O segundo discute-se assim. ─ Parece que a divina misericórdia porá um termo a toda a pena, tanto dos condenados como dos demônios.
1. ─ Pois, diz a Escritura: Tu tens compaixão de todos, Senhor, porque tudo podes. Ora, nesses todos estão incluídos também os demônios, que são criaturas de Deus. Logo, a pena dos demônios também acabará.
2. Demais. ─ Diz o Apóstolo: Deus a todos encerrou no pecado para usar com todos de misericórdia. Ora, Deus encerrou os demônios no pecado, i. é, permitiu que fossem encerrados. Logo, parece que um dia também usará de misericórdia para com os demônios.
3. Demais. ─ Diz Anselmo: Não é justo permitir Deus pereçam para sempre criaturas, que fez para a felicidade. Logo, parece, desde que toda criatura racional foi criada para a felicidade, não ser justo permita que todas pereçam para sempre.
Mas, em contrário, o Evangelho: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está aparelhado para o diabo e para os seus anjos. Logo, serão punidos eternamente.
2. Demais. ─ Assim como os bons anjos se tornaram felizes pela sua conversão para Deus, assim os maus se tornaram infelizes pela aversão dele. Se, portanto, a miséria dos maus deve acabar um dia, um dia também deverá acabar a felicidade dos bons. O que é inadmissível.
SOLUÇÃO. ─ Foi erro de Orígenes, como refere Agostinho, afirmar que um dia os demônios serão liberados das suas penas, pela misericórdia de Deus. Mas este erro foi condenado pela Igreja, por duas razões. ─ Primeiro, por manifestamente repugnar à autoridade da Sagrada Escritura. Assim, diz o Apocalipse: O diabo que enganava, foi metido no tanque de fogo e de enxofre, onde assim a besta como o falso profeta serão atormentados de dia e de noite por séculos dos séculos; maneira essa por que a Escritura costuma significar a eternidade. ─ Segundo, porque tal doutrina torna a misericórdia de Deus, de um lado, muito larga; e de outro, muito estreita. Pois, pela mesma razão por que os bons anjos gozam da eterna felicidade devem os maus anjos ser punidos eternamente. Por isso, assim como ensinava que os demônios e as almas condenadas deverão ser um dia liberados das suas penas, assim também que os anjos e as almas dos bem-aventurados deverão voltar um dia, da felicidade do céu, às misérias desta vida.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Deus, pelo que é, tem misericórdia de todos. Mas como a sua misericórdia é regulada pela ordem da sua: sabedoria, por isso não se estende a certos, como os demônios e os obstinados na malícia, que dela se tornaram indignos. ─ Contudo, podemos responder que mesmo para com esses se exerce a sua misericórdia, não pelos absolver totalmente da pena, mas por serem punidos menos que o que mereceriam.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ No lugar citado do Apóstolo, deve-se entender distributivamente de todos os gêneros de seres e não de todos os seres de cada gênero. Aplicando-se o texto aos homens enquanto vivem neste mundo; pois, Deus se compadeceu dos judeus e dos gentios, mas nem de todos os gentios ou de todos os judeus.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Anselmo não o entende justo, pelas conveniências da divina bondade; e se refere às criaturas genericamente consideradas. Pois, não convém à divina bondade fazer todo um gênero de criaturas ficar impedido de alcançar o fim para que foi criado. Não quer por isso nem que todos os homens se condenem nem todos os anjos. Mas nada impede alguns homens ou alguns anjos de se condenarem eternamente; porque os planos da divina vontade se cumprem nos que se salvam.