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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 7 ─ Se as vestes dos ministros a Igreja as instituiu acertadamente.

O sétimo discute-se assim. ─ Parece que as vestes dos ministros a Igreja não as instituiu acertadamente.

1. ─ Pois, os ministros do Novo Testamento estão mais adstritos à castidade que os do Velho. Ora, entre as vestes dos ministros do Testamento Velho havia também calções para cobrir as partes verendas, em sinal de castidade. Logo e com maior razão, devem eles estar entre as vestes dos ministros da Igreja.

2. Demais. ─ O sacerdócio do Novo Testamento é mais digno que o do Antigo. Ora, os antigos sacerdotes tinham mitras, símbolo da dignidade. Logo, também nas devem ter os da Lei Nova.

3. Demais. ─ O sacerdote está mais próximo da ordem dos ministros que a ordem episcopal. Ora, os bispos usam da dalmática, que é veste dos diáconos e da túnica, veste do subdiácono. Logo e com muito maior razão, devem usar delas os simples sacerdotes.

4. Demais. ─ Na Lei antiga, o pontífice trazia o efod, símbolo do peso do Evangelho, como diz Beda. Ora, esta veste é própria sobretudo dos nossos pontífices. Logo, devem trazer o efod.

5. Demais. ─ No racional, de que usavam os pontífices da Lei Velha estava escrito: Doutrina e Verdade. Ora, a verdade sobretudo se revelou na Lei Nova. Logo, devem trazê-lo os pontífices da Lei Nova.

6. Demais. ─ A lâmina de ouro, onde estava escrito o digníssimo nome de Deus, era o mais nobre dos ornatos da Lei Velha. Logo, devia, mais que os outros, passar para a Lei Nova.
 
7. Demais. ─ As práticas externas dos ministros da Igreja, são sinais das internas. Ora, o arcebispo não tem um gênero de poder diferente do episcopal, como se disse. Logo, não deve ter o pálio, que não têm os bispos.

8. Demais. ─ A plenitude do poder reside no Romano Pontífice. Ora, ele não traz o báculo. Logo, também os outros bispos não no devem trazer.

SOLUÇÃO. ─ As vestes dos ministros designam a idoneidade que devem ter para tratar as coisas divinas. E como certos requisitos todos devem ter e outros, só os superiores e não os inferiores, por isso certas vestes são comuns a todos os ministros, e outras, só aos superiores.

Por isso, todos os ministros devem vestir o amicto, que lhes cobre os ombros e significa a fortaleza com que devem exercer os ofícios divinos a que foram consagrados. Também a alva, símbolo da pureza de vida; e o cíngulo, que significa a repressão da carne. O subdiácono deve além disso, usar o manipulo, símbolo da sua absoluta pureza, porque o manipulo e, por assim dizer, um lenço para enxugar o rosto; pois a sua ordem é uma como introdução ao ministério sagrado. Usa também uma túnica estreita, símbolo da doutrina de Cristo; por isso dela pendiam, na Lei Antiga, campainhas. Pois, os subdiáconos tem como dever primacial anunciar a doutrina da Lei Nova.
 
Além disso, porém o diácono usa a estola no ombro esquerdo, em sinal de que o seu ministério se exerce sobre os sacramentos, diretamente. E a dalmática, veste larga, assim chamada por ter sido primeiro usada nas terras da Dalmácia para significar que o diácono tem como função ser dispensador dos sacramentos, pois, distribui o sangue de Cristo, e quem dispensa deve fazê-lo com largueza.

Quanto ao sacerdote, em cada ombro se lhe coloca a estola, para mostrar que lhe é conferido o pleno poder de dispensar os sacramentos e não como ministro de outrem; por isso a estola lhe desce até em baixo. Também usa a casula, símbolo da caridade, porque consagra a Eucaristia, sacramento do amor. Ao bispo se lhe acrescentam nove ornamentos além dos do sacerdote, que são: As meias, as sandálias, o cinto, a túnica, a dalmática, a mitra, as luvas, o anel e o báculo. Porque tem nove poderes além dos do sacerdote: ordenar os clérigos, abençoar as virgens, consagrar os pontífices, impor as mãos, dedicar as basílicas, depor os clérigos, celebrar sínodos, consagrar o crisma e consagrar vestes e vasos. ─ Ou as meias, significam a retidão dos passos. As sandálias, que cobrem os pés, o desprezo dos bens terrenos. O cinto, que liga a estola com a alva, o amor da decência. A túnica, a perseverança; porque a Escritura refere que José tinha uma túnica talar, que lhe descia até aos calcanhares, símbolos do extremo da vida. A dalmática significa a generosidade nas obras de misericórdia. As luvas, a cautela no agir. A mitra, a ciência de ambos os Testamentos, sendo por isso que tem duas pontas. O báculo, o zelo pastoral, que o levará a reunir os errantes, simbolizado pela curvatura no topo do báculo; a sustentar os fracos, como a própria haste do báculo o exprime; mas espertar os lentos, simbolizado pela ponta, na extremidade do báculo. Daí o verso:

Reúne, sustenta, estimula os errantes, os doentes, os lentos.
 
Quanto ao anel, significa os sacramentos da fé, pelos quais a Igreja é desposada; pois, os bispos são os esposos da Igreja, em lugar de Cristo. Além disso, os arcebispos usam o pálio, em sinal do seu poder privilegiado; pois significa o colar de ouro outorgado aos que combateram com bravura.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Aos sacerdotes da Lei Velha era imposta a continência só no tempo em que desempenhavam o seu ministério. Por isso como sinal da castidade, que deviam então observar, usavam, na oblação de sacrifício de calções para lhes cobrir as partes verendas. Ora, os ministros do Novo Testamento estão obrigados a continência perpétua. Por isso o símile não colhe.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A mitra não era sinal de nenhuma dignidade; pois era um como chapéu, no dizer de Jerônimo. Quanto à tiara, era um sinal de dignidade e só permitido aos pontífices, assim como agora a mitra.

RESPOSTA À TERCEIRA. - O poder dos ministros tem no dos bispos a sua origem; mas não no do sacerdote, pois não é ele quem lhes confere as ordens. Por isso, antes o bispo, que o sacerdote, é quem usa das vestes dos ministros.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Em lugar do efod usam da estola, cujo significado é o mesmo que era o do efod.

RESPOSTA À QUINTA. ─ O pálio veio tomar o lugar do racional.

RESPOSTA À SEXTA. ─ Em lugar dessa lâmina o nosso pontífice traz a cruz, como diz Inocêncio III. Assim como em lugar do calção, as sandálias; em lugar da túnica de linho, a alva; pelo cinto, o cíngulo; pelo talar, a túnica, pelo efod, o amicto; pelo racional, o pálio e a mitra, pela tiara.

RESPOSTA À SÉTIMA. - Embora não tenha um poder de outro gênero, tem contudo o arcebispo um poder mais amplo. E por isso, afim de designar essa perfeição reveste-se do pálio, que o envolve todo.

RESPOSTA À OITAVA. ─ O Pontífice Romano não usa do báculo, porque Pedro emprestou um dia o seu para despertar um dos seus discípulos que depois se tornou bispo trevirense. Por isso, na diocese trevirense, mas não em outros lugares, o Papa traz o báculo. ─ Ou ainda como sinal de que não tem um poder limitado, o que é significado pela curvatura do báculo.

Art. 6 ─ Se pode haver na Igreja um superior aos bispos.

O sexto discute-se assim. ─ Parece que acima eles bispos nenhum superior pode haver na Igreja.

1. ─ Pois, todos os bispos são sucessores dos Apóstolos. Ora, o poder dado a Pedro, um dos Apóstolos, a todos o foi. Logo, todos os bispos são iguais e um não é superior ao outro.

2. Demais. ─ O rito da Igreja deve ser conforme antes, ao dos judeus que ao dos gentios. Ora, a distinção da dignidade episcopal e a ordenação de um superior a outro, como diz o Mestre. foi introduzida pelos gentios, pois não existia na Lei Antiga. Logo, também na Igreja não deve um bispo ser superior a outro.

3. Demais. ─ Um poder superior não pode ser conferido pelo inferior, nem um igual pelo igual, porque sem nenhuma contradição o que é inferior recebe a bênção do que é superior. Por isso um sacerdote não pode sagrar um bispo nem outro sacerdote, mas o bispo é quem ordena o sacerdote. Ora, o bispo pode promover ao episcopado; assim, o bispo ostiense é o que consagra o Papa. Logo, a dignidade episcopal de todos os bispos é a mesma. Portanto, não deve um bispo ser inferior a outro, como diz a letra do Mestre.

Mas, em contrário, lemos ao concílio Constantinopolitano: Veneramos, segundo as Escrituras e segundo as definições canônicas, o santíssimo Bispo da Velha Roma como o primeiro e o máximo dos bispos; e depois dele o bispo mesmo de Constantinopla. Logo, pode um bispo ser superior a outro.

2. Demais. ─ S. Cirilo, bispo Alexandrino, diz: A fim de permanecermos unidos ao nosso chefe apostólico, que ocupa o trono dos Pontífices Romanos, de quem nos compete receber o que devemos crer e professar, nós o veneramos e a ele rogamos, de preferência a todos os mais. Porque só ele pode repreender, corrigir, determinar, dispor, desatar e ligar, em lugar do fundador da Igreja, que a nenhum outro, senão só a ele, deu a plenitude do poder; a quem todos, por direito divino, inclinam a cabeça e os mais elevados chefes do mundo lhe obedeçam como ao próprio Senhor Jesus Cristo. Logo, os bispos dependem por direito divino, de um superior.

SOLUÇÃO. ─ Em toda parte onde muitos governantes dependem de um só, há de necessariamente haver um regime universal superior aos regimes particulares. Porque em todas as virtudes e em todos os atos, como diz Aristóteles, a ordem depende da ordenação dos fins. Ora, o bem comum é mais divino que o bem particular.  Por onde, além do poder governamental, que visa o bem particular, deve haver um poder universal, que visa o bem comum; do contrário não poderia haver redução à unidade. Por isso, sendo toda a Igreja um só corpo, é necessário, para conservar essa unidade, haver um poder governativo da Igreja universal, superior ao poder episcopal a que obedece cada igreja especial. E esse é o poder do Papa. Por isso, os que rejeitam esse poder chamam-se cismáticos, quase mutiladores da unidade da Igreja. Mas entre o simples bispo e o Papa há outros graus de dignidade, correspondentes aos graus de união, em virtude do que uma congregação ou comunidade inclui outra. Assim como a comunidade da província inclui a da cidade; a do reino inclui a de cada província; e a de todo o mundo, a de cada reino.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora a todos os Apóstolos tenha sido dado em geral o poder de ligar e de absolver, contudo, para haver ordem na distribuição de poderes, primeiro foi dado só a Pedro, para mostrar que dele devia derivar para os mais. Por isso o Senhor lhe disse em particular: Conforta a teus irmãos. E ainda: Apascenta as minhas ovelhas. Isto é, em meu lugar, como diz Crisóstomo, sê o chefe e a cabeça de teus irmãos, para que estes, considerando-te como o meu representante, te anunciem e confirmem a ti, em todo o mundo universo, que estás sentado no teu trono.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O rito dos Judeus não estava espalhado pelos diversos reinos e províncias, mas era praticado por um só povo. Por isso não era necessário que quem detinha o poder principal tivesse sob si outros pontífices. Ao contrário, o rito da Igreja, como o dos gentios, está divulgado pelas várias nações. Ora, sendo assim, há de a Igreja, pela sua constituição, conformar-se, antes, com o rito dos gentios que com o dos judeus.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O poder do sacerdote é excedido pelo do bispo, como por um poder de gênero diferente. Mas o do bispo é excedido pelo do Papa, como por um poder do mesmo gênero. Por isso, todo poder hierárquico que pode exercer o Papa, na ministração dos sacramentos, pode também exercer o bispo; mas nem todos os atos que pode praticar o bispo o pode também o sacerdote, na colação dos sacramentos. Por isso, todos os bispos são iguais na ordem episcopal. Razão por que qualquer bispo pode consagrar a outro.

Art. 5 ─ Se o episcopado é uma ordem.

O quinto discute-se assim. ─ Parece que o episcopado é uma ordem.

1. ─ Primeiro, porque Dionísio distingue as três ordens seguintes da hierarquia eclesiástica: a do bispo, do sacerdote e do ministro. E a letra do Mestre também diz que a ordem episcopal é quadripartita.

2. Demais. ─ A ordem não é senão um certo grau de poder de dispensar os bens espirituais. Ora. os bispos podem dispensar certos sacramentos, que os sacerdotes não podem, como o da confirmação e o da ordem. Logo, o episcopado é uma ordem.

3. Demais. ─ Na Igreja não há nenhum poder espiritual além do da ordem e da jurisdição. Ora, as funções do poder episcopal não são jurisdicionais, do contrário poderiam ser cometidas a um não bispo, o que é falso. Logo, são funções da ordem. Portanto. o bispo tem uma ordem que o simples sacerdote não tem. Por onde o episcopado é uma ordem.

Mas, em contrário, uma ordem não depende da precedente, para o sacramento valer. Ora, o poder episcopal depende do sacerdotal, porque ninguém pode receber aquele sem ter primeiro recebido este. Logo, o episcopado não é uma ordem.

2. Demais. ─ As ordens maiores não se conferem a não ser aos sábados. Mas o poder episcopal se transfere aos domingos, como estabelece uma Decretal. Logo, não é uma ordem.

SOLUÇÃO. ─ A ordem é susceptível de dupla acepção. ─ Primeiro, como sacramento. E então, como dissemos, toda ordem se destina ao sacramento da Eucaristia. Por onde, não tendo, por si, o bispo um poder superior ao do sacerdote, ordem não será o episcopado. ─ A outra luz, a ordem pode ser considerada, enquanto um ofício ao qual incumbem certas funções sacras. E assim, lendo o bispo Um poder hierárquico, superior ao do sacerdote, sobre o corpo místico de Cristo. O episcopado será uma ordem. Ora, é este o sentido das autoridades aduzidas. Donde se deduz a resposta à primeira objeção.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A ordem enquanto sacramento, que imprime caráter, se destina especialmente ao sacramento da Eucaristia, que contém ao próprio Cristo; pois, pelo caráter nos configuramos com Cristo mesmo. Portanto, embora ao bispo, quando é promovido ao episcopado, seja dado um certo poder espiritual em relação aos outros sacramentos, esse poder entretanto não chega a imprimir caráter. Por onde, o episcopado não é uma ordem, tomando-se a ordem como um dos sacramentos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O poder episcopal não é somente jurisdicional; mas também um poder de ordem, tomada esta no sentido geral.

Art. 4 ─ Se deve haver um poder episcopal, superior à ordem sacerdotal.

O quarto discute-se assim. ─ Parece que não deve haver nenhum poder episcopal, superior à ordem sacerdotal.
 
1. ─ Pois, como diz a letra do Mestre, a ordem sacerdotal começou com Arão. Logo, na Lei Nova não deve haver nenhum poder superior ao sacerdotal.

2. Demais. ─ Um poder se ordena à prática de determinados atos. Ora, nenhum ato sagrado pode ser mais nobre que o de consagrar o corpo de Cristo, que compete ao sacerdote. Logo, o poder episcopal não deve ser superior ao sacerdotal.

3. Demais. ─ O sacerdote quando oferece o sacrifício faz a figura de Cristo na Igreja, que se ofereceu ao Padre por nós. Ora, na Igreja ninguém é maior que Cristo, porque ele é a cabeça da Igreja. Logo, não deve haver nenhum poder superior ao sacerdotal.

Mas, em contrário. ─ Um poder é tanto mais elevado quanto maior raio de ação tem. Ora, o poder sacerdotal, como diz Dionísio, só tem por objeto purificar e iluminar; ao passo que o episcopal, além desses, tem também o de aperfeiçoar. Logo, o poder episcopal deve ser o superior ao sacerdotal.

2. Demais. ─ Os ministérios divinos devem ser melhor ordenados que os humanos. Ora, a ordem dos ofícios humanos requer que cada ofício tenha o seu preposto, que é nele o principal; assim, o chefe dos soldados é o general. Logo, devem os sacerdotes ter um preposto, que lhe seja o chefe; e este é o bispo. Portanto, o poder episcopal deve ser superior ao sacerdotal.

SOLUÇÃO. ─ O sacerdote exerce duas espécies de atos: um principal, que é consagrar o corpo de Cristo; outro secundário, que é preparar o povo de Deus para a recepção desse sacramento, como dissemos. Quanto ao primeiro, o poder sacerdotal não depende de nenhum outro poder superior, a não ser o de Deus. Mas quanto ao segundo, depende de um poder humano superior. Pois, todo poder, que não pode exercer-se senão pressuposta uma certa ordem, depende do poder causador dessa ordem. Ora, o sacerdote não pode absolver nem ligar independente da jurisdição episcopal, que lhe torna sujeitos os que absolve. Mas pode consagrar qualquer matéria determinada por Cristo; nem requer mais nada o sacramento para existir, embora uma certa conveniência pressuponha o ato episcopal de consagrar o altar, os paramentos e coisas semelhantes. Por onde, é clara a necessidade de um poder episcopal superior ao sacerdotal, quanto ao ato secundário do sacerdote; mas não quanto ao primeiro.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Arão era sacerdote e pontífice, isto é, chefe dos sacerdotes. Por isso o poder sacerdotal começou com ele, enquanto como sacerdote oferecia os sacrifícios, o que também os sacerdotes menores podiam fazer. Mas não enquanto pontífice, pois como tal tinha o poder privativo de praticar certos atos, como entrar no Santo dos Santos uma vez por ano, o que os outros sacerdotes não podiam fazer.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Para a prática desse ato o sacerdote não depende de nenhum poder superior; mas só para o exercício da segunda função, que referimos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Assim como as perfeições de todas as causas naturais preexistem exemplarmente em Deus, assim Cristo foi o exemplar de todos os ofícios eclesiásticos. Por onde, cada ministro da Igreja de certo modo representa a pessoa de Cristo, como diz a letra do Mestre; e contudo aquele é superior, que representa Cristo mais plenamente. Ora, o sacerdote representa a Cristo enquanto por si mesmo exercer um determinado ministério; o bispo, de seu lado, o representa enquanto instituidor dos outros ministros e fundador da Igreja. Por isso ao bispo pertence atribuir certas causas ao ofício divino, estabelecendo por assim dizer o culto divino à semelhança de Cristo. E também por isso, é chamado como Cristo, esposo da Igreja.

Art. 3 ─ Se quem recebe a coroa renuncia aos bens, temporais.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que quem recebe a coroa renuncia os bens temporais.

1. ─ Pois, os que recebem a coroa dizem então: O Senhor é parte da minha herança. Ora, como diz Jerônimo, o Senhor dedigna ser parte da nossa herança, junto com os bens temporais. Logo, os que recebem a coroa renunciam aos bens temporais.

2. Demais. ─ A justiça dos ministros do Novo Testamento deve abundar mais que a dos ministros do Velho, como lemos no Evangelho. Ora, os ministros do Testamento Velho, como os levitas, não receberam parte da herança, como os seus irmãos. Logo, nem a devem ter os ministros do Novo Testamento.

3. Demais. ─ Hugo Vitorino diz, desde que alguém foi feito clérigo, deve sustentar-se com os estipêndios da igreja. Ora, isto não se daria se conservasse o seu patrimônio. Logo, parece que fazendo-se clérigo, renuncia a ele.
 
Mas, em contrário, Jeremias pertenceu à ordem sacerdotal. Ora, entrou de posse da sua herança, como claramente o diz. Logo, os clérigos podem ter bens patrimoniais.

2. Demais. ─ Se não o pudessem, não haveria então diferença entre clérigos seculares e regulares.

SOLUÇÃO. ─ Os clérigos pelo fato de terem recebido a coroa, não renunciam ao seu patrimônio nem a nenhum bem temporal. Porque a posse dos bens terrenos não contraria ao culto divino, a que os clérigos são destinados; mas o que lhe contraria é só a demasiada solicitude posta neles, porque, como diz Gregório, dar-lhes o ajecto seria criminoso.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O Senhor dedigna fazer parte; de modo que viesse a ser amado tanto quanto os bens temporais, de maneira que viéssemos a pôr o novo fim tanto nele como nos bens do mundo. Mas não dedigna ser parte daqueles, que de modo possuem as coisas do mundo, que por elas não se afastam do culto divino.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os levitas, no Testamento Velho, tinham direito à herança paterna. Mas não receberam partes iguais às das outras tribos, porque deviam dispersar-se por todas elas; e isso não poderia dar-se se, como as outras, tivessem recebido uma determinada parte de terra.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Se os clérigos promovidos às ordens sagradas fossem indigentes, o bispo que os promove fica obrigado a olhar por eles; do contrário, a isso não estaria obrigado. Quanto a eles, estão obrigados, por força das ordens recebidas, a servir à Igreja. As palavras de Hugo devem entender-se dos que não tem com que sustentar-se.

Art. 2 ─ Se a coroa é uma ordem.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que a coroa é uma ordem.

1. - Pois, nos atos da Igreja, o espiritual deve corresponder ao corporal. Ora, a coroa é um sinal material que a Igreja usa. Logo, parece que lhe há de corresponder uma significação espiritual. Portanto o fato de se receber a coroa imprime caráter e é ela uma ordem.

2. Demais. ─ Assim como a confirmação e as outras ordens são conferidas só pelo bispo, assim também a coroa. Ora, a confirmação e as outras ordens imprimem caráter. Logo, também a coroa. Donde, a mesma conclusão que antes.

3. Demais. ─ A ordem implica um certo grau de dignidade. Ora, um clérigo, só pelo fato de o ser, é constituído num grau superior ao povo. Logo, a coroa, que o torna clérigo, é uma ordem.

Mas, em contrário. ─ Nenhuma ordem é dada senão com a celebração da missa. Ora, a coroa pode ser conferida mesmo sem missa. Logo, não é uma ordem.

2. Demais. ─ Na cotação de qualquer ordem, faz-se menção do poder conferido. Ora, tal não se faz na cotação da coroa. Logo, não é ordem.

SOLUÇÃO. - Os ministros da Igreja são separados do povo para poderem nascer ao culto divino. Ora, no culto divino há certas funções cujo exercício supõe poderes determinados; e para isso é conferido o poder espiritual da ordem. Outras funções há porém exercidas em comum por todo o colégio dos ministros, como cantar os louvores divinos. E para essas não é necessário em nada o poder da ordem, mas só uma certa destinação a esse ofício. E isso se dá pela coroa, a qual, pois, não é uma ordem, mas um preâmbulo para ela.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A coroa corresponde, em si mesma, algo de espiritual, como ao sinal corresponde a causa significada. Mas isso não é nenhum poder espiritual. Por isso a coroa não imprime nenhum caráter, nem é ordem.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora a coroa não imprima caráter, contudo destina quem a recebe ao culto divino. Eis porque essa destinação deve fazer-se pelo mais elevado dos ministros, que é o bispo, o qual também abençoa as vestes, os vasos e tudo o mais destinado ao culto divino.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O clérigo, só pelo ser, já se acha num estado mais elevado que o leigo; mas não tem por isso o grau mais elevado de poder, que a ordem requer.

Art. 1 ─ Se os ordenados devem fazer a rasura da coroa.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que os ordenados não devem fazer a rasura da coroa.

1. ─ Pois, o Senhor ameaça de cativeiro e de dispersão os que assim se tonsuram, como lemos na Escritura: Os inimigos que estão no cativeiro com a cabeça raspada. E noutro lugar: Espalharei a todo o vento os que cortam os cabelos em redondo. Ora, os ministros devem viver em liberdade e não em cativeiro. Logo, a rasura e a tonsura da coroa não nas devem eles praticar.

2. Demais. ─ Deve a verdade responder ao figurado. Ora, a coroa já tinha sido figurada antes, no regime da Lei Velha, pela tonsura dos Nazarenos, como diz o Mestre. Mas, como os Nazarenos não eram destinados ao ministério divino, parece que não devem os ministros da Igreja fazer o tonsura ou a rasura da coroa. E isso também se deduz do fato de os irmãos conversos das religiões serem tonsurados, apesar de não serem ministros da Igreja.

3. Demais. ─ Os cabelos significam o supérfluo, porque são gerados de matérias supérfluas. Ora, os ministros do altar devem excluir de si toda superfluidade. Logo, devem rapar totalmente a cabeça e não a modo de coroa.

Mas, em contrário, segundo Gregório, servir a Deus é reinar. Ora, a coroa é sinal de reinado. Logo, os destinados ao ministério divino devem ter coroa.

2. Demais. ─ Os cabelos foram dados em lugar de véu, como o diz o Apóstolo. Ora, os ministros do altar devem ter o coração descoberto. Logo, devem fazer a rasura da coroa.

SOLUÇÃO. ─ Os destinados aos ministérios divinos devem fazer a rasura e a tonsura, a modo de coroa, por causa do simbolismo desta. Pois, a coroa sendo circular, é sinal de reinado e de perfeição. Ora, os destinados aos ministérios divinos recebem uma dignidade regia e devem ser de virtude perfeita. ─ Convém-lhes ainda por isso cortarem os cabelos. A rasura, na parte superior da cabeça advertindo-os que a alma não se lhes apegue aos negócios temporais em detrimento da contemplação das coisas divinas. A tonsura, na parte superior, em sinal de que o coração se não lhes deixa enredar pelos bens sensíveis.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O Senhor ameaça aos que o faziam para prestar culto aos demônios.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As práticas do Testamento Velho representam imperfeitamente as do Novo. Por isso, o concernente aos ministros do Novo Testamento era significado, não somente pelos ofícios dos levitas, mas também por todos aqueles que faziam uma profissão. Ora, os Nazarenos professavam uma certa perfeição, pelo corte dos cabelos, exprimindo assim o seu desprezo pelos bens temporais. Embora os cortassem de todo e não só a modo de coroa; porque ainda não era chegado o tempo do sacerdócio real e perfeito. ─ Por isso também, pela renúncia dos bens temporais, é que os conversos recebem a tonsura. Mas não a rasura, por não exercerem os ministérios divinos, que os deve elevar a mente à contemplação das coisas divinas.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A forma da coroa deve significar não só o desprezo dos bens temporais mas também a dignidade real. Por isso, os cabelos não devem ser totalmente cortados. ─ E também para não dar lugar ao ridículo.

Art. 6 ─ Se pode alguém ser impedido por mutilação de algum membro.

O sexto discute-se assim. ─ Parece que ninguém deve ser impedido por mutilação de um membro.

1. ─ Pois, não se deve aumentar a aflição ao aflito. Logo, não deve ser privado do grau da ordem, como pena de uma mutilação corpórea.

2. Demais. ─ Para o exercício da ordem é mais necessária uma discreção íntegra que uma integridade corpórea. Ora, certos podem ser promovidos à ordem antes da idade de razão. Logo, também com qualquer mutilação corporal.

Mas, em contrário. ─ Esses tais estavam impedidos de exercer o ministério do Velho Testamento. Logo e com maior razão, a Lei Nova deve excluí-los. ─ Do bígamo diremos no tratado do matrimônio.

SOLUÇÃO. ─ Como do sobre dito se colhe, torna-se alguém inidôneo para receber as ordens ou por alguma ação que cometeu ou por falta de dignidade pessoal. Por onde, os mutilados nalgum membro ficam impedidos de receber a ordem, se a mutilação for tal que cause um defeito notável, como a decepação do nariz, que torna a pessoa disforme; ou se houver risco de virem a exercer mal as suas funções. Do contrário não ficam impedidos. E essa integridade é exigida por necessidade de preceito, mas não para a validade do sacramento.
 
Donde se deduzem claras as respostas às objeções.

Art. 5 ─ Se os filhos ilegítimos devem ser impedidos de receber a ordem.

O quinto discute-se assim. ─ Parece que os filhos ilegítimos não devem ser impedidos de receber a ordem.

1. ─ Pois, os filhos não devem carregar com a iniquidade dos pais. Ora, carregariam se por serem ilegítimos estivessem impedidos de receber as ordens. Logo, etc.

2. Demais. ─ Maior impedimento é o nosso defeito próprio, que o alheio. Ora, um concúbito ilícito não torna ninguém impedido de receber as ordens. Logo, nem o concúbito paterno ilícito. Mas, em contrário, a Escritura: O bastardo, isto é, o que nasceu de mulher pública, não entrará na congregação do Senhor até a décima geração. Logo e com maior razão, não deve ser promovido às ordens.

SOLUÇÃO. ─ Os ordenados são constituídos superiores aos mais, em dignidade. Por isso e pela honra devida à dignidade, devem ter um certo lustre, não para a validade do sacramento, mas por exigência de preceito; isto é, devem ter um bom nome, ser ornados de bons costumes e não ser penitentes públicos. E como uma origem viciosa obscurece esse lustre, por isso também os nascidos de foro ilegítimo ficam impedidos de receber as ordens, salvo quando dispensados. E tanto mais difícil lhes é obter dispensa quando mais indigna a sua origem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A irregularidade não é uma pena imposta à iniquidade. Por onde é claro, que os filhos ilegítimos não carregam com a iniquidade paterna, pelo fato de serem irregulares.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os nossos atos próprios podemos anulá-los pelo ato contrário da penitência; mas não o que recebemos por natureza. Não há portanto símile entre o ato pecaminoso e a origem viciosa.

Art. 4 ─ Se o homicídio é causa impediente de receber as ordens sacras.

O quarto discute-se assim. ─ Parece que o homicídio não é causa impediente de se receber as ordens sacras.

1. ─ Pois, as nossas ordens começaram pelo ofício dos Levitas, como se estabeleceu na distinção precedente. Ora, os Levitas consagraram as suas mãos na efusão do sangue dos seus irmãos, como o refere a Escritura. Logo, também no regime do Novo Testamento ninguém deve ser impedido de receber as ordens por causa de efusão de sangue.

2. Demais. ─ Por um ato de virtude ninguém deve ficar impedido de receber qualquer sacramento. Ora, às vezes o sangue é derramado para cumprir a justiça, como quando o ordena o juiz; e quem tem a obrigação de o fazer pecaria não a cumprindo. Logo, isso não impede de receber o sacramento.

3. Demais. ─ A pena só é devida à culpa. Ora, pode alguém cometer um homicídio sem culpa; por exemplo, defendendo-se, ou ainda casualmente. Logo, não deve incorrer na pena de irregularidade.

Mas, em contrário, várias determinações canônicas. E o costume da Igreja.

SOLUÇÃO. ─ Todas as ordens visam o sacramento da Eucaristia, sacramento de paz que Jesus Cristo nos instituiu com a efusão do seu sangue. Ora, como o homicídio é tudo o que é de mais contrário à paz, e o homicida muito mais se assemelha aos que mataram a Cristo do que devem assemelhar-se os ministros do referido sacramento, por isso e por necessidade de preceito, não pode ser homicida quem vai ser promovido à dignidade das ordens, embora não seja isso exigido para a validade do sacramento.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A Lei Antiga infligia a pena de sangue, mas não a Nova. Não há pois símile entre os ministros da Lei Velha e os da Nova, cujo jugo é suave e o peso leve.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A irregularidade não é incorrida só por causa de pecado, mas principalmente quando a pessoa se torna inidônea para ministrar o sacramento da Eucaristia. Por isso o juiz, e todos os que com ele participaram numa causa de sangue, são irregulares porque derramar sangue não convém aos ministros do sacramento.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Nós não fazemos senão o de que somos causa, o que procede da nossa vontade. Por onde, quem por ignorância e casualidade mata a outrem não se pode chamar homicida nem incorre em qualquer irregularidade. Salvo se se tiver entregue à prática de atos ilícitos ou não houver empregado a diligência devida; porque então já o seu ato é de certo voluntário. Nem a razão de não haver irregularidade é a ausência de culpa, porque também podemos incorrer nela sem culpa. Por onde, embora não peque aquele que, em circunstâncias determinadas, mata para se defender, contudo é irregular.

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