; pertencem-lhe porém pelo rito da Igreja, que observam.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Isso se deve referir ao efeito último dos sacramentos, como ensina a terceira opinião.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que não é só o bispo quem pode conferir o sacramento da ordem.
1. ─ Pois, a imposição das mãos produz de certo modo a consagração. Ora, aos ordenandos não só o bispo impõe as mãos, mas também os sacerdotes assistentes. Logo, não é só o bispo quem confere o sacramento da ordem.
2. Demais. ─ Confere-se o poder da ordem quando se lhe apresenta o concernente às funções das suas ordens. Ora, ao subdiácono o arcedíago lhe apresenta as galhetas com a água e os pratinhos e o manutégio. Semelhantemente, os acólitos recebem a tacha com o círio e as galhetas vazias. Logo, não só o bispo é quem pode conferir o sacramento da ordem.
3. Demais. - As funções da ordem não podem ser cometidas senão a quem na tem. Ora, conferir as ordens menores é atribuído a certos que não são bispos, como os cardeais presbíteros. Logo, conferir as ordens não é privativo da ordem episcopal.
4. Demais. ─ A quem é atribuído o principal também o é o acessório. Ora, o sacramento da ordem se destina ao da Eucaristia, como o acessório ao principal. Logo, como o sacerdote consagra a Eucaristia, também poderá conferir as ordens.
5. Demais. ─ Mais dista o sacerdote, do diácono que um bispo, de outro. Ora, um bispo pode consagrar a outro. Logo, também um sacerdote pode promover um diácono.
Mas, em contrário. ─ Os ministros ordenados servem ao culto divino de maneira mais nobre que os vasos sagrados. Ora, consagrar os vasos só o pode o bispo. Logo e com maior razão só ele pode consagrar os ministros.
2. Demais. ─ O sacramento da ordem é mais excelente que o da confirmação. Ora, só o bispo pode confirmar. Logo e com maior razão, só ele pode conferir o sacramento da ordem.
3. Demais. ─ As virgens, pela bênção que recebem, não ficam constituídas em nenhum grau de poder espiritual, como o ficam os ordenados. Ora, dar a bênção às virgens só o pode o bispo. Logo e com maior razão, só ele pode ordenar.
SOLUÇÃO. ─ O poder episcopal está para o das ordens inferiores, como a política, cujo fim é o bem comum, para as artes e virtudes inferiores, que visam algum bem particular, conforme do sobre dito resulta. Ora, como dissemos, a política da lei às disciplinas inferiores, regulando quem deve exercê-las, quanto e de que modo. Por isso cabe ao bispo determinar a cada um dos seus subordinados o ministério divino que devem exercer. Donde vem que só ele pode confirmar, porque aos confirmados incumbe o dever de confessar a fé. Por isso também só ele abençoa as virgens, que representam a Igreja, esposa de Cristo, cujo governo principalmente foi confiado ao bispo. Também ele é quem consagra os ordenandos aos ministérios das ordens, e os vasos ele os determina pela sua consagração. Assim como as funções seculares, nas cidades, são distribuídas por quem tem o poder mais elevado, como por exemplo, o rei.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A imposição das mãos não confere o caráter sacerdotal da ordem, como do sobredito resulta, pelo qual o ordenado se torna idôneo ao exercício dela. E como precisam de uma graça amplíssima, por isso os sacerdotes, com o bispo, impõem as mãos aos promovidos ao sacerdócio; ao passo que aos diáconos só o bispo lhes impõe as mãos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Sendo o arcedíago o como chefe do ministério, ele é quem confere tudo o concernente a estes assim, o círio, que o acólito traz, servindo ao diácono, diante do Evangelho, e as galhetas, com que serve ao subdiácono. E semelhantemente, dá ao subdiácono o com que serve às ordens superiores. Nisso porém não consiste a função principal do subdiácono, mas em cooperar na produção da matéria do sacramento. Por isso recebe o caráter quando lhe é oferecido o cálice pelo bispo. Ao passo que o caráter o acólito o recebe das palavras do bispo, quando lhe apresenta o arcedíago os objetos supra-referidos: e antes, quando recebe as galhetas, que quando recebe o círio. Donde não se segue que o arcedíago confira a ordem.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O Papa, que tem a plenitude do poder pontifical, pode conferir a quem não é bispo a dignidade episcopal, contanto que ela não tenha imediata relação com o verdadeiro corpo de Cristo. Assim, por comissão episcopal, pode um simples sacerdote conferir as ordens menores e a confirmação; não porém quem não for sacerdote. Mas nem mesmo um sacerdote poderá conferir as ordens maiores, que tem relação imediata com o corpo de Cristo, para consagrar o qual o Papa não tem maior poder que um simples sacerdote.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora o sacramento da Eucaristia seja de todos o máximo, em si mesmo considerado, contudo a ninguém confere uma função, como o sacramento da ordem. Logo, não há semelhança de razão.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Para comunicarmos a outrem o que temos não é necessário só proximidade, mas também plenitude de poderes. E como o sacerdote não tem essa plenitude, nos ofícios hierárquicos, como o bispo, daí não se segue que possa conferir o diaconato, embora esta ordem seja a mais próxima da sua.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que ao sacerdote não se lhe imprime o caráter quando lhe é apresentado o cálice.
1. - Pois, a consagração do sacerdote é como a confirmação, acompanhada de uma unção. Ora, na confirmação, é a unção mesma que imprime caráter. Logo, é o sacerdócio mesmo o que imprime caráter e não o cálice apresentado.
2. Demais. ─ O Senhor deu aos discípulos o poder sacerdotal quando disse: Recebei o Espírito Santo; aqueles a quem perdoardes os pecados, etc. Ora, o Espírito Santo é conferido pela imposição das mãos. Logo, a imposição das mãos por si mesma imprime o caráter da ordem.
3. Demais. ─ Assim como são consagrados os ministros, assim também as vestes deles. Ora, as vestes só a bênção, por si, as consagra. Logo, a consagração do bispo por si só, torna o sacerdote consagrado.
4. Demais. ─ Assim como ao sacerdote é apresentado o cálice, assim também as vestes sacerdotais. Logo, se a apresentação do cálice lhe imprime o caráter, pela mesma razão a da casula. E assim o sacerdote receberia dois caracteres; o que é falso.
5. Demais. ─ A ordem do diácono mais se aproxima da do sacerdote, que a do subdiácono. Ora, se a simples apresentação do cálice imprimisse o caráter sacerdotal, o subdiácono estaria mais próximo do sacerdote que o diácono, porque aquele recebe o caráter pela só apresentação do cálice, mas não o diácono. Logo, a apresentação do cálice só por si não imprime o caráter sacerdotal.
6. Demais. ─ A ordem dos acólitos exerce uma função mais próxima da do sacerdote, por se ocupar com as galhetas, do que por levar o círio. Mas o caráter mais imprime o acólito quando os acólitos recebem o círio, que quando recebem as galhetas; pois, o nome de acólito, significa ─ o que leva um círio. Logo, os sacerdotes não se lhes imprime o caráter quando recebem o cálice.
Mas, em contrário. ─ O ato principal da ordem sacerdotal é consagrar o corpo de Cristo. Ora, esse poder lhe é conferido quando lhe apresentam o cálice. Logo, é então que se lhe imprime o caráter.
SOLUÇÃO. ─ Como dissemos, o mesmo agente que infunde uma forma também dá à matéria a preparação próxima para receber a forma. Por isso o bispo, ao conferir a ordem, faz duas coisas ─ prepara os ordenandos para a receberem e confere o poder da ordem.
Prepara-os, instruindo-se por ofício próprio, e influindo sobre eles a fim de se tornarem aptos para receber. E essa preparação em três coisas consiste: na bênção, na imposição das mãos e na unção. ─ Pela bênção, ficam ligados ao serviço divino; e por isso ela é dada a todos. ─ A imposição das mãos dá-lhes a plenitude da graça, que os torna aptos a elevados ofícios. Por isso, só os diáconos e os sacerdotes- recebem imposição de mãos, por lhes competir dispensar os sacramentos, embora estes o tenham como função principal e os outros, como ministros. ─ Além disso, a unção que recebem, os consagra para o trato do sacramento. Razão pela qual só os sacerdotes recebem a unção, eles que tocam com as mãos o corpo de Cristo; por isso também é ungido o cálice, que contém o sangue; e a patena, que contém o corpo.
Quanto à colação do poder, é a do que lhes concerne a função própria que exercem. E como a função principal do sacerdote é consagrar o corpo e o sangue de Cristo, por isso quando lhe é oferecido o cálice, pela forma determinada das palavras se lhe imprime o caráter sacerdotal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A confirmação não confere o poder de obrar sobre a matéria exterior. Por isso não imprime caráter mediante a apresentação de um objeto material, mas só pela imposição das mãos e pela unção. Diferente é o que se passa com a ordem sacerdotal. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O Senhor, quando na ceia disse antes da paixão ─ Tomai e comei, deu aos discípulos o poder sacerdotal, no seu ato principal. Por isso acrescentou: Fazei isto em memória de mim. Mas depois da ressurreição deu-lhes função secundária da ordem sacerdotal, que é ligar e absolver.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ As vestes não precisam outra consagração senão a que as destina ao culto divino. Por isso lhes basta, como consagração, a bênção. Outra coisa porém é o que se dá com os ordenados, conforme dissemos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ As vestes sacerdotais não significam o poder dado ao sacerdote, mas a idoneidade que deles se requer para o desempenho das suas funções. Por isso, nem ao sacerdote nem a nenhum outro se lhe imprime caráter por se revestirem de qualquer veste.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O poder do diácono é médio entre o do subdiácono e o do sacerdote. Pois, o sacerdote tem poder direto sobre o corpo o subdiácono, apenas sobre os vasos; o diácono sobre o corpo de Cristo contido no vaso. Por isso não pode ele tocar no corpo de Cristo, mas conduzi-la na patena, e distribuir o sangue com o cálice. E é porque o ato principal das suas funções não podia exprimir-se nem pela apresentação só do vaso, nem pela apresentação da matéria. Mas apenas o ato secundário das suas funções é expresso quando se lhe dá o livro dos Evangelhos; e nessa função se incluem as outras. Por isso a só apresentação dos livros já lhe imprime caráter.
RESPOSTA À SEXTA. ─ A função mais principal do acólito é, antes, a de servir as galhetas que o levar o círio. Embora tire a denominação da sua função secundária, que é mais conhecida e mais própria dele. Por isso o caráter se lhe imprime ao acólito quando se lhe dão as galhetas, em virtude das palavras pronunciadas pelo bispo.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que as funções das ordens não estão bem determinadas pelo Mestre das Sentenças.
1. ─ Pois, a absolvição nos prepara a receber o corpo de Cristo. Ora, preparar os que devem receber o sacramento é função das ordens inferiores. Logo, a absolvição dos pecados não devia ser enumerada entre as funções do sacerdote.
2. Demais. ─ Pelo batismo imediatamente nos tornamos semelhantes a Deus, porque recebemos o caráter que obra essa semelhança. Ora, orar e oferecer oblações são atos ordenados imediatamente a Deus. Logo, todo batizado, e não só o sacerdote, pode praticar tais atos.
3. Demais. ─ Ordens diversas tem funções diversas. Ora, por as oferendas no altar e ler a epístola é função do subdiácono. Também os subdiáconos apresentam a cruz ao Papa. Logo não se devem considerar essas funções do diácono.
4. Demais. ─ Tanto o Testamento Velho como o Novo encerram a mesma verdade. Ora, ler o Testamento Velho é função dos leitores. Logo e pela mesma razão devem ler o Novo, não sendo pois, essa, função dos diáconos.
5. Demais. ─ Os Apóstolos nada mais pregaram senão o Evangelho de Cristo, como se vê na Escritura. Ora, publicar a doutrina dos Apóstolos é função dos subdiáconos. Logo, também a doutrina do Evangelho.
6. Demais. ─ Segundo Dionísio, funções de uma ordem superior não podem caber à inferior. Ora, lidar com as galhetas é função dos subdiáconos. Logo, não deve ser atribuída aos acólitos.
7. Demais. Os atos espirituais devem ter preeminência sobre os materiais. Ora, o acólito só exerce uma função material. Logo, o exorcista não pode exercer a função espiritual de expulsar os demônios, por ser inferior.
8. Demais. ─ Funções que convêm entre si devem ser postas juntas. Ora, ler o Velho Testamento deve ter conveniência máxima com a leitura do Novo, que cabe aos ministros superiores. Logo, a função de ler o Testamento Velho não deve ser atribuída ao leitor, mas antes, ao acólito, principalmente porque o lume corporal que o acólito apresenta, significa o lume da doutrina espiritual.
9. Demais. ─ Toda função de ordem espiritual implica uma virtude espiritual que, mais que os outros, desempenham os ordenados. Ora, a função que tem o ostiário de abrir e fechar as portas também outros a exercem. Logo, não deve ser essa uma função peculiar a eles.
SOLUÇÃO. ─ Como a consagração conferida pelo sacramento da ordem se destina ao sacramento da Eucaristia, conforme dissemos, é ato principal de cada ordem aquele pelo qual ela mais proximamente tem por fim o sacramento da Eucaristia. Assim sendo, uma ordem é mais eminente que outra, na medida em que uma função mais proximamente tem por fim o referido sacramento, como ao sacramento da Eucaristia, quase digníssimo se ordenam muitas outras funções, por isso nenhum inconveniente há em abranger uma ordem muitas funções, além da sua principal; e tanto mais quanto mais nobre for, por que um poder, quanto mais superior, maior raio de ação tem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Dupla é a preparação que devem ter os que recebem um sacramento. Uma remota, e essa é dada pelos ministros. Outra, próxima, que os torna logo aptos a receberem os sacramentos. E esta é função dos sacerdotes. Assim também na ordem natural o mesmo agente dá à matéria a última disposição para receber a forma e a confere. E como estamos em disposição próxima para receber a Eucaristia quando já nos purificamos dos pecados, por isso é o sacerdote o ministro próprio de todos os sacramentos instituídos principalmente para purificar dos pecados ─ o batismo, a penitência e a extrema unção.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Um ato pode ordenar-se imediatamente para Deus de dois modos. ─ Primeiro, por parte só de uma pessoa; assim fazer orações e votos em particular, e outros. E tal ato qualquer batizado pode praticá-lo. ─ De outro modo, por parte de toda a Igreja. E então só os atos praticados pelo sacerdote se ordenam imediatamente para Deus; porque só ele pode representar a pessoa de toda a Igreja, que consagra a Eucaristia, sacramento da Igreja universal.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ As oferendas feitas pelo povo o sacerdote é quem as oferece. Por isso é necessário um duplo ministério para a oferta dessas oblações. Um por parte do povo; e esse é próprio do subdiácono, que recebe do povo as oblações e as coloca no altar ou oferece ao diácono. Outra é o ministério do sacerdócio, próprio do diácono, que apresenta as oblações diretamente ao sacerdote. E nisso consiste a função principal de cada ordem. Donde vem que a ordem do diácono é superior. Quanto à leitura da epístola, não é ofício do diácono, senão enquanto as funções das ordens inferiores se atribuem às superiores. O mesmo se dá com a função de levar a cruz. Isso segundo o costume de certas Igrejas, porque não há inconveniente haver costumes diversos relativos a atos secundários.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A doutrina é a preparação remota para a recepção dos sacramentos; por isso, a transmissão da doutrina é confiada aos ministros. Ora, a doutrina do Velho Testamento é ainda mais remota que a do Novo; porque não instrui senão figuradamente sobre o sacramento da ordem. Por isso, ensinar o Novo Testamento é função dos ministros superiores; ao passo que ensinar o Antigo pertence aos inferiores. Além disso, a doutrina do Novo Testamento, que o nosso Senhor mesmo ensinou, é mais perfeita que a sua divulgação por meio dos Apóstolos. Por isso ler o Evangelho é função confiada aos diáconos; e a epístola, aos subdiáconos.
Donde se deduz a resposta à quinta objeção.
RESPOSTA À SEXTA. - Os acólitos lidam só com as galhetas nenhuma ação tendo sobre o conteúdo delas. Mas o subdiácono tem ação sobre esse conteúdo, porque depõe a água e o vinho no cálice e além disso derrama a água nas mãos do sacerdote. Quanto ao diácono e ao subdiácono, tem ação só sobre o cálice, não sobre o conteúdo dele; ao passo que o sacerdote a tem sobre esse conteúdo. Por isso, assim como o subdiácono, quando se ordena, recebe o cálice vazio, e o sacerdote o recebe cheio, assim o acólito recebe as galhetas vazias, e cheias o subdiácono. De modo que há uma certa conexão entre as ordens.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ As funções materiais do acólito se ordenam mais proximamente à das ordens sacras, que as dos exorcistas, embora seja esta de certo modo espiritual. Porque os acólitos exercem o seu ministério sobre os vasos que contêm a matéria do sacramento, quanto ao vinho, que, por causa da sua umidade, necessita um vaso que o contenha. Por isso, dentre todas as ordens menores a dos acólitos é a superior.
RESPOSTA À OITAVA. ─ A função dos acólitos mais se aproxima das funções principais dos ministros superiores, que as funções das outras ordens, como é fácil de ver. E semelhantemente, quanto aos atos secundários, cujo objeto é preparar o povo por meio da instrução. Porque o acólito, portador do círio, simboliza visivelmente a doutrina do Novo Testamento; ao passo que o leitor, lendo, as outras figuras do Velho Testamento. Por isso, o acólito é superior. O mesmo se passa com o exorcista. Pois, assim como está a função do leitor para a função secundária do diácono e do subdiácono, assim a função do exorcista para a função secundária do sacerdote ─ a de ligar e absolver, que nos livra totalmente da escravidão do demônio. ─ E nisto se manifesta a regular progressão das ordens. Pois, com o ato principal do sacerdote - consagrar o corpo de Cristo ─ cooperam as três ordens superiores. E com o seu ato secundário, de absolver e ligar cooperam juntamente as superiores e as inferiores.
RESPOSTA À NONA. ─ Alguns dizem que quando recebe a ordem, ao ostiário é conferido um certo poder divino, de impedir a outrem de entrar no templo, como o teve Cristo quando dele expulsou os ladrões. Mas isto mais é obra da graça gratuita, que da graça do sacramento. Por onde, devemos pensar que ele recebe o poder de assim agir como no exercício de uma função própria; embora também outros possam fazer o mesmo, mas não por ofício. O mesmo se dá com todas as funções das ordens menores, que podem ser licitamente exercidas por outros, não porém como função própria deles. Assim, também numa casa não consagrada pode-se dizer missa, embora a igreja seja consagrada para nela celebrar-se.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que as ordens não devem ser divididas em sacras e não sacras.
1. ─ Pois, todas as ordens são sacramentos. Ora, todos os sacramentos são sagrados. Logo, sacras todas as ordens o são.
2. Demais. ─ As ordens da Igreja só destinam aos ofícios divinos. Ora, todos eles são sagrados. Logo, todas as ordens são sacras.
Mas, em contrário, as ordens sacras impedem contrair matrimônio e dirimem o já contraído. Ora, quatro ordens inferiores não impedem de o contrair nem dirimem o já contraído. Logo, não são ordens sacras.
SOLUÇÃO. ─ Uma ordem pode ser considerada sagrada de dois modos. ─ Primeiro, em si mesma; e então toda ordem é sagrada, por ser sacramento. ─ Depois, em razão da matéria sobre a qual recai a função. E assim sagrada se considera toda ordem cuja função recai sobre matéria consagrada. Por onde, só há três ordens sacras: a do sacerdote e a do diácono ─ cujos atos se exercem sobre o corpo de Cristo e o sangue consagrado; e a do subdiácono, cuja ação se exerce sobre os vasos sagrados. Por isso se lhes impõe a continência, a fim de serem puros os que tratam coisas sagradas.
Donde se deduz a resposta às objeções.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que não são sete as ordens.
1. ─ Pois, as ordens da Igreja se ordenam a atos hierárquicos. Ora, os atos hierárquicos são só três ─ purificar, iluminar e aperfeiçoar ─ correlatos às três ordens que distingue Dionísio. Logo, as ordens não são sete.
2. Demais. ─ Todos os sacramentos tem a sua eficácia e autoridade, da instituição de Cristo, ou ao menos, dos seus Apóstolos. Ora, na doutrina de Cristo e dos Apóstolos não se faz menção senão dos presbíteros e dos diáconos. Logo, parece que, não há outras, ordens além dessas.
3. Demais. ─ Pelo sacramento da ordem é o ordenado constituído dispensador dos outros sacramentos, Ora, os outros sacramentos são seis. Logo só seis devem ser as ordens.
Mas, em contrário. ─ Parece que devem ser mais de sete. Pois, quanto mais nobre é uma virtude tanto menos se multiplica. Ora, o poder hierárquico os anjos o tem de maneira mais digna que nós, como diz Dionísio. Logo, sendo nove as ordens da hierarquia angélica, outras tantas ou mais deveriam ser as da Igreja.
2. Demais. ─ A profecia dos salmos é mais nobre que todas as outras profecias. Ora, uma ordem ─ a dos leitores, é a incumbida de ler na igreja as profecias. Logo, devia haver outra ordem incumbida de ler os salmos, sobretudo que nas Decretais é colocada em segundo lugar, entre as ordens, depois do ostiário.
SOLUÇÃO. ─ Certos buscam o fundamento do número das diversas ordens nas graças gratuitas, às quais se refere o Apóstolo. Assim, dizem que a palavra de sabedoria compete ao bispo, por ser o ordenador dos outros, o que concerne à sabedoria. A palavra de ciência, ao sacerdote, que deve ter a chave da ciência; a fé, ao diácono, que prega o Evangelho; a operação de milagres, ao subdiácono, que se dá às obras de perfeição, pelo voto de continência; a interpretação das palavras, ao acólito, significa da pelo archote que conduz; a graça de curar as doenças, ao exorcista; a variedade de línguas, ao salmista; a profecia, ao leitor; o discernimento dos espíritos, ao ostiário, que exclui uns e admite outros. ─ Mas nada disto é exato. Porque as graças gratuitas não são todas, como as ordens, dadas à mesma pessoa. Assim, como diz o Apóstolo, há divisões de graças. E por isso enumeram-se entre as ordens o episcopado e a função de salmista, apesar de não o serem.
Por isso outros procuraram fundamentá-las comparando-as com a hierarquia celeste, nas quais as ordens se distinguem correlatamente à purificação, a iluminação e a perfeição. Assim, dizem que o ostiário purifica exteriormente, segregando os bons dos maus, mesmo corporalmente; o acólito, por seu lado, opera a purificação interna, significando o círio, que conduz, a dissipação das trevas interiores; e de ambos os modos o exorcista, porque o diabo, que expulsa, perturba de ambos os modos. Quanto à iluminação, feita pela doutrina, se a doutrina é profética compete aos leitores; se apostólica, aos subdiáconos: se evangélica, aos diáconos, Quanto à perfeição comuns, que é a da penitência, do batismo e de sacramentos tais, incumbe ao sacerdote; a perfeição por excelência incumbe ao bispo, como a consagração dos sacramentos e das virgens; e a excelentíssima, ao sumo Pontífice, em quem reside a plenitude da autoridade. ─ Mas nada disto é admissível. Quer por as ordens da hierarquia celeste não se distinguirem pelas preditas ações hierárquicas, por qualquer delas convir à qualquer das ordens. Quer porque, segundo Dionísio, só aos bispos é próprio aperfeiçoar; iluminar convindo aos sacerdotes e purificar, a todos os ministros.
Por isso, outros apropriam as ordens aos sete dons, de modo que ao sacerdócio responde o dom da sabedoria, que nos nutre com o pão da vida e da inteligência, assim como o sacerdote nos fortalece com o pão celeste; a temor se apropria ao ostiário, que nos separa dos maus, e assim as ordens intermédias respondem aos dons médios. ─ Mas, de novo, nada disto é exato: porque qualquer das ordens nos confere os sete dons do Espírito Santo.
Por isso e diferentemente devemos responder que o sacramento da ordem tem por fim direto o da Eucaristia ─ o sacramento dos sacramentos, na expressão de Dionísio. Pois assim como o templo, o altar, os vasos e as vestes, assim também os ministérios, ordenados à Eucaristia, devem ser consagrados: e esta consagração é o sacramento da ordem. Por onde, as ordens se diversificam pela sua relação com a Eucaristia.
Porque o poder da ordem ou é para consagrar a Eucaristia, ou para algum ministério cujo fim é o sacramento da Eucaristia. No primeiro caso a ordem é a dos sacerdotes. Por isso, quando se ordenam, recebem o cálice com o vinho e a patena com o pão, recebendo assim o poder de consagrar o corpo e o sangue de Cristo.
Quanto à cooperação dos ministros, tem por fim ou o sacramento mesmo ou os que o recebem.
No primeiro caso, de três modos. ─ Primeiro, vem o ministério pelo qual o ministro coopera com o sacerdote para a dispensa do sacramento, mas não para a consagração que só o sacerdote faz. E esse é o ofício do diácono. Por isso diz o Mestre das Sentenças, que ao diácono pertence servir aos sacerdotes em tudo o referente aos sacramentos de Cristo. Por onde, eles mesmos são os dispensadores do sangue de Cristo. ─ Depois vem o ministério ordenado a preparar a matéria do sacramento nos vasos próprios dele. E esse é o ofício do subdiácono. Por isso diz o Mestre, que levam os vasos do corpo e do sangue do Senhor, e colocam as oblações no altar. Eis porque recebem o cálice das mãos do bispo, quando se ordenam, mas vazio. ─ Vem enfim o ministério ordenado a apresentar a matéria do sacramento. E isso compete ao acólito. Pois, este, como diz o Mestre, enche as galhetas de vinho e de água. Por isso recebe as galhetas vazias.
Quanto ao ministério ordenado à preparação dos que devem receber o sacramento, não pode ele exercer-se senão sobre os impuros, porque os puros já são aptos para recebê-las. Ora, os impuros são de três gêneros, segundo Dionísio. ─ Uns, são os de todo infiéis, que não querem crer. E esses devem ser completamente afastados, mesmo de ver as coisas sagradas, e do grêmio dos fiéis. Tal é a função do ostiário. ─ Outros são os que querem crer mas ainda não estão instruídos e são os catecúmenos. Instruí-las é o ofício dos leitores. Por isso os primeiros rudimentos da
doutrina da fé ─ o Testamento Velho, são eles os Que devem ler. ─ Outros enfim são os energúmenos, os fiéis instruídos, mas sob ação dos impedimentos que lhes impõe o poder dos demônios. O cuidar-se com eles é ofício dos exorcistas.
Assim se compreende a razão, o número e os graus das ordens.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Dionísio se refere às ordens, não enquanto sacramentos, mas enquanto destinadas às funções hierárquicas. Por isso distingue três ordens correlatas às três funções. Dessas ordens a primeira, a do bispo, abrange as três funções referidas; a segunda, a do sacerdote, duas delas; a terceira, a do diácono, chamado ministro, só exerce uma ─ a de purificar, compreendendo em si todas as ordens inferiores. ─ Mas as ordens, enquanto sacramentos, devem ser apreciadas, na sua relação com o máximo dos sacramentos. Daí o ser esse o fundamento do número delas.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Na Igreja primitiva, por causa do pequeno número dos ministros, todos os ministérios inferiores eram cometidos aos diáconos. Assim o lemos em Dionísio: Dos ministros, uns se postam junto às portas fechadas do templo; outros exercem alguma junção da sua ordem; outros apresentam aos sacerdotes no altar o pão sagrado e o cálice da bênção. Contudo, todos os poderes referidos estavam implicitamente incluídos, no do diácono. Mas depois, ampliado o culto divino, também a Igreja confiou explicitamente a diversos o que estava implicitamente incluído numa só ordem. Por isso o Mestre diz que a Igreja teve necessidade de instituir outras ordens.
RESPOSTA À TERCEIRA. - As ordens se destinam principalmente ao sacramento da Eucaristia; e aos outros, por consequência; porque também os outros sacramentos derivam do conteúdo deste. Por onde, não é necessário sejam as ordens divididas pela sua relação com os sacramentos.
RESPOSTA À QUARTA. - Os anjos diferem especificamente; por isso podem participar diferentemente uns dos outros dos bens divinos. Donde o distinguirmos diversas hierarquias deles. Mas dos homens só há uma hierarquia, por causa do modo único pelo qual podem receber os dons divinos consequente à espécie humana, a saber, pelas semelhanças das coisas sensíveis. Por isso, as ordens angélicas não se podem dividir por comparação com nenhum sacramento, como se dá conosco, mas só por comparação com as funções hierárquicas, que qualquer ordem deles exerce sobre as inferiores. E assim as nossas ordens correspondem às deles: pois, em a nossa hierarquia são três as ordens, distintas pelas suas relações com as três funções hierárquicas, do mesmo modo que cada hierarquia angélica tem a sua função hierárquica própria.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A função do salmista não é uma ordem, mas um ofício anexo à ordem; pois, por serem os Salmos cantados, por isso se chama ao salmista cantor. Mas cantor não é nome especial de nenhuma ordem, que por ser cantar função de todo o coro, quer por não ter nenhuma relação especial com o sacramento da Eucaristia, quer por ser um ofício às vezes enumerado entre as ordens consideradas num sentido lato.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que não se devem distinguir várias ordens.
1. ─ Pois, quanto mais nobre é uma virtude tanto menos multiplicada é. Ora, o sacramento da ordem é mais nobre que os outros, porque constitui os que recebem em grau superior aos demais. Logo, como os outros sacramentos não se dividem em vários, que tenham uma denominação comum, também o da ordem não deve ser dividido em vários.
2. Demais. ─ Se se dividisse a ordem em várias, esta divisão seria ou a de um todo em suas partes integrantes ou em partes subjetivas. Ora, não em partes integrantes, porque então não receberiam elas a denominação do todo. Logo, será a divisão em partes subjetivas. Ora, as partes subjetivas recebem a sua denominação genérica no plural, tanto a do gênero próximo como a do remoto; assim, dizemos do homem e do asno, que são duas espécies de animais e de corpos animados. Logo, sendo o sacramento um como gênero, de que as ordens são as espécies, o sacerdócio e o diaconato, sendo ordens diferentes, são também sacramentos diferentes.
3. Demais. ─ Segundo o Filósofo, o regime em que um só governa é mais nobre que a aristocracia, na qual as várias funções públicas são desempenhadas por diversos. Ora, o governo da Igreja deve ser o mais nobre de todos. Logo, não devia haver nela distinção de ordens relativamente às diversas atividades delas, mas o poder deveria residir totalmente em um só sujeito. E assim, deveria ser a ordem uma só.
Mas, em contrário. ─ A Igreja é o corpo místico de Cristo, semelhante a um corpo natural, segundo o Apóstolo. Ora, os vários membros de um corpo natural tem cada qual a sua função. Logo, na Igreja deve haver diversas ordens.
2. Demais. ─ O Ministério do Testamento Novo é mais nobre que o do Velho, como diz o Apóstolo. Ora, no Testamento Velho, não só os sacerdotes, mas também os levitas, seus ministros, eram santificados. Logo, também não somente os sacerdotes do Testamento Novo, mas também os seus ministros, devem ser consagrados pelo sacramento da ordem.
SOLUÇÃO. ─ A variedade das ordens foi introduzida na Igreja por três razões. ─ Primeiro, para mostrar a sabedoria de Deus, que esplende sobretudo na ordenada variedade dos seres, tanto na ordem natural como na espiritual. Eis porque o texto sagrado refere, que a rainha de Sabá, vendo a ordem reinante entre os oficiais de Salomão, estava toda transportada, não cabendo em si de admiração pela sua sabedoria. ─ Segundo, para obviar à fraqueza humana; porque uma só ordem não poderia exercer sem grande gravame, tudo o concernente aos divinos mistérios. Por isso, são várias as ordens, correspondentes a ofícios diversos. O que é corroborado pelo fato de ter o Senhor dado como coadjutores a Moisés setenta anciãos os do povo. ─ Terceiro, para facilitar aos homens os meios do aperfeiçoamento espiritual, sendo vários os que exercem funções diversas de modo a serem todos cooperadores de Deus, não havendo ministério mais divino que esse, na expressão de Dionísio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os outros sacramentos são conferidos para deles colherem certos efeitos; ao passo que este nos é ministrado principalmente em vista de praticarmos certos atos. Por onde, o sacramento da ordem há de dividir-se conforme a diversidade dos atos, assim como pelos atos se diversificam as potências.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A divisão, no caso vertente, não é a de um todo nas suas partes integrantes, nem a de um todo universal, mas a de um todo potencial. E da natureza deste é estar na sua essência total em uma das partes, tendo as outras uma certa participação dela. Ora, o mesmo se dá aqui. Pois, a plenitude total deste sacramento tem-na uma das ordens ─ o sacerdócio; as outras são participações dele. Tal o significado das palavras do Senhor ─ Tirarei do teu espírito e lh'o darei a eles para que sustentem comigo a carga do povo. Por onde, todas as ordens são um só sacramento.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Num reino, embora o poder na sua plenitude total resida no rei, não ficam porém excluídos os poderes dos ministros, que são umas participações do poder real. O mesmo se dá com a ordem. Ao passo que na aristocracia, a plenitude do poder não reside em ninguém, mas em todos.