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Art. 6 ─ Se os condenados podem desmerecer.

O sexto discute-se assim. ─ Parece que os condenados podem desmerecer.

1. ─ Pois, os condenados têm a vontade má, como diz o Mestre. Ora, a má vontade que tiveram nesta vida foi-lhes uma causa de demérito. Logo, se no inferno não podem desmerecer, tiram vantagem da sua condenação.

2. Demais. ─ Os condenados estão nas mesmas condições que os demônios. Ora, os demônios, depois da sua queda, ainda podem desmerecer. Por isso à serpente, que induziu o homem a pecar, foi-lhe infligida uma pena por Deus, como narra a Escritura. Logo, também os condenados podem desmerecer.

3. Demais. ─ Um ato desordenadamente procedente do livre arbítrio é sempre demeritório, mesmo quando praticado sob o império de uma necessidade, cuja causa é o próprio agente. Assim, merece duplo castigo o ébrio, que, no estado de embriaguez cometeu outro pecado, como diz Aristóteles. Ora, os condenados foram a causa da sua própria obstinação, que os coloca como em necessidade de pecar. Logo, como os seus atos procedem desordenadamente do livre arbítrio, acarretam sempre o demérito.

Mas, em contrário. ─ A pena entra numa mesma divisão com a culpa. Ora, a vontade perversa dos condenados procede da obstinação, que lhes constitui a pena. Logo, a vontade perversa dos condenados não é culpa que lhes acarrete demérito.

2. Demais. ─ Chegado ao termo derradeiro da vida, não lhe é possível mais ao homem nenhum movimento nem progresso, tanto em relação ao bem como ao mal. Ora, os condenados, sobretudo depois do dia de juízo, chegarão ao termo último da sua condenação, porque então as duas cidades terão o seu fim, como diz Agostinho. Logo, os condenados, depois do dia de juízo, não mais desmerecerão pela sua vontade perversa; do contrário, se lhes agravaria a condenação.

SOLUÇÃO. ─ Os condenados devemos considerá-los antes e depois do dia de juízo. Ora, todos estão de acordo em que depois do dia de juízo não haverá mais lugar para mérito nem demérito. E isto porque o mérito e o demérito se ordenam à ulterior consecução de um bem ou um mal.

Após o dia do juízo haverá a consumação final dos bons e dos maus, de modo que nada será ulteriormente acrescentado de bem ou de mal. Por isso, a boa vontade, nos santos, não lhes será mérito, mas prêmio; e a má vontade, nos condenados, não lhes será demérito, mas pena somente. As operações da virtude são precípuas na felicidade, e as contrários delas são precípuas na miséria, diz o Filósofo.
 
Mas depois do dia de juízo, certos são de opinião que os bem-aventurados merecerão e os condenados desmerecerão. ─ Isto porém não é admissível, em relação ao prêmio essencial ou à pena principal, porque, tanto em relação a um como à outra, tanto bem-aventurados como condenados chegaram ao termo final. Pode ser porém em relação ao prêmio acidental ou à pena secundária, susceptíveis de aumento até ao dia do juízo. E isto sobretudo no concernente aos demônios e os bons anjos; pois, pelo zelo destes muitas almas se salvaram, donde um aumento de alegria para eles; e pela malícia daqueles, muitas se perderam, o que lhes redunda um aumento das penas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÂO. ─ A miséria suma é ter caído na suma desgraça; razão por que os condenados não podem mais desmerecer. Por onde é claro, que nenhuma vantagem tiram do seu pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não é ofício das almas condenadas arrastar os mais à condenação; mas o é dos demônios, razão por que podem desmerecer, em relação à pena secundária.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os condenados não ficam isentos do demérito pela razão alegada, de serem coagidos a pecar, pela necessidade; mas por terem caído no estado de suma desgraça. ─ Contudo, a necessidade de pecar, de que nós mesmos somos a causa, excusa da culpa como necessidade que é; pois, todo pecado há de ser voluntário. Mas não excusa enquanto oriunda de uma vontade precedente. Por onde, todo o inquérito da culpa subsequente já está incluído na culpa antecedente.

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