Category: Santo Tomás de Aquino
O quinto discute-se assim. – Parece que a razão não pode ser considerada parte da prudência.
1. – Pois, o sujeito do acidente não é parte dele. Ora, a prudência não tem na razão o seu sujeito, como diz Aristóteles. Logo, a razão deve se considerada parte da prudência.
2. Demais. – O que é comum a muitas coisas não deve ser considerado parte de nenhuma delas em particular; ou, se o for, deve ser atribuído à que principalmente convém. Ora, a razão é necessária a todas as virtudes intelectuais e, principalmente, à sabedoria e à ciência, que se servem da razão demonstrativa. Logo, a razão não deve ser considerada parte da prudência.
3. Demais. – A razão não difere, essencialmente, como potência, do intelecto, como já se estabeleceu. Se, pois, o intelecto é considerado parte da prudência, será supérfluo acrescentar a razão.
Mas, em contrário, Macróbio, seguindo a opinião de Plotino, enumera a razão entre as partes da prudência.
SOLUÇÃO. – A função do prudente é aconselhar com acerto, como diz Aristóteles. Ora, o conselho é uma certa inquirição, que passa de umas para outras cousas. Ora, isto é função da razão. Por onde é necessário à prudência, que o homem raciocine com acerto. E como o que a prudência implica, para a sua perfeição, considera-se como parte integrante dela, daí resulta que a razão deve ser enumerada entre as partes da prudência.
DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Razão não é tomada, no caso vertente, pela potência mesma racional, mas pelo bom uso dela.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A certeza da razão procede do intelecto; mas a necessidade, que a razão impõe, é por deficiência do intelecto. Pois, os seres, como Deus, e os anjos, dotados da potência intelectiva, em sua plenitude, não precisam da razão, mas compreendem a verdade por uma simples intuição. Ora, os atos particulares dirigidos pela prudência, afastam-se muito da condição dos inteligíveis; e tanto mais quanto menos certos ou determinados são. Pois o que pertence à arte, embora seja particular, é contudo mais determinado e certo; por isso, em muitos casos, a ela pertencentes, não há lugar para o conselho, por causa da certeza, como diz Aristóteles. Por onde, embora em certa, outras virtudes intelectuais, a razão seja mais certa que a prudência, contudo a prudência requer sobretudo que o homem seja capaz de raciocinar com acerto, para poder acertadamente aplicar os princípios universais aos casos particulares, que são vários e incertos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Embora o intelecto e a razão não sejam potências diversas, contudo recebem a sua denominação de atos diversos. Assim, o nome de intelecto é derivado de penetrar intimamente a verdade; ao passo que o nome de razão provém da inquirição e do discurso. Por isso, tanto este como aquela se consideram partes da prudência, como do sobredito resulta.
O quarto discute-se assim. – Parece que a solércia não faz parte da prudência.
1. – Pois, a solércia consiste em descobrirmos facilmente os meios, para a demonstração, como diz Aristóteles Ora, a prudência, versando sobre o contingente, não é, por natureza, demonstrativa. Logo, à prudência não pertence a solércia.
2. Demais. – A prudência pertence deliberar com acerto, como diz Aristóteles Ora, no deliberar com acerto não há lugar para a solércia, que é uma forma de sagacidade, isto é, uma acertada conjectura, desprovida de razão e veloz; ora, devemos deliberar demoradamente, segundo Aristóteles. Logo, a solércia não deve ser considerada parte da prudência.
3. Demais. – A solércia, como se disse, é uma acertada conjectura. Ora, usar de conjecturas é próprio dos retóricos. Logo, a solércia mais pertence à retórica que à prudência.
Mas, em contrário, diz Isidoro: Solícito (sollicitus) significa, por assim dizer, solerte (solers) e pronto (citus). Ora, a solicitude é própria da prudência, como se disse. Logo, também, a solércia.
SOLUÇÃO. – A prudência consiste na reta apreciação do que devemos fazer. Ora, essa apreciação ou essa opinião reta a adquirimos na ordem prática, como na especulativa, de dois modos: ou por nós mesmos, ou aprendendo-a de outrem. Pois, assim como a docilidade consiste em formarmos uma opinião reta, recebendo-a de outrem; assim também a solércia, em procedermos de modo a chegarmos a uma apreciação reta, por nós mesmos.
De modo porém que a solércia seja considerada como sagacidade, da qual faz parte. Pois, a sagacidade consiste em conjecturarmos com acerto, sobre certas coisas; e a solércia, na fácil e pronta conjectura para a descoberta do meio, como diz Aristóteles. Contudo, aquele filósofo (Andronico), que considera a solércia parte da prudência a toma, em geral, pela sagacidade. Por 1580 diz: A solércia é um hábito consistente em descobrirmos prontamente o que convém.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A solércia versa sobre a descoberta do meio, não só nas demonstrações, mas também no agir. Por exemplo, quando, como no mesmo lugar diz o Filósofo, ao vermos certos se tornarem amigos, conjecturamos que o são por serem ambos inimigos de um terceiro. E deste modo, a solércia pertence à prudência.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O Filósofo dá uma verdadeira razão, para mostrar que a eubulia, que delibera com acerto, não é a sagacidade: o mérito desta consiste na consideração pronta sobre o de que se há mister; ora, podemos deliberar com acerto, embora prolongada ou tardamente. Nem por isso contudo, deixa a conjectura acertada de contribuir para o bom conselho. E às vezes é necessária, por exemplo, quando ocorre algo que devemos prontamente fazer. Por isso, e com razão, a solércia é considerada parte da prudência.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Também a retórica raciocina sobre os atos que devemos praticar. Por onde, nada impede que um mesmo objeto pertença à retórica e à prudência. E contudo, a conjectura, no caso vertente, não é só aquela com que se ocupa o retor, mas também, a pela qual dizemos, que, em certos casos, o homem conjectura a verdade.
O terceiro discute-se assim. – Parece que a docilidade não deve ser considerada parte da prudência.
1. – Pois, o que é exigido por todas as virtudes intelectuais não deve ser apropriado a nenhuma delas. Ora, a docilidade é necessária a qualquer virtude intelectual. Logo, não deve ser considerada parte da prudência.
2. Demais. – Aquilo que as virtudes humanas implicam existe em nós; pois, é pelo que existe em nós que somos louvados ou censurados. Ora, não está em nosso poder o sermos dóceis virtudes que certos têm por uma disposição natural. Logo, a docilidade não faz parte da prudência.
3. Demais. – A docilidade é própria do discípulo. Ora, a prudência, sendo preceptiva, parece ser própria, antes, dos mestres, também chamados preceptores. Logo, a docilidade não faz parte da prudência.
Mas, em contrário, Macróbio, seguindo a opinião de Plotino, considera a docilidade parte da prudência.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, a prudência versa sobre os nossos atos particulares, E estes, de quase infinita diversidade, não podem todos ser suficientemente considerados por um só homem, nem em breve espaço de tempo, senão em tempo diuturno. Por onde, no atinente á prudência, sobretudo, o homem precisa ser ensinado por outrem; e principalmente, pelos velhos, que alcançaram compreensão exata sobre os fins das ações. Por isso, diz o Filósofo: Devemos atender, não menos que às demonstrações dos juízos e às opiniões indemonstráveis dos experimentados, dos mais velhos e dos prudentes; pois, por experiência. compreendem os princípios. Donde o dizer a Escritura: Não te estribes na tua prudência; e, noutro lugar: Acha-te na assembleia dos velhos sábios, isto é, dos anciãos, e aceita de coração a sabedoria deles. Ora, é próprio da docilidade tornar-nos prontos em receber o ensino. Por onde e convenientemente, a docilidade é considerada parte da prudência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora a docilidade seja útil para qualquer virtude intelectual, contudo pertence principalmente à prudência, pela razão já dada.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A docilidade, como o mais pertencente à prudência, como aptidão, certo, vem da natureza; mas, para a sua perfeição é muito coadjuvada pelo esforço humano. Pois, por este, o espírito do homem, solícita, frequente e reverentemente adere aos ensinamentos dos maiores, não os descuidando por preguiça, nem os desprezando por soberba.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Pela prudência, ordenamos, não só aos outros, mas também a nós mesmos, como dissemos. Por isso também ela é própria dos súbditos, segundo foi dito; a prudência dos quais compreende a docilidade. Embora também os próprios superiores devam ser dóceis, quanto a certas cousas; pois, ninguém, naquilo que depende da prudência, basta-se a si mesmo, em tudo, como se disse.
O segundo discute-se assim. – Parece que o intelecto não faz parte da prudência.
1. – Pois, coisas que formam os termos opostos de uma divisão não podem fazer umas, partes das outras. Ora, o intelecto é considerado virtude intelectual, entrando na mesma divisão que a prudência. Logo, o intelecto não deve ser considerado parte da prudência.
2. Demais. – O intelecto é considerado um dos dons do Espírito Santo e corresponde à fé, como se estabeleceu. Ora, a prudência é virtude diversa da fé, segundo resulta do que foi dito. Logo, o intelecto não pertence à prudência.
3. Demais. – A prudência versa sobre os nossos atos particulares, como diz Aristóteles, Ora, o intelecto conhece o universal e o imaterial, conforme o mostra Aristóteles: Logo, o intelecto não faz parte da prudência.
Mas, em contrário, Túlio considera a inteligência parte da prudência; e Macróbio, o intelecto - o que dá no mesmo.
SOLUÇÃO. – Intelecto não é tomado aqui no sentido de potência intelectiva, mas enquanto implica uma estimação reta de um princípio extremo, considerado evidente, no mesmo sentido em que dizemos que inteligimos os princípios primeiros das demonstrações. Ora, toda dedução racional procede de certos princípios considerados como primeiros. Por onde, é necessário que todo processo da razão proceda de algum intelecto. Ora, sendo a prudência a aplicação da razão reta aos nossos atos, necessariamente todo processo da prudência há de derivar do intelecto. E por isso o intelecto é considerado parte da prudência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A prudência termina, por natureza, como numa certa conclusão, num ato particular, a que aplica o conhecimento universal, como do sobredito resulta. Ora, uma conclusão particular se deduz de uma proposição universal e de outra particular. Por onde, é forçoso que a prudência, por natureza, haja de proceder de um duplo intelecto. - Dos quais, um conhece o universal, e esse é o intelecto considerado virtude intelectual; pois, conhecemos naturalmente, não só os princípios universais especulativos, mas também os práticos, como - a ninguém devemos fazer mal, segundo resulta do que foi dito - Outro intelecto é o, como diz Aristóteles cognoscitivo do extremo, isto é, de um primeiro operável, particular e contingente, a saber, a proposição menor, que há de ser particular, no silogismo da prudência, como dissemos. Ora, este primeiro particular é um fim particular, segundo dissemos no mesmo lugar. Por onde, o intelecto, considerado parte da prudência, é uma avaliação reta de um fim particular.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O intelecto, considerado como dom do Espírito Santo, é uma certa vista penetrante das coisas divinas, como do sobredito resulta. Ora, é diferente o intelecto considerado parte da prudência, como se disse.
RESPOSTA À TERCEIRA – A avaliação reta de um fim particular chama-se intelecto, quando se refere a um princípio; e senso, quando tem por objeto o particular. E tal é o que diz o Filósofo: Estas coisas isto é, as particulares não podemos apreendê-las senão pelo senso; ora, este é o intelecto. Mas não devemos entendê-lo, do sentido particular, pelo qual conhecemos os sensíveis próprios, mas do senso interno, pelo qual julgamos do particular.
O primeiro discute-se assim. – Parece que a memória não faz parte da prudência.
1. – Pois, a memória, como o prova o Filósofo, tem sua sede na parte sensitiva da alma. Ora, a prudência a tem na racional, como se vê em Aristóteles. Logo, a memória não faz parte da prudência.
2. Demais. – A prudência se adquire e aperfeiçoa pelo exercício. Ora, a memória existe em nós, de nascença. Logo, não faz parte da prudência.
3. Demais. – A memória tem por objeto o passado, ao passo que a prudência versa sobre as nossas ações futuras, objeto do conselho, como diz Aristóteles: Logo, a memória não faz parte da prudência.
Mas, em contrário, Túlio considera a memória como parte da prudência.
SOLUÇÃO. – A prudência versa sobre os atos que são contingentes, como dissemos. Ora, em relação a eles, o homem não pode dirigir-se pelo que é absoluta e necessariamente verdadeiro, mas, pelo que se dá na maior parte dos casos. Ora, os princípios devem ser proporcionados às conclusões e, de tais princípios, devemos tirar tais conclusões que lhes sejam proporcionadas, como diz Aristóteles. Ao passo que, necessariamente, pela experiência é que conhecemos o que é verdadeiro, de ordinário. Por isso o Filósofo diz que a virtude intelectual é gerada e desenvolvida pela experiência e pelo tempo. Ora, a experiência resulta da memória de casos repetidos. como está claro em Aristóteles. Por onde e consequentemente a prudência exige a memória de casos multiplicados. Por isso e convenientemente a memória é considerada parte da prudência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como já dissemos, a prudência aplica a ciência universal aos casos particulares, objeto dos sentidos. Por isso, muito do que pertence à parte sensitiva, por exemplo, a memória, a prudência o exige.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como a prudência tem uma certa aptidão natural, mas recebe o seu complemento do exercício ou da graça; assim também, como diz Túlio, a memória não é aperfeiçoada pela natureza, mas também compreende muito da arte e da indústria. E há quatro condições para o homem aperfeiçoar a sua boa memória. A primeira é que aquilo de que quer lembrar-se assuma certas semelhanças convenientes, sem serem contudo, de todo em todo habituais. Pois. nós reparamos sobretudo no que é insólito, no que, por isso, o nosso espírito se detém mais veementemente, donde vem o nos lembrarmos melhor das coisas vistas na infância. Ora, temos necessidade de procurar tais semelhanças ou imagens, porque as ideias simples e espirituais se nos varrem mais facilmente do espírito, se não estiverem como ligadas a certas imagens corpóreas; porque o conhecimento humano é mais forte relativamente às coisas sensíveis sendo por isso, a potência memorativa considerada parte da sensitiva. - Em segundo lugar, é preciso consideremos ordenadamente aquilo que queremos conservar na memória, de modo a passar com facilidade de uma para outra lembrança. Por isso o Filósofo diz: Os tópicos às vezes nos ajudam a lembrança; e a causa está em passarmos facilmente de um para outro. - Terceiro, é preciso pôr cuidado em colocar o afeto nas coisas de que quer se lembrar; porque, quanto mais profundamente uma coisa se nos gravar na alma, tanto menos dela se apagará. Donde o dizer Túlio, que a solicitude conserva integras as figuras das causas. - Quarto, havemos de meditar frequentemente naquilo de que queremos ter memória. Por isso, o Filósofo diz, que as meditações conservam a memória; porque, como ensina no mesmo lugar, o hábito é uma quase natureza. Por isso, o de que muitas vezes inteligimos, facilmente nos lembramos, passando quase por uma certa ordem natural, de um para outro desses objetos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Do passado devemos como que tirar argumento para o futuro. Por isso a memória do passado é necessária para aconselhar com acerto sobre o futuro.
O primeiro discute-se assim – Parece estarem inconvenientemente assinaladas as partes da prudência.
1. – Pois, Túlio admite três partes da prudência, a saber: a memória, a inteligência e a providência. Macróbio, porém, seguindo opinião de Platina, atribui-lhe seis partes, a saber: a razão, o intelecto, a circunspecção, a providência, a docilidade e a cautela. Por seu lado, Aristóteles diz, que à prudência pertence a eubulia, a sínese e a gnome. Também menciona como partes dela, a eustoquia e a solércia, o sentido e intelecto. E ainda certo outro filósofo grego (Andronico), que a prudência inclui dez partes: a eubulia, a solércia, a providência, a arte de governar, a arte militar, a política, a econômica, a dialética, a retórica, e a física. Logo, parece, dessas divisões, umas são supérfluas e as outras, deficientes.
2. Demais. – A prudência se divide, por oposição, da ciência. Ora, a política, a econômica, a dialética, a retórica e a física são ciências. Logo não são partes da prudência.
3. Demais. – As partes não podem exceder o todo. Ora, a memória intelectiva, ou inteligência, a razão, o sentido e a docilidade, não somente pertencem à prudência, mas também a todos os hábitos cognoscitivos. Logo, não devem ser consideradas partes da prudência.
4. Demais. – Assim como aconselhar, julgar e mandar são atos da razão prática, assim também o é usar, como se estabeleceu. Por onde, assim como a eubulia, concernente ao conselho, a sínese e a gnome, ao juízo, são anexas à prudência, assim também se deve admitir uma virtude pertinente ao uso.
5. Demais. – A solicitude concerne à prudência, como se disse antes. Logo, também a solicitude deve ser considerada como uma das partes da prudência.
SOLUÇÃO. – Há partes de três naturezas: a integrante e, assim, a parede, o teto e os alicerces são partes da casa; a subjetiva, como o leão e o boi fazem parte dos animais; e a potencial, como, Q nutritivo e o sensitivo são partes da alma.
Ora, desses três modos podemos considerar as partes de uma virtude.
De um modo, por semelhança com as partes integrantes, de maneira a considerarmos partes de uma virtude as que necessariamente lhe concorrem para a perfeição do ato. E então, de todas as virtudes acima mencionadas, podemos enumerar as oito partes seguintes da prudência. As seis enumeradas por Macróbio, às quais devemos acrescentar a sétima, isto é, a memória, que introduz Túlio; e ainda, a eustoquia ou solércia, que introduz Aristóteles. Pois, o senso da prudência também se chama intefecto; donde, o dizer o Filósofo Logo, é preciso ter o senso destas causas; ora, este é o intelecto. Dessas oito virtudes, cinco concernem à prudência, enquanto cognoscitiva, e são: a memória, a razão, o intelecto, a docilidade e a solércia: E três, enquanto preceptiva, aplicando a conhecimento à ação, a saber: a providência, a circunspecção e a cautela. E a razão da diversidade delas ficará clara, por uma tríplice consideração, relativamente ao conhecimento. - Primeiro, quanto ao conhecimento em si mesmo, no qual, se for do passado, é o objeto da memória; se porém, for de realidades presentes, quer contingentes, quer necessárias, chama-se intelecto ou inteligência. - Segundo, quanto à sua aquisição, pois o adquirimos, ou pela instrução, o que constitui a docilidade; ou pela invenção, objeto da sagacidade, consistente em conjecturar com acerto. E parte desta, como diz Aristóteles, é a solércia, consistente numa pronta conjectura sobre os meios, segundo o mesmo. - Terceiro, devemos levar em conta o uso do conhecimento, enquanto que, pelo já conhecido, procedemos a conhecimentos ou juízos ulteriores. O que constitui a razão. - Esta, porém, para ordenar com acerto, deve realizar uma tríplice condição: primeiro, acomodar os meios ao fim, e isto constitui a providência; segundo, levar em conta as circunstâncias do caso, o que constitui a circunspecção; terceiro, contornar os obstáculos, o que constitui a cautela.
Quanto às partes subjetivas da virtude, consideram-se como espécies diversas da mesma. E deste modo as partes propriamente ditas da prudência são: a prudência pela qual nos dirigimos a nós mesmos e a pela qual o chefe dirige a multidão, diferentes entre si especificamente, como dissemos. Além disso, a prudência, pela qual é governada a multidão, divide-se em diversas espécies, conforme as diversas espécies de multidão. Assim, há uma multidão aplicada a uma atividade especial, como um exército, constituído para guerrear, e que é regido pela prudência militar. Outra multidão, porém, subsiste por toda a vida, como a de uma casa ou família, que é regida pela prudência econômica. E ainda, a multidão de uma cidade ou reino, de que são regras diretivas a virtude de reinar, própria do príncipe; e a política propriamente dita, peculiar aos súbditos. - Considerada, porém, em sentido lato, que inclui também a ciência especulativa, como dissemos, então partes da prudência são: a dialética, a retórica, a física, conforme os três modos de proceder da ciência. Dos quais um procede por demonstração, para produzir a ciência, o que constitui a física, compreendendo ela todas as ciências demonstrativas. O outro modo procede por meio de razões prováveis, conducente à opinião, o que é próprio da dialética. O terceiro modo procede por certas conjecturas para levar à suspeita ou a persuadir, de certa maneira, o que é próprio da retórica. - Podemos porém dizer que a prudência propriamente dita abrange essas três disciplinas; pois, raciocina, umas vezes, partindo de princípios necessários; outras, de razões prováveis e por vezes, ainda, de certas conjecturas.
Enfim, as partes potenciais de uma virtude se chamam virtudes adjuntas, ordenadas a certos atos ou matérias secundários e como privadas da potência perfeita da virtude principal. E então consideram-se partes da prudência: a eubulia, cujo objeto é o conselho; a sinese, que consiste em julgar o que se faz, em virtude de regras comuns; e a gnome, versando sobre o que devemos fazer, às vezes, apartando-nos da lei geral. Ao passo que a prudência versa sobre o ato principal, que é mandar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As diversas denominações das partes diferem conforme os gêneros diversos delas; ou conforme uma parte de uma mesma denominação inclui muitas partes de outra. Assim Túlio, na denominação de providência inclui a cautela e a circunspecção; e na de inteligência, a razão, a docilidade e a solércia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A econômica e a política não são aqui consideradas como ciências, mas como espécies da prudência. E quanto às outras três disciplinas, é fácil responder pelo que já ficou dito.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Todas as virtudes enumeradas consideram-se partes da prudência, não no sentido geral delas, mas enquanto relacionadas à matéria da prudência.
RESPOSTA Á QUARTA. – Mandar e usar com acerto são coisas correlatas; pois, à ordem da razão segue-se a obediência das potências inferiores, o que é próprio do uso.
RESPOSTA À QUINTA. – A solicitude está incluída na ideia de providência.
O décimo sexto discute-se assim. – Parece que a prudência pode perder-se pelo esquecimento.
1. – Pois, a ciência, tendo por objeto o necessário, é mais certa que a prudência, que versa sobre atos contingentes. Ora, a ciência se perde pelo esquecimento. Logo, com muito maior razão a prudência.
2. Demais. – Como diz o Filósofo, a virtude é produzida e corrompida pelas mesmas causas, agindo em sentido contrário. Ora, a prudência, para existir, precisa da experiência, pois ela só existe depois que a memória armazenou muitas experiências, como diz Aristóteles. Logo, opondo-se o esquecimento à memória, parece que a prudência pode perder-se pelo esquecimento.
3. Demais. – Não há prudência sem o conhecimento do universal. Ora, o conhecimento pode perder-se pelo esquecimento. Logo, também a prudência.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que o esquecimento é próprio da arte e não, da prudência.
SOLUÇÃO. – O esquecimento só é relativo ao conhecimento. Por onde, pelo esquecimento podemos perder totalmente, tanto a arte como a ciência, que residem na razão. Mas a prudência não consiste só no conhecimento, senão também no apetite; pois, como dissemos, o principal ato dela é mandar, que consiste em aplicar o conhecimento adquirido ao desejar e ao agir. Por isso, a prudência não fica diretamente eliminada pelo esquecimento, mas antes, corrompe-se pelas paixões; pois, como diz o Filósofo, o prazer e a tristeza pervertem o juízo da prudência. Donde o dizer a Escritura: A formosura te seduziu e a concupiscência te perverteu o coração; e noutro lugar: Não aceitarás donativos, porque eles fazem cegar ainda aos prudentes. - O esquecimento, porém, pode impedir a prudência, porque, para mandar ela parte do conhecimento, e esse podemos perdê-lo pelo esquecimento.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A ciência só existe na razão. Por onde, não se dá com ela o mesmo que com a prudência, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A experiência da prudência não se adquire só pela memória, mas pelo exercício de mandar com retidão.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A prudência consiste principalmente, não no conhecimento do universal, mas na aplicação desse conhecimento aos atos. Por onde, o esquecer-se o conhecimento universal não destrói o que a prudência tem de principal, mas lhe traz um certo impedimento, como se disse.
O décimo quinto discute-se assim. – Parece que a prudência existe em nós por natureza.
1. – Pois, diz o Filósofo, as virtudes pertencentes à prudência, como a sínese, a gnome e outras semelhantes, parece serem naturais; não porém as pertencentes à sabedoria especulativa. Ora, coisas de um mesmo gênero têm a mesma natureza original. Logo, também a prudência existe em nós por natureza.
2. Demais. – A variação das idades é natural. Ora, a prudência é consequente às idades, conforme aquilo da Escritura: A sabedoria acha-se nos velhos, e a prudência, na vida dilatada. Logo, a prudência é natural.
3. Demais. – A prudência mais convém à natureza humana que a dos brutos. Ora, os brutos têm certas prudências naturais, como vemos no Filósofo. Logo, a prudência é natural.
Mas, em contrário, o Filósofo diz, a virtude intelectual tem a sua origem e o seu aumento sobretudo, na instrução: por isso, precisa da experiência e do tempo. Ora, a prudência é uma virtude intelectual, como já se estabeleceu. Logo, a prudência não existe em nós por natureza, mas, pela instrução e pela experiência.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, a prudência implica o conhecimento, tanto o do universal, como o das açôes particulares, a que prudente aplica os princípios universais.
Quanto pois ao conhecimento desses princípios, a prudência é da mesma natureza que a ciência especulativa. Pois, os primeiros princípios universais de uma e de outra são naturalmente conhecidos, como resulta do que já dissemos. Salvo que os princípios gerais da prudência são mais conaturais ao homem; pois, como diz o Filósofo, a vida especulativa é melhor que a vida puramente humana. Mas os outros princípios universais posteriores, quer da razão especulativa, quer da prática, não os conhecemos por natureza, mas descobrindo-os por via da experiência ou da instrução. Quanto porém ao conhecimento particular daquilo que constitui o objeto da ação, de novo, é mister distinguir. Porque a ação tem por objeto o fim ou os meios. - Ora, os fins retos da vida humana são determinados. Por isso, podemos ter inclinação natural para esses fins; assim, como já dissemos certos têm disposição natural para determinadas virtudes, que os faz inclinarem-se para fins retos; e por consequência também fazem um juízo naturalmente reto sobre esses fins. - Ao contrário, os meios, nas coisas humanas, não são particularizados, mas diversificam-se de muitas maneiras, conforme à diversidade das pessoas e dos negócios. Por onde, sendo a inclinação da natureza sempre para um objeto determinado, o conhecimento dos meios o homem não pode tê-lo naturalmente, embora, por disposição natural, um seja mais apto que outro para discerni-los, como também se dá com as conclusões das ciências especulativas. - Ora, a prudência, não tendo por objeto os fins, mas os meios, como já estabelecemos, ela não é, portanto, natural.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – No lugar citado, o Filósofo se refere às virtudes pertinentes à prudência, quando esta se ordena para fins. Por isso dissera antes, que os princípios concernem àquilo por causa do que alguma coisa se faz, isto é, o fim. E por isso, não menciona, entre essas virtudes, a eubulia que aconselha sobre os meios.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A prudência é própria, sobretudo, dos velhos, não só por causa da sua disposição natural, acalmados os movimentos das paixões sensíveis, mas também pela sua experiência temporalmente longa.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os brutos chegam ao fim por vias determinadas; por isso vemos que todos os animais da mesma espécie obram do mesmo modo. Mas isto não pode dar-se com o homem, por causa da razão que, podendo conhecer o universal, se estende a infinitos casos particulares.
O décimo quarto discute-se assim. – Parece que a prudência não existe em todos os que têm a graça.
1. – Pois, a prudência exige uma certa indústria que nos leva a prever com acerto o que devemos fazer. Ora, muitos que têm graça carecem dessa indústria. Logo, nem todos os que têm graça têm prudência.
2. Demais. – Chama-se prudente ao que é capaz de bom conselho, como se disse Ora, muitos têm a graça, que não são de bom conselho, mas têm necessidade de ser dirigidos por conselho alheio. Logo, nem todos os que têm graça têm prudência.
3. Demais. – O Filósofo diz, ser um fato, que os jovens não são prudentes. Ora, muitos jovens têm a graça. Logo, a prudência não se encontra em todos os que têm a graça.
Mas, em contrário, ninguém, que não seja virtuoso, tem a graça. Ora, ninguém pode ser virtuoso sem a prudência; pois, diz Gregório, que as outras virtudes, se não levarem a agir prudentemente, ao se buscar o que se deseja, de nenhum modo podem ser virtudes. Logo, todos os que têm a graça têm a prudência.
SOLUÇÃO. – É necessário sejam as virtudes conexas, de modo que tenha todas quem tem uma, como já demonstrarmos. Ora, todo aquele que tem a graça tem a caridade. Por onde e necessariamente, tem todas as virtudes. E assim, sendo a prudência uma virtude, como se estabeleceu, necessariamente implica a prudência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Há duas espécies de indústria. - Uma suficiente ao necessário à salvação. E essa é dada a todos os que têm a graça, os quais à unção ensina em todas as coisas, como diz a Escritura. - Outra é uma indústria mais plena, pela qual podemos nos prover a nós mesmos e aos outros, não só do necessário à salvação mas de tudo o concernente à vida humana. E essa indústria não existe em todos os que têm a graça.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os que precisam ser dirigidos pelo conselho dos outros sabem ao menos se decidir com acerto, se tiverem a graça, ao buscar tais conselhos e no discernir os bons dos maus.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A prudência adquirida é causada pelo exercício dos atos; por isso, precisa, para existir, da experiência e do tempo, como diz, Aristóteles. Por onde, não pode existir nos moços, nem habitual nem atualmente. - Mas a prudência gratuita é causada por infusão divina. Por isso, as crianças batiza das, que ainda não têm o uso da razão, bem como os loucos, têm a prudência habitual, mas não a atual. Mas, os que já têm o uso da razão, têm-na também atualmente, quanto ao necessário à salvação; merecem porém pelo exercício, o aumento dela, até que seja perfeita, como acontece com as outras virtudes. Por isso, o Apóstolo diz: o mantimento sólido é dos perfeitos, daqueles que pelo costume têm os sentidos exercitados para discernir o bem e o mal.
O décimo terceiro discute-se assim. – Parece que pode haver prudência nos pecadores.
1. – Pois, diz o Senhor: Os filhos deste século são mais sábios na sua geração que os filhos da luz. Ora, os filhos deste século são os pecadores. Logo, nos pecadores pode haver prudência.
2. Demais. – É a fé virtude mais nobre que a prudência. Ora, pode haver fé nos pecadores. Logo, também prudência.
3. Demais. – Consideramos o aconselhar bem como a obra por excelência do prudente, diz Aristóteles. Ora, muitos pecadores são de bom conselho. Logo, muitos pecadores têm prudência.
Mas, em contrário, diz o Filósofo: É impossível alguém ser prudente sem ser bom. Ora, nenhum pecador é bom. Logo, nenhum pecador é prudente.
SOLUÇÃO. – A prudência tem tríplice significação. Pois, há uma prudência falsa, assim chamada por semelhança. Porque, como o prudente é o que dispõe bem o que deve fazer, para alcançar um fim bom, assim o que dispõe meios convenientes para alcançar um mau fim, tem a falsa prudência, por não ser um verdadeiro bem aquilo que se propõe como fim. É pois prudente por semelhança, como, no mesmo sentido, dizemos que um ladrão é bom. Pois, desse modo, por semelhança, podemos chamar prudente ao ladrão, que descobre os meios convenientes para roubar. E tal é a prudência a que se refere o Apóstolo: A prudência da carne é morte, porque põe o fim último no prazer da carne.
Na segunda acepção, a prudência é verdadeira, certo, porque descobre os meios acomodados a um fim verdadeiramente bom; mas é imperfeita, por duas razões. - Primeiro, porque esse bem, que toma como fim, não é o fim comum de toda a vida humana, mas o de um negócio particular. Por exemplo, quem encontra os meios acomodados a negociar ou a navegar, é chamado negociante ou nauta prudente. - Segundo, porque lhe falta o ato principal da prudência; por exemplo, quando alguém se aconselha com acerto e julga retamente, mesmo do que concerne a toda a vida, mas não ordena eficazmente.
Na terceira acepção, a prudência é verdadeira e perfeita, que, sobre o fim bom de toda a vida humana, aconselha retamente, julga e ordena. E só esta é a chamada prudência propriamente dita, e que não pode existir nos pecadores, em quem só existe a prudência, no primeiro sentido. Ao passo que a prudência imperfeita é comum aos bons e aos maus, sobretudo a imperfeita por causa do seu fim particular. Pois, a imperfeita por causa da falta do ato principal também sô existe nos maus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A palavra citada do Senhor entende-se relativamente à primeira espécie de prudência. Por isso, os filhos do século não são chamados prudentes, absolutamente falando, mas na sua geração.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A fé não implica, por essência, nenhuma conformidade com o desejo das boas obras; mas a essência da fé está só no pensamento. A prudência porém implica relação com o apetite reto. Quer porque os princípios da prudência são os fins das ações, dos quais julgamos retamente pelos hábitos das virtudes morais, que tornam reto o apetite; por onde, a prudência não pode existir sem as virtudes morais, como já se demonstrou. Quer porque a prudência é a ordenadora das boas obras, o que não é possível se não existe o apetite reto. Por isso, embora a fé seja mais nobre que a prudência, por causa do seu objeto, contudo a prudência, pela sua natureza, repugna mais ao pecado, o que procede da perversidade do apetite.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Certo, os pecadores podem ter bom conselho conducente a um fim mau, ou a algum bem particular. Mas não têm bom conselho perfeito para alcançar o fim bom de toda a vida, porque não conduzem à efetivaçâo o conselho. Por isso, não há neles prudência, que só tem por objeto o bem. Mas, como diz o Filósofo há nesses tais a Ol Y,)'t'1)'tCl: isto é, uma indústria natural que tem por objeto tanto o bem como o mal; ou a astúcia, cujo objeto é só o mal, e à qual denominamos acima falsa prudência ou prudência da carne.