Category: Santo Tomás de Aquino
O quinto discute-se assim. – Parece que a inconstância não é um vício compreendido na imprudência.
1. – Parece que a inconstância consiste em o homem não persistir numa dificuldade. Ora, o que nos faz persistir, em tal situação, é a fortaleza. Logo, a inconstância opõe-se, antes, à fortaleza, que à prudência.
2. Demais. – A Escritura diz. Onde há zelo e contenda, ali há inconstância e toda obra má. Ora, o zelo é próprio da inveja. Logo, a inconstância não é própria da imprudência, mas antes, da inveja.
3. Demais. – Parece que é inconstante quem não persevera no que se propusera. O que, se se trata do prazer, é próprio do incontinente; se da tristeza, do brando ou delicado, como diz Aristóteles. Logo, a inconstância não é própria da imprudência.
Mas, em contrário, é próprio da prudência preferir um bem maior a um menor. Logo, abandonar o maior é próprio da imprudência. Ora, isso é inconstância e, portanto esta é própria da imprudência.
SOLUÇÃO. – A inconstância implica um certo recuo de um bem determinado que nos propusemos. E, o princípio desse recuo está na potência apetitiva; pois, ninguém recua de um bem anteriormente proposto, senão por causa de alguma coisa que desordenadamente lhe agrada. Ora, esse recuo só se consuma por falta da razão, falta consistente em ela repudiar o que antes retamente aceitara. Pois, se não sé mantém firme no bem concebido é porque, por fraqueza, não resistiu ao impulso das paixões, podendo fazê-lo. Por onde, a inconstância, quanto à sua consumação, se funda numa falha da razão. Ora, como toda retidão da razão prática depende, de certo modo, da prudência, assim toda falha da mesma depende da imprudência. Por onde, a inconstância, quanto à sua consumação, pertence à imprudência. E assim como a precipitação se funda numa falha do ato do conselho e a inconsideração, numa falha do ato do juízo, assim a inconstância, numa outra, do ato de ordenar. Pois se chama inconstante aquele cuja razão falha no ordenar o que foi aconselhado e julgado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O bem da prudência é participado por todas as virtudes morais. E assim sendo, persistir no bem pertence a todas as virtudes morais; principalmente, porém à fortaleza, que resiste em particular aos choques contrários.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A inveja e a ira, que é o princípio da contenção, produzem a inconstância, na potência apetitiva, da qual a inconstância procede, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A continência e a perseverança parece não existirem na potência apetitiva, mas só na razão. Pois, o continente sofre o embate das concupiscências más; e o perseverante, o das pesadas tristezas; mas a razão deles persiste firme: a do continente, contra as concupiscências; a do perseverante, contra as tristezas. Por onde a continência e a perseverança parece espécies da constância, própria da razão, à qual também diz respeito a inconstância.
O quarto discute-se assim. – Parece que a inconsideração não é um pecado especial compreendido na imprudência.
1. – Pois, a lei divina não nos induz a nenhum pecado, conforme à Escritura. A lei do Senhor imaculada. Mas induz a não considerar: Não cuideis como ou o que haveis de falar. Logo, a inconsideração não é pecado.
2. Demais. – Quem delibera há de considerar muitas coisas. Ora, a precipitação vem da falta de conselho e, por consequência, da falta de consideração. Logo, a precipitação está compreendida na inconsideração e, portanto, esta não é um pecado especial.
3. Demais. – A prudência consiste em atos da razão prática, que são: deliberar, julgar do que foi deliberado e mandar. Ora, considerar precede todos esses atos porque pertence também ao intelecto especulativo. Logo, a inconsideração não é um pecado especial compreendido na imprudência.
Mas, em contrário, a Escritura. Os teus olhos olhem direitos e as tuas pálpebras precedam os teus passos, o que pertence à prudência. Logo, a inconsideração é um pecado especial, compreendido na prudência.
SOLUÇÃO. – A inconsideração implica um ato do intelecto que contempla a verdade do objeto. Pois, assim como a indagação é própria da razão, assim, o juízo, do intelecto. Por isso, na ordem especulativa, a ciência demonstrativa se chama judicativa, por julgar da verdade do que indaga, resolvendo-o nos primeiros princípios inteligíveis. Por onde, a inconsideração pertence sobretudo, ao juízo. Donde, a falta de retidão, neste, conduz ao vício da inconsideração, consistente em desprezarmos, ou descuidarmos de atender, ao julgar retamente, aquilo de que o reto juízo procede. Por onde, é manifesto que a inconsideração é um pecado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Senhor não proíbe considerarmos o que devemos fazer ou dizer, quando tivermos oportunidade. Mas, pelas palavras aduzidas, dá confiança aos discípulos, para que, perdendo a oportunidade, por imperícia ou por terem sido apanhados desprevenidos, confiem- no só conselho divino; pois, como não sabemos o que devemos fazer, por isso não nos fica outro recurso mais que voltar para ti os nossos olhos, como diz a Escritura: Do contrário, quem deixasse de fazer o que pode, só esperando o auxílio divino, tentaria a Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Toda a consideração do que é levado em conta na deliberação, ordenase a julgarmos retamente; por isso, a consideração se aperfeiçoa no juízo. Por onde, também a inconsideração se opõe sobretudo à retidão do juízo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A inconsideração é tomada, no caso presente, numa matéria determinada, isto é, na ordem dos atos humanos; relativamente aos quais mais elementos devemos atender para julgarmos retamente, do que na ordem especulativa, porque as ações têm por objeto o particular.
O terceiro discute-se assim. – Parece que a precipitação não é pecado compreendido na imprudência.
1. – Pois, a imprudência se opõe à virtude da prudência. Ora, a precipitação se opõe ao dom do conselho, porquanto, como, diz Gregório dom do conselho é dado contra a precipitação. Logo, esta não é pecado compreendido na imprudência.
2. Demais. – Parece que a precipitação pertence à temeridade. Ora, esta implica a presunção, que pertence à soberba. Logo, a precipitação não é um vício compreendido na imprudência.
3. Demais. – Parece que a precipitação implica uma certa e desordenada pressa. Ora, em nossa deliberação pode haver pecado, não somente por sermos apressados, mas também por sermos demasiado lentos, de modo a perdermos a oportunidade de agir; e ainda, pelas outras circunstâncias desordenadas, como diz Aristóteles. Logo, não devemos considerar a precipitação como um pecado compreendido na imprudência, mais que a lentidão ou a qualquer outra falta como essas que implicam um conselho desordenado.
Mas, em contrário, a Escritura: O caminho dos ímpios é tenebroso: eles não sabem aonde vão cair. Ora, os caminhos tenebrosos dos ímpios são efeito da imprudência. Logo, atirar-se ou precipitar-se é próprio da imprudência.
SOLUÇÃO. – A palavra precipitação, relativamente aos atos da alma, é empregada metaforicamente, por semelhança com o movimento corpóreo. Pois, dizemos que é precipitado, conforme o movimento corporal, um corpo que cai de uma posição superior para a ínfima, impelido por um certo ímpeto do próprio movimento ou de outro corpo propulsor, sem descer passando ordenadamente por graus. Ora, o que há de sumo na alma é a razão mesma. E o que há de Ínfimo nela é a operação exercitada pelo corpo. E os graus médios pelos quais importa que desça ordenadamente são a memória das coisas passadas, a inteligência das presentes, a solércia no considerar os acontecimentos futuros, o raciocínio, que compara uma coisa com outra, a docilidade, pela qual aquiescemos às opiniões dos superiores; por cujos graus descemos ordenadamente, deliberando com acerto. Haverá, pois, precipitação quando somos levados a agir pelo ímpeto da vontade ou da paixão, saltando os referidos graus. Ora, a desordenação do conselho, implicando a imprudência, é manifesto que o vício da precipitação está compreendido na imprudência.
DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A retidão do conselho pertence ao dom do conselho e à virtude da prudência, embora diversamente, como dissemos. Por onde, a precipitação contraria a uma e ao outro.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Considera-se feito temerariamente o que não é regulado pela razão. O que pode dar-se de dois modos. De um modo, por ímpeto da vontade ou da paixão. De outro, por desprezo da regra dirigente; e isto é o que propriamente implica a temeridade. Por isso, esse desprezo é considerado como tendo a sua raiz na soberba, que evita submeter-se a uma regra alheia. Ora, a precipitação tem lugar dos dois referidos modos. Por onde, a temeridade está compreendida na precipitação, embora esta diga respeito, sobretudo ao primeiro modo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Na indagação do conselho devemos levar em conta muitas circunstâncias particulares; por onde, diz o Filósofo: É necessário deliberar com lentidão. Por isso, a precipitação opõe-se, mais diretamente à retidão do conselho, do que à lentidão supérflua, que tem certa semelhança com o conselho reto.
O segundo discute-se assim. – Parece que a imprudência não é um pecado especial.
1. – Pois, todo aquele que peca age contra a razão reta, que é a prudência. Ora, a imprudência consiste em agirmos contra a prudência, como se disse. Logo, a imprudência não é um pecado especial.
2. Demais. – A prudência tem mais que a ciência, afinidade com os atos morais. Ora, a ignorância, oposta à ciência, é contada entre as causas gerais do pecado. Logo, com maior razão a imprudência.
3. Demais. – Os pecados provêm de se perverterem as circunstâncias das virtudes; donde o dizer Dionísio que o mal nasce de deficiências particulares. Ora, a prudência requer muitos elementos, como a razão, o intelecto, a docilidade, e outros supra referido. Logo, muitas são as espécies de imprudência, e portanto, não pode ela ser um pecado especial.
Mas, em contrário. – A imprudência é contrária à prudência, como se disse. Ora, a prudência é uma virtude especial. Logo, também a imprudência é um vício especial.
SOLUÇÃO. – Um vício ou pecado pode ser considerado à dupla luz: absolutamente, como o que é geral, em relação a todos os pecados; e como geral, em relação a certos vícios, que lhe constituem as espécies.
Ora, no primeiro sentido, um vício pode ser considerado geral, de dois modos, - Primeiro, essencialmente, por predicar-se de todos os pecados. E deste modo, a imprudência não é um pecado geral, como também não é a prudência uma virtude geral, por versar sobre atos especiais, a saber, os atos mesmo da razão. - De outro modo, por participação. E deste modo a imprudência é um pecado geral. Pois, assim como a prudência é, na qualidade de diretiva das virtudes, participada, de certa maneira, por todas elas, assim, a imprudência por todos os vícios e pecados. Porquanto nenhum pecado pode existir senão pela deficiência de algum ato da razão dirigente; o que resulta da imprudência. Se porém, considerarmos o pecado em geral, não absolutamente, mas num determinado gênero, enquanto contendo em si muitas espécies, então a imprudência é um pecado geral. Pois em si contêm diversas espécies, de três modos. - Primeiro, por oposição às diversas partes subjetivas da prudência. Pois, assim como a prudência se divide em monástica, que governa o particular, e nas outras espécies, que governam a multidão, como já estabelecemos assim também a imprudência. - De outro modo, relativamente às como partes potenciais da prudência, que são virtudes anexas; e se fundam nos diversos atos da razão. E deste modo, a falta de conselho, sobre o que versa a eubulia, gera a precipitação ou temeridade, espécies de imprudência. Em seguida, a falta de juízo, sobre o que versa a sínese e a gnome, gera a inconsideração; enfim, a ordem mesma, que constitui o ato próprio da prudência, gera a inconsistência e negligência. - De terceiro modo, as diversas espécies de imprudência podem ser consideradas por oposição aos elementos que a prudência requer, que lhe constituem como as partes integrantes. Mas, todos estes ordenando-se a dirigir os três referidos atos da razão, daí resulta que todas as deficiências opostas se reduzem às quatro partes referidas. Assim, a falta de cautela e circunspecção se inclui na inconsideração. E por precipitação é que claudicamos na docilidade, na memória ou na razão. E por fim, a improvidência e a falta de inteligência e de solércia procedem da negligência e da inconstância.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção procede, quanto à generalidade fundada na participação.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Sendo a ciência mais afastada da ordem moral, que a prudência, conforme a natureza própria de uma e de outra, daí resulta que a ignorância não tem, em si mesma, natureza de pecado mortal, mas só em razão da negligência precedente ou do efeito subsequente. E por isso está posta entre as causas gerais de pecado. Mas a imprudência implica, por natureza, um vício moral. E por isso pode, com mais razão, ser chamada pecado especial.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando a perversão das diversas circunstâncias tem o mesmo motivo, não diversifica a espécie do pecado. Assim, é a mesma espécie de pecado tomarmos o que não é nosso, onde e quando não devemos. Mas se houvesse motivos diversos, então haveria pecados de naturezas diversas. Assim, quem tomasse o que não devia, de modo a ultrajar um lugar santo, cometeria o pecado da espécie do sacrilégio. E quem tomasse o que não devia, só pelo apetite de ter o supérfluo, cometeria um pecado de simples avareza. Por onde, as deficiências nos elementos que a prudência requer não diversificam as espécies de pecado, senão enquanto se ordenam a atos diversos da razão, como se disse.
O primeiro discute-se assim. – Parece que a imprudência não é pecado.
1. – Pois, todo pecado é voluntário, como diz Agostinho. Ora, nada há de voluntário na imprudência, porque ninguém quer ser imprudente. Logo, a imprudência não é pecado.
2. Demais. – Nenhum pecado, a não ser o original, nasce com o homem. Ora, com ele nasce a imprudência; e por isso os jovens são imprudentes. Mas não é o pecado original, oposto á justiça original. Logo, a imprudência não é pecado.
3. Demais. – Todo pecado se elimina pela penitência. Ora, a imprudência não fica eliminada pela penitência. Logo, não é pecado.
Mas, em contrário. – O tesouro espiritual, da graça não o perdemos senão pelo pecado. Ora, nós o perdemos pela imprudência, conforme aquilo da Escritura. Na casa do justo há um tesouro apetecível e há azeite; mas, o homem imprudente dissipará tudo. Logo, a imprudência é pecado.
SOLUÇÃO. – A imprudência pode ser considerada à dupla luz: o modo de privação e de contrariedade. Negativamente, não é empregada em sentido próprio; pois, o sentido negativo implica só a falta da prudência, cuja falta pode ser sem pecado. - Ora, dizemos que há imprudência em sentido privativo, quando não se tem a prudência que naturalmente se devia ter. E neste sentido ela é pecado, em razão da negligência, causa de não ter se esforçado por adquirir a prudência. - A modo de contrariedade, imprudência significa agir de modo contrário aquele pelo qual age a prudência. Por exemplo, se a razão reta da prudência age aconselhando, e o imprudente despreza o conselho; e assim, no mais que devemos observar, num ato ele prudência. E deste modo a imprudência é pecado, relativamente à natureza própria da prudência. Pois, não é possível agirmos contra a prudência, senão afastando-nos das regras que a tornam reta, por essência. Por onde, se tal se der por desprezarmos os preceitos divinos, cometeremos pecado mortal. Assim, quem, como desprezando e repudiando os ensinamentos divinos, agisse com precipitação. Se porém agisse contrariamente a eles, sem desprezo e sem detrimento do necessário á salvação, cometeria pecado venial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A deformidade da imprudência ninguém quer; mas o temerário, que quer agir com precipitação, quer o ato da imprudência. Donde o dizer o Filósofo, que quem peca voluntariamente contra a prudência é menos escusável.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção se funda na imprudência considerada negativamente. Devemos porém saber, que a falta de prudência e de qualquer virtude está incluída na falta da justiça original, que aperfeiçoava a alma totalmente. E assim sendo, todas essas faltas de virtude podem reduzir-se ao pecado original.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Pela penitência readquirimos a prudência infusa; e assim cessa a falta dessa prudência. Não readquirimos porém o hábito da prudência adquirida; mas fica eliminado o ato contrário, e nisso propriamente consiste o pecado da imprudência.
O quarto discute-se assim. – Parece que a quinta bem aventurança, que é sobre a misericórdia, não corresponde ao dom do conselho.
1. – Pois, todas as bem aventuranças são atos de virtude, como se estabeleceu. Ora, pelo conselho é que nos dirigimos na prática desses atos. Logo, o conselho não corresponde, antes, à quinta bem aventurança, que a qualquer outra.
2. Demais. – Os preceitos se estabelecem para o que é de necessidade para a salvação; e o conselho, para o que não o é. Ora, a misericórdia é de necessidade para a salvação, conforme aquilo da Escritura: Juízo sem misericórdia aquele que não usou de misericórdia; ao passo que a pobreza, não o é mais pertence à perfeição da vida, como está claro no Evangelho. Logo, ao dom do conselho corresponde, antes, a bem aventurança relativa à pobreza, que a relativa à misericórdia.
3. Demais. – Os frutos resultam das bem aventuranças, pois, implicam uma certa deleitação espiritual, proveniente dos atos perfeitos de virtude. Ora, entre os frutos, não há nenhum correspondente ao dom do conselho, como está claro no Apóstolo. Logo, também a bem aventurança relativa a misericórdia não corresponde ao dom do conselho.
Mas, em contrário, Agostinho diz: O conselho é próprio dos misericordiosos; porque o único meio de escaparmos a tão grandes males é perdoar e dar aos outros.
SOLUÇÃO. – O conselho se aplica propriamente ao que é útil para um fim. Por onde, o que é por excelência útil ao fim deve sobretudo corresponder ao dom do conselho, conforme aquilo da Escritura. A piedade para tudo é útil. Por onde e especialmente, ao dom do conselho corresponde a bem aventurança da misericórdia; não pela produzir elicitamente, mas pela dirigir.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora o conselho dirija todos os atos de virtude, especialmente contudo, dirige as obras de misericórdia, pela razão já exposta.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O conselho, enquanto dom do Espírito Santo, dirige-nos em todos os atos ordenados ao fim da vida eterna, quer sejam necessários à salvação, quer não. E contudo nem toda obra de misericórdia é necessária para a salvação.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O fruto implica algo de final. Ora, o fim da ordem prática, não é o conhecimento, mas a ação. Por isso, não há nenhum fruto próprio do conhecimento prático; mas o fruto se prende à operação mesma, dirigida pelo conhecimento prático. E entre as coisas relativas à operação está a bondade e a benignidade, que corresponde à misericórdia.
O terceiro discute-se assim. – Parece que o dom do conselho não permanece na pátria.
1. – Pois, o conselho se aplica aos meios que devemos empregar em vista de um fim. Ora, na pátria nada devemos fazer em vista de um fim, pois, então, estamos de posse do nosso fim último. Logo, na pátria não há o dom do conselho.
2. Demais. – O conselho implica a dúvida, pois é ridículo buscarmos conselho sobre o que é manifesto, como está claro no Filósofo. Ora, na pátria desaparece toda dúvida. Logo, na pátria não haverá conselho.
3. Demais. – Na pátria, os santos se assemelharão a Deus o mais possível, conforme aquilo da Escritura: Quando ele aparecer seremos semelhantes a ele. Ora, a Deus não cabe o conselho, segundo o Apóstolo. Quem foi o seu conselheiro? Logo, também aos santos, na pátria, não cabe o dom do conselho.
Mas, em contrário, Gregório. Quando a culpa ou a fidelidade de cada nação for levada ao conselho da corte suprema, veremos se o seu anjo da guarda foi ou não vitorioso na luta.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, pelos dons do Espírito Santo é a criatura racional movida por Deus. Ora, sobre a moção da mente humana por Deus, duas coisas podemos considerar: Primeiro, que uma é a disposição de um móvel enquanto movido, e outra, quando no termo do movimento. Assim, quando o motor é só o princípio do movimento, cessando este, cessa a ação do motor sobre o móvel, que já chegou ao termo. Do mesmo modo, uma casa, quando já edificada, não continua a sê-lo pelo construtor. Mas quando o motor não só é a causa do movimento, mas também a da forma mesma para a qual este tende, então não cessa a ação do motor, mesmo depois de ter o móvel alcançado a sua forma. Assim, o sol ilumina o ar, mesmo depois deste esta iluminado. Ora, deste modo, Deus causa em nós a virtude e o conhecimento; não somente quando o temos pela primeira vez, mas enquanto nele reservaremos. E assim, Deus causa nos bem aventurados o conhecimento do que devem fazer; não como se fossem ignorantes, mas quase continuando neles o conhecimento disso.
Certas coisas há contudo, que nem os bem aventurados, nem os anjos nem os homens conhecem, por não serem da essência da felicidade, mas, pertencerem ao governo das coisas, exercido pela divina Providência. E quanto a elas, devemos ainda considerar que de um modo é movida a mente dos bem aventurados e, de outro, a dos que estão na via. Pois, a destes move-a Deus, quanto ao que devem fazer, acalmando-lhes a ansiedade da dúvida, que lhes precede as decisões. Ao passo que, na mente dos bem aventurados, há simples nesciência daquilo que não conhecem, da qual também on anjos são purificados, conforme Dionísio. Por onde, não há neles uma indagação precedente, acompanhada de dúvida, mas a simples conversão para Deus. E isto é consultar a Deus, como diz Agostinho: os anjos consultam a Deus sobre as coisas interiores. Por isso, à instrução que, sobre elas recebem de Deus se chama conselho.
E deste modo, os bem aventurados tem o dom do conselho, enquanto Deus continua neles o conhecimento daquilo que sabem; e enquanto são iluminados sobre o que devem fazer e que ignoram.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Mesmo nos bem aventurados há certos atos ordenados ao fim. Ou como que procedentes da consecução do fim, como o louvarem a Deus; ou pelos quais conduzem outros ao fim, que já conseguiram como, os ministérios dos anjos e as orações dos santos. E neste ponto há neles lugar para o dom do conselho.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A dúvida é própria do conselho, no estado da vida presente; não o é, porém, do conselho existente na pátria. Assim como também às virtudes cardeais não são absolutamente próprios os mesmos atos, na pátria e na via.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O conselho não existe em Deus como no recipiente, mas como em quem dá. Ora, deste modo os santos se assemelham a Deus, na pátria, como quem recebe se conforma com quem dá.
O segundo discute-se assim. – Parece que o dom do conselho não corresponde convenientemente à virtude da prudência.
1. – Pois, o inferior atinge, pela sua parte suprema, o superior, como está claro em Dionísio; assim, o intelecto tem-no o homem de comum com o anjo. Ora, a virtude cardeal é inferior ao dom, como se estabeleceu sendo pois o conselho o ato primeiro e ínfimo da prudência; mandar, o seu ato supremo e julgar, o médio, parece que o dom correspondente à prudência não é o conselho, mas antes, o juízo ou o preceito.
2. Demais. – Cada dom presta auxilio suficiente a cada uma das virtudes; porque, quanto mais superior for uma coisa tanto mais se manifesta una, como o prova o livro De causis. Ora, à prudência presta auxílio o dom da ciência, que não só é especulativa, mas também prática como já se estabeleceu. Logo, o dom do conselho não corresponde à virtude da prudência.
3. Demais. – À prudência pertence propriamente dirigir, como já ficou provado. Ora, ao dom do conselho pertence fazer com que o homem seja dirigido por Deus, conforme se disse. Logo, o dom do conselho não pertence à virtude da prudência.
Mas, em contrário, o dom do conselho tem por objeto os meios a serem postos em prática, em vista do fim. Ora, também eles são objeto da prudência. Logo, a prudência e o dom do conselho são entre si correlatos.
SOLUÇÃO. – O princípio motivo inferior é auxiliado e aperfeiçoado sobretudo por ser movido pelo princípio motivo superior; assim o corpo, por ser movido pelo espírito. Ora, é manifesto que a retidão da razão humana está para a razão divina, como o princípio motivo inferior, para o superior; pois, a razão eterna é a regra suprema de toda retidão humana. Por onde, a prudência, que implica a retidão racional, aperfeiçoa-se sobretudo e é auxiliada por ser regulada e movida pelo Espírito Santo. O que pertence ao dom do conselho, como se disse. Por isso, o dom do conselho corresponde à prudência, como a que ajuda e aperfeiçoa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÃO. – Julgar e mandar não são próprios do movido, mas do motor. E como, no concernente aos dons do Espírito Santo, a mente humana não se comporta como motora mas antes, como movida, conforme já dissemos, resulta não ser apropriada a denominação de preceito ou de juízo ao dom correspondente à prudência; mas, a de conselho, que pode significar a moção da mente aconselhada, por alguém, que aconselhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O dom da ciência não corresponde diretamente à prudência, porque também a ciência pode ser especulativa; mas a ajuda, como que extensivamente. Ao passo que o dom do conselho corresponde diretamente ao da prudência, por ter o mesmo objeto que ela.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O motor movido, por ser movido, move. Por onde, a inteligência humana, por isso mesmo que é dirigida pelo Espírito Santo, torna-se capaz de dirigir a si mesma e aos outros.
O primeiro discute-se assim. – Parece que o conselho não deve ser contado entre os dons do Espírito Santo.
1. – Pois, os dons do Espírito Santo são conferidos como auxílios para a virtude, como está claro em Gregório. Ora, no concernente ao conselho, o homem encontra a sua perfeição suficiente pela virtude da prudência ou também da eubulia, como resulta do que já foi dito. Logo, o conselho não deve ser contado entre os dons do Espírito Santo.
2. Demais. – Parece que a diferença entre os sete dons do Espírito Santo e a graça gratuita está em não ser esta dada a todos, mas distribuída a diversos; ao passo que os dons do Espírito Santo são dados a todos os que o tem. Ora, o conselho parece ser daquelas coisas especialmente dadas a certos pelo Espírito Santo, conforme aquilo da Escritura. Aqui vedes a Simão, vosso irmão; ele é homem de conselho. Logo, o conselho deve ser contado antes entre as graças gratuitas, do que entre os sete dons do Espírito Santo.
3. Demais. – A Escritura diz. Todos os que são levados pelo Espírito de Deus, estes tais são filhos de Deus. Ora, os que são levados por outrem não precisam de conselho. E como os dons do Espírito Santo cabem sobretudo aos filhos de Deus, que receberam o Espírito de. adopção de filhos, parece que o conselho deve ser contado entre os dons do Espírito Santo.
Mas, em contrário, a Escritura. Descansará sobre ele o Espírito de conselho e de fortaleza.
SOLUÇÃO. – Os dons do Espírito Santo como já dissemos são certas disposições, pelas quais a alma se torna apta a ser facilmente levada por ele. Ora, Deus move cada ser ao modo de cada um; assim, move a criatura corpórea, no tempo e no espaço; a espiritual, no tempo, mas não no espaço, como diz Agostinho. Mas, é próprio a criatura racional mover-se a um ato por meio da indagação da razão; e a essa indagação se chama conselho. Por onde, o Espírito Santo move, por meio do conselho, a criatura racional. E, por isso o conselho é contado entre os dons do Espírito Santo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A prudência ou cubulia, quer adquirida, quer infusa, dirigem o homem, na sua deliberação racional, nos limites daquilo que a razão pode compreender; por isso o homem, pela prudência ou pela eubulia, torna-se capaz de bom conselho, para si ou para outrem. Mas, como não é capaz a razão humana de compreender o particular e as contingências que podem ocorrer, resulta que os pensamentos dos mortais são tímidos e incertas as nossas providências, como diz a Escritura. Por isso o homem precisa, nas suas deliberações, de ser dirigido por Deus, que tudo compreende. O que se faz pelo dom do conselho, pelo qual o homem se dirige, sendo a sua deliberação como inspirada por Deus. Assim como também, nas coisas humanas, os que não são capazes de deliberar por si mesmos, buscam o conselho dos mais sábios.
RESPOSTA À SEGUNDA. -– A graça gratuita pode tornar alguém de tão bom conselho de modo a dar conselho aos outros. Mas é comum a todos os santos o serem aconselhados por Deus sobre o que lhes é necessário fazer para se salvarem.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os filhos de Deus são levados pelo Espírito Santo, de conformidade com a natureza deles, salvo o livre arbítrio, que é faculdade da vontade e da razão. E assim, enquanto a razão é instruída pelo Espírito Santo sobre o que deve ser feito, é próprio dos filhos de Deus o dom do conselho.
O quarto discute-se assim. – Parece que a gnome não é uma virtude especial distinta da sínese.
1. – Pois pela sínese dizemos que alguém julga com acerto. Ora, ninguém pode ser considerado capaz de julgar com acerto se não for capaz de o fazer, em todas as ocasiões. Logo, a sínese nos faz julgar bem tudo. Portanto, nenhuma outra virtude há, para nos fazer julgar bem, chamada gnome.
2. Demais. – O juízo é um meio termo entre o conselho e o preceito. Ora, só há uma virtude que nos leva a deliberar com acerto, e é a eubulia; e uma só que nos faz mandar acertadamente, e é a prudência. Logo, há também só uma que nos faz julgar bem, e é a sínese.
3. Demais. – O que se dá raramente e escapa às leis comuns, parece casual; e disso não se pode dar razão, como diz Aristóteles. Ora, todas as virtudes intelectuais pertencem à razão reta. Logo, não há nenhuma virtude intelectual própria do que se dá acidentalmente.
Mas, em contrário, o Filósofo prova que a gnome é uma virtude especial.
SOLUÇÃO. – Os hábitos cognoscitivos distinguem-se pelos princípios mais altos. ou mais inferiores; assim, a sabedoria, na ordem especulativa, considera princípios mais altos que a ciência e por aí desta se distingue. E o mesmo se deve dar na ordem ativa. Ora, como é manifesto, o que escapa à ordem do princípio ou da causa inferior, reduzse, às vezes, à ordem do princípio mais alto. Assim, os partos monstruosos dos animais escapam à ordem da virtude ativa do sémen; contudo, entram na ordem de um princípio mais alto, a saber, o corpo celeste ou, ulteriormente, a Providência divina. Por onde, quem levasse em conta a virtude ativa do sémen não poderia fazer um juízo certo desses monstros; dos quais contudo pode julgar, levando em consideração a divina Providência. Ora, acontece às vezes que devemos praticar um ato fora das regras comuns das ações; por exemplo, quando não devemos restituir um depósito ao que ataca a pátria própria, ou pratica ato semelhante. Por onde, devemos julgar de tais casos de acordo com certos princípios mais altos do que as regras comuns; segundo as quais julga a sínese. E esses princípios mais altos exigem uma virtude judicativa mais alta, chamada gnome, que implica uma certa perspicácia de juízo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A sínese julga verdadeiramente de tudo o que se faz, de acordo com as regras comuns. Ora, devemos julgar ainda de certas outras coisas, fora dessas regras, como já ficou dito.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O juízo deve fundarse nos princípios próprios daquilo que devemos julgar; ao passo que a indagação se opera também de acordo com os princípios comuns. Por onde também na ordem especulativa, a dialética, que é inquisitiva, parte dos princípios comuns; ao passo que a ciência demonstrativa, que julga, procede de princípios próprios. Por isso, a eubulia, a que pertence a indagação do conselho, é uma só, para tudo; não porém a sínese, que é judicativa. - O preceito, porém, visa, em todas as coisas, a noção una do bem; por isso a prudência é uma só.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Tudo o que pode acontecer fora do curso comum das coisas só pertence considerá-lo à Providência divina. Mas entre os homens, o que for mais perspicaz poderá, com a razão, julgar maior número desses casos. E para isso é que serve a gnome, que implica uma certa perspicácia do juízo.