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Art. 3 ─ Se a divina misericórdia sofre que ao menos os homens sejam punidos eternamente.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a divina misericórdia não sofre que ao menos os homens sejam punidos eternamente.

1. ─ Pois, diz a Escritura: O meu espírito não permanecerá para sempre no homem porque é carne; e espírito tem aí o sentido de indignação, como o explica a Glosa a esse lugar. Logo, como a indignação de Deus outra coisa não é senão a pena que impõe, os homens não serão eternamente punidos.

2. Demais. ─ A caridade dos santos nesta vida os leva a orarem pelos inimigos. Ora, no céu terão a caridade perfeita. Logo hão de aí orar pelos inimigos condenados. Mas, as orações deles não poderão ser vãs, pois, são por excelência aceitas de Deus. Portanto, movido pelas preces dos santos, a divina misericórdia um dia livrará os condenados das suas penas.

3. Demais. ─ Que tivesse Deus ameaçado os condenados de os castigar com uma pena eterna, podemos considerá-lo como uma profecia cominatória. Ora, uma profecia cominatória nem sempre se cumpre; assim se deu com a relativa à subversão de Nínive, que não foi destruída, como o predissera o profeta, por terem os seus habitantes feito penitência. Logo e com muito maior razão, a cominação de castigos eternos feita pela divina misericórdia há de transmutar-se numa sentença mais branda, quando puder redundar em alegria de todos e não causar pena a ninguém.

4. Demais. ─ O mesmo se conclui do lugar seguinte da Escritura: Porventura a cólera de Deus será eterna? Ora, a cólera de Deus é a sua punição. Logo, Deus não punirá os homens eternamente.

5. Demais. ─ Aquilo da Escritura: Tu porém foste rejeitado, etc., diz a Glosa: Se todas as almas um dia tiverem descanso, tu nunca, referindo-se ao diabo. Logo, parece que um dia todas as almas humanas terão descanso das suas penas.

Mas, em contrário, diz o Evangelho, tanto dos eleitos como dos réprobos: Irão estes para o suplício eterno e os justos para a vida eterna. Ora, é inadmissível dizer-se que a vida dos justos um dia há de acabar. Logo, inadmissível também é dizer que há de terminar o suplício dos réprobos.

2. Demais. ─ Como diz Damasceno, o que é a morte para os homens foi para os anjos a queda. Ora, a queda dos anjos foi irreparável. Logo, também imutável será a situação dos homens depois da morte. E portanto, o suplício dos réprobos nunca terminará.

SOLUÇÃO. ─ Como refere Agostinho, certos se separaram do erro de Orígenes, ensinando que os demônios serão punidos eternamente. Mas continuaram-lhe o erro, por admitirem que os homens, mesmo os infiéis serão um dia liberados das suas penas. ─ Esta opinião porém é absolutamente irracional. Pois, assim como os demônios serão punidos eternamente por estarem obstinados na malícia, assim também as almas humanas mortas sem caridade; pois, o que é a morte para os homens foi para os anjos a queda, como diz Damasceno.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O lugar citado deve entender-se do homem, genericamente considerado; pois, um dia, no advento de Cristo, cessou a indignação de Deus contra o gênero humano. Mas aqueles que não quiseram aproveitar dessa reconciliação feita por Cristo, em si mesmos perpetuaram a cólera divina; pois, não temos nenhum outro meio de nos reconciliarmos com Deus, senão por Cristo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Como dizem Agostinho e Gregório, se os santos nesta vida oram pelos inimigos, é para que, enquanto o podem, se convertam para Deus. Mas se soubéssemos que eram prescritos, para a morte, não oraríamos por eles, como não oramos pelos demônios. E como para os que partiram desta vida sem a graça já não haverá mais tempo de conversão, nenhuma oração fará por eles nem a Igreja militante nem a triunfante. Pois, oramos por eles, como diz o Apóstolo, para que Deus lhe dê o dom da penitência e para que saiam dos laços do diabo.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A profecia de uma pena cominatória só fica sem cumprimento quando variam os méritos daquele contra quem foi feita. Donde o dizer a Escritura: De repente falarei contra uma gente e contra um reino, para desarraigá-lo e destruí-la e arruiná-lo. Se aquela gente se arrepender do seu mal também eu me arrependerei do mal que tenho pensado fazer contra ela. Logo, como os méritos dos condenados não são susceptíveis de mudança, a pena cominatória sempre neles se cumprirá. ─ Todavia, a profecia cominatória, entendida de certo modo, não deixa nunca de se cumprir. Pois, como diz Agostinho, Nínive foi realmente destruída, pois, de má que era veio a tornar-se boa; e assim, conservando os mesmos muros e as mesmas casas, desapareceu a cidade nos maus costumes dos seus habitantes.
 
RESPOSTA À QUARTA. ─ As palavras do salmo citado se referem aos vasos de misericórdia que não se fizeram indignos dela. Pois, nesta vida, que pelas suas misérias é uma como ira de Deus, os vasos de misericórdia podem mudar-se para melhor. Por isso continua o salmo: Esta mudança vem da dextra do Altíssimo ─ Ou devemos responder que se entenda da misericórdia que perdoa parte do castigo sem livrar dele totalmente, dado que deva estender-se também aos condenados. Por isso não disse o salmista: Conterá da ira, as suas misericórdias, mas, na ira, porque não livrará totalmente da pena mas obrará, na vigência dela, para a diminuir.

RESPOSTA À QUINTA. ─ A Glosa citada não afirma em sentido absoluto, mas supondo o impossível, a fim de mostrar a grandeza do pecado do diabo ou de Nabucodonosor.

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