Category: Santo Tomás de Aquino
O quarto discute-se assim. ─ Parece que ao menos à pena dos cristãos porá termo a divina misericórdia.
1. ─ Pois, diz o Evangelho: O que crer e for batizado será salvo. Ora, isto se aplica a todos os cristãos. Logo, todos os cristãos serão finalmente salvos.
2. Demais. ─ Diz o Evangelho: O que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna. Ora, essa é uma comida e uma bebida comum a todos os cristãos. Logo, todos os cristãos serão finalmente salvos.
3. Demais. ─ Diz o Apóstolo: Se a obra de alguém se queimar, padecerá ele detrimento; mas o tal será salvo, se bem desta maneira por intervenção do fogo. E se refere aqueles que tiveram o fundamento da fé cristã. Logo, todos esses serão finalmente salvos.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Os iníquos não hão de possuir o reino de Deus. Ora, certos cristãos são iníquos. Logo, nem todos os cristãos alcançarão o reino celeste. Portanto, serão eternamente castigados.
2. Demais. ─ Diz a Escritura: Melhor lhes era não ter conhecido o caminho da justiça, do que depois de o ter conhecido, tornar para trás, deixando aquele mandamento santo que te fora dado. Ora, os que não conhecem o caminho da verdade serão punidos eternamente. Logo, também os cristãos que retrocederam do caminho conhecido.
SOLUÇÃO. ─ Como refere Agostinho, na obra citada, certos foram de opinião que, não todos os homens, mas só os cristãos, serão os perdoados da pena eterna. Mas essa opinião tem modalidades diversas.
Assim, uns ensinaram que todos os que receberam os sacramentos da fé serão imunes da pena eterna. ─ Mas isto é contrário à verdade, porque certos recebem os sacramentos da fé sem na terem, e sem ela é impossível agradar a Deus. Por isso pretenderam outros, que só aqueles ficarão livres da pena eterna que receberam os sacramentos da fé e conservaram a fé católica. ─ Mas contra isso vai o fato de certos, que professaram a fé católica, abandonarem-na em seguida. E esses, longe de merecerem uma pena menor, são dignos de um castigo maior, conforme o lugar da Escritura: Melhor lhes era não ter conhecido o caminho da justiça, do que depois de o ter conhecido, tornarem para trás. ─ Além disso, é claro que os heresíarcas que, abandonando a fé católica, ensinaram novas heresias, que aqueles que desde o princípio seguiram uma heresia determinada.
Por isso opinaram outros que só aqueles são imunes da pena eterna, que perseveraram na fé católica até a morte, por mais pecados que tivessem cometido. ─ Mas isto contraria manifestamente à Escritura, que diz: A fé sem obras é morta. E noutro lugar: Nem todo o que me diz ─ Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus. ─ E em muitos outros lugares onde ameaça os pecadores com as penas eternas. Por onde, nem todos os que perseverarem na fé até à morte ficarão isentos da pena eterna, salvo se, na hora de morrerem, forem finalmente absolvidos dos pecados cometidos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O Senhor, no lugar citado, se refere à fé formada, que obra pelo amor; e quem nessa morrer será salvo. Ora, a essa fé se opõe, não somente o erro da infidelidade, mas também qualquer pecado mortal.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Essas palavras do Senhor se entendem, não daqueles que lhe comem sacramentalmente a carne e que, tomando-a indignamente, comem e bebem para si a condenação, como diz o Apóstolo. Mas se referem aos que a comem espiritualmente, unidos a Cristo pela caridade; união essa operada pela manducação sacramental, quando dignamente recebemos o sacramento. Por onde, considerada em si mesma a virtude do sacramento, conduz à vida eterna, embora possa um, mesmo depois de o ter recebido dignamente, ser privado do fruto da eterna vida, pelo pecado.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Por fundamento, nas palavras do Apóstolo, se entende a fé formada. E quem eleva um edifício de pecados veniais sobre esse fundamento padecerá detrimento, porque Deus há de puni-lo por eles; mas o tal será salvo finalmente, se bem desta maneira por intervenção do fogo, ou das tribulações temporais, ou das penas do purgatório, depois da morte.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a divina misericórdia não sofre que ao menos os homens sejam punidos eternamente.
1. ─ Pois, diz a Escritura: O meu espírito não permanecerá para sempre no homem porque é carne; e espírito tem aí o sentido de indignação, como o explica a Glosa a esse lugar. Logo, como a indignação de Deus outra coisa não é senão a pena que impõe, os homens não serão eternamente punidos.
2. Demais. ─ A caridade dos santos nesta vida os leva a orarem pelos inimigos. Ora, no céu terão a caridade perfeita. Logo hão de aí orar pelos inimigos condenados. Mas, as orações deles não poderão ser vãs, pois, são por excelência aceitas de Deus. Portanto, movido pelas preces dos santos, a divina misericórdia um dia livrará os condenados das suas penas.
3. Demais. ─ Que tivesse Deus ameaçado os condenados de os castigar com uma pena eterna, podemos considerá-lo como uma profecia cominatória. Ora, uma profecia cominatória nem sempre se cumpre; assim se deu com a relativa à subversão de Nínive, que não foi destruída, como o predissera o profeta, por terem os seus habitantes feito penitência. Logo e com muito maior razão, a cominação de castigos eternos feita pela divina misericórdia há de transmutar-se numa sentença mais branda, quando puder redundar em alegria de todos e não causar pena a ninguém.
4. Demais. ─ O mesmo se conclui do lugar seguinte da Escritura: Porventura a cólera de Deus será eterna? Ora, a cólera de Deus é a sua punição. Logo, Deus não punirá os homens eternamente.
5. Demais. ─ Aquilo da Escritura: Tu porém foste rejeitado, etc., diz a Glosa: Se todas as almas um dia tiverem descanso, tu nunca, referindo-se ao diabo. Logo, parece que um dia todas as almas humanas terão descanso das suas penas.
Mas, em contrário, diz o Evangelho, tanto dos eleitos como dos réprobos: Irão estes para o suplício eterno e os justos para a vida eterna. Ora, é inadmissível dizer-se que a vida dos justos um dia há de acabar. Logo, inadmissível também é dizer que há de terminar o suplício dos réprobos.
2. Demais. ─ Como diz Damasceno, o que é a morte para os homens foi para os anjos a queda. Ora, a queda dos anjos foi irreparável. Logo, também imutável será a situação dos homens depois da morte. E portanto, o suplício dos réprobos nunca terminará.
SOLUÇÃO. ─ Como refere Agostinho, certos se separaram do erro de Orígenes, ensinando que os demônios serão punidos eternamente. Mas continuaram-lhe o erro, por admitirem que os homens, mesmo os infiéis serão um dia liberados das suas penas. ─ Esta opinião porém é absolutamente irracional. Pois, assim como os demônios serão punidos eternamente por estarem obstinados na malícia, assim também as almas humanas mortas sem caridade; pois, o que é a morte para os homens foi para os anjos a queda, como diz Damasceno.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O lugar citado deve entender-se do homem, genericamente considerado; pois, um dia, no advento de Cristo, cessou a indignação de Deus contra o gênero humano. Mas aqueles que não quiseram aproveitar dessa reconciliação feita por Cristo, em si mesmos perpetuaram a cólera divina; pois, não temos nenhum outro meio de nos reconciliarmos com Deus, senão por Cristo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Como dizem Agostinho e Gregório, se os santos nesta vida oram pelos inimigos, é para que, enquanto o podem, se convertam para Deus. Mas se soubéssemos que eram prescritos, para a morte, não oraríamos por eles, como não oramos pelos demônios. E como para os que partiram desta vida sem a graça já não haverá mais tempo de conversão, nenhuma oração fará por eles nem a Igreja militante nem a triunfante. Pois, oramos por eles, como diz o Apóstolo, para que Deus lhe dê o dom da penitência e para que saiam dos laços do diabo.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A profecia de uma pena cominatória só fica sem cumprimento quando variam os méritos daquele contra quem foi feita. Donde o dizer a Escritura: De repente falarei contra uma gente e contra um reino, para desarraigá-lo e destruí-la e arruiná-lo. Se aquela gente se arrepender do seu mal também eu me arrependerei do mal que tenho pensado fazer contra ela. Logo, como os méritos dos condenados não são susceptíveis de mudança, a pena cominatória sempre neles se cumprirá. ─ Todavia, a profecia cominatória, entendida de certo modo, não deixa nunca de se cumprir. Pois, como diz Agostinho, Nínive foi realmente destruída, pois, de má que era veio a tornar-se boa; e assim, conservando os mesmos muros e as mesmas casas, desapareceu a cidade nos maus costumes dos seus habitantes.
RESPOSTA À QUARTA. ─ As palavras do salmo citado se referem aos vasos de misericórdia que não se fizeram indignos dela. Pois, nesta vida, que pelas suas misérias é uma como ira de Deus, os vasos de misericórdia podem mudar-se para melhor. Por isso continua o salmo: Esta mudança vem da dextra do Altíssimo ─ Ou devemos responder que se entenda da misericórdia que perdoa parte do castigo sem livrar dele totalmente, dado que deva estender-se também aos condenados. Por isso não disse o salmista: Conterá da ira, as suas misericórdias, mas, na ira, porque não livrará totalmente da pena mas obrará, na vigência dela, para a diminuir.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A Glosa citada não afirma em sentido absoluto, mas supondo o impossível, a fim de mostrar a grandeza do pecado do diabo ou de Nabucodonosor.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a divina misericórdia porá um termo a toda a pena, tanto dos condenados como dos demônios.
1. ─ Pois, diz a Escritura: Tu tens compaixão de todos, Senhor, porque tudo podes. Ora, nesses todos estão incluídos também os demônios, que são criaturas de Deus. Logo, a pena dos demônios também acabará.
2. Demais. ─ Diz o Apóstolo: Deus a todos encerrou no pecado para usar com todos de misericórdia. Ora, Deus encerrou os demônios no pecado, i. é, permitiu que fossem encerrados. Logo, parece que um dia também usará de misericórdia para com os demônios.
3. Demais. ─ Diz Anselmo: Não é justo permitir Deus pereçam para sempre criaturas, que fez para a felicidade. Logo, parece, desde que toda criatura racional foi criada para a felicidade, não ser justo permita que todas pereçam para sempre.
Mas, em contrário, o Evangelho: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está aparelhado para o diabo e para os seus anjos. Logo, serão punidos eternamente.
2. Demais. ─ Assim como os bons anjos se tornaram felizes pela sua conversão para Deus, assim os maus se tornaram infelizes pela aversão dele. Se, portanto, a miséria dos maus deve acabar um dia, um dia também deverá acabar a felicidade dos bons. O que é inadmissível.
SOLUÇÃO. ─ Foi erro de Orígenes, como refere Agostinho, afirmar que um dia os demônios serão liberados das suas penas, pela misericórdia de Deus. Mas este erro foi condenado pela Igreja, por duas razões. ─ Primeiro, por manifestamente repugnar à autoridade da Sagrada Escritura. Assim, diz o Apocalipse: O diabo que enganava, foi metido no tanque de fogo e de enxofre, onde assim a besta como o falso profeta serão atormentados de dia e de noite por séculos dos séculos; maneira essa por que a Escritura costuma significar a eternidade. ─ Segundo, porque tal doutrina torna a misericórdia de Deus, de um lado, muito larga; e de outro, muito estreita. Pois, pela mesma razão por que os bons anjos gozam da eterna felicidade devem os maus anjos ser punidos eternamente. Por isso, assim como ensinava que os demônios e as almas condenadas deverão ser um dia liberados das suas penas, assim também que os anjos e as almas dos bem-aventurados deverão voltar um dia, da felicidade do céu, às misérias desta vida.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Deus, pelo que é, tem misericórdia de todos. Mas como a sua misericórdia é regulada pela ordem da sua: sabedoria, por isso não se estende a certos, como os demônios e os obstinados na malícia, que dela se tornaram indignos. ─ Contudo, podemos responder que mesmo para com esses se exerce a sua misericórdia, não pelos absolver totalmente da pena, mas por serem punidos menos que o que mereceriam.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ No lugar citado do Apóstolo, deve-se entender distributivamente de todos os gêneros de seres e não de todos os seres de cada gênero. Aplicando-se o texto aos homens enquanto vivem neste mundo; pois, Deus se compadeceu dos judeus e dos gentios, mas nem de todos os gentios ou de todos os judeus.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Anselmo não o entende justo, pelas conveniências da divina bondade; e se refere às criaturas genericamente consideradas. Pois, não convém à divina bondade fazer todo um gênero de criaturas ficar impedido de alcançar o fim para que foi criado. Não quer por isso nem que todos os homens se condenem nem todos os anjos. Mas nada impede alguns homens ou alguns anjos de se condenarem eternamente; porque os planos da divina vontade se cumprem nos que se salvam.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a divina justiça não inflige aos pecadores uma pena eterna.
1. ─ Pois, a pena não deve exceder a culpa, segundo aquilo da Escritura: O número dos golpes regular-se-á pela qualidade do pecado. Ora, a culpa é temporal. Logo, não deve a pena ser eterna.
2. Demais. ─ De dois modos mortais um há de ser mais grave que outro. Logo, deve um ser punido com uma pena mais intensa que a do outro. Ora, nenhuma pena é mais intensa, que a eterna, que é infinita. Portanto, a nem todo pecado é devida uma pena eterna. E se não é devida a um, não o é a nenhum, pois não é infinita a distância entre um pecado e outro.
3. Demais. ─ Um juiz justo não aplica senão penas corretivas, por isso diz Aristóteles, que as penas são uns remédios. Ora, o serem os ímpios punidos com pena eterna não lhes pode servir de correção a eles nem a ninguém mais, porque então já não haverá quem possa ser corrigido. Logo, a divina justiça não aplicará aos pecados uma pena eterna.
4. Demais. ─ Uma cousa que não queremos por si mesma só por alguma utilidade sua podemos querê-la. Ora, as penas Deus, que não se alegra com os nossos sofrimentos, não as quer por si mesmas. Logo, como nenhuma utilidade pode provir de uma pena eterna, parece que tal pena não deve ser aplicada pelo pecado.
5. Demais. ─ Nada do que é acidental é perpétuo, como diz Aristóteles. Ora, a pena, sendo contra a natureza, é acidental. Logo, não pode ser perpétua.
6. Demais. ─ A justiça de Deus parece exigir que os pecados sejam reduzidos ao nada. Porque os ingratos merecem ser privados dos benefícios recebidos. Ora, a existência é um dos benefícios de Deus. Por onde, parece justo que o pecador, um ingrato para com Deus, perca a própria existência. Mas se os pecadores fossem reduzidos ao nada, a sua pena não poderá ser perpétua. Logo, não parece consentâneo com a justiça divina serem os pecados punidos eternamente.
Mas, em contrário, o Evangelho: Irão estes, i. é, os pecadores, para o suplício eterno.
2. Demais. ─ Assim está o prêmio para o mérito, como a pena para a culpa. Ora, pela divina justiça, a um mérito temporal é devido um prêmio eterno, conforme o Evangelho: Todo o que vê o Filho e crê nele tem a vida eterna. Logo, também à culpa temporal é devida, pela divina justiça, uma pena eterna.
3. Demais. ─ Segundo o Filósofo, a pena é determinada de conformidade com a dignidade de aquele contra quem se pecou; e assim, com maior pena é punido quem deu um tapa no príncipe, que se o fez em qualquer outro. Ora, todo o que peca mortalmente peca contra Deus, cujos mandamentos transgride, e cuja honra atribui aquilo em que constituiu o seu fim. Mas a majestade de Deus é infinita. Logo, todo aquele que peca mortalmente é digno de uma pena infinita. Portanto, parece justo sofrer uma pena eterna quem cometeu um pecado mortal.
SOLUÇÃO. ─ A pena é susceptível de uma dupla grandeza: a da intensidade da sua crueza e a da sua duração temporal. Ora, a grandeza da pena, quanto à intensidade da sua crueza, corresponde à gravidade da culpa, de modo que a quem mais gravemente pecou maior pena lhe será infligida, segundo aquilo da Escritura: Quanto ela se tem glorificado e vivido em deleites, tanto lhe dai de tormentos e prantos. Não corresponde porém a duração da pena à duração da culpa, como diz Agostinho; assim, um adultério, perpetrado num momento do tempo não é punido com uma pena momentânea, mesmo pelas leis humanas. Mas a duração da pena concerne à disposição do pecador. Assim, umas vezes quem comete um crime, numa cidade, pela própria natureza dele pode tornar-se digno de ser expulso totalmente da sociedade dos seus co-cidadãos, quer pelo exílio perpétuo, quer pela morte. Outras vezes, porém, não se torna digno de ser totalmente excluído da convivência com os seus co-cidadãos: e por isso, para poder ser um membro útil à cidade, prolonga-se-lhe ou se lhe abrevia a pena, conforme o necessário à sua correção, de modo que possa viver na cidade conveniente e pacificamente.
Assim também, pela divina justiça pode um se tornar, em virtude do pecado cometido, digno de ser completamente segregado da convivência com os cidadãos da cidade de Deus; o que se dá por todo pecado contrário à caridade vínculo que dá união aos membros dessa cidade. Portanto, quem comete um pecado mortal, que é contrário à caridade, é-lhe aplicada a pena eterna de ficar para sempre excluído da sociedade dos santos. Pois, como diz Agostinho, do mesmo modo que se é excluído da cidade temporal pelo suplício da primeira morte, assim se é excluído da cidade imortal pelo suplício da segunda morte. E se a pena infligida pela cidade temporal não é considerada perpétua, é por acidente ou porque o homem não vive eternamente; ou ainda porque a cidade pode perder a existência. Mas, se o homem vivesse eternamente, a pena do exílio ou de escravidão, infligida pela lei humana, duraria eternamente. ─ Os que pecam porém sem contudo merecerem ser completamente segregados do consórcio com os cidadãos da cidade santa, como os que pecam venialmente, tanto mais breve ou diuturna lhes será a pena, quanto mais ou menos precisarem de purificação, na medida em que mais ou menos se afeiçoaram ao pecado. Regra que, pela divina justiça, se observa no aplicar as penas deste mundo ou as do purgatório.
Mas há ainda outras razões dadas pelos Santos Padres, para justificar a pena eterna com que é punido o pecador, por um pecado temporal.
Uma é, que, desprezando a vida eterna, pecaram contra o bem eterno. E é o que também diz Agostinho na obra supra-citada: O pecador é digno de um mal eterno por ter-se privado de um bem, que poderia ser eterno.
Outra é que o homem peca pelo que tem de eterno. Donde o dizer Gregório: Pertence à justiça do soberano Juiz sujeitar a um suplício eterno quem nesta vida não quis nunca separar-se do pecado. ─ E se se objeta que certos, que pecam mortalmente, tem a intenção de um dia melhorar de vida, e assim não seriam, parece, dignos de um suplício eterno, devemos responder, segundo alguns, que Gregório se refere à vontade que se manifesta por obras. Pois, quem de própria vontade cai em pecado mortal coloca-se num estado donde não pode ser retirado senão com o auxílio divino. Portanto, o fato mesmo de querer pecar revela, por consequência, que quer permanecer perpetuamente no pecado; pois, o homem é um espírito que passa i. é, ao pecado, e não torna, por si mesmo. Como se alguém se atirasse num poço donde não pudesse sair senão ajudado, desse poderíamos dizer que aí quereria ficar eternamente, embora pensasse o contrário. ─ Ou podemos responder, e melhor, quem peca mortalmente por isso mesmo põe o seu fim na criatura. E como a nossa vida se ordena totalmente para um fim, por isso, o pecador faz do seu pecado o fim da sua vida; e quereria ficar perpetuamente em estado de pecado mortal, se isso lhe ficasse impune. Por isso, aquilo da Escritura ─ Reputará o abismo como cheio de cans, etc., diz Gregório: Se os pecados dos iníquos tiveram um fim é porque também fim lhes teve a vida. Pois, quereriam viver sem fim para que sem fim pudessem permanecer nos seus pecados; porque mais desejam pecar que viver.
Mas pode-se também dar outra razão de ser eterna a pena da culpa mortal; é que por ela se peca contra Deus, que é infinito. Por onde, não podendo a pena ter uma intensidade infinita, por não ser a criatura capaz de nenhuma qualidade infinita, é necessário que pelo menos seja infinita na duração.
Enfim, para o explicar, há ainda uma quarta razão. E é que a culpa permanece eternamente, pois, não pode ser perdoada sem a graça, e esta ninguém pode mais adquirir depois da morte. Ora, não deve a pena cessar enquanto permanece a culpa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Não deve a pena equiparar-se à culpa na quantidade da duração, como o vemos mesmo estabelecido pelas leis humanas. ─ Ou devemos responder, como o faz Gregório, que embora a culpa seja temporal no seu ato, é eterna na vontade que a quis.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A gravidade do pecado corresponde a intensidade da pena. Por isso, pecados mortais de gravidade desigual terão penas de intensidade desigual, mas de duração igual.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ As penas infligidas aos que não foram totalmente segregados da sociedade civil se lhes ordenam à correção. Mas não são para a correção do delinquente as que a eliminam totalmente da comunidade social. Podem porém servir à correção e à tranquilidade dos mais membros da cidade. Assim também, a condenação eterna dos ímpios serve para a correção dos membros remanescentes da Igreja. Pois, as penas não são corretivas só quando infligidas, mas também quando determinadas por lei.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Não é, absolutamente, inútil que as penas dos ímpios durem eternamente. Pois, tem uma dupla utilidade. ─ Primeiro, porque mantém sobre os culpados o reino da justiça divina, a qual em si mesma faz parte dos planos de Deus. Por isso diz Gregório: Deus onipotente, por ser bondoso, não se compraz com o suplício dos condenados. Como porém é justo, não pode deixar de se vingar eternamente aos maus. ─ Segundo, são úteis para com elas se alegrarem os eleitos, adorando nelas a justiça divina, e rejubilando por lhes ter escapado. Por isso diz a Escritura: Alegrar-se-á o justo quando vir a vingança. E noutro lugar: Os ímpios servirão de espetáculo até à saciedade, i. é, aos santos, como explica a Glosa. E isto é o que diz Gregório: Todos os maus, condenados ao suplício eterno, são punidos pela sua iniquidade. E contudo arderão para alguma utilidade: para todos os justos verem em Deus a felicidade que alcançaram, e nos condenados os suplícios de que se livraram. De tal sorte que tanto mais se reconheçam eternamente devedores da graça divina, quanto virem para sempre punido o mal que ela os ajudou vencer.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Embora a pena só acidentalmente se aplique à alma, contudo se aplica essencialmente à alma contaminada pela culpa. E como a culpa nela permanecerá perpetuamente, por isso perpétua também será a pena.
RESPOSTA À SEXTA. ─ A pena corresponde à culpa, propriamente falando, pela desordem que esta implica, e não pela dignidade daquele contra quem se pecou. Porque, do contrário, a qualquer pecado corresponderia uma pena de intensidade infinita. Embora, pois, se quem peca contra Deus, autor da existência, merece por isso perdê-la, contudo não a deve perder considerada a desordem do seu ato. Porque a existência é um pressuposto para o mérito e o demérito; nem a desordem do pecado priva da existência ou a corrompe. Por onde, não pode ser a pena devida
a nenhuma culpa o ficar o seu autor privado da existência.
O nono discute-se assim. ─ Parece que os condenados não vêem a glória dos bem-aventurados.
1. ─ Pois, mais dista deles a glória dos bem-aventurados que as cousas que se passam neste mundo. Por isso, aquilo de Job ─ Ou os seus filhos estejam exaltados, etc., diz Gregório: Assim como os que vivem ainda neste mundo ignoram o lugar onde estão as almas dos mortos, assim os mortos, que viveram neste mundo, não sabem o que passa com os que nele deixaram. Logo e com muito maior razão, não podem ver a glória dos bem-aventurados.
2. Demais. ─ O que é concedido, como um grande dom aos santos nesta vida, nunca será concedido aos condenados. Mas a Paulo foi concedido como um grande dom ver a vida que os santos vivem eternamente com Deus, como diz a Glosa a um lugar das suas epístolas. Logo, os condenados não verão a glória dos santos.
Mas, em contrário, o Evangelho: Quando o rico estava nos tormentos viu a Abraão e Lázaro no seu seio.
SOLUÇÃO. ─ Os condenados, antes do dia de juízo, verão a glória dos bem-aventurados. Não que a conheçam tal qual é; mas por apenas saberem que gozam de uma glória incomparável. E com isso se perturbarão, quer pela inveja, que os faz sofrer com a felicidade dos santos; quer também por terem, eles, perdido essa glória. Donde o dizer a Escritura, dos ímpios: Vendo-os assim perturbar-se-ão com temor horrível. Mas depois do dia de juízo ficarão totalmente privados da visão dos bem-aventurados . Mas isso, longe de lhes diminuir, há de aumentar-lhes a pena. Porque terão na memória a glória dos bem-aventurados, que viram no juízo, ou antes dele, o que lhes redundará em tormentos. E ainda mais supliciados ficarão vendo-se julgados indignos mesmo de ver a glória que os santos merecem possuir.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As cousas que se passam neste mundo se as vissem os condenados não os afligiriam tanto como a visão da glória dos santos. Por isso não lhes são essas cousas reveladas, como o é a glória dos santos. Embora lhes seja dado conhecimento, das cousas desta vida, aquelas que lhes podem, aumentar os suplícios.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Paulo teve conhecimento da vida que os santos vivem com Deus, experimentando-a e esperando mais perfeitamente na vida futura. O que não se dá com os condenados. Logo, o símil não colhe.
O oitavo discute-se assim. ─ Parece que os condenados às vezes pensarão em Deus.
1. ─ Pois, não podemos ter um ódio atual, senão do em que pensamos. Ora, os condenados terão ódio de Deus, como diz o Mestre. Logo, às vezes pensarão em Deus.
2. Demais. ─ Os condenados terão o remorso da consciência. Ora, a consciência sofre remorso dos atos cometidos contra Deus. Logo, os condenados às vezes pensarão em Deus.
Mas, em contrário. ─ O mais perfeito dos nossos pensamentos é o que tem Deus por objeto. Ora, os condenados estão num estado imperfeitíssimo. Logo, não pensarão em Deus.
SOLUÇÃO. ─ De dois modos pode ser Deus objeto dos nossos pensamentos. ─ Primeiro, em si mesmo e pelo que propriamente é; i. é, como princípio de toda bondade. E então de nenhum modo podemos pensar em Deus sem experimentarmos prazer. Ora, assim, os condenados não pensarão absolutamente em Deus. ─ Segundo, pelos seus efeitos, como punir ou outro semelhante, que lhe são como acidentes. E então o pensar em Deus pode ser causa de sofrimento. E assim os condenados pensarão em Deus .
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os condenados não pensam em Deus senão por causa das proibições que faz ou das penas que inflige, e que lhes contraria à vontade má. Por isso não no consideram senão como quem lhes impõe castigos e proibições. Donde se deduz a resposta à segunda objeção. ─ Porque a consciência do pecado não remorde, senão enquanto contrária ao preceito divino.
O sétimo discute-se assim. ─ Parece que os condenados não podem se servir dos conhecimentos obtidos neste mundo.
1. ─ Pois, o exercício da ciência é deleitável soberanamente. Ora, os condenados não são susceptíveis de nenhuma deleitação. Logo, não podem de nenhum modo servir-se da ciência antes adquirida, de nenhum modo.
2. Demais. ─ As penas dos condenados são maiores que qualquer pena deste mundo. Ora, neste mundo, quando sofremos grandes tormentos, não podemos considerar nenhumas conclusões científicas, absorvidos que ficamos pelo suplício dessas penas. Logo, com maior razão, os condenados no inferno.
3. Demais. ─ Os condenados estão sujeios ao tempo. Ora, a dilatação do tempo é uma causa de esquecimento, como diz Aristóteles. Logo, os condenados hão de esquecer-se do que cá souberam.
Mas, em contrário, no Evangelho se diz ao rico condenado: Lembra-te que recebeste os teus bens em tua vida, etc. Logo, hão de lembrar-se do que neste mundo souberam.
2. Demais. ─ As espécies inteligíveis subsistem na alma separada, como se disse. ─ Ora, se os condenados não puderem usar delas, inúteis lhes serão.
SOLUÇÃO. ─ Pela perfeição da sua beatitude, nada terão os santos que não lhes seja matéria de alegria. É igualmente, nada nos condenados haverá que não lhes seja causa de sofrimento, nem lhes faltará nenhuma causa de sofrimentos, para lhes ser consumada a miséria. Ora, pensarmos em certos conhecimentos adquiridos pode, de algum modo, ser causa de alegria ─ ou por parte dos objetos conhecidos, que amamos; ou por parte do próprio conhecimento, pelo que tem de perfeição e de verdadeiro. Mas pode também ser causa de sofrimento ─ por parte das cousas conhecidas, quando são de natureza a nos fazerem sofrer; ou parte do conhecimento mesmo, quando lhe refletimos na imperfeição, pensando no conhecimento deficiente que temos de uma cousa, que desejaríamos conhecer perfeitamente. E assim os condenados terão, no pensamento dos conhecimentos que adquiriram antes, matéria de sofrimento e de nenhum modo, de prazer. Assim, considerarão no mal que fizeram e pelo qual se condenaram; e nos bens agradáveis, que perderam. E tudo isso lhes aumentará as torturas. Também serão supliciados pensando quão imperfeito foi o conhecimento que tiveram das verdades especulativas, e como perderam, podendo tê-la alcançado, a suma perfeição dele.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora a consideração científica possa em si mesma ser causa de prazer, pode contudo por acidente ser causa de sofrimento. E isto se dará com os condenados.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Neste mundo, a alma está unida a um corpo corruptível. Por isso, o sofrimento do corpo impede a alma de pensar. Mas na vida futura, a alma não será assim obstruída pelo corpo; pois, por mais atormentado que seja o corpo, contudo a alma sempre com a maior lucidez poderá considerar no que lhe puder ser causa de sofrimento.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O tempo é uma causa acidental de sofrimento, enquanto o movimento, que ele mede, é causa de mudança. Ora, depois do dia de juízo, cessará o movimento do céu; por isso nenhum esquecimento mais poderá haver, por mais longa que seja a duração. Mas, mesmo antes do dia de juízo, o movimento do céu não causa nenhuma alteração na disposição da alma separada.
O sexto discute-se assim. ─ Parece que os condenados podem desmerecer.
1. ─ Pois, os condenados têm a vontade má, como diz o Mestre. Ora, a má vontade que tiveram nesta vida foi-lhes uma causa de demérito. Logo, se no inferno não podem desmerecer, tiram vantagem da sua condenação.
2. Demais. ─ Os condenados estão nas mesmas condições que os demônios. Ora, os demônios, depois da sua queda, ainda podem desmerecer. Por isso à serpente, que induziu o homem a pecar, foi-lhe infligida uma pena por Deus, como narra a Escritura. Logo, também os condenados podem desmerecer.
3. Demais. ─ Um ato desordenadamente procedente do livre arbítrio é sempre demeritório, mesmo quando praticado sob o império de uma necessidade, cuja causa é o próprio agente. Assim, merece duplo castigo o ébrio, que, no estado de embriaguez cometeu outro pecado, como diz Aristóteles. Ora, os condenados foram a causa da sua própria obstinação, que os coloca como em necessidade de pecar. Logo, como os seus atos procedem desordenadamente do livre arbítrio, acarretam sempre o demérito.
Mas, em contrário. ─ A pena entra numa mesma divisão com a culpa. Ora, a vontade perversa dos condenados procede da obstinação, que lhes constitui a pena. Logo, a vontade perversa dos condenados não é culpa que lhes acarrete demérito.
2. Demais. ─ Chegado ao termo derradeiro da vida, não lhe é possível mais ao homem nenhum movimento nem progresso, tanto em relação ao bem como ao mal. Ora, os condenados, sobretudo depois do dia de juízo, chegarão ao termo último da sua condenação, porque então as duas cidades terão o seu fim, como diz Agostinho. Logo, os condenados, depois do dia de juízo, não mais desmerecerão pela sua vontade perversa; do contrário, se lhes agravaria a condenação.
SOLUÇÃO. ─ Os condenados devemos considerá-los antes e depois do dia de juízo. Ora, todos estão de acordo em que depois do dia de juízo não haverá mais lugar para mérito nem demérito. E isto porque o mérito e o demérito se ordenam à ulterior consecução de um bem ou um mal.
Após o dia do juízo haverá a consumação final dos bons e dos maus, de modo que nada será ulteriormente acrescentado de bem ou de mal. Por isso, a boa vontade, nos santos, não lhes será mérito, mas prêmio; e a má vontade, nos condenados, não lhes será demérito, mas pena somente. As operações da virtude são precípuas na felicidade, e as contrários delas são precípuas na miséria, diz o Filósofo.
Mas depois do dia de juízo, certos são de opinião que os bem-aventurados merecerão e os condenados desmerecerão. ─ Isto porém não é admissível, em relação ao prêmio essencial ou à pena principal, porque, tanto em relação a um como à outra, tanto bem-aventurados como condenados chegaram ao termo final. Pode ser porém em relação ao prêmio acidental ou à pena secundária, susceptíveis de aumento até ao dia do juízo. E isto sobretudo no concernente aos demônios e os bons anjos; pois, pelo zelo destes muitas almas se salvaram, donde um aumento de alegria para eles; e pela malícia daqueles, muitas se perderam, o que lhes redunda um aumento das penas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÂO. ─ A miséria suma é ter caído na suma desgraça; razão por que os condenados não podem mais desmerecer. Por onde é claro, que nenhuma vantagem tiram do seu pecado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não é ofício das almas condenadas arrastar os mais à condenação; mas o é dos demônios, razão por que podem desmerecer, em relação à pena secundária.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os condenados não ficam isentos do demérito pela razão alegada, de serem coagidos a pecar, pela necessidade; mas por terem caído no estado de suma desgraça. ─ Contudo, a necessidade de pecar, de que nós mesmos somos a causa, excusa da culpa como necessidade que é; pois, todo pecado há de ser voluntário. Mas não excusa enquanto oriunda de uma vontade precedente. Por onde, todo o inquérito da culpa subsequente já está incluído na culpa antecedente.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que os condenados não terão ódio a Deus.
1 . ─ Pois, como diz Dionísio, a todos é amável o belo e o bom que é a causa de todo bem e de toda beleza. Ora, tal é Deus. Logo, Deus não pode ser odiado de ninguém.
2. Demais. ─ Ninguém pode odiar a bondade em si mesma, como não pode querer o que é a malícia mesma; pois, o mal é absolutamente involuntário, como diz Dionísio. Ora, Deus é a própria bondade. Logo, ninguém pode odiá-la.
Mas, em contrário, a Escritura: A soberba de aqueles que te aborrecem sobe continuamente.
SOLUÇÃO. ─ O nosso afeto se move pelo bem ou pelo mal apreendido. Ora, Deus pode ser apreendido de dois modos ─ em si mesmo, como o apreendem os bem-aventurados, que o vêem em essência; e pelos seus efeitos, como o apreendemos nós e os condenados. ─ Ora, Deus, sendo em si mesmo a bondade por essência, não pode desagradar a nenhuma vontade. Portanto, quem o vê em essência não no pode odiar. ─ Mas dos seus efeitos uns podem repugnar à vontade pela contrariarem. Então Deus pode ser odiado, não em si mesmo, mas em razão desses efeitos contrários à vontade. ─ Ora, os condenados, que sentem o efeito da justiça de Deus, que é a pena, odeiam-no como odeiam as penas que sofrem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As palavras de Dionísio devem entender-se do apetite natural, que os condenados têm pervertido pelo que lhe acrescenta a vontade deliberada deles, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A objeção colheria, se os condenados contemplassem a Deus em mesmo, como o bem por essência.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que os condenados no inferno não querem que haja outros condenados além deles.
1. ─ Pois, o Evangelho diz que o mau rico orava pelos seus irmãos, não viessem a cair no lugar dos tormentos. Logo e pela mesma razão; os outros condenados não quereriam que ao menos os seus amigos carnais fossem condenados ao inferno.
2. Demais. ─ Os condenados não ficam purificados dos seus afetos desordenados. Ora, certos condenados amaram com afeto desordenado a outros que não foram condenados. Logo, não haveriam de lhes querer o mal da condenação.
3. Demais. ─ Os condenados não desejam o aumento das suas penas. Ora, se houvesse maior número deles, maior pena sofreriam, como também, ao contrário, a multiplicação dos bem-aventurados aumenta-lhes a alegria. Logo, os condenados não quereriam que os salvos se condenassem.
Mas, em contrário, aquilo de Isaías ─ Ergueram-se de seus sólios, diz a Glosa: É consolação dos maus ter muitos companheiros de sofrimentos.
2. Demais. ─ Os condenados têm enorme inveja uns dos outros. Logo, sofrem com a felicidade dos bem-aventurados e lhes desejam a condenação.
SOLUÇÃO. ─ Assim como os bem-aventurados na pátria terão uma caridade perfeitíssima, assim, perfeitíssimo será o ódio dos condenados. Por onde, assim como os santos se comprazem com todo bem, assim todo bem será para os ímpios uma causa de dor. Daí o fazê-las soberanamente sofrer a consideração da felicidade dos santos. Por isso diz a Escritura: vejam e sejam confundidos os que têm inveja do teu povo e devore o fogo a teus inimigos. Por isso quereriam que todos os bons fossem condenados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Tão grande será a inveja dos condenados que, por ser suma a sua miséria, invejarão até a glória dos seus parentes; o que mesmo nesta vida se dá, quando a inveja é muita. Menos invejarão porém aos parentes que aos outros, e maior lhes seria a pena se todos os parentes se condenassem e todos os mais se salvassem, que se algum dos parentes se salvasse. E foi por isso que o mau rico orava para seus irmãos se livrarem da condenação. Pois, sabia que muitos outros se salvariam, e preferiria que os irmãos fossem condenados, mas com todos os outros.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O amor não fundado no honesto facilmente desaparece, sobretudo entre maus, como diz o Filósofo. Por onde, os condenados não conservarão amizade para com os que amaram desordenadamente. Mas nisto a vontade lhes permanecerá perversa, que ainda amarão a causa desse amor desordenado.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora a multidão dos condenados aumente a pena de cada um, contudo lhes crescerá o ódio e a inveja a ponto de preferirem ser mais atormentados com muitos, do que menos sós.