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Art. 3 ─ Se a ressurreição é natural.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a ressurreição é natural.

1. ─ Pois, como diz Damasceno, os caracteres que geralmente notamos em todos os indivíduos, pertence-lhes à espécie. Ora, todos os homens em geral hão de ressurgir. Logo, a ressurreição é natural.

2. Demais. ─ Gregório diz: Os que não crêem na ressurreição, por obediência, devem aceitá-la pela razão. Pois, que outra cousa nos mostram todos os dias os elementos da natureza senão a nossa ressurreição? E dá o exemplo da luz, que por assim dizer morre quando nos desaparece dos olhos, e ressurge quando de novo acesa. Das arvores, que perdem as folhas para, como ressurrectas, de novo se revestirem delas. Das sementes que morrem putrefactas, para de certa maneira ressurgirem pela germinação, exemplo que também dá o Apóstolo. Ora, todos os fenômenos, que conhecemos pela razão, são naturais. Logo, natural será a ressurreição.

3. Demais. ─ O que é contrário à natureza não pode durar, por ser violento. Ora, a vida renascida pela ressurreição durará eternamente. Logo, a ressurreição será natural.

4. Demais. ─ O fim a que universalmente tende a natureza não pode deixar de ser natural. Ora, tal é a ressurreição, a glorificação dos santos e cousas semelhantes, como diz o Apóstolo. Logo, a ressurreição será natural.

5. Demais. ─ A ressurreição é uma espécie de movimento, cujo termo é a união perpétua da alma e do corpo. Ora, o movimento é natural que termina no repouso natural, como diz Aristóteles. Logo, a união perpétua da alma e do corpo será natural, porque, sendo a alma o motor próprio do corpo este há de lhe ser proporcionado, e portanto pode perpétua e naturalmente ser animado por ela, que vive perpetuamente. Portanto, a ressurreição será natural.

Mas, em contrário. ─ Não é possível, naturalmente, voltar da privação para o hábito. Ora, a morte é a privação da vida. Logo, a ressurreição que é a volta da morte à vida, não é natural.

2. Demais. ─ Seres da mesma espécie tem uma origem determinada. Assim, os animais gerados da putrefação, naturalmente, não são nunca da mesma espécie que os gerados por via seminal, como diz o Comentador. Ora, o homem é naturalmente gerado por seres da mesma espécie; o que não se dá na ressurreição. Logo, esta não será natural.

SOLUÇÃO. ─ Todo movimento e toda ação mantém com a natureza uma tríplice relação. ─ Assim, certos movimentos ou ações não tem principio nem fim naturais. Porque ou se originam de um princípio superior à natureza, como no caso da glorificação dos corpos; ou de outro princípio qualquer, como no da pedra projetada para o alto por um movimento violento, e que vem a cair num repouso violento também. ─ Outros movimentos há entretanto, cujo princípio e cujo termo é a natureza, como no caso da pedra que cai. ─ Outros há enfim, cujo termo, mas não princípio, é a natureza. É às vezes a origem deles um princípio superior à natureza, como na iluminação de um cego, a quem embora lhe seja natural a vista, o princípio da iluminação contudo é sobrenatural. Outras vezes, um princípio de espécie diferente, como no caso de uma flor ação ou frutificação acelerada artificialmente. ─ Mas não é possível a natureza ser o princípio de um movimento sem lhe ser o termo; porque os princípios naturais tem efeitos definidos e determinados, que não podem ultrapassar.

Ora, a operação ou o movimento, que mantém com a natureza a primeira espécie de relação, de nenhum modo pode chamar-se natural. Mas ou é miraculosa, se proceder de um princípio superior à natureza, ou violenta, se provier de um outro princípio qualquer. ─ A operação ou movimento relativo à natureza, do segundo modo, é natural, absolutamente falando. ─ Mas a operação, que mantém com a natureza a terceira espécie de relação, não pode chamar-se natural, absolutamente falando, mas apenas de certo modo, i. é, enquanto conduz ao que é natural. E se chama milagrosa, ou artificial ou violenta. Pois, natural propriamente dito é o que é segundo a natureza. Ora, diremos que é segundo a natureza o que o tem e tudo quanto dela resulta, como está claro em Aristóteles. Por onde, o movimento, absolutamente falando, não pode chamar-se natural, senão se o seu princípio for a natureza.

Ora, o principio da ressurreição não pode ser a natureza, embora o seu termo seja a vida natural. Pois, a natureza é o princípio do movimento do ser natural. Ou do movimento ativo, como no caso dos corpos leves e graves, e nas alterações naturais do corpo animal; ou do passivo, como no caso da geração dos corpos simples. Quanto ao princípio passivo da geração natural, é a potência passiva natural, a que sempre corresponde em a natureza alguma potência ativa, como diz Aristóteles. Nem importa, a esta luz, que corresponda ao princípio passivo um princípio ativo natural, causador da forma, perfeição última do ser; ou causador de uma disposição necessitante da forma última, como se dá na geração do homem, segundo o ensina a fé, ou mesmo em todos os outros seres, segundo a opinião de Platão e de Avicena. Ora, em a natureza não existe nenhum princípio ativo de ressurreição causador da união da alma e do corpo, nem de qualquer disposição que haja de necessariamente dar lugar a essa união, porque uma tal disposição a natureza não na poderia produzir senão pelo modo determinado por via de geração seminal. Por onde, embora admitamos a existência de uma potência passiva por parte do corpo, ou mesmo uma inclinação qualquer para a sua união com a alma, não é ela tal que baste à existência de um movimento natural. Por onde, a ressurreição, absolutamente falando, é miraculosa e não natural, senão de certo modo, como do sobredito Se colhe.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Damasceno se refere às propriedades existentes em todos os indivíduos produzidos pelos princípios criados da natureza. Pois, se por ação divina todos os homens se tornassem brancos, ou fossem reunidos num mesmo lugar ─ como se deu no dilúvio, nem por isso a brancura seria uma propriedade natural do homem, ou a existência num determinado lugar.

RESPOSTA À SEGUNDA. - Os seres naturais não nos dão uma razão demonstrativa das cousas que não são naturais. Mas podem, por meio de razões persuasivas nos dar algum conhecimento do sobrenatural. Porque as causas naturais nos representam uma certa semelhança das sobrenaturais. Assim, a união da alma e do corpo representa a união da alma com Deus pela fruição da glória, como diz o Mestre. E do mesmo modo, os exemplos aduzidos pelo Apóstolo e por Gregório ajudam a persuasão da fé na ressurreição.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A objeção colhe quanto à operação cujo termo não é natural, mas contrário à natureza. Ora, tal não se dá na ressurreição. Logo, não vem a propósito.

RESPOSTA À QUARTA. ─ A operação da natureza depende totalmente da operação divina, assim como a operação de um artífice inferior depende da do superior. Por onde, assim como toda operação de uma arte inferior não pode atingir o seu fim senão pela operação de uma arte superior, que imprime a forma ou aplica a obra, assim o fim último a que tende toda a natureza não na pode ela alcançar pela sua operação própria. Por isso não na atinge por uma operação natural.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Embora não possa o movimento ser natural, que termina num repouso violento, pode contudo ser não-natural o movimento cujo termo é o repouso natural, como dissemos.

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