O primeiro discute-se assim. – Parece que a memória não faz parte da prudência.
1. – Pois, a memória, como o prova o Filósofo, tem sua sede na parte sensitiva da alma. Ora, a prudência a tem na racional, como se vê em Aristóteles. Logo, a memória não faz parte da prudência.
2. Demais. – A prudência se adquire e aperfeiçoa pelo exercício. Ora, a memória existe em nós, de nascença. Logo, não faz parte da prudência.
3. Demais. – A memória tem por objeto o passado, ao passo que a prudência versa sobre as nossas ações futuras, objeto do conselho, como diz Aristóteles: Logo, a memória não faz parte da prudência.
Mas, em contrário, Túlio considera a memória como parte da prudência.
SOLUÇÃO. – A prudência versa sobre os atos que são contingentes, como dissemos. Ora, em relação a eles, o homem não pode dirigir-se pelo que é absoluta e necessariamente verdadeiro, mas, pelo que se dá na maior parte dos casos. Ora, os princípios devem ser proporcionados às conclusões e, de tais princípios, devemos tirar tais conclusões que lhes sejam proporcionadas, como diz Aristóteles. Ao passo que, necessariamente, pela experiência é que conhecemos o que é verdadeiro, de ordinário. Por isso o Filósofo diz que a virtude intelectual é gerada e desenvolvida pela experiência e pelo tempo. Ora, a experiência resulta da memória de casos repetidos. como está claro em Aristóteles. Por onde e consequentemente a prudência exige a memória de casos multiplicados. Por isso e convenientemente a memória é considerada parte da prudência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como já dissemos, a prudência aplica a ciência universal aos casos particulares, objeto dos sentidos. Por isso, muito do que pertence à parte sensitiva, por exemplo, a memória, a prudência o exige.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como a prudência tem uma certa aptidão natural, mas recebe o seu complemento do exercício ou da graça; assim também, como diz Túlio, a memória não é aperfeiçoada pela natureza, mas também compreende muito da arte e da indústria. E há quatro condições para o homem aperfeiçoar a sua boa memória. A primeira é que aquilo de que quer lembrar-se assuma certas semelhanças convenientes, sem serem contudo, de todo em todo habituais. Pois. nós reparamos sobretudo no que é insólito, no que, por isso, o nosso espírito se detém mais veementemente, donde vem o nos lembrarmos melhor das coisas vistas na infância. Ora, temos necessidade de procurar tais semelhanças ou imagens, porque as ideias simples e espirituais se nos varrem mais facilmente do espírito, se não estiverem como ligadas a certas imagens corpóreas; porque o conhecimento humano é mais forte relativamente às coisas sensíveis sendo por isso, a potência memorativa considerada parte da sensitiva. - Em segundo lugar, é preciso consideremos ordenadamente aquilo que queremos conservar na memória, de modo a passar com facilidade de uma para outra lembrança. Por isso o Filósofo diz: Os tópicos às vezes nos ajudam a lembrança; e a causa está em passarmos facilmente de um para outro. - Terceiro, é preciso pôr cuidado em colocar o afeto nas coisas de que quer se lembrar; porque, quanto mais profundamente uma coisa se nos gravar na alma, tanto menos dela se apagará. Donde o dizer Túlio, que a solicitude conserva integras as figuras das causas. - Quarto, havemos de meditar frequentemente naquilo de que queremos ter memória. Por isso, o Filósofo diz, que as meditações conservam a memória; porque, como ensina no mesmo lugar, o hábito é uma quase natureza. Por isso, o de que muitas vezes inteligimos, facilmente nos lembramos, passando quase por uma certa ordem natural, de um para outro desses objetos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Do passado devemos como que tirar argumento para o futuro. Por isso a memória do passado é necessária para aconselhar com acerto sobre o futuro.