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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Artigo 6 - Se é lícito ter solicitude pelas coisas temporais.

O sexto discute-se assim. – Parece lícito ter solicitude pelas coisas temporais.

1. – Pois, o presidente deve ser solícito por aquilo a que preside, conforme ao Apóstolo: O que preside em vigilância. Ora, o homem preside, por ordenação divina, às coisas temporais, conforme aquilo da Escritura: Todas as coisas sujeitaste debaixo de seus pés, as ovelhas e as vacas, etc. Logo, o homem deve ter solicitude pelas coisas temporais.

2. Demais. – Cada qual é solícito pelo fim em vista do qual age. Ora, é lícito o homem agir em vista das coisas temporais, com as quais sustenta a vida; donde o dizer o Apóstolo: Se algum não quer trabalhar, não coma. Logo, é lícito ter solicitude pelas coisas temporais.

3. Demais. – A solicitude pelas obras de misericórdia é louvável, como diz o Apóstolo: Quando veio a Roma me buscou com diligência. Ora, a solicitude pelas coisas temporais é às vezes obra de misericórdia; por exemplo, quando alguém põe solicitude em tratar dos negócios dos pupilos e dos pobres. Logo, a solicitude pelas coisas temporais não é ilícita.

Mas, em contrário, diz o Senhor: Não vos aflijais, pois, dizendo: Que comeremos ou que beberemos ou com que nos cobriremos? E, contudo essas coisas são sobremaneira necessárias.

SOLUÇÃO. – A solicitude implica no emprego de um certo esforço para conseguirmos alguma coisa. Ora, é claro que empregamos maior esforço quando temos maior medo de falhar; por isso, quando temos certeza de conseguir, menor é a nossa solicitude. Assim, pois, a solicitude pelas coisas temporais pode ser ilícita de três modos.

De um modo, relativamente aqui o em que empregamos a nossa solicitude; assim, se buscamos as coisas temporais como fim. Donde o dizer Agostinho quando o Senhor diz: Não vos aflijais etc., quer com isso significar que não no-las devemos propor como fim e que não pelas adquirir devemos fazer o a que nos manda a pregação do Evangelho. - De outro modo, a solicitude pelas coisas temporais pode ser ilícita, pelo esforço exagerado que pomos em buscá-las, e que nos afasta dos bens espirituais, em que devemos, sobretudo, pôr o nosso fito. Por isso o Evangelho diz: os cuidados deste mundo sufocam a palavra. - De terceiro modo, por causa do temor exagerado, a saber, quando tememos não nos falte o necessário, fazendo o que devemos. O que o Senhor exclui de três modos. Primeiro, por causa dos maiores benefícios que Deus nos fez - o nosso corpo e a nossa alma - que não resultaram da nossa solicitude. Segundo, por causa do cuidado que Deus tem dos animais e das plantas, sem a cooperação humana, proporcionalmente à natureza deles. Terceiro, pela divina Providência, por ignorância da qual os gentios punham principalmente a sua solicitude em buscar os bens temporais. E por isso, conclui que a nossa solicitude deve principalmente ter por objeto os bens espirituais, esperando que teremos também os temporais, segundo as nossas necessidades, se fizermos o que devemos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os bens temporais estão sujeitos ao homem para usar deles, conforme à sua necessidade; não para fazer deles o seu fim e empregar exagerada solicitude em adquiri-los.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A solicitude de quem ganha o pão com o trabalho corporal não é a gerada, mas moderada. Por isso, Jerônimo diz, que devemos exercer o trabalho e abandonar a solicitude, isto é, a exagerada, que tira a paz da alma.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A solicitude pelos bens temporais, para as obras de misericórdia ordena-se ao fim da caridade. Por onde, não é ilícita, se não for exagerada.

Artigo 5 - Se a fraude pertence à astúcia.

O quinto discute-se assim. – Parece que a fraude não pertence à astúcia.

1. – Pois, não merece louvores quem se deixa enganar; e enganar é ao que tende a astúcia. Ora, louvores merece quem se deixa fraudar, conforme aquilo do Apóstolo. Porque não sofreis vós antes a fraude? Logo, a fraude não pertence à astúcia.

2. Demais. – A fraude parece dizer respeito ao ato de nos apoderarmos ou retermos as coisas externas; pois, diz o Apóstolo. Um varão, pois, por nome Ananias, como sua mulher Safira, vendeu um campo e com fraude usurpou certa porção do preço do campo. Ora, usurpar ou reter as coisas exteriores ilicitamente é próprio da injustiça ou da iliberalidade. Logo, a fraude não pertence à astúcia, que se opõe à prudência.

3. Demais. – Ninguém usa de astúcia contra si próprio. Ora, certos usam de fraudes para consigo mesmo; assim, diz a Escritura que certos tramam enganos para ruína de suas almas. Logo, a fraude não pertence à astúcia.

Mas, em contrário. – A fraude se ordena ao engano, conforme aquilo da Escritura: Será ele surpreendido como um homem com os nossos enganos? Ora, a astúcia se ordena ao mesmo fim. Logo, a fraude pertence à astúcia.

SOLUÇÃO. – Assim como o dolo consiste na execução da astúcia, assim também a fraude. Mas diferem em que o dolo se aplica universalmente à execução da astúcia, quer por palavras, quer por atos. Ao passo que a fraude se aplica mais propriamente à execução da astúcia, por meio de atos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ O Apóstolo não induz os fiéis a se deixarem enganar, no seu conhecimento, mas a tolerarem pacientemente o efeito do engano, suportando as injúrias fraudulentamente assacadas contra eles.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A execução da astúcia pode operar-se por meio de algum outro vício, assim como a execução da prudência se realiza pelas virtudes. E deste modo, nada impede a de fraudação incluir-se na avareza ou na iliberalidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os que praticam fraudes não têm intenção de tramar nada contra si mesmos ou contra as suas almas. Mas o justo juízo de Deus faz voltar-se contra eles o que tramaram contra os outros, segundo à Escritura: Caiu na cova que fez.

Artigo 4 - Se o dolo é um pecado compreendido na astúcia.

O quarto discute-se assim. – Parece que o dolo não é um pecado compreendido na astúcia.

1. – Pois, os varões perfeitos não têm pecado, sobretudo mortal. Ora, por vezes recorrem ao dolo, conforme à Escritura: Como sou astuto, vos tomei com dolo. Logo, nem sempre o dolo é pecado.

2. Demais. – Parece que o dolo é próprio, sobretudo da língua, conforme à Escritura. Com as suas línguas urdiram enganos. Ora, a astúcia, como a prudência, está no ato mesmo da razão. Logo, o dolo não está compreendido na astúcia.

3. Demais. – A Escritura diz: No coração dos que pensam males há engano. Ora, nem todo pensar no mal está compreendido na astúcia. Logo, parece que o dolo não se compreende na astúcia.

Mas, em contrário, a astúcia é aplicada a enganar, conforme àquilo do Apóstolo: Pela astúcia com que induzem ao erro; ao que também induz o dolo. Logo, o dolo não está compreendido na astúcia.

SOLUÇÃO. – Como já se disse, é próprio da astúcia não proceder por vias retas, mas empregar meios simulados e aparentes para conseguir um fim bom ou mau. Ora, o emprego desses meios podemos considerá-lo à dupla luz. - De um modo, quanto ao ato mesmo de pensar neles. O que é propriamente pertinente à astúcia, assim como cogitar nas vias retas conducentes a um fim devido é próprio da prudência. - De outro modo, podemos considerar o emprego dos referidos meios, quanto à execução da obra. E, essa pertence ao dolo, que, portanto, implica uma certa execução da astúcia.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Assim como a astúcia é propriamente tomada em mau sentido, e abusivamente em bom, assim também o dolo, que é a execução da astúcia.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A execução da astúcia, para enganar, dá-se, primeira e principalmente, por palavras, que têm o lugar principal entre os sinais com que o homem exprime o seu pensamento a outrem, conforme está claro em Agostinho. Por onde, o dolo é atribuído, sobretudo à palavra. Pode contudo, também haver dolo num ato, conforme à Escritura: E usaram de engano com os seus servos. Há também dolo no coração, segundo aquilo: O seu interior está cheio de dolo. Mas isto, no sentido em que alguém cogita em dolos, conforme ao lugar: E todo o dia maquinavam enganos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem pensa em fazer mal necessariamente pensa nos meios de realizar o seu propósito; e quase sempre excogita meios dolosos com que mais facilmente o realize. Embora se de que, certos, às vezes, sem astúcia e dolo, mas, aberta e violentamente pratiquem o mal. Mas, isto por ser mais difícil poucos o podem.

Artigo 3 - Se a astúcia é um pecado especial.

O terceiro discute-se assim. – Parece que a astúcia não é um pecado especial.

1. – Pois, as Sagradas Escrituras não induzem ninguém a pecar. Induzem porém à astúcia, conforme aquele lugar. Afim de se dar aos pequeninas astúcia. Logo, a astúcia não é pecado.

2. Demais. – A Escritura diz o astuto faz tudo com conselho. Mas para um fim bom, ou mau. Se para um fim bom, não parece ser pecado; se para um fim mau, parece implicar a prudência da carne ou do século. Logo, a astúcia não é um pecado especial distinto da prudência da carne.

3. Demais. – Gregório, expondo aquilo da Escritura - Zomba da simplicidade do justo, diz: A sabedoria deste mundo consiste em ocultar o coração com maquinações, disfarçar com palavras as intenções; exibir coma falso o verdadeiro, e fazer passar o verdadeiro por falso. E depois acrescenta: Esta prudência os jovens a aprendem pelo uso; e as crianças pagam para aprendê-la. Ora, isso que acabamos de referir parece pertencer à astúcia. Logo, a astúcia não se distingue da prudência da carne ou do mundo. E assim, não parece um pecado especial.

Mas, em contrário, o Apóstolo. Lançamos fora de nós às paixões que por ignominiosas se ocultam, não nos conduzindo com artifício; nem adulterando a palavra de Deus. Logo, a astúcia é um determinado pecado.

SOLUÇÃO. – A prudência consiste na aplicação da razão reta aos nossos atos, assim como a ciência, na aplicação da razão reta à nossa ciência. Ora, na ordem especulativa, podemos pecar de dois modos contra a retidão da ciência: de um modo, quando a razão é levada a alguma conclusão falsa, que parece verdadeira; de outro, por proceder a razão, de certos princípios, falsos, que parecem verdadeiros, para chegar, quer a uma conclusão verdadeira, quer a uma falsa. Assim também um pecado pode ser contra a prudência, tendo alguma semelhança dela, de dois modos. De um modo, pelo ordenar-se do esforço da, razão a um fim que não é verdadeiro bem, mas aparente; o que é próprio à prudência da carne. De outro, quando, para conseguirmos um fim, bom ou mau, usamos de meios não verdadeiros, mas simulados e aparentes; o que implica o pecado de astúcia. Por onde, esta é um determinado pecado oposto à prudência e distinto da prudência da carne.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Diz Agostinho: assim como a prudência é às vezes abusivamente, tornada em mau sentido, assim, a astúcia às vezes também o é, em bom; e isso por semelhança de uma com outra. Propriamente falando, porém, a astúcia é tomada em mau sentido, como diz o Filósofo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A astúcia pode ser considerada relativamente a um fim bom ou a um mau; nem devemos chegar a um fim bom por meios falsos e simulados, senão verdadeiros. Por onde, também a astúcia, mesmo ordenada a um fim bom, é pecado.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Gregório entende, por prudência do mundo tudo o que pode se incluir na falsa prudência. Por isso nesta também compreende a astúcia.

Artigo 2 - Se a prudência da carne é pecado mortal.

O segundo discute-se assim. – Parece que a prudência da carne é pecado mortal.

1. – Pois, o rebelar-se contra a lei divina é pecado mortal, por desprezarmos assim a Deus. Ora, a sabedoria da carne não é sujeita à lei de Deus, como diz o Apóstolo. Logo, a prudência da carne é pecado mortal.

2. Demais. – Todo pecado contra o Espírito Santo é mortal. Ora, a prudência da carne, não podendo estar sujeita à lei de Deus, como diz o Apostolo parece ser pecado contra o Espírito Santo. Portanto, parece ser um pecado irremissível, o que é próprio do pecado contra o Espírito Santo. Logo, a prudência da carne é pecado mortal.

3. Demais. – Ao máximo bem opõe-se o mal máximo, como diz Aristóteles. Ora, a prudência da carne se opõe à prudência, que é a principal entre as virtudes morais. Logo a prudência da carne é a principal entre os pecados mortais; e, portanto, é pecado mortal.

Mas, em contrário. - O que diminui o pecado não implica, por si, um pecado mortal, por natureza. Ora, buscar cautamente o que é próprio das preocupações da carne, e que parece ser pertinente à prudência da mesma, diminui o pecado. Logo, a prudência da carne não implica, por natureza, o pecado mortal.

SOLUÇÃO. – Como já a dissemos, de dois modos pode alguém ser chamado prudente: absolutamente, isto é, em ordem ao fim de toda a vida; ou, relativamente, isto é, em ordem a algum fim particular, como, por exemplo, quando dizemos que alguém é prudente num negócio ou cousa semelhante. Se, pois, considerarmos a prudência da carne no sentido da prudência, tomada na sua natureza absoluta, de modo que constituamos o fim último de toda a vida nas preocupações da carne, então ela é pecado mortal. Pois, nesse caso, o homem se afasta de Deus, por serem impossíveis vários fins últimos, como já estabelecemos. Se porém a prudência da carne for considerada uma prudência de natureza particular, então é pecado venial. Pois, podemos às vezes desejar desordenadamente um deleite da carne, sem nos afastarmos de Deus pelo pecado mortal, e por isso, sem fazermos do deleite carnal o fim de toda a nossa vida. Por onde, aplicar o nosso esforço à consecução desse deleite é pecado venial, implicado na prudência da carne. Não há, porém, prudência da carne quando, por exemplo, por um ato referimos os cuidados com o nosso corpo a um fim honesto, como quando comemos para sustentá-lo; pois, assim agindo, usamos do cuidado com o corpo como de um meio ordenado a um fim.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Apóstolo se refere à prudência da carne, no sentido de constituirmos o fim de toda a vida humana nos bens da carne. E nesse sentido é pecado mortal.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A prudência da carne não implica pecado contra o Espírito Santo. E a expressão - não pode ser sujeita à lei de Deus - não se deve entender como significando que quem tem a prudência da carne não possa converter-se e sujeitar-se à lei de Deus, mas que tal prudência, em si mesma, não pode estar sujeita à lei de Deus, assim como a injustiça não pode ser justa, nem o calor pode sem frio, embora um corpo quente possa tornar-se frígido.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Todo pecado opõe-se à prudência, assim como todas as virtudes participam dela. Mas, isso não implica que todo pecado oposto à prudência seja gravíssimo; senão, só quando se lhe opõe mui gravemente.

Artigo 1 - Se a prudência da carne é pecado.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a prudência da carne não é pecado.

1. – Pois, a prudência é uma virtude mais nobre que as outras virtudes morais, porque dirige a todas. Ora, nenhuma justiça ou temperança é pecado. Logo, também nenhuma prudência o é.

2. Demais. – Obrar com prudência, para um fim licitamente amado, não é pecado. Ora, a carne é licitamente amada, pois, diz a Escritura: ninguém aborreceu jamais a sua própria carne. Logo, a prudência da carne não é pecado.

3. Demais. – Como o homem é tentado pela carne, assim também, pelo mundo e pelo diabo. Ora, não se diz que há, entre os pecados, nenhuma prudência do mundo, ou mesmo, do diabo. Logo, também não devemos considerar como pecado nenhuma prudência da carne.

Mas, em contrário. – Ninguém é inimigo de Deus senão por iniquidade, conforme a Escritura: Deus igualmente aborreceu ao ímpio e à sua impiedade. Ora, como diz o Apóstolo: A sabedoria da carne é inimiga de Deus. Logo, a prudência da carne é pecado.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, a prudência versa sobre o que constitui o fim de toda a vida. Por onde, a prudência é propriamente chamada da carne, quando consideramos os bens da carne como o fim último da nossa vida. Ora, isto é manifesto pecado, pois por aí o homem se desordena em relação ao fim último, que não consiste nos bens do corpo, como estabelecemos. Por onde, a prudência da carne é pecado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A justiça e a temperança implicam, por essência, o que torna a virtude digna de louvor, a saber, o equilíbrio e o refreiamento das paixões. Por isso, não são nunca considerados como males. Ora, o nome de prudência deriva de providência, como já dissemos o que também pode se aplicar ao mal. Por onde, embora a prudência, absolutamente falando, seja tomada no bom sentido, pode contudo sê-lo em mau, acrescentando-se-lhe a esse nome alguma determinação. E neste sentido, dizemos que a prudência da carne é pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A carne é para a alma, como a matéria para a forma e o instrumento, para o agente principal. Por onde, amamos licitamente a carne quando a ordenamos para o bem da alma, como para o fim. Se, porém, constituirmos o fim último no bem da carne, esse amor será desordenado e ilícito. E é deste modo, que ao amor da carne se ordena a prudência da carne.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O diabo não nos tenta como um objeto de apetição, mas pelas suas sugestões, Por isso, a prudência, implicando a nossa ordenação para um fim apetecível, não dizemos que há prudência do diabo, como a que respeita um mau fim, sob cujo aspecto nos tenta o mundo e a carne, propondo-nos ao apetite os bens do mundo ou da carne. Por isso se chama prudência da carne e também prudência do mundo, conforme aquilo da Escritura. Os filhos deste século são mais sábios, na sua geração etc. O Apóstolo, porém compreende tudo na prudência da carne, porque também as coisas exteriores do mundo nós as desejamos por causa da carne. - Contudo, pode-se dizer que, chamando-se à prudência, de certo modo, sabedoria, como dissemos, podemos admitir uma tríplice prudência relativa às três tentações. Por isso, diz a Escritura que a sabedoria é terrena, animal e diabólica, como expusemos, quando tratamos da sabedoria.

Artigo 3 - Se a negligência pode ser pecado mortal.

O terceiro discute-se assim. – Parece que a negligência não pode ser pecado mortal.

1. – Pois, aquilo da Escritura - Eu me temia das minhas obras, etc. - diz a glosa de Gregório, que aquela isto é, a negligência cresce com a diminuição do amor de Deus. Ora, qualquer pecado mortal faz desaparecer totalmente o amor de Deus. Logo, a negligência não é pecado mortal.

2. Demais. – Aquilo da Escritura - Purifica-se das tuas negligências com poucos - diz a glosa: Embora a oblação seja pequena, purga as negligências de muitos pecados. Ora, tal não se daria se a negligência fosse pecado mortal.

3. Demais. – A lei estabeleceu sacrifícios pelos pecados mortais, como se lê na Escritura. Ora, não foi estatuído nenhum sacrifício por causa da negligência. Logo, a negligência não é pecado mortal.

Mas, em contrário, a Escritura. Aquele que não faz caso do seu caminho padecerá a morte.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos a negligência provém de uma certa remissão da vontade, donde resulta que esta não é solicitada a mandar o que deve e do modo por que o deve. Por onde, de dois modos pode a negligência vir a ser pecado mortal. Primeiro, por causa do omitido por negligência. O que, se for de necessidade para a salvação, quer seja um ato, quer uma circunstância, dará lugar ao pecado mortal. De outro modo, quanto à causa. Se pois a vontade for remissa no tocante às coisas de Deus, que deixe totalmente de amá-lo, tal negligência é pecado mortal. E isto principalmente se dá, quando a negligência resulta do desprezo. Ao contrário, se a negligência consistir em omitir um ato ou circunstância, que não for de necessidade para a salvação, nem tal se der por desprezo, mas por alguma falta de fervor, o qual fica às vezes impedido por algum pecado venial, então a negligência não é pecado mortal, mas venial.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A diminuição do amor de Deus pode ser entendida de dois modos. Ou por falta do fervor de caridade, o que causa a negligência, que é pecado venial. Ou, por falta da própria caridade; assim, considera-se diminuído o amor de Deus quando alguém o ama só com amor natural. E isso é causa da negligência, que é pecado mortal.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Uma pequena oblação feita de coração humilde e amor puro, como no mesmo lugar se diz, purga não só os pecados veniais, mas também, os mortais.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando a negligência consiste na omissão do necessário à salvação, então entra em outro gênero mais manifesto de pecado. Pois, os pecados consistentes em atos interiores são mais ocultos. Por isso a lei não obrigava a sacrifícios certos, por eles. Pois, a oblação de sacrifícios era uma certa protestação pública do pecado, que não se deve fazer por um pecado oculto.

Artigo 2 - Se a negligência se opõe à prudência.

O segundo discute-se assim. – Parece que a negligência não se opõe à prudência. 

1. – Pois, parece que a negligência é o mesmo que a preguiça ou torpor, porque é própria da acédia, como está claro em Gregório. Ora, a acédia não se opõe à prudência, mas antes, à caridade, como se disse. Logo, a negligência nem sempre se opõe à prudência.

2. Demais. – Parece que todo pecado de omissão implica a negligência. Ora, o pecado de omissão não se opõe à prudência, mas antes, às virtudes morais executivas. Logo, a negligência não se opõe à prudência.

3. Demais. – A imprudência recai sobre algum ato da razão. Ora, a negligência não implica nenhuma falta: nem do conselho, cuja falta é a precipitação; nem do juízo, cuja falta é a inconsideração, nem do mando, cuja falta é a inconstância. Logo, a negligência não é própria da imprudência.

4. Demais. – A Escritura diz: O que teme a Deus nada despreza. Ora, cada pecado é excluído principalmente pela virtude oposta. Logo, a negligência se opõe antes ao temor que à prudência.

Mas, em contrário, a Escritura: O leviano e imprudente não observam o tempo. Ora, isto é próprio da negligência. Logo, a negligência opõe­se à prudência.

SOLUÇÃO. – A negligência opõe-se diretamente à solicitude. Ora, a solicitude depende da razão; e a retidão da mesma, da prudência. Por onde, e contrariamente, a negligência é própria da imprudência. O que resulta da sua mesma denominação; pois, como diz Isidoro negligente significa por assim dizer, o que não elege (nec eligens). Ora, a eleição reta dos meios conducentes ao fim é própria da prudência. Por onde, a negligência é própria da imprudência.

DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A negligência consiste na falta do ato interior, do qual depende também a eleição. Ao passo que a preguiça e o torpor são próprios, antes, da execução. De um modo, porém, que a preguiça importa a lentidão em executar; ao passo que o torpor uma certa remissão no ato mesmo da execução. Por isso o torpor procede naturalmente da acédia, porque a acédia é a tristeza gravosa, isto é, que impede a alma de agir.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A omissão diz respeito ao ato externo; pois, há omissão quando preterimos um ato devido. Por isso, ela opõe-se à justiça. E é efeito da negligência, assim como também a execução de uma obra justa é efeito da razão reta.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A negligência recai sore o ato de mandar, ao qual também respeita a solicitude. Mas, contra esse ato peca de um modo, o negligente e, de outro, o inconstante. Pois o inconstante peca ao mandar, por ser como impedido por outrem; ao passo que o negligente, por defeito da vontade própria.

RESPOSTA À QUARTA. – O temor de Deus nos ajuda a evitar qualquer pecado; pois, como diz a Escritura, todo homem evita o mal por meio do temor do Senhor. Por isso, o temor faz evitar a negligência. Não porém de modo que esta se oponha diretamente ao temor; mas por excitar o temor, o homem, ao ato da razão. Por isso, também já estabelecemos, quando tratamos das paixões, que o temor nos leva a tomar conselho.

Artigo 1 - Se a negligência é um pecado especial.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a negligência não é um pecado especial.

1. – Pois, a negligência opõe-se à diligência. Ora, toda virtude requer a diligência bem como a eleição. Logo, a negligência não é um pecado especial.

2. Demais. – O que existe em todo pecado não é um pecado especial. Ora, a negligência existe em todo pecado, pois todo aquele que peca neglige aquilo pelo que podia livrar-se dele; e quem persevera no pecado neglige o arrepender-se dele. Logo, a negligência não é um pecado especial.

3. Demais. – Todo pecado especial tem uma determinada matéria. Ora, parece que a negligência não tem uma determinada matéria. Pois, não versa sobre atos maus, ou indiferentes, porque não se imputam tais atos a ninguém, que deixa de praticá-los. Semelhantemente, não versa sobre os atos bons, pois, praticados com negligência, já não são bons. Logo, parece que a negligência não é um vício especial.

Mas, em contrário, os pecados cometidos por negligência distinguem-se, por contrariedade, dos cometidos por desprezo.

SOLUÇÃO. – A negligência implica a falta da solicitude devida. Ora, toda falta do ato devido tem natureza de pecado. Por onde é manifesto, que a negligência tem natureza de pecado. E do modo pelo qual a solicitude é ato de uma virtude especial, desse mesmo é necessariamente a negligência um pecado especial. Há, porém certos pecados especiais que recaem sobre uma cerra matéria especial, como a luxúria, sobre as relações venéreas; outros vícios são especiais por causa da especialidade do ato, que se estende a qualquer matéria moral. Por onde, sendo a solicitude um certo ato especial da razão, como se estabelece consequentemente a negligência, que implica falta de solicitude, é um pecado especial.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Parece que a diligência é o mesmo que a solicitude; pois, pomos maior solicitude naquilo que amamos. Por onde, a diligência, como a solicitude, é necessária para qualquer virtude, enquanto que qualquer virtude exige os atos devidos da razão.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Em qualquer pecado há necessariamente falta de algum ato da razão; por exemplo., falta de conselho e de outros atos semelhantes. Por onde, assim como a precipitação é um pecado especial, por causa do ato especial de razão que ela pretere, a saber, o conselho, embora possa ela existir em qualquer gênero de pecado, assim, a negligência é um pecado especial, pela falta do ato especial da razão, que é a solicitude, embora ela exista, de certo modo, em todos os pecados.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A matéria da negligência são propriamente os atos bons que devemos praticar. Não que sejam bons quando negligentemente praticados, mas porque a negligência causa neles a falta de bondade, quer o ato devido seja preterido totalmente por falta de solicitude, quer seja preterida também alguma circunstância própria do ato.

Artigo 6 - Se os referidos vícios nascem da luxúria.

O sexto discute-se assim. – Parece que os referidos vícios não nascem da luxúria.

1. – Pois a inconstância nasce da inveja, como se disse. Ora, a inveja é um vício distinto da luxúria. Logo, desta não nascem os referidos vícios.

2.  Demais. – A Escritura diz: O homem que tem o espírito repartido é inconstante em todos os  caminhos. Ora, a duplicidade parece não pertencer a luxúria, mas antes, à dolosidade, filha da avareza, segundo Gregório. Logo, os referidos vícios não nascem da luxúria.

3. Demais. – Os referidos vícios implicam falta de razão. Ora, os vícios espirituais são mais próximos da razão do que os carnais. Logo, os referidos vícios nascem, antes, dos vícios espirituais, que dos carnais.

Mas, em contrário, Gregório considera os referidos vícios como nascidos da luxúria.

SOLUÇÃO. – Como diz o Filósofo, o prazer é o que corrompe sobremaneira a ponderação da prudência; e sobretudo o prazer venéreo, que absorve toda a alma e a arrasta para a deleitação sensível. Ao contrário, a perfeição da prudência e de qualquer virtude intelectual consiste na abstração do sensível. Por onde, os referidos vícios implicando falta de prudência e da razão prática, como estabelecemos, resulta que nascem sobretudo, da luxúria.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.  –­ A inveja e a ira causam a inconstância, arrastando a razão para um outro objeto; ao passo que a luxúria causa a inconstância extinguindo totalmente o juízo da razão. Por onde, diz o Filósofo que quem não contém a ira escuta, é certo, a razão, mas não perfeitamente; ao passo que quem não contém a concupiscência deixa totalmente de escutá-la.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Também a duplicidade de alma é um efeito resultante da luxúria, assim como a inconstância; enquanto que essa duplicidade implica na conversão da alma para diversos objetos. Por isso, Terêncio, no Eunuco diz que o amor passa da guerra para a paz e as tréguas.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os vícios carnais extinguem tanto mais o juízo da razão quanto mais dela desviam.

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