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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Artigo 2 - Se a justiça é sempre relativa a outrem.

O segundo discute-se assim. – Parece que a justiça nem sempre é relativa a outrem.

1. – Pois, diz o Apóstolo, que a justiça de Deus é infundida pela fé de Jesus Cristo. Ora, a fé não supõe relação entre um homem e outro. Logo, nem a justiça.

2. Demais. – Segundo Agostinho, à justiça pertence por servir a Deus, governar tudo o que está sujeito ao homem. Ora, o apetite sensitivo está sujeito ao homem, como se vê na Escritura, onde diz: A tua concupiscência estar-te-á -sujeita, isto é, a do pecado, e tu dominarás sobre ela. Logo, à justiça pertence fazermos dominar o nosso próprio apetite. E, então, haverá justiça de nós para nós mesmos.

3. Demais. – A justiça de Deus é eterna. Ora, nada há de coeterno com Deus. Logo, não é da natureza da justiça ser relativa a outrem.

4. Demais. – Assim como as ações relativas a outrem, assim também as que dizem respeito a nós mesmos devem ser retificadas. Ora, a justiça retifica as seções, conforme à Escritura: A justiça do simples fará feliz o seu caminho. Logo, diz respeito, não só às nossas relações com outrem, mas também às conosco mesmo.

Mas, em contrário, diz Túlio, que a justiça abrange, por natureza, a sociedade dos homens entre si e a comunidade de vida. Ora, isto implica relações com outrem. Logo, a justiça diz respeito só ao que é relativo a outrem.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos o nome de justiça, implicando a igualdade, está em a natureza da justiça ser relativa a outrem; pois, nada é igual a si mesmo, mas, a outrem. E como o próprio da justiça é retificar os atos humanos, segundo dissemos, é necessário que essa relação com outrem, que a justiça exige, diga respeito a agentes que podem agir diversamente. Ora, os atos pertencem o suposto e ao ser total e não, propriamente fazendo, às partes e às formas ou potências. Assim, não dizemos, com propriedade - pois, só por semelhança poderíamos dizê-lo - que as mãos ferem, mas, o homem, por meio delas; nem, que o calor aquece, mas, o fogo, pelo calor. Por onde; a justiça propriamente dita exige diversidade de supostos e, portanto, não pode ser senão de um homem para com outro. Mas, por semelhança, admitimos, num mesmo homem, diversos princípios ativos, como se fossem agentes diversos; assim, a razão, o irascível e o concupiscível. Por onde, metaforicamente, dizemos que há justiça, num mesmo homem, quando a razão governa o irascível e o concupiscível e quando estas potências obedecem à razão. E, universalmente, quando a cada parte do homem é atribuído o que lhe convém. Por isso, diz o Filósofo, que essa justiça é chamada metafórica.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A justiça, que a fé produz em nós é a que justifica o ímpio, e consiste na ordem devida das partes da alma, como dissemos, quando tratamos da justificação do ímpio. Ora, isto pertence à justiça assim chamada por metáfora, que pode existir mesmo em quem vive uma vida solitária.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A justiça de Deus é abeterno, fundada numa vontade e num propósito eternos; e nisto consiste principalmente a justiça. Embora não seja eterna no seu efeito, pois, nada é coeterno com Deus.

RESPOSTA À QUARTA. – Os atos que dizem respeito ao homem para consigo mesmo retificam­se suficientemente uma vez retificadas as paixões, pelas outras virtudes morais. Mas, as ações relativas a outrem precisam de uma retificação especial, não somente relativa ao agente, mas também aquele a quem se referem. Por onde, a elas diz respeito uma virtude especial, que é a justiça.

Artigo 1 - Se foi convenientemente definida pelos jurisperitos a justiça como a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que lhe pertence.

O primeiro discute-se assim. – Parece que foi inconvenientemente definida a justiça pelos jurisperitos, como a vontade constante e perpétua de dar a cada um, o que lhe pertence.

1. – Pois, a justiça, segundo o Filósofo, é um hábito pelo qual praticamos atos justos e pelo qual fazemos e queremos coisas justas. Ora, a vontade designa uma potência ou também um ato. Logo, é inconveniente dizer que a justiça é a vontade.

2. Demais. – A retidão da vontade não é a vontade; do contrário, se a vontade fosse em si mesma reta, resultaria que nenhuma seria pervertida. Ora, segundo Anselmo a justiça é uma retidão. Logo, a justiça não é a vontade.

3. Demais. – Só a vontade de Deus é perpétua. Se, pois, a justiça fosse a vontade perpétua, só em Deus haveria justiça.

4. Demais. – Todo perpétuo é constante, porque é imutável. Logo, é supérfluo introduzir na definição da justiça os termos perpétuo e constante.

5. Demais. – Dar o seu direito a cada um é próprio do chefe. Ora, se a justiça é a que dá a cada um o seu direito, resulta que ela só existe no chefe. O que é inadmissível.

6. Demais. – Agostinho diz que a justiça é o amor que só serve a Deus Logo, não dá a cada um, o que é seu.

SOLUÇÃO. – A referida definição da justiça é conveniente se for entendida como deve. Pois, sendo toda virtude um hábito, que é o princípio dos atos bons, necessariamente a virtude há de ser definida por um ato bom, cujo objeto é a matéria própria dela. Ora, a matéria própria da justiça são os atos relativos a outrem, como a seguir se dirá. Por onde, o ato de justiça é determinado relativamente à sua matéria própria e ao seu objeto, quando se diz: dar a cada um, o que lhe pertence; porque, como Isidoro diz, chama-se justo aquele que observa a justiça. Mas, para um ato, relativo a uma determinada matéria, ser virtuoso; é necessário que seja voluntário, estável e firme. Pois, como diz o Filósofo, o ato de virtude exige, primeiro, que o sujeito o pratique cientemente; segundo, com eleição, e para um fim devido; terceiro, que seja imutável. Ora, a primeira dessas condições está inclusa na segunda, pois, o que fazemos por ignorância é involuntário, segundo Aristóteles. Por onde, na definição da justiça, enuncia-se primeiro à vontade, para mostrar que o ato de justiça deve ser voluntário. Acrescenta­se porém a constância e a perpetuidade para designar a estabilidade do ato. Portanto, a referida definição da justiça é completa, sendo tomado o ato pelo hábito, mas, que é especificado por aquele; pois, o hábito implica relação com o ato. E quem quisesse reduzir essa definição à sua forma devida, poderia dizer: a justiça é um hábito pelo qual, com vontade constante e perpétua. atribuímos a cada um o que lhe pertence. Definição quase idêntica à do Filósofo, quando diz: a justiça é um hábito que nos faz agir escolhendo o que é justo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÃO. –­ A vontade, no caso, designa um ato e não uma potência. Pois, os autores costumam definir o hábito pelo ato; assim diz Agostinho, que a fé consiste em crer o que não vês.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nem mesmo a justiça é essencialmente a retidão, mas só, causalmente; pois, é um hábito pelo qual agimos e queremos com retidão.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A vontade pode ser chamada perpétua de dois modos. De um modo, relativamente ao ato, que dura perpetuamente. E, assim, só a vontade de Deus é perpétua. De outro modo, relativamente ao objeto, quando, por exemplo, alguém quer perpetuamente fazer alguma coisa. E isto o reclama a ideia de justiça, para a qual não basta querermos observá-la por algum tempo, num certo negócio; pois, é difícil encontrar quem queira agir sempre injustamente; mas, é preciso que tenhamos a vontade perpétua de observar sempre a justiça.

RESPOSTA À QUARTA. – Perpétuo, não querendo significar a duração perpétua do ato da vontade, não se acrescentou superfluamente constante. De modo que, assim como o dito vontade perpétua significa o nosso propósito perpétuo de observar a justiça, assim também a expressão constante significa o nosso firme perseverar em tal propósito.

RESPOSTA À QUINTA. –- O juiz dá a cada um o que lhe pertence, mandando e dirigindo; porque o juiz é a justiça animada, e o chefe é o guarda da justiça, como diz Aristóteles, o passo que os súbditos dão a cada qual o que lhe pertence, a modo de execução.

RESPOSTA À SEXTA. – Assim como o amor de Deus inclui o do próximo, conforme se disse, assim, o servirmos a Deus implica em darmos a cada um o que lhe devemos.

Artigo 4 - Se devem distinguir-se especialmente o direito paterno e o ao senhor.

O quarto discute-se assim. – Parece que não devem ser especialmente distintos o direito paterno e o do senhor.

1. – Pois, à justiça pertence dar a cada um o que lhe pertence, como diz Ambrósio. Ora, o direito é o objeto da justiça, conforme se disse. Logo, o direito pertence igualmente a todos. E, assim, não devemos distinguir especialmente o direito do pai e o do senhor.

2. Demais. – A razão da justiça é a lei, como se disse. Ora, a lei respeita o bem comum da nação e do estado, conforme foi estabelecido; não respeita, porém, o bem particular de uma pessoa nem, também, de uma família. Logo, não deve haver nenhum direito nem nenhuma justiça especiais, próprias do senhor ou do pai; pois, senhor e pai estão compreendidos na constituição da família, como diz Aristóteles.

3. Demais. – Há muitas outras diferenças de graus entre os homens; assim, uns são soldados, outros sacerdotes, outros chefes. Logo, devia-se estabelecer um direito especial para eles.

Mas, em contrário, o Filósofo distingue, especialmente, um direito político, um do senhor e outro, paterno, e assim por diante.

SOLUÇÃO – O direito ou o justo implica uma proporção entre uma coisa e outra. Ora, a expressão outra coisa pode ser entendida de dois modos. De um modo absoluto, significa uma coisa absolutamente distinta de outra, como, por exemplo, dois homens, dos quais um não depende do outro, mas, ambos do chefe da mesma nação. E, entre tais há, segundo o Filósofo, o justo absoluto. De outro modo, não absoluto, quando uma coisa existe em dependência de outra. E, neste sentido, nas coisas humanas, o filho é algo do pai por ser, de certo modo, parte dele, como diz Aristóteles; e o escravo é algo do senhor, por ser seu instrumento, como diz o mesmo. Por onde, não se compara com o filho como com um ser outro. E, por isso, não há aí justo no sentido absoluto, mas, uma espécie de justo, isto é, o paterno. E, pela mesma razão, nem entre o senhor e o escravo, mas entre eles há o justo próprio do senhor.

A mulher, porém, embora seja algo do homem, por fazer como que parte do corpo próprio dele, conforme o Apóstolo, contudo, distingue-se mais do varão que o filho, do pai, ou o escravo, do senhor. Porque o matrimônio a constitui numa certa vida social com o marido. Por onde, como diz o Filósofo, há, entre o marido e a mulher mais da natureza do justo do que entre o pai e o filho ou o senhor e o escravo. Como, porém o marido e a mulher têm relação imediata com a comunidade doméstica, como está claro no Filósofo, por isso, não há também entre eles o justo político absoluto, mas, o justo económico.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ À justiça pertence dar a cada um o direito que lhe pertence, suposta, porém, a diversidade entre um e outro; pois, ao dar-se a si mesmo o que a si é devido não se chama propriamente justo. E, como o que é do filho é do pai e o que é do escravo é do senhor, não há propriamente justiça entre o pai e o filho nem entre o senhor e o escravo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O filho, como tal, é algo do pai; e semelhantemente, o escravo, como tal, é algo do senhor. Um e outro, porém, considerados como indivíduos humanos, são algo por si mesmo subsistente e diverso dos outros. Por onde, enquanto que um e outro são homens, há, de certo modo, entre eles relações de justiça. E, por isso, certas leis são estabelecidas para regular as relações entre pai e filho, ou, entre o senhor e o escravo. Mas, por ser algo do outro, desaparece a noção perfeita de justo ou de direito.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Todas as outras condições que diversificam as pessoas de uma mesma sociedade têm relações imediatas com a comunidade civil e com o chefe da mesma. E por isso, manifesta-se entre elas o justo, conforme a noção perfeita de justiça. Essa justiça, porém, distingue-se segundo os diversos deveres. Daí as denominações de direito militar, ou de direito dos magistrados ou dos sacerdotes. Não, por deficiência do justo absoluto, no sentido em que se diz justo paterno ou justo próprio do senhor. Mas, porque a cada condição pessoal, relativa a um dever próprio, é devido algo de próprio.

Artigo 3 - Se o direito das gentes é o mesmo que o direito natural.

O terceiro discute-se assim. – Parece que o direito das gentes é o mesmo que o direito natural.

1. – Pois, todos os homens não acordam senão no que lhes é natural. Ora, todos acordam em matéria de direito das gentes, conforme o jurisconsult - o direito das gentes é o que se aplica a todos os povos. Logo, o direito das gentes é o direito natural.

2. Demais. – A escravidão é natural entre os homens; pois, como diz o Filósofo, alguns são naturalmente escravo. Ora, a escravidão é própria do direito das gentes, segundo Isidoro. Logo, o direito das gentes é o direito natural.

3. Demais. – O direito, como se disse, divide-se em natural e positivo. Ora, o direito das gentes não é um direito positivo; pois, nunca todas as gentes se reuniram para, por um pacto comum, fazerem alguma determinação. Logo, o direito das gentes é o direito natural.

Mas, em contrário, Isidoro diz, que o direito ou é natural, ou civil, ou das gentes. E, assim, o direito das gentes é distinto do direito natural.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos direito ou justo natural é o que, por natureza, é adequado e proporcionado à outra coisa. Ora, isto pode dar-se de dois modos. - Primeiro, em virtude de uma consideração absoluta dessa adequação, em si mesma; assim, o macho é, por natureza, proporcionado à fêmea, para que dela gere; e o pai, ao filho, para que o nutra. - De outro modo, uma coisa é naturalmente proporcionada à outra, não por uma consideração absoluta da sua natureza, mas, atendendo-se a uma consequência resultante dessa natureza; por exemplo, o direito de propriedade. Assim, considerado um campo, absolutamente, não descobrimos uma razão para que seja propriedade de um, antes que de outro. Mas, se o considerarmos no atinente à oportunidade de cultivá-lo, e ao seu uso pacífico, então, há uma certa razão proporcional para pertencer a um e não, a outro, como está claro no Filósofo.

Ora, apreender as coesas de um modo absoluto não só pode o homem, mas também os outros animais. Por onde, o direito chamado natural, no primeiro sentido, é-nos comum com os animais, Porém, do direito natural assim concebido afasta-se o direito das gentes, como diz o Jurisconsulto; porque, aquele é comum a todos os animais e este, só aos homens entre si. Pois, comparar uma coisa com a que dela resulta, é próprio da razão, e, por isso, natural ao homem, segundo a razão natural, que tal dita. Donde o dizer, o jurisconsulto Gaio. Aquilo que a razão natural estabeleceu entre todos os homens, e todas as gentes o observam, chama-se direito das gentes.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A razão natural não dita, absolutamente falando, que seja escravo, antes o indivíduo tal, que tal outro. Mas, isso só pode ser por alguma utilidade consequente, pela qual seja útil a um ser governado por outro, mais sábio, e seja útil a este ser ajudado por aquele, como diz Aristóteles. Por onde, a escravidão, pertencente ao direito das gentes, é natural, do segundo modo, mas não, do primeiro.

RESPOSTA À TERCEIRA. – As prescrições do direito das gentes a razão natural as dita, como tendo a equidade de maneira imediata. Por isso, não precisam de uma instituição especial, mas a própria razão natural as instituiu, como diz o Jurisconsulto citado.

Artigo 2 - Se o direito se divide convenientemente em direito natural e direito positivo.

O segundo discute-se assim. – Parece que o direito não se divide convenientemente em direito natural e direito positivo.

1. – Pois, o natural é imutável e o mesmo para todos. Ora, nada de tal se encontra nas coisas humanas, porque todas as regras do direito humano em certos casos falham, nem vigoram em toda parte. Logo, não há nenhum direito natural.

2. Demais. – Chama-se positivo o que procede da vontade humana. Ora, o que é justo não o é por proceder da vontade humana; do contrário a vontade do homem não poderia ser injusta. Logo, sendo o justo o mesmo que o direito parece que não há nenhum direito positivo.

3. Demais. – O direito divino, excedendo a natureza humana, não é o direito natural. Semelhantemente, não é o direito positivo porque não se apoia na autoridade humana, mas, na divina. Logo, o direito é inconvenientemente dividido em natural e positivo.

Mas, em contrário, o Filósofo diz que há uma justiça política natural e outra legal, isto é, estabelecida pela lei.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos o direito ou o justo implica uma obra adequada a outra por algum modo de igualdade. Ora, de dois modos pode uma coisa ser adequada a um homem. - De um modo, pela natureza mesma da coisa; por exemplo, quando alguém dá tanto para receber tanto. E este se chama o direito natural. - De outro modo, uma coisa é adequada ou proporcionada a outra, em virtude de uma convenção ou de comum acordo; por exemplo, quando alguém se julga satisfeito se receber tanto. O que pode se dar de dois modos. De um modo, por uma convenção particular, como quando pessoas privadas firmam entre si um pacto. De outro modo, por convenção pública; por exemplo, quando todo o povo consente que uma coisa seja tida como que adequada e proporcionada a outra; ou quando o príncipe, que governa o povo e o representa, assim o ordena. E a este se chama direito positivo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ O natural a um ente de natureza imutável há de ser necessariamente tal, sempre e em toda parte. Ora, a natureza do homem é mutável. Por onde, o natural ao homem pode, às vezes, falhar. Assim, a igualdade natural exige que ao depositante lhe seja restituído o depósito. O que se deveria observar sempre se a natureza humana sempre fosse reta. Mas, como às vezes se dá que a vontade do homem é má, há certos casos em que um depósito não se deve restituir, afim de que um homem de vontade pervertida não venha a usar mal dele; por exemplo, se um furioso ou um inimigo do estado exigisse as armas que depositou.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A vontade humana, em virtude de um consentimento comum, pode determinar o justo, em coisas que por si mesmas em nada repugnam à justiça natural. E a tal se aplica o direito positivo. Por isso, o Filósofo diz que o justo legal é o que, ao princípio, pode ser indiferentemente de um modo ou outro; mas, uma vez estabelecido, deve permanecer no que é. Mas, o que em si mesmo repugna ao direito natural não pode a vontade humana torná-lo justo. Por exemplo, se estuísse que é lícito furtar ou adulterar. Por isso, diz a Escritura. Ai dos que estabelecem leis iníquas.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Chama-se direito divino o que foi divinamente promulgado. E ele abrange, em parte, o justo natural, mas, cuja justiça escapa aos homens; e, em parte, o justo por instituição divina. Por onde, também ao direito divino pode aplicar-se, como ao direito humano, a divisão referida. Assim, a lei divina ordena certas coisas, por serem boas e proíbe certas por serem más. Mas, outras são boas porque são ordenadas e más porque proibidas.

Artigo 1 - Se o direito é objeto da justiça.

O primeiro discute-se assim. – Parece que o direito não é o objeto da justiça.

1. – Pois, como diz o jurisconsulto Celso, o direito é a arte do bem e do equitativo. Ora, a arte não é objeto da justiça, mas é, em si mesma, uma virtude intelectual. Logo, o direito não é objeto da justiça.

2. Demais. – A lei, como diz Isidoro, é uma espécie de direito. Ora, a lei não é objeto da justiça, mas antes da prudência; e por isso o Filósofo considera como parte da prudência a atividade legislativa. Logo, o direito não é o objeto da justiça.

3. Demais. – A justiça principalmente submete o homem a Deus; pois, no dizer de Agostinho a justiça é o amor que só serve a Deus e, por isso, domina tudo o mais que está sujeito ao homem. Ora, o direito não se refere a Deus, mas, só às relações humanas; pois, como diz Isidoro, o legítimo (fas) é a Zé divina; o direito é a lei humana. Logo, o direito não é objeto da justiça.

Mas, em contrário, diz Isidoro que o direito (ius) é assim chamado porque é justo. Ora, o justo é o objeto da justiça; pois, no dizer do Filósofo, todos acordam em denominar justiça ao hábito que nos leva a praticar atos justos. Logo, o direito é o objeto da justiça.

Solução. – Dentre as outras virtudes, é próprio à justiça ordenar os nossos atos que dizem respeito a outrem. Porquanto, implica uma certa igualdade, como o próprio nome o indica; pois, do que implica igualdade se diz, vulgarmente, que está ajustado. Ora, a igualdade supõe relação com outrem. Ao passo que as demais virtudes aperfeiçoam o homem só no referente a si próprio.

Assim, pois, a retidão nas obras das demais virtudes, para o que tende a operação da virtude, como seu objeto próprio, só é considerado relativamente ao agente. A retidão, porém, que implica a obra da justiça, além da relação com o agente, supõe relação com outrem. Pois, consideramos justa uma ação nossa, quando corresponde, segundo uma certa igualdade, a uma ação de outro; assim, a paga da recompensa devida por um serviço prestado. Por onde, chama-se justo o ato que, por assim dizer, implica a retidão da justiça, e no qual termina a atividade desta, mesmo sem considerarmos de que modo ela é feita pelo agente. Ao passo que, nas outras virtudes, um ato não é considerado reto senão levando-se em conta o modo por que o pratica o agente. E, por isso, a justiça, especialmente e de preferência às outras virtudes, tem o seu objeto em si mesmo determinado, e que é chamado justo. E este certamente é o direito. Por onde, é manifesto que o direito é o objeto da justiça.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – É habitual serem os nomes desviados da sua primitiva significação para significar outras coisas. Assim, o nome de medicina foi empregado, primeiro, para designar o remédio dado a um enfermo, para que sare; depois, passou a significar a arte de curar. Assim também, a palavra ius foi empregada primeiramente para significar a coisa justa mesmo; depois, porém, aplicou-se à arte pela qual conhecemos o justo; ulteriormente, para significar o lugar em que é aplicado o direito, como quando se diz que alguém deve comparecer perante a justiça; e, por fim, chama-se ainda direito o que é aplicado por quem tem o dever de fazer justiça, embora seja iníquo o que decidiu.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como o artista tem na mente o plano do que faz com a sua arte, e que se chama a regra dela; assim também na mente preexiste uma ideia da obra justa que a razão determina, ideia que é como que a regra da prudência. E esta, quando redigida por escrito, chama-se lei; pois, a lei, segundo Isidoro, é uma constituição escrita. Por onde, a lei, propriamente falando, não é o direito mesmo, mas, uma certa razão do direito.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A justiça, implicando a igualdade, não podemos dar a Deus uma paga equivalente; por onde, não podemos, propriamente falando, dar a Deus o que é justo. E, por isso, a lei divina não se chama propriamente direito, (ius) mas, fas, porque basta, para Deus, o cumprirmos com o que podemos. Pois, a justiça visa fazer com que o homem pague o seu débito para com Deus, o quanto pode, sujeitando-se-lhe de toda sua alma.

Artigo 2 - Se na Lei Antiga foram estabelecidos convenientemente preceitos proibitivos dos vícios opostos à prudência.

O segundo discute-se assim. – Parece que na Lei Antiga foram estabelecidos inconvenientemente preceitos proibitivos dos vícios opostos à prudência.

1. – Pois, os vícios diretamente opostos à prudência, como a imprudência e as suas partes, não se lhe opõem menos que os semelhantes a ela, como a astúcia e o que com esta se relaciona. Ora, estes últimos vícios a lei os proíbe, quando diz: Não caluniarás a teu próximo; e, noutro lugar: Não terás no teu saco diversos pesos, maior e menor. Logo, a lei também devia ter estabelecido certos preceitos proibitivos dos vícios diretamente opostos à prudência.

2. Demais. – Em muitos outros negócios, além da compra e venda, pode haver fraude. Logo, a lei proibiu inconvenientemente a fraude só no relativo á compra e venda.

3. Demais. – A razão de se ordenar um ato de virtude é a mesma pela qual se proíbe o ato do vício oposto. Ora, os atos de prudência não são regulados pela lei preceptiva. Logo, a lei também não devia proibir nenhum dos vícios opostos.

Mas, o contrário é claro a quem examinar os referidos preceitos da lei.

SOLUÇÃO. – Como dissemos acima, a justiça implica sobretudo, a ideia de dívida, que constitui o fundo mesmo de um preceito. Porque a justiça manda pagar o devido a quem de direito, como a seguir se dirá. Ora, a astúcia, quanto à execução, é praticada sobretudo em matéria referente à justiça, como se disse. Por onde, era conveniente estabelecesse a lei preceitos proibitivos da execução da astúcia, enquanto esta diz respeito à justiça. Como, por exemplo, quando alguém, com dolo ou fraude, calunia outrem ou lhe furta os bens.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Os vícios diretamente opostos à prudência, por manifesta contrariedade, não implicam a injustiça, como a implica a execução da astúcia. Por isso, a lei não os proíbe como o faz para a fraude e o dolo, por causa injustiça que supõem.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Todo dolo e toda fraude praticados de modo a implicar injustiça, podemos entendê-los como proibidos pela proibição da calúnia. Ora, a fraude e o dolo são praticados sobretudo na compra e venda, conforme aquilo da Escritura· O taverneiro não se isentará dos pecados de seus lábios. Por isso, a lei estabeleceu um preceito especial proibitivo, sobre a fraude cometida nas compras e nas vendas.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Todos os preceitos sobre os atos de justiça estabelecidos na lei pertencem à execução da prudência. Assim como os preceitos proibitivos estabelecidos sobre o furto, a calúnia e a venda fraudulenta respeitam à execução da astúcia.

Artigo 1 - Se dentre os preceitos do decálogo, devia ter sido estabelecido um para a prudência.

O primeiro discute-se assim. – Parece que, dentre os preceitos do decálogo, devia ter sido estabelecido um para a prudência.

1. – Pois, para uma virtude mais principal devem ser dados preceitos mais principais. Ora, os preceitos mais principais da lei são os do decálogo. Logo, sendo a prudência a virtude mais principal, dentre as virtudes morais, parece que, dentre os preceitos do decálogo, devia ser estabelecido um relativo a ela.

2. Demais. – A lei está contida na doutrina evangélica, sobretudo quanto aos preceitos do decálogo. Ora, a doutrina evangélica dá um preceito para a prudência, como se lê na Escritura. Sedes prudentes como as serpentes. Logo, nos preceitos do decálogo deviam também se ordenar os atos da prudência.

3. Demais. – Os outros documentos do Antigo Testamento ordenam-se as preceitos do decálogo; por isso a Escritura diz. Lembrai-vos da lei de Moisés, meu servo, a qual eu lhe dei em Horebe. Ora, outros documentos desse Testamento dão preceitos sobre a prudência; assim, o seguinte. Não te estribes na tua prudência; e, mais adiante: As tuas pálpebras precedam os teus passos. Logo, a lei, sobretudo nos preceitos do decálogo, devia dar algum preceito sobre a prudência.

Mas, o contrário é claro a quem percorrer os preceitos do decálogo.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, quando tratamos do preceito do decálogo, assim como foram eles dados a todo o povo, assim também podem ser compreendidos por todos, por como que pertencerem à razão natural. Ora, os fins da vida humana constituem o ditame principal da razão natural, que desempenham, relativamente aos nossos atos, a mesma função que os princípios evidentes na ordem especulativa, como do sobredito resulta. Ora, a prudência não diz respeito ao fim, mas aos meios conforme dissemos. Por isso, não era conveniente que, dentre os preceitos do decálogo, fosse estabelecido um diretamente pertinente à prudência; à qual, contudo, dizem respeito todos esses preceitos, por ser ela a diretiva de todos os atos virtuosos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora, absolutamente falando, a prudência seja mais principal que todas as virtudes morais, contudo a justiça respeita mais principalmente a ideia de dívida, que constitui o objeto necessário do preceito, como dissemos. Por onde, os preceitos principais da lei, que são os do decálogo, pertencem antes à justiça, que à prudência.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A doutrina evangélica é a doutrina da perfeição; por isso, devia instruir perfeitamente o homem sobre tudo o pertinente à retidão da vida, quer sejam fins quer meios. E por isso, era necessário que a doutrina evangélica estabelecesse também preceitos sobre a prudência.

RESPEITO À TERCEIRA. – Assim como as outras doutrinas do Antigo Testamento se ordenam aos preceitos do decálogo como para o fim, assim também, era conveniente que, nos subsequentes documentos desse Testamento, os homens fossem instruídos sobre o ato da prudência, que é relativo aos meios.

Artigo 8 - Se os referidos vícios nascem da avareza.

O oitavo discute-se assim. – Parece que os referidos vícios não nascem da avareza.

1. – Pois, como já se disse, é sobretudo, a luxúria que causa a falta de retidão racional. Ora; tais vícios se opõem à razão reta, isto é, à prudência. Logo, tais vícios nascem sobretudo, da luxúria; tanto mais quanto o Filósofo diz, que Vênus é dolosa e muitos são os seus laços; e que o de concupiscência incontinente age insidiosamente.

2. Demais. – Os referidos vícios têm certa semelhança com a prudência, como se disse. Ora, a prudência, tendo a sua sede na razão, parece mais se aproximarem dela os vícios mais espirituais, como a soberba e a vanglória. Logo, os referidos vícios parece nascerem antes da soberba que da avareza.

3. Demais. – O homem usa de insídia não só para roubar os bens alheios, mas também para maquinar a morte dos outros; sendo o primeiro modo de agir próprio da avareza, o segundo, da ira. Ora, usar de insídias é próprio da astúcia, do dolo e da fraude. Logo, os referidos vícios nascem, não só da avareza, mas também da ira.

Mas, em contrário, Gregório considera a fraude como filha da avareza.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos a prudência da carne e a astúcia juntamente com o dolo e a fraude têm certa semelhança com a prudência, por implicarem um certo uso da razão. Principalmente, porém entre as outras virtudes morais, usa da razão a justiça, que tem na sua sede no apetite racional. Por onde, o mau uso da razão também se manifesta sobretudo nos vícios opostos à justiça. Ora, o vício que se lhe opõe por excelência é a avareza. Por isso, os referidos vícios nascem dela, principalmente.

DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A luxúria, por causa da veemência do prazer e da concupiscência, que causa, impede totalmente a razão de exercer-se. Ora, os referidos vícios usam, de certo modo, da razão, embora desordenadamente. Por isso, não nascem diretamente da luxúria. E quando o Filósofo diz que Vênus é dolosa, por uma certa semelhança o diz; pois, ela surpreende o homem de improviso, como acontece com o dolo. Contudo, não é a astúcia que lhe caracteriza o agir; mas antes, age pela violência da concupiscência e do prazer. Por isso acrescenta que Vênus faz perder o intelecto mesmo ao mais prudente.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Agir insidiosamente parece implicar uma certa pusilanimidade; pois, o magnânimo busca, em todas as circunstâncias, agir às claras, como diz o Filósofo. Por onde, tendo a soberba, ou afetando certa semelhança com a magnanimidade, daí resulta que os referidos vícios, que empregam fraude e dolo, não nascem diretamente da soberba. Tais processos são antes os da avareza, que busca o interesse, menoscabando a excelência.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A ira implica um movimento súbito; por isso age precipitadamente e sem conselho, como o fazem os referidos vícios, embora desordenadamente. E, quem usa de insídias para matar a outrem, não o faz por ira, mas antes, por ódio; pois, o iracundo procura fazer mal a outrem, às claras, como diz o Filósofo.

Artigo 7 - Se devemos ser solícitos pelo futuro.

O sétimo discute-se assim. – Parece que devemos ser solícitos pelo futuro.

1. – Pois, diz a Escritura: Vai ter, ó preguiçoso, com a formiga, e considera os seus caminhos, e aprende dela a sabedoria; a qual, não tendo condutor, nem mestre, nem príncipe, faz o seu provimento no estio, e ajunta no tempo da ceifa de que se sustentar. Ora, isto é ter solicitude pelo futuro. Logo, é louvável a solicitude pelas coisas futuras.

2. Demais. – A solicitude é própria da prudência. Ora, a prudência se ocupa principalmente com o futuro; pois, parte principal dela é a providência sobre as coisas futuras, como se disse. Logo, é virtuoso termos solicitude pelo futuro.

3. Demais. – Quem reserva uma coisa, para conservá-la, é solícito pelo futuro. Ora, do próprio Cristo diz o Evangelho que tinha uma bolsa para guardar algum dinheiro, que entregava ajudas. E também os Apóstolos conservavam os preços das propriedades que lhes punham aos pés, como se lê na Escritura. Logo, é lícita a solicitude pelo futuro.

Mas, em contrário, o Senhor diz: Não andeis inquieto, pelo dia de amanhã. Ora, amanhã significa aí futuro, como diz Jerônimo.

SOLUÇÃO. – Nenhuma obra pode ser virtuosa se não vem revestida das circunstâncias devidas; entre elas, uma é o tempo devido, conforme aquilo da Escritura: Todas as coisas têm o seu tempo e a sua oportunidade. O que tem lugar, não só relativamente às obras externas, mas também à solicitude interna. Pois, a cada tempo é própria a sua solicitude; ao verão, a de colher; ao do outono, a da vindima. Quem, pois, já no verão começasse a ocupar-se com a vindima, teria solicitude exagerada pelo futuro. E essa, como exagerada que é, o Senhor a proíbe, dizendo: Não andeis inquieto com o dia de amanhã. E acrescenta por isso: O dia de amanhã a si mesmo trará seu cuidado, isto é, terá a sua solicitude própria, que basta para afligir a alma. E tal é o que acrescenta: ao dia basta a sua própria aflição, isto é, a aflição causada pela solicitude.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. A formiga tem solicitude no tempo oportuno; e é isso que nos é proposto à imitação.

RESPOSTA À SEGUNDA. – À prudência é próprio ter a providência devida com o futuro. Ora, seria desordenada a providência ou a solicitude pelo futuro se buscássemos, como fins, os bens temporais, em relação aos quais há passado e futuro. Ou se buscássemos coisas supérfluas, além das necessidades da vida presente; ou se antecipássemos o tempo da solicitude.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Agostinho, quando virmos algum servo de Deus providenciar para que não lhe falte o necessário, não o julguemos como preocupado com o dia de amanhã. Pois, o próprio Senhor, para dar exemplo, dignou-se ter algum dinheiro em reserva. E nos Atos dos Apóstolos está escrito, que eles buscavam de ante mão o necessário à vida, por causa da fome iminente. Logo, o Senhor não censura uma providência tão natural ao coração humano; mas sim, que sirvamos a Deus por causa de tais bens.

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