Category: Santo Tomás de Aquino
O quinto discute-se assim. Parece que quem está em pecado mortal pode, sem pecado, exercer a ordem recebida.
1. ─ Pois, estando obrigado a exercê-la, peca se não o fizer. Se, pois, exercendo-a peca, não pode evitar o pecado. O que é inadmissível.
2. Demais. ─ Dispensar é temperar o rigor do direito. Logo, embora lhe fosse ilícito por direito exercer a ordem recebida, contudo lícito lh’o seria, obtendo dispensa.
3. Demais. ─ Quem comunica a outrem um bem espiritual, estando em pecado mortal, peca mortalmente. Se, pois, o pecador no uso da ordem peca mortalmente, também assim quem dele recebe ou a ele pede qualquer bem espiritual. O que é absurdo.
4. Demais. ─ Quem, exercendo a sua ordem, peca, também todo ato que praticar, nesse ministério, será pecado mortal. Por onde, como para o exercício da ordem concorrem muitos atos, resulta que cometerá muitos pecados mortais. O que é excessivamente rigoroso.
Mas, em contrário, diz Dionísio: Esse temerário, isto é, o que não é iluminado, ousa atentar contra as funções sacerdotais, e não tem temor nem vergonha de tratar os mistérios sagrados com indignidade, julgando que Deus ignora as misérias de que tem ele próprio consciência, ou que poderá enganá-lo dando-lhe falsamente o nome de pai e pronunciando sobre os divinos mistérios, na forma ensinada por Jesus Cristo, as repugnantes blasfêmias ─ não direis orações ─ da sua boca sacrílega. Logo, o sacerdote, que exerce indignamente a sua ordem, é um como blasfemo e enganador. Peca, pois, mortalmente; e, pela mesma razão, qualquer outro ordenado.
2. Demais. ─ Quem receber a ordem há de ter uma vida santa, para poder exercê-la dignamente. Ora, peca mortalmente quem recebe as ordens em pecado mortal. Logo, e com maior razão peca mortalmente no exercício dela, seja ele qual for.
SOLUÇÃO. ─ A Lei dispõe que administremos a justiça com retidão. Logo, quem exerce indignamente os deveres de que a ordem o revestiu, não administra a justiça com retidão, procede contra os preceitos da lei e portanto peca mortalmente. Ora, quem exerce uma função sagrada em pecado mortal sem dúvida que o faz indignamente. Por onde é claro que peca mortalmente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Quem se encontra no caso imaginado não fica por isso adstrito à necessidade de pecar; pois, pode escolher entre ser perdoado do pecado ou resignar o seu ofício, que o obriga ao exercício da ordem.
RESPOSTA À SEGUNDA. - Não pode haver dispensa em matéria de direito natural. Ora, o direito natural exige tratemos como santo o que é santo. Logo, nesta matéria nenhuma dispensa pode haver.
RESPOSTA À TERCEIRA ─ Enquanto o ministro da Igreja em pecado mortal é mantido por ela, os súditos devem receber dele os sacramentos, pois a isso estão obrigados. Contudo, salvo em artigo de necessidade, não seria acertado induzi-lo ao exercício da sua ordem, enquanto se tivesse a consciência que o fazia em estado de pecado mortal, consciência que poderia modificar-se, porque basta um instante para um homem recuperar a graça, perante Deus.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Sempre que quem pratica um ato como ministro da Igreja o faz em pecado mortal, peca mortalmente, e tantas vezes quantas assim proceder. Porque, como diz Dionísio, aos impuros não lhes seja permitido nem sequer tocar os símbolos sagrados, isto é, os símbolos sacramentais. Por isso, sempre que no exercício do seu ofício, tocam as coisas sagradas, pecam mortalmente. ─ Isso porém não se daria, se sob o império da necessidade tocassem o que é sagrado ou exercessem o seu ofício num caso em que um leigo pudesse fazer o mesmo; assim, se batizasse, em artigo de necessidade, ou se apanhasse o corpo de Cristo lançado por terra.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que não peca quem promove indignos à ordem.
1. ─ Pois, o bispo precisa de coadjutores investidos de ordens menores. Ora, não podiam ser encontrados em número suficiente se se exigisse deles uma tal idoneidade que só os santos a tem. Logo, promover à ordem quem não seja digno dela parece que é excusável.
2. Demais. ─ A Igreja precisa de ministros não só para comunicar os dons espirituais, mas também para o governo dos temporais. Ora, às vezes os que não tem ciência nem santidade de vida podem ser útil no governo temporal ─ ou pelo poder secular ou por industria natural, Logo, parece que esses tais podem ser promovidos sem pecado.
3. Demais. ─ Todos estamos obrigados a evitar o pecado o quanto podemos. Se, pois, o bispo peca promovendo indignos à ordem, deve aplicar diligência máxima em saber se os que a ela se achegam são dignos, afim de fazer-se uma diligente indagação sobre os costumes e a ciência deles. O que não se poderá praticar em lugar nenhum.
Mas, em contrário. ─ Pior é promover os maus aos ministérios sagrados, que não corrigir os já promovidos. Ora, Heli pecou mortalmente não corrigindo a malícia dos seus filhos; por isso, caindo para trás expirou, como o relata a Escritura. Logo, não vai sem pecado quem promove um indigno.
2. Demais. ─ Na Igreja os bens espirituais tem preferência sobre os temporais. Ora, pecaria mortalmente quem cientemente pusesse em perigo os bens temporais eclesiásticos. Logo, com maior razão, quem fizesse correr riscos os bens espirituais. Ora, fá-los correr risco quem promove indignos, à ordem; pois como diz Gregório, de quem se despreza a vida há se também de lhe desprezar a pregação e, pela mesma razão, todos os bens espirituais por ele conferidos. Logo, quem promove indignos à ordem peca mortalmente.
SOLUÇÃO. ─ O Senhor descreve o dispenseiro fiel, que faz o senhor sobre a sua família para dar a cada um a seu tempo a ração de trigo. Logo, réu é de infidelidade quem dá os bens divinos acima de medida conveniente a cada um. Ora, tal faz quem promove indignos à ordem. Portanto, comete o pecado mortal de, por assim dizer, infidelidade ao Senhor supremo; e sobretudo que isso redunda em detrimento da Igreja e da honra divina, promovida pelos bons ministros. E também seria infiel ao senhor temporal quem escolhesse inúteis para o seu serviço.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Deus nunca abandonou a sua Igreja a ponto de se não encontrarem ministros idôneos em número suficiente às necessidades do povo, promovidos os dignos e excluídos os indignos. E se não se pudesse ter tantos ministros quantos os que agora existem, melhor seria tê-los poucos e bons, que muitos e maus, como diz S. Clemente.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os bens temporais não os devemos buscar senão em vista dos espirituais. Por isso, deve ser desprezada toda vantagem material e todo lucro, a fim de se promover o bem espiritual.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Pelo menos é necessário o bispo, que ordena, ignorar que há no ordenando obstáculos contrários à santidade. Mas além disso dele se exige que, na medida da ordem ou do ofício que vai conferir, ponha mais diligente cuidado a fim de ter certeza das qualidades daqueles a quem vai ministrar a ordem, ao menos pelo testemunho de outrem. Tal o diz o Apóstolo: A ninguém imponhas ligeiramente as mãos.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que só pelo mérito da vida pode-se adquirir o poder da ordem.
1. Pois, como diz Crisóstomo, nem todo sacerdote é santo, mas todo santo é sacerdote. Ora, é pelos méritos da nossa vida que nos tornamos santos. Logo, também o sacerdote. E com muito maior razão os que tem outras ordens.
2. Demais. ─ Na ordem natural estão colocados em grau superior os que mais próximos estão de Deus e mais lhe participam da bondade, como diz Dionísio. Ora, quem tem o mérito da santidade e da ciência por isso mesmo se torna mais próximo de Deus mais lhe participa da bondade. Logo, por isso mesmo recebe um grau da ordem.
Mas, em contrário. ─ A santidade pode ser perdida depois de adquirida. Ora, a ordem, uma vez recebida, não pode mais ser perdida. Logo, a ordem não consiste no mérito mesmo da santidade.
SOLUÇÃO. ─ A causa deve ser proporcionada ao seu efeito. Por onde, assim como Cristo, de quem mana a graça para todos os homens, há de ter a plenitude dela, assim os ministros da Igreja, a quem não incumbe dar a graça, mas só os sacramentos dela, não são constituídos em nenhum grau da ordem só pelo fato de terem a graça, mas por participarem de algum sacramento dela.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Crisóstomo toma a palavra sacerdote no seu sentido etimológico, como significando o que dá o sagrado. Ora, assim, qualquer justo pode ser chamado sacerdote, por dar a outrem o socorro dos sacramentos. Mas, no caso vertente não tomamos esse vocábulo no seu sentido etimológico. Pois, essa palavra sacerdote foi aplicada a significar quem confere os dons sagrados na dispensa dos sacramentos.
RESPOSTA À SEGUNDA. - Na ordem natural uns seres se tornam superiores a outros em grau quando, pela sua forma, podem agir sobre estes. E assim, por isso mesmo que tem uma forma de maior nobreza, são constituídos em grau mais elevado. Ora, os ministros não são prepostos aos fiéis afim de lhes conferir seja o que for por santidade própria, porque isso só Deus pode fazer; mas como ministros e como uns instrumentos desse efluxo, que vem da cabeça para os membros. Por isso o símile não colhe quanto à dignidade da ordem, embora seja exato quanto à conveniência dela.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que é preciso o ordenando ter ciência perfeita da Escritura.
1. Pois, deve ter a ciência da lei quem deve responder sobre toda ela. Ora, os leigos interrogam o sacerdote sobre disposições da lei, como lemos na Escritura. Logo, deve ele ter ciência de toda a lei.
2. Demais. ─ A Escritura diz: Aparelhados sempre para responder a todo o que vos pedir razão da fé e da esperança que há em vós. Ora, dar razão das coisas da fé e da esperança só o podem os que tem ciência perfeita das Sagradas Escrituras. Logo, tal ciência devem tê-la os que receberam as ordens, a quem foram ditas as referidas palavras.
3. Demais. ─ Ninguém que leia como deve deixará de entender, porque ler e não entender é ler com negligência, como diz Catão. Ora, a obrigação dos leitores, que por assim dizer pertencem à ordem ínfima, é ler o Velho Testamento, como diz a letra do Mestre. Logo, devem conhecer todo esse testamento. E, com maior razão, os que tem ordens superiores.
Mas, em contrário, muitos mesmo nas religiões, são promovidos ao sacerdócio, que absolutamente nada disso sabem. Logo, parece não ser necessária tal ciência.
Demais ─ Nas Vidas dos Padres se lê que alguns simples monges, de vida santíssima, foram promovidos ao sacerdócio. Logo, não devem os ordenandos ter a referida ciência.
SOLUÇÃO. ─ Todo ato humano, para ser ordenado. Há de subordinar-se à direção da razão. Por onde, para exercer as obrigações da ordem há de o ordenando ter a ciência suficiente para bem se dirigir nesse exercício. Eis porque tal ciência deve ter quem vai ser promovido às ordens, não havendo necessidade de conhecer perfeitamente toda a Sagrada Escritura, bastando conhecê-la mais ou menos segundo o exigirem as suas obrigações. De modo que aqueles que receberam a obrigação de tomar a cura de almas saibam o concernente à doutrina da fé e dos bons costumes; e saibam os outros o atinente ao exercício da sua ordem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O sacerdote pratica funções de duas espécies uma principal, concernente ao verdadeiro corpo de Cristo; outra secundária, concernente ao corpo místico de Cristo. Ora, a segunda depende da primeira, mas não ao contrário. Por isso, certos são promovidos ao sacerdócio que só devem exercer a primeira função; assim os religiosos não são incumbidos da cura de almas. E esses não têm a obrigação de ensinar a lei, mas só de consagrar os sacramentos. Por onde, basta a esses terem uma ciência suficiente a poderem observar o rito atinente à celebração do sacramento. Outros porém são promovidos ao exercício de funções cujo objeto é o corpo místico de Cristo. E desses os fiéis esperam a explicação oral da lei. E portanto devem ter conhecimento da lei; não que devam saber solver todas as dificuldades que elas suscitam, podendo para isso recorrer aos superiores; devem porém saber dela o que os fiéis precisam conhecer e observar. Os bispos porém, que são os sacerdotes superiores, devem saber resolver as dificuldades da lei, e tanto mais quanto mais superior lhes for a posição.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Quando o texto fala da razão a ser dada, da fé e da esperança, não se deve entender por ela uma razão tal bastante a elucidar o objeto da fé e o da esperança, pois ambas concernem ao mundo invisível. Mas, que os sacerdotes saibam mostrar em geral a probabilidade de ambas, para o que não é necessário uma grande ciência.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Ao leitor não incumbe dar ao povo a inteligência da Sagrada Escritura, porque isso pertence às ordens superiores: mas só publicá-las. Por isso não se exige dele que tenha uma ciência tão alta que baste à inteligência da Sagrada Escritura, mas é suficiente que saiba ler com clareza. E como essa ciência muitos a podem facilmente adquirir, pode-se estimar com probabilidade que o ordenando a adquirira, se ainda não na tem; sobretudo se já esteja em via de a adquirir.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que os que recebem a ordem não precisam de viver uma vida santa.
1. ─ Pois, a ordem dá o poder de dispensar os sacramentos. Ora, os sacramentos podem ser dispensados tanto pelos bons como pelos maus. Logo, não é necessário a santidade da vida.
2. Demais. ─ Não é maior o ministério, que desempenhar para com Deus quem confere os sacramentos, que o que tivesse por objeto a própria pessoa divina. Ora, de lhe prestar um ministério material Deus não impediu a mulher pecadora e infame, como lemos no Evangelho. Logo, tais pessoas como essa não devem ser impedidas de ministrar os seus sacramentos.
3. Demais. ─ Toda graça é um remédio contra o pecado. Ora, a quem esta em pecado não se lhe deve negar remédio que lhe possa valer. Logo, como o sacramento da ordem confere a graça, parece que deve ser conferido também aos pecadores.
Mas, em contrário. ─ A Escritura diz: Um homem da linhagem de Arão, que tiver deformidade, não oferecerá pães ao seu Deus, nem se chegará ao seu ministério. Ora, por deformidade, segundo a Glosa, se entende qualquer vício. Logo, quem anda enredado em algum vício não deve ser admitido ao ministério da ordem.
2. Demais. ─ Jerônimo diz: Não somente os bispos, os presbíteros e os diáconos devem pôr grande estudo em ser modelos, por palavras e obras, do rebanho que dirigem, mas devem ainda vigiar que assim também sejam os de ordens inferiores e que desempenham o serviço de Deus. Porque é um enorme mal para a Igreja o fato de serem os leigos melhores que os clérigos. Logo, todas as ordens requerem a santidade de vida.
SOLUÇÃO. ─ Diz Dionísio: As essências mais subtis e mais puras, quando imbuídas das emanações dos raios solares, derramam como outros tantos sóis sobre os corpos circunjacentes o esplendor da luz, que em grau eminente receberam. Assim, em todo ministério divino não nutra ninguém a presunção de se arvorar em guia dos outros, que não se tenha tornado o mais possível conforme e semelhante a Deus, pelo conjunto da sua vida. Por onde, como qualquer ordem constitui quem a recebe chefe dos outros, em matéria religiosa, por presunçoso pecaria mortalmente quem fosse recebê-las com a consciência de pecado mortal. Por isso, a santidade da vida a ordem a exige como necessidade de preceito. Mas não para a validade do sacramento. Portanto, quem recebeu a ordem com más disposições não deixa por isso de a ter, embora pecaminosamente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Assim como verdadeiros sacramentos são os que o pecador dispensa, assim também recebe verdadeiramente o sacramento da ordem.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O ministério referido consistia na prestação de serviços materiais, que também os pecadores podem licitamente prestar. Diferente porém é o que se passa com o ministério espiritual, a que se aplicam os ordenados; porque esse os torna medianeiros entre Deus e o povo, e por isso devem brilhar pela boa consciência na presença de Deus, e pela boa fama, no meio dos homens.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Certos remédios exigem uma robustez natural, do contrário seriam tomados com perigo da vida. Outros porém podem ser dados aos fracos. Assim também na ordem espiritual, certos sacramentos são ordenados como remédio do pecado; e esses devem ser ministrados aos pecadores, como o batismo e a penitência. Mas os que conferem uma perfeição supõem que quem a recebe é confirmado pela graça.
Em seguida devemos tratar dos anexos ao sacramento da ordem.
E sobre esta questão discutem-se sete artigos:
Em seguida devemos tratar dos impedimentos a este sacramento.
Sobre o que discutem-se seis artigos:
Em seguida devemos tratar dos que conferem este sacramento.
Sobre o que discutem-se duas questões:
Em seguida devemos tratar da distinção das ordens, das suas funções e do caráter que imprimem.
Sobre o que discutem-se cinco artigos:
Em seguida devemos tratar da qualidade dos que recebem este sacramento.
Sobre o que cinco artigos se discutem: