Category: Santo Tomás de Aquino
O quarto discute–se assim, – Parece que não é útil fazer voto.
1. – Pois, nenhuma utilidade há em nos privarmos de um bem que Deus nos deu. Ora, a liberdade é um dos maiores dons que ele nos fez, e dela nos priva a obrigação imposta pelo voto. Logo, não nos é de nenhuma utilidade fazer voto.
2. Demais. – Ninguém deve expor–se a perigos. Ora, a perigo expõe–se quem faz voto; pois, o que, antes de tê–lo feito, poderia omitir sem perigo, já não o poderá depois que o fez. Por isso, Agostinho diz: Desde que fizeste voto te obrigaste e não te é lícito deixar de o cumprir. Não cumprindo o prometido, não estás na situação em que estarias se nenhum voto tivesses feito pois, se te tornou maior, também te fará pior. Mas, o que oxalá não seja, tendo quebrado a fidelidade para com Deus, serás tanto mais miserável, quanto serias feliz, se tivesses cumprido a promessa. Logo, de nada serve fazer voto.
3. Demais. – O Apóstolo diz: Sede meus imitadores, conto também eu sou de Cristo. Ora, a Escritura não menciona nenhum voto de Cristo ou dos Apóstolos, Logo, parece não ser útil fazer votos.
Mas, em contrário, a Escritura: Fazei votos ao Senhor vosso Deus e cumpri–os.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, o voto é uma promessa feita a Deus, Ora, uma é a razão de prometermos aos homens e outra, a de prometermos a Deus, Aos homens lhes prometemos para utilidade deles; pois, é–Ihes por igual útil o que lhes damos e os certificarmos, antes, do que futuramente lhes daremos. Ao contrário, fazemos promessa a Deus, para utilidade, não dele, mas, nossa. Por isso, diz Agostinho na citada epistola: Deus é um credor por beneficência e não por necessidade, que não aproveita do que recebe, mas antes, enriquece quem lhe paga as dívidas. E assim como o que damos a Deus é útil, não a ele, mas, a nós, por nos enriquecer a nós o débito que lhe pagamos a ele, como diz Agostinho no mesmo lugar, assim também, a promessa pela qual votamos alguma coisa a Deus não redunda em utilidade sua, porque não precisa de ser certificado da nossa boa vontade, mas, em utilidade nossa, porque, fazendo um voto, confirmamos imovelmente a nossa vontade naquilo que nos importa fazer. Logo, é útil fazer voto.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como a impossibilidade de pecar não nos diminui a liberdade, assim também não nô–la diminui a necessidade que confirma a vontade no bem, como o demonstra Deus e os santos. E tal é a necessidade imposta pelo voto, tendo assim uma certa semelhança da confirmação dos bemaventurados no bem. Donde dizer Agostinho, na mesma epístola: Feliz necessidade a que nos compele ao melhor.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando um perigo resulta de um ato, em si mesmo, então este não traz utilidade; tal o caso de quem atravessasse um rio por uma ponte arruinada. Mas se o perigo resulta da deficiência com que praticamos o ato, este, não deixa por isso, de ser útil. Assim, é útil montar a cavalo embora se corra o perigo de cair dele. Pois, do contrário, deveríamos deixar de praticar qualquer ato bom por poderem eventual e acidentalmente, ser perigosos. Por isso, diz a Escritura: O que observa o vento não semeia e o que considera as nuvens nunca segará. Ora, o perigo que corre quem faz um voto não resulta do voto em si mesmo, mas, do homem que muda de vontade, deixando de cumpri–lo. Por isso, Agostinho diz, na mesma epístola: Não te arrependas de haver feito um voto. Ao contrário, alegra–te, por já não ter ser lícito o que t’o seria em teu detrimento.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A Cristo, por natureza, não lhe cabia fazer voto, quer por ser Deus, quer também porque, como homem, tinha a vontade confirmada no bem, corno possuidor da visão beatífica. Embora, por uma certa semelhança, segundo a Glosa, é que a Escritura diz da pessoa dele: Eu cumprirei os meus votos em presença dos que o temem. Mas se lhe refere ao corpo, que é a Igreja. – Quanto aos Apóstolos, pode–se dizer que fizeram voto ele perfeição espiritual, quando, tendo abandonado tudo, seguiram a Cristo.
O terceiro discute–se assim. – Parece que nem todo voto exige cumprimento.
1. – Pois, nós precisamos do que os outros nos fazem, mas não, Deus, que não precisa dos nossos bens. Ora, uma simples promessa feita a outrem não nos obriga a cumpri–la, conforme o estabelecem as leis humanas; o que parece ter sido instituído por causa da mutabilidade da vontade humana. Logo, com maior razão, uma simples promessa feita a Deus, e que se chama voto, não exige cumprimento.
2. Demais. – Ninguém está obrigado ao impossível. Ora, às vezes torna–se impossível o a que nos obrigamos por um voto. Ou porque depende da vontade de outrem, como quando alguém faz voto ele entrar num mosteiro e os monges não querem recebê–lo, Ou por uma falta superveniente, como quando uma mulher fez voto de conservar 3 virgindade e depois veio a corromper–se; ou quando perde o dinheiro quem prometeu dá–lo. Logo, nem sempre o voto é obrigatório.
3. Demais. – Aquilo que devemos temos obrigação de pagar imediatamente. Ora, não estamos obrigados a cumprir imediatamente o voto feito, sobretudo se implica uma condição futura. Logo, nem sempre o voto é obrigatório.
Mas, em contrário, a Escritura: Cumpre tudo o que tiveres prometido; e muito melhor é não fazer voto algum do que depois de o fazer não cumprir o prometido,
SOLUÇÃO. – A fidelidade obriga a cumprirmos o prometido; por isso é que, como ensina Agostinho, chama–se fiel quem faz o que diz. Ora, a Deus devemos, sobretudo a fidelidade, tanto por ser o Senhor, como pelos benefícios que dele recebemos. Por onde, temos a maior obrigação de cumprir os votos feitos a Deus; assim o exige a fidelidade que lhe devemos. Ora, quebrar o voto é uma espécie de infidelidade. Por isso, Salomão dá a razão de devermos cumpri–lo: porque desagrada a Deus a promessa infiel.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Pela honorabilidade, qualquer promessa feita a outrem nos obriga, por obrigação de direito natural. Mas, para uma promessa nos obrigar civilmente exigem–se certas outras condições. Porém, para com Deus, sobretudo é que nos obrigamos, embora não precise de nós. E o voto a ele feito é obrigatório por excelência.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Se o cumprimento do nosso voto se tornou impossível, devemos ao menos ter a boa vontade de fazer o que pudermos. Assim, quem fez voto de entrar num mosteiro deve esforçar–se o mais possível para ser nele recebido. E se tinha a intenção de obrigar–se principalmente a entrar numa religião e, por consequência, escolher, para ingressar, tal religião ou tal lugar, como lhe sendo mais conveniente, está obrigado, se assim não puder ser, a entrar noutra religião. Se, porém tinha principalmente a intenção de se obrigar a essa religião ou a esse lugar determinado, e aí não o querem receber, não está obrigado a entrar noutra. No caso de, por culpa própria, se tornar impossível o cumprimento do voto, está obrigado, além do mais, a fazer penitência da culpa passada. Assim, a mulher, que fez voto de virgindade e veio depois a corromper–se, não só deve conservar o que pode, a saber, a continência perpétua, mas também penitenciar–se pelo bem que perdeu, pecando.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A obrigação de cumprir o voto se funda na nossa vontade e intenção próprias. Por isso diz a Escritura: A palavra que uma vez saiu da tua boca, tu a observarás e cumprirás, assim como prometeste ao Senhor teu Deus, pois, o fizeste de tua própria vontade e o declaraste pela tua boca. Por onde, se estava na intenção e na vontade de quem fez o voto obrigar–se a cumpri–lo imediatamente, a isso está obrigado. Se, porém, só depois de certo tempo e sob certa condição, não está obrigado a um cumprimento imediato; mas, não deve tardar mais do que tinha a intenção, ao fazer o voto. Por isso, diz a Escritura, no mesmo lugar: Quando tiveres feito algum voto ao Senhor teu Deus, não tardarás em o cumprir, porque o Senhor teu Deus te pedirá conta dele, e se te demorares, ser–te–á imputado o pecado.
O primeiro discute–se assim. – Parece que o voto consiste no só propósito da vontade.
1. – Pois, segundo certos, o voto é a concepção ele um bom propósito firmemente deliberado, pelo qual nos obrigamos para com Deus a praticar ou não um ato. Ora, a concepção de um bom propósito, com tudo o que implica, pode consistir apenas num movimento da vontade. Logo, o voto consiste só num propósito da vontade.
2. Demais. – O nome mesmo do voto parece derivado da vontade; pois, dizemos que alguém faz de próprio voto o que faz voluntariamente. Ora, ao passo que o propósito é um ato ela vontade, a promessa o é da razão. Logo, o voto consiste só num propósito da vontade.
3. Demais. – O Senhor diz: Ninguém que mete a sua mão ao arado e olha para trás é apto para o reino de Deus. Ora, quem está com o propósito de fazer bem mete a mão ao arado. Logo, se olhar para trás, desistindo do bom propósito, não é apto para o reino de Deus. Portanto, nós nos obrigamos para com Deus só pelo om propósito, mesmo sem termos feito nenhuma promessa. Por onde, parece que o voto consiste no só bom propósito da vontade.
Mas, em contrário, a Escritura: Se fizeste algum voto a Deus, trata de o cumprir logo, porque lhe desagrada a promessa infiel e imprudente. Logo, fazer voto é prometer e o voto é uma promessa.
SOLUÇÃO. – O voto implica obrigação de fazer ou não alguma coisa, Ora, obrigamo–nos para com outrem por meio de uma promessa, que é um ato de razão, da qual é próprio ordenar. Pois, assim como, mandando ou pedindo, determinamos de certo modo, o que os outros nos devem fazer, assim, prometendo, estabelecemos o que nós lhes devemos. Mas, as promessas feitas aos outros não podem ser senão por palavras ou quaisquer sinais externos. Ao contrário, as feitas a Deus pelo só pensamento podem sê–lo; pois, diz a Escritura: O homem vê o que está patente, mas o Senhor olha para o coração. Mas, exprimimos às vezes as nossas palavras oralmente, ou para nos espertarmos a nós mesmos, como quando oramos, segundo já dissemos; ou para exortar a que os outros não só deixem, por temor de Deus, de quebrar votos, mas também por uma certa reverência para com os homens. Ora, a promessa procede do propósito de fazermos alguma coisa; e este, sendo um ato deliberado da vontade, pressupõe uma deliberação. Por onde, o voto exige três condições necessárias: primeiro, a deliberação; segundo, o propósito da vontade; terceiro, a promessa, que lhe dá a sua plenitude. Mas, acrescentam–se às vezes duas outras condições como para confirmá–lo: a expressão verbal, conforme àquilo da Escritura: Pagar–te–ei os meus votos, que pronunciaram os meus lábios; e, além disso, o testemunho dos outros. Por isso, diz o Mestre das sentenças, que o voto é a testificação de uma promessa espontânea, que deve ser feita a Deus e de coisas que são de Deus. Embora, propriamente, essa testificação possa referir–se à testificação interior.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A concepção de um bom propósito não se determina pela deliberação do espírito, sem uma promessa consequente a essa deliberação.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O que está ao alcance da nossa vontade nos move a razão a promete–lo. E por isso é que o nome de voto tira a sua designação da vontade, como do primeiro motor.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem mete a mão ao arado já começou a agir. Mas, quem só propôs ainda não. Porém, uma vez que prometeu, já começa a se preparar à ação, embora ainda não haja cumprido o prometido; assim como quem pós a mão ao arado, embora ainda não esteja arando, contudo, já fez o gesto de quem vai arar.
O quarto discute–se assim. – Parece que também os sacerdotes estão obrigados a pagar dízimos.
1. – Pois, por direito comum, a igreja paroquial eleve receber dízimo dos prédios situados no seu termo. Ora, acontece às vezes que os sacerdotes tem certos prédios próprios no termo de uma igreja paroquial: ou então que outra igreja tenha ai propriedades eclesiásticas. Logo, parece que os sacerdotes, estão obrigados a pagar o dízimo predial.
2. Demais. – Certos religiosos são sacerdotes, que contudo estão obrigados a pagar o dízimo às igrejas, em razão dos prédios que cultivam com as próprias mãos. Logo, parece que os sacerdotes não estão isentos da solução dos dízimos.
3. Demais. – Assim como a Escritura preceituava que os Levitas recebessem dízimos do povo, assim também mandava que os pagassem ao sumo sacerdote. Logo, pela mesma razão por que os leigos elevem pagá–las aos sacerdotes, devem estes fazê–lo ao sumo Pontífice.
4. Demais. – Assim como os dízimos devem destinar–se ao sustento dos sacerdotes, assim também o devem ao dos pobres. Se portanto, os sacerdotes estão isentos da solução deles, pela mesma razão estão os pobres. Ora, isto é, falso. Logo, também os sacerdotes não estão isentos.
Mas, em contrário, diz a decretal do Papa Pascoal: É novo gênero de exceção uns sacerdotes exigirem o dízimo, de outros.
SOLUÇÃO. Dar e receber, assim como agir e sofrer não podem ter a mesma causa. Mas, acontece, por causas diversas, e em relação a coisas diversas, que é o mesmo quem dá e quem recebe, como o ê quem age e quem sofre. Ora, aos sacerdotes, enquanto ministros do altar e semeadores dos bens espirituais entre o povo, são devidos os dízimos pelos fiéis. Por onde, esses sacerdotes, como tais, isto é, enquanto possuidores de propriedades eclesiásticas não estão obrigados à solução dos dízimos. Mas, por outra causa, isto é, possuindo por direito próprio, sucessão dos pais, compra, ou qualquer título semelhante, estão obrigados apagá–los.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Pois, os sacerdotes estão obrigados a pagar dízimo, dos prédios próprios, à igreja paroquial, como qualquer outro, ainda que pertençam a essa mesma igreja: porque uma coisa é ter uma propriedade em particular e outra, em comum. Mas, os prédios de uma igreja não estão obrigados à solução do dízimo, mesmo se estiverem dentro dos limites de outra paróquia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os religiosos que são sacerdotes, se tiverem cura d'almas, dispensando os bens espirituais ao povo, não estão obrigados a pagar dízimo, mas podem recebê–lo. Mas não se dá o mesmo com outros religiosos, mesmo quando sacerdotes, que não dispensaram ao povo esses bens. Pois, por direito comum, estão obrigados a pagar os dízimos. Mas, gozam de certas isenções, em virtude de concessões a eles feitas pela Sé Apostólica.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Na vigência da lei antiga, deviam–se as primícias aos sacerdotes; e o dízimo, aos Levitas. Mas, estando os Levitas debaixo da dependência dos sacerdotes, o Senhor mandou que, em lugar das primícias, pagassem ao sumo sacerdote o dízimo da dízima. Por onde, sob a lei nova, pela mesma razão, os sacerdotes estariam obrigados a pagar o dízimo ao sumo Pontífice. se ele o exigisse. Pois, a razão natural dita que os membros da comunidade deem ao seu chefe tudo o de que precisa para fazer o bem comum.
RESPOSTA À QUARTA. – Os dízimos devem destinar–se à subvenção dos pobres, por dispensação dos sacerdotes. Por onde, os pobres não tem motivo para recebê–los, mas devem pagá–los.
O segundo discute-se assim. - Parece que não estamos obrigados a pagar dízimos de tudo.
1. - Pois, parece que a obrigação de pagar dízimos foi introduzida pela lei antiga. Ora, essa lei não estabeleceu nenhum preceito sobre dízimos pessoais, isto é, os pagos sobre aquilo que alguém adquiria com .a sua própria atividade, por exemplo, com o comércio ou o serviço militar. Logo, não estamos obrigados a pagar dízimos sobre tais bens.
2. Demais. - Não devemos fazer oblação do que adquirimos mal. Ora, as oblações, que fazemos imediatamente a Deus, parece pertencerem ao culto divino, mais que os dizimas pagos aos ministros. Logo, também não devemos pagar dizimo daquilo, que adquirimos injustamente.
3. Demais. - A Escritura não manda pagar dízimos senão do grão ou de frutas das árvores e dos animais que passam por baixo do cajado do pastor. Ora, além dessas há outras coisas de menor valor que o homem: possui como, as ervas que nascem no jardim e outras semelhantes. Logo, também delas não se devem pagar o dízimo.
4. Demais. - Não podemos pagar senão aquilo de que temos posse. Ora, nem tudo o proveniente dos frutos do campo ou dos animais nós o temos em nosso poder; pais, às vezes nô-lo subtraem pelo furto ou pela rapina; outras, transferimo-los a terceiros pela venda; outras ainda o devemos a diferentes pessoas, como os tributos devidos aos príncipes e o salário, aos operários.
Logo, de tais coisas não devemos pagar o dizimo.
Mas, em contrário, a Escritura; De todas as causas que tu me deres oferecerei o dízimo.
SOLUÇÃO. - De cada coisa devemos julgar pelo seu princípio. Ora, o princípio em que se baseia o pagamento do dizimo é o débito em virtude do qual aos semeadores dos bens espirituais são devidos os temporais, conforme àquilo do Apóstolo: Se nós vos semeamos as causas espirituais, é porventura muito se recolhermos as temporalidades que vos pertencem a vós! E foi nesse débito que ti, Igreja se fundou para determinar a solução do dízimo. Ora, tudo o que o homem possui constitui os seus bens temporais. Logo, de tudo o que possuímos devemos pagar o dízimo.
DONDE A RESPOSTA À PRJMEIRA OBJEÇÃO. - Havia uma razão especial para a lei antiga não estabelecer como preceito a solução dos dízimos pessoais, conforme à condição do povo judeu. E era que as onze primeiras tribos possuíam terras, com as quais podiam suficientemente prover aos Levitas, que não as tinham; mas não lhe era proibido aos Levitas. Como não o era aos outros judeus, auferirem lucros de trabalhos honestos. Mas, sob a lei nova, os cristãos se espalhavam por todo o mundo. Ora, muitos, não tendo propriedades e vivendo de negócios, nenhum subsídio dariam aos ministros de Deus, se não pagassem o dizimo desses negócios. E por outro lado os ministros da lei nova estão mais estritamente obrigados a não se ingerirem em negócios lucrativos, conforme o diz o Apóstolo: Ninguém que milita para Deus se embaraça com negócios do século. Por onde, sob ·a lei nova, estamos obrigados aos dízimos pessoais, conforme aos costumes pátrios e à necessidade dos ministros. Por isso, diz Agostinho: Do que ganhas com o serviço militar, com os negócios e com tua arte paga o dízimo.
RESPOSTA À SEGUNDA. - Podemos adquirir bens injustamente de dois modos. - Primeiro, por ser injusta a aquisição; assim, quando adquirimos pela rapina, pelo furto ou pela usura; e tais coisas temos o dever, não de pagar dízimos sobre elas, mas ele as restituir. Contudo, o usuário que comprou um campo com dinheiro de usura está obrigado a pagar o dizimo dos frutos dele porque esses frutos não resultam da usura, mas são dom de Deus. - Outras coisas se consideram mal adquiridas, por o serem por um meio torpe, como pelo meretrício, pela profissão de histrião, e por outros meios semelhantes, e essas não se está obrigado a restituir. E, portanto há obrigação de pagar o dizimo delas ao modo dos outros dizimes pessoais. Contudo, a Igreja não deve recebê-los enquanto provêm de pessoas vivendo no pecado, para não parecer que pactua com este, mas, depois, que fizerem penitência, pode receber-lhes o dizimo.
RESPOSTA À TERCEIRA. - Os meios ordenados para um fim devem ser julgados de conformidade com a conveniência que tiverem com eles. Ora, os dízimos são devidos, não por si mesmos, mas aos ministros, a cuja honorabilidade não convém que exijam até o mínimo com rigorosa exação; pois, tal é considerado um vício, no dizer do Filósofo. Por isso a lei antiga não determinava se pagassem dízimos dessas mínimas coisas, mas o deixou ao arbítrio dos que as possuíam; pois, o que é mínimo é quase considerado como nada. Por onde, os Fariseus, obrigando-se à perfeita justiça da lei, pagavam o dizimo, mesmo desse mínimo. E por tal não foram repreendidos pelo Senhor, mas por desprezarem os preceitos espirituais, que são maiores bens. Antes, considera-os, e aos Fariseus, dignos de apreço, em si mesmos, pelos pagarem, quando diz: Essas coisas deviam ser feitas, isto é, na vigência da lei, como explica Crisóstomo. O que também parece significar antes uma conveniência, que uma obrigação. Por onde, sob a lei nova, não estamos obrigados a pagar dízimo dessas pequenas coisas, salvo se o exigirem os costumes pátrios.
RESPOSTA À QUARTA. - Quem foi privado de bens, pelo furto ou pela rapina, não está obrigado a pagar o dizimo dele antes de os reaver; salvo se sofreu esse dano por culpa ou negligência própria, pois, por isso, a Igreja não deve ser danificada. Se, porém vender o trigo, de que não pagou os dízimos devidos, a Igreja pode exigi-los, tanto do comprador, que detém o que lhe pertence a ela, como do vendedor, que fez tudo quanto em si estava para defraudá-la. Mas desde que um pagou o outro não está obrigado a fazê-la. Quanto aos frutos da terra, devem-se pagar os dizimes deles, por serem um dom divino. Portanto, os dízimos não podem ser tributados nem devem servir para pagar o salário dos operários. Logo, antes de pagos, não se devem deduzir deles os impostos nem o salário dos trabalhadores; mas, antes de tudo, devem ser pagos, deduzidos da quantidade integral dos frutos.
O primeiro discute–se assim. – Parece que não estamos obrigados por necessidade de preceito a pagar dízimos.
1. – Pois, o preceito sobre a solução dos dízimos está estabelecido na lei antiga: Todos os dízimos da terra, ou sejam de grão ou de frutas das árvores, são do Senhor; e mais adiante: De todos os dízimos de vacas, ovelhas e cabras que passam por baixo do cajado do pastor, tudo o que se contar décimo será contado ao Senhor. Ora, este preceito não pode ser considerado como um dos preceitos morais, pois, a razão natural não manda que devamos pagar antes a décima parte do que a nona ou a undécima. Logo, é um preceito judicial ou cerimonial. Ora, como já se disse, na vigência da lei da graça, não estamos obrigados aos preceitos cerimoniais nem aos judiciais da lei antiga. Logo, não estamos obrigados à solução dos dízimos.
2. Demais. – Sob a lei da graça estamos obrigados a observar só o que Cristo mandou por intermédio dos Apóstolos, conforme ao Evangelho: Ensinando–nos a observar todas as coisas que vos tenho mandado. E Paulo diz: Porque não tenho buscado subterfúgio para vos deixar de anunciar toda a disposição de Deus. Ora, nem na doutrina de Cristo nem na dos Apóstolos nenhuma disposição há sobre a solução dos dízimos. Pois. o que o Senhor diz sobre eles estas coisas eram as que vós devíeis praticar refere–se aos tempos passados da observância da lei, como o ensina Hilário: Não se devia omitir o dizimo dos legumes, porque tinha a vantagem de figurar o futuro. Logo, sob a lei da graça, não estamos obrigados à solução dos dízimos.
3. Demais. – Sob a lei da graça não estamos mais obrigados, que sob a lei antiga, a observar os preceitos legais. Ora, antes da lei atual, os dízimos não eram pagos em virtude de um preceito, mas só em virtude de um voto. Assim, lemos na Escritura, que Jacó também fez voto, dizendo: Se Deus for comigo e me guardar no caminho por que ando, etc., de todas as coisas que tu me deres te oferecerei o dízimo. Logo, nem no tempo da lei da graça estamos obrigados à solução dos dízimos.
4. Demais. – A lei antiga obrigava à solução de três espécies de dízimos. Uns pagavam–nos aos Levitas, como está na Escritura: Os Levitas se contentarão com as oblações dos dízimos, que separei para o seu uso e para o que lhes for necessário. Mas, também havia outros dízimos dos quais se lê: Porás cada ano à parte o dízimo de todos os teus frutos que nascem na terra; e conterás na presença do Senhor teu Deus no lugar que ele escolher. Havia ainda uma terceira espécie, a respeito dos quais no mesmo lugar se acrescenta: Todos os três anos separarás outro dízimo de tudo o que te nascer nesse tempo e pô–las–ás de reserva em tua casa e virão o Levita, que não tem outra porção nem herança contigo, e o peregrino e o órfão e a viúva, que estão das tuas portas adentro e comerão e se fartarão. Ora, à solução dos dízimos da segunda e da terceira espécie não estamos obrigados, sob a lei da graça. Logo, nem aos da primeira.
5. Demais. – O que devemos, sem prazo determinado, devemos pagá–la imediatamente, sob pena de pecado. Se, pois, sob a lei da graça, os homens estivessem obrigados, por necessidade de preceito, à solução dos dízimos, todos os habitantes das terras em que eles não foram pagos estariam em estado de pecado mortal, inclusive os ministros da Igreja, não fazendo cumprir essa obrigação; o que é inadmissível. Logo, sob a lei da graça, não estamos obrigados, de necessidade, à solução dos dízimos.
Mas, em contrário, Agostinho: Os dízimos são exigidos em virtude de um preceito; e os que não os quiserem pagar apoderam–se do alheio.
SOLUÇÃO. – Sob a lei antiga os dízimos eram pagos para o sustento dos ministros de Deus, donde o dizer a Escritura: Levai todos os vossos dízimos ao meu celeiro e haja mantimento na minha casa. Por onde, o preceito de pagá–las era, em parte, moral, fundado na razão natural; e em parte, judicial, haurindo a sua força da instituição divina. Pois, a razão natural dita ao povo o dever de dar o sustento necessário aos ministros do culto divino, que oram pela salvação dos seus membros; assim como o povo também deve estipêndios, com que possam sustentar–se, aos chefes, soldados e outros, que zelam pela utilidade comum. Por isso, o Apóstolo, fundado nos costumes humanos diz: Quem jamais vai à guerra à sua custa? Quem planta uma vinha e não come do seu fruto? Mas, o direito natural não exige que demos aos ministros do culto divino uma contribuição determinada, o que foi introduzido por instituição divina, de acordo com as condições do povo a quem a lei foi dada. O qual, estando dividido em doze tribos, a tribo duodécima, que era a Levitica, e toda consagrada aos ministérios divinos, não tinha bens. Por isso, foi convenientemente instituído que as outras onze dessem aos Levitas a décima parte dos seus proventos, para que eles vivessem decentemente: e nisso já estavam previstas as negligências que haveriam de cometer muitos transgressores de tais disposições. Por isso, o preceito era judicial, quanto à determinação do dízimo; assim como o eram muitas outras instituições especialmente feitas nesse povo, para conservar a igualdade entre os seus membros, conforme à condição do mesmo. Por isso se chamavam preceitos judiciais, embora, secundáriamente, significassem acontecimentos futuros, como o significavam todos os feitos do povo judeu, segundo aquilo do Apóstolo: Todas estas causas lhes aconteciam a eles em figura. E isso tinham tais preceitos de comum com os cerimoniais, instituídos principalmente para significar fatos futuros. Por isso, também o preceito de pagar os dízimos encerrava alguma significação futura, que se explica a seguir. Quem dá a décima parte, que é um sinal de perfeição, reservando para si as nove outras confessa, por um como sinal, que é um ser imperfeito; pois o número dez é de certo modo um número perfeito, por ser como o primeiro limite dos números, além do qual eles não continuam, mas se repetem a partir da unidade. E quanto à perfeição, que haveria de se manifestar em Cristo, essa a esperaria de Deus. Mas, nem por isso esse preceito é cerimonial, senão, judicial, como se disse.
Ora, a diferença entre os: preceitos cerimoniais da lei e os judiciais está, como já dissemos, em ser ilícito observar aqueles na vigência da lei nova; ao passo que estes, embora não obriguem na vigência dessa lei, podem contudo ser observados sem pecado. E a observá–los certos estão obrigados, se o determinar a autoridade do legislador. Assim, se um legislador estabelecer lei que deva ser obedecido o preceito judicial da lei antiga, em virtude do qual quem furtou uma ovelha estava obrigado a restituir quatro ovelhas, os súbitos do referido legislador devem observá–lo. Assim também a determinação de solver o dizimo foi instituída pela autoridade da Igreja, na vigência da lei nova, por uma certa equidade; isto é, para que o povo, sob a sua lei, não desse aos ministros do Novo Testamento menos do que o da lei antiga, aos do Antigo. Embora sejam maiores as obrigações dos súbditos da lei nova, conforme está no Evangelho: Se a vossa justiça não for maior do que a, dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos céus. E porque os ministros do Novo Testamento têm maior dignidade que os do antigo, como o prova o Apóstolo. Por onde é claro, que estamos obrigados à solução dos dízimos, em parte, por direito natural e em parte, por instituição da Igreja. Mas esta, pesada a oportunidade de tempos e de pessoas, podia mandar pagar outra parte.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O preceito da solução dos dízimos, quanto ao que tem de moral, o Senhor o estabeleceu no Evangelho, quando disse: Digno é o trabalhador do seu alimento; e também o Apóstolo. Mas, a determinação do que devia ser dado como dízimo foi reservado à determinação da Igreja.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Nos tempos anteriores à lei antiga, não havia ministros do culto determinados: mas, diz–se que os primogênitos eram os sacerdotes, que recebiam uma porção dupla. E por isso não havia porção determinada a ser dada aos ministros do culto divino; mas, conforme à ocasião, cada um lhes dava espontaneamente o que lhe parecia. Assim, Abraão, por uma como inspiração profética, deu o dizimo a Melquisedeque, sacerdote do Altíssimo; semelhantemente, Jacó fez voto de pagá–lo, embora não o fizesse de pagar a certos e determinados ministros, mas, ao culto divino, isto é, para a consumação dos sacrifícios; sendo por isso que a Escritura diz sinaladamente: Eu te oferecerei o dízimo.
RESPOSTA À QUARTA. – A segunda espécie de dízimos, reservados a ser oferecidos em sacrifício, não mais existem sob a lei nova, com o cessar dos sacrifícios. Mas, a terceira espécie, a dos que se deviam comer com os pobres, a lei nova os aumentou, por mandar o Senhor darmos aos pobres não só a décima parte, mas todo o supérfluo, como se lê no Evangelho: Dai esmola do que é nosso supérfluo. E também o dízimo dado aos ministros da Igreja deve ser dispensado, por meio deles, ao uso dos pobres.
RESPOSTA À QUINTA. – Os ministros da Igreja devem ter maior empenho em procurar o bem espiritual do povo, do que em levá–lo à busca dos bens temporais. Por isso o Apóstolo não quis usar do poder que o Senhor lhe deu, de receber estipêndios, para se sustentar, daqueles a quem pregava o Evangelho, para não opor nenhum obstáculo à propagação do Evangelho de Cristo. Mas nem por isso pecavam os que não lhe vinham em auxílio; do contrário o Apóstolo não teria deixado ele adverti–los. Do mesmo modo e louvavelmente, os ministros da Igreja não exigem os dízimos, onde, por terem caído em desuso ou por outra qualquer causa, não o poderiam fazer sem escândalo. Donde, não se acham em estado de danação os habitantes dos lugares, onde não pagam os dízimos, pelos não exigir a Igreja. Salvo se, com obstinação de espírito, tivessem a intenção de não os pagar, mesmo se lh'os exigissem.
O quarto discute–se assim. – Parece que não estamos obrigados à solução das primícias.
1. – Pois, a Escritura, depois de ter dado a lei sobre os primogênitos, acrescenta: E será como um sinal na tua mão; e portanto, é um preceito cerimonial. Ora, na lei nova não devemos observar os preceitos cerimoniais. Logo, não estamos obrigados à solução das primícias.
2. Demais. – As primícias eram oferecidas ao Senhor por algum benefício especial que ele fez ao povo; por isso diz a Escritura: Tomarás as primícias de todos os teus frutos e chegaras ao sacerdote que nesse tempo for e lhe dirás: Confesso hoje diante do Senhor teu Deus que eu entrei na terra que ele tinha prometido com juramento a nossos pais que nó–la daria. Logo, as outras nações não estão obrigadas à solução das primícias.
3. Demais. – O a que estamos obrigados deve ser determinado. Ora, nem a lei antiga nem a nova estabelecem uma quantidade determinada de primícias. Logo, ninguém está obrigado necessariamente à solução delas.
Mas, em contrário; o seguinte cânon: É preciso que todo o povo pague as primícias que decretamos pertencerem de direito aos sacerdotes.
SOLUÇÃO. – As primícias constituem um certo gênero de oblação, pois, oferecemo–las a Deus acompanhando–as de um certo juramento, como se lê na Escritura. Por isso no mesmo lugar esta acrescenta: E o sacerdote tomando o cesto, isto é, as primícias das mãos ele quem as trazia, o porá diante do altar do Senhor teu Deus. Depois manda–lhe que diga: Por isso ofereço eu agora as primícias dos frutos da terra que o Senhor me deu. E as primícias eram oferecidas por uma razão especial, isto é, em reconhecimento de um benefício divino; como se confessassem ter recebido de Deus os frutos da terra e, por isso, estarem obrigados a lhe oferecer as primícias dele, conforme aquilo da Escritura: O que recebemos da tua mão, nós isso mesmo te oferecemos. Mas, devendo nós oferecer a Deus o que temos de mais precioso, por isso era ele preceito oferecerlhe as primícias, como os mais preciosos dos frutos da terra. E como o sacerdote foi constituído tal para sacrificar a Deus em nome do povo, por isso as primícias oferecidas pelo povo destinavam–se ao sustento dos sacerdotes. Donde o dizer a Escritura: Falou o Senhor a Aarão: Eis aí te dei a guarda das minhas primícias. Pois, exige o direito natural que, das coisas que nos deu, nós lh'as ofereçamos algumas para honrá–la. Mas, ao passo que na lei antiga foi determinado por direito divino, que essas ofertas fossem feitas a tais ou tais pessoas, ou em tal quantidade, a lei nova estabelece, por determinação da Igreja, que estamos obrigados à solução das primícias conforme o exigem os costumes pátrios e a necessidade dos ministros da Igreja.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os preceitos cerimoniais eram propriamente símbolos de coisas futuras; por isso cessaram com a presença da verdade realizada. Mas a oblação das primícias era sinal do benefício recebido, cujo reconhecimento é um dever imposto pelo ditame da razão natural. Por isso é que essa obrigação permanece em geral.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Na vigência da lei antiga ofereciam–se as primícias, não só pelo benefício da terra da promissão dada por Deus, mas ainda, pelo dos frutos da terra também dados por ele; por isso diz a Escritura: Ofereço as primícias dos frutos da terra que o Senhor me deu. E esta segunda causa das oblações é comum a todos. – Mas também se pode dizer que, assim como Deus, por um certo e especial benefício, concedeu aos Judeus a terra da promissão, assim também, por um benefício conatural a todo o gênero humano, lhe concedeu o domínio da terra, segundo aquilo da Escritura: A terra a deu aos filhos dos homens.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Jerônimo, foi introduzido por tradição dos maiores que os que mais davam aos sacerdotes davam–lhes a quadragésima parte dos frutos como primícias; e davam–lhes a sexagésima, os que menos davam. Donde se conclui, que as primícias deviam ser oferecidas dentro desses limites, segundo o costume pátrio. Mas a lei racionalmente não determinou a quantidade delas; porque, como dissemos, as primícias não são dadas como oblação, que, por natureza é voluntária.
O terceiro discute–se assim. – Parece que não podemos fazer oblações de todas as coisas que possuímos licitamente.
1. – Pois, segundo as leis humanas, a meretriz, como tal, procede torpemente, mas não é torpe o seu ganho; e assim, possui licitamente. Ora, não lhe é lícito fazer oblações dele, conforme aquilo da Escritura: Não oferecerás na casa do Senhor teu Deus o ganho da prostituta. Logo, não é lícito fazer oblação de todas as coisas que possuímos licitamente.
2. Demais. – No mesmo lugar se proíbe oferecer na casa de Deus o preço de um cão. Ora, é claro que podemos justamente possuir o preço de um cão licitamente vendido. Logo, não é lícito fazermos oblação de tudo o que justamente possuímos.
3. Demais. – A Escritura diz: Se ofereceis uma hóstia coxa e doente, não é isto mau? Ora, podemos possuir justamente um animal coxo e doente. Logo, parece que nem de tudo o que possuímos justamente podemos fazer oblação.
Mas, em contrário, a Escritura: Honra ao Senhor com a tua fazenda. Ora, a nossa fazenda é constituída por tudo o que possuímos justamente, Logo, podemos fazer oblação de tudo o que possuímos justamente.
SOLUÇÃO. – Como diz Agostinho, se despojasses a um fraco, e um juiz consentisse, por uma sentença favorável, em te conceder uma parte de seus despojos, a força da justiça é tanta que essa sentença te repugnaria a ti mesmo. Ora, o teu Deus não é tal, qual tu não deves ser. E por isso diz a Escritura: A oblação daquele que sacrifica dos bens havidos com a injustiça é imunda. Por onde é claro, que não é lícito fazer oblação do adquirido e possuído injustamente. Mas, na lei antiga, que prescrevia um culto figurado, certas coisas se reputavam imundas pelo que significavam, e não, era lícito oferecê–las a Deus. Mas, a lei nova, como ensina o Apóstolo, considera limpas todas as criaturas de Deus. E, portanto, consideradas em si mesmas, de todas as que possuímos licitamente podemos fazer oblação.
É possível, porém, acontecer, por acidente, que não o possamos fazer de um bem que possuímos licitamente: por exemplo, se redundar em detrimento de outrem, como no caso de um filho que oferecer a Deus aquilo com que o pai devia sustentar–se, o que o Senhor reprova, conforme se lê no Evangelho; ou em caso de escândalo, de desprêzo ou casos semelhantes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A lei antiga proibia fazer oblação do ganho do prostibulo, por causa da sua impureza. E a lei nova, por causa, do escândalo, para não parecer que a Igreja dá incentivo ao pecado, recebendo como oblação o ganho dele proveniente.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A lei antiga considera o cão um animal imundo. Mas, o preço dos animais imundos, que foram remidos, podia ser oferecido, conforme se lê: Se o animal é imundo aquele que o ofereceu o remirá. Ora, o cão nem era oferecido nem remido: quer porque os idólatras sacrificavam cães aos ídolos; quer também por significarem a sagacidade, com o produto da qual não se pode fazer oblação. Mas essa proibição cessa com a lei nova.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A oblação de um animal cego ou coxo tornava–se ilícita por três razões. – Primeiro, em razão do fim para o que era oferecido; por isso diz a Escritura: Se vós ofereceis uma hóstia cega para ser imolada, não é isto mau? Pois, os sacrifícios deviam ser imaculados. – Segundo, por causa do desprezo; por isso no mesmo lugar se acrescenta: Vós tendes profanado o meu nome nisto que dizeis: A mesa do Senhor está contaminada e aquilo que se oferece acima dela é desprezível. – Terceiro, pelo voto precedente, que obrigava se cumprisse inteiramente o prometido em virtude dele; donde o dizer no mesmo capítulo a Escritura: Maldito seja o homem enganador, que tem no seu rebanho um animal são e, tendo feito voto dele ao Senhor, lhe sacrifica um doente. E essas mesmas razões perduram na lei nova; mas, se cessarem, não haverá ato ilícito nas oblações que condenam.
O segundo discute–se assim. – Parece que as oblações não são devidas só aos sacerdotes.
1. – Pois, entre as oblações, são consideradas principais as destinadas a serem sacrificadas como vitimas. Ora, às dadas aos pobres a Escritura lhes chama vítimas, como se lê no Apóstolo: E não vós esqueçais de fazer bem e de repartir dos vossos bens com os outros; porque com tais vítimas (hostiis) é que Deus se dá por obrigado. Logo, com maior razão, devemos fazer oblações aos pobres.
2. Demais. – Em muitas paróquias os monges recebem parte das oblações. Ora, uma é a função dos clérigos e outra, a dos monges, como diz Jerônimo. Logo, as oblações não são devidas só aos sacerdotes.
3. Demais. – A Igreja permite que os leigos comprem as oblações de pães e outras. Mas só para aplicarem ao uso próprio. Logo, as oblações podem pertencer também aos leigos.
Mas, em contrário, um cânon do papa Dâmaso I determina: As oblações oferecidas dentro da Igreja, somente aos sacerdotes, consagrados ao serviço quotidiano do Senhor, é lícito comê–las e bebê–las. Porque, no Antigo Testamento, o Senhor proibiu aos filhos de Israel comer os pães sagrados, salvo a Aarão e aos seus filhos.
SOLUÇÃO. – O sacerdote é de certo modo constituído intermediário e medianeiro entre o povo e Deus, como de Moisés se lê na Escritura. Por isso, pertence–lhe ministrar ao povo a doutrina e os sacramentos divinos; e além disso oferecer a Deus, em nome do povo, as preces, os sacrifícios e as oblações, que tocam ao povo. Assim o diz o Apóstolo: Todo pontífice assunto dentre os homens é constituído a favor dos homens naquelas causas que tocam a Deus, para que ofereçam dons e sacrifícios pelos pecados. Por onde, as oblações oferecidas a Deus pelo povo pertencem aos sacerdotes, não só para que as apliquem aos seus usos próprios, mas também para que fielmente as dispensem, em parte, consumindo–as em benefício do culto divino; em parte, para a subsistência própria, pois, os que servem ao altar participam justamente do altar; e em parte, finalmente, para uso dos pobres, que devem, quanto possível, ser sustentados com os bens da Igreja. Porque também o Senhor, como refere Jerônimo, tinha uma bolsa para os pobres.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como as coisas dadas aos pobres, embora não sejam propriamente sacrifícios, tem, contudo, essa denominação, quando lhes são dadas por amor de Deus, assim também, pela mesma razão, podem chamar–se oblações, embora não propriamente, por não serem oferecidas imediatamente a Deus. Mas, as oblações propriamente ditas aplicam–se ao uso dos pobres, não como dispensadas pelos que as oferecem, mas, pelos sacerdotes.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os monges, ou outros religiosos, podem receber oblações por três razões. Primeiro como os pobres, por dispensação do sacerdote ou ordenação da Igreja. Segundo, se forem ministros do altar; e então podem receber as oblações espontaneamente feitas, Terceiro, se lhes pertencerem as paróquias; e então podem recebê–las devidamente, como reitores da Igreja.
RESPOSTA À TERCEIRA. – As oblações, depois de consagradas, não podem destinar–se ao uso dos leigos; assim como não o podem os vasos e as vestimentas sagradas. E neste sentido é que se entende o lugar do Papa Dâmaso. – Mas as não consagradas podem reverter ao uso dos leigos por dispensa dos sacerdotes, quer a modo de doação, quer como venda.
O primeiro discute–se assim. – Parece que não estamos obrigados a fazer oblações por necessidade de preceito.
1. – Pois, no tempo do Evangelho, não estamos obrigados a obedecer aos preceitos cerimoniais da lei antiga, como já se estabeleceu. Ora, oferecer oblações é um dos preceitos cerimoniais dessa lei, que ordena: Celebrar–me–eis festas três vezes cada ano; e depois acrescenta: Não aparecerás em minha presença com as mãos vazias. Logo, não estamos atualmente obrigados a oferecer oblações por necessidade de preceito.
2. Demais. – As oblações. antes de as fazermos, dependem só da nossa vontade, como se vê pelas palavras do Senhor: Se tu estás fazenda a tua oferta diante do altar, quase deixando–o ao arbítrio do oferente. Mas, depois de feitas, já não é possível tornar a fazê–las. Logo, ninguém está obrigado por necessidade de preceito, a fazê–las.
3. Demais. – Quem não restituir à Igreja o a que está obrigado, pode ser compelido a fazê–la pela privação dos sacramentos eclesiásticos. Ora, parece ilícito negar esses sacramentos aos que não quiseram fazer oblações, conforme às disposições seguintes de um decreto do Sexto Sínodo: Quem distribui a santa comunhão não deve exigir nenhum pagamento daquele que a recebe; se porém o fizer, seja deposto. Logo, não estamos obrigados a oferecer oblações, como sendo necessárias à nossa salvação.
Mas, em contrário, Gregório diz: Todo cristão procure, nas missas solenes, fazer alguma oblação a Deus.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, o nome de oblação se aplica a tudo, o que destinamos ao culto de Deus. E faremos oblação e sacrifício quando oferecermos uma coisa ao culto divino, como para um rito sagrado, devendo ser alterada e consumida, Por isso, diz a Escritura: Oferecerás todo o carneiro queimando–o sobre o altar: é esta uma oblação ao Senhor, um cheiro suavíssimo da vítima do Senhor. E noutro lugar: Quando qualquer pessoa fizer ao Senhor alguma oferta de sacrifício, a sua oblação será de flor de farinha. Se porém a coisa oferecida para o culto divino conservar o seu estado natural, ou for aplicada ao uso dos ministros do santuário, haverá oblação e não sacrifício. Portanto, é da natureza dessas oblações serem feitas voluntariamente, conforme aquilo da Escritura: Vós as recebereis de todo homem que voluntariamente as oferecer. Pode porém, acontecer que alguém esteja obrigado a fazer oblações por quatro razões. – Primeiro, por alguma convenção precedente; assim, se lhe foi concedida uma propriedade da Igreja com a condição de fazer certas oblações em tempos determinados.
O que tem natureza de censo. – Segundo, por uma destinação ou promessa precedente; como quando faz uma doação entre vivos ou deixa em testamento um bem móvel ou imóvel à Igreja, para lhe ser entregue posteriormente. – Quarto, por costume, pois, em determinadas solenidades, os fiéis estão obrigados a certas oblações costumadas. – Contudo, nestes dois últimos casos, a oblação permanece de certo modo voluntária, a saber, quanto à quantidade ou à espécie da coisa oferecida.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Na vigência da lei nova ninguém está obrigado a fazer oblações por causa de solenidades legais, como diz a Escritura; mas, por certas outras coisas, como já explicamos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Certos estão obrigados a fazer oblações: antes de as fazerem, como no primeiro, terceiro e quarto casos; e mesmo, depois de havê–las feito, por causa da destinação ou promessa, pois, estão obrigados a dar realmente o que foi oferecido com destinação à Igreja.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os que não fizerem as oblações devidas podem ser punidos pela privação dos sacramentos. Não pelo sacerdote mesmo a quem elas deviam ser feitas, a fim de não parecer que exigem paga pela administração deles, mas, por um superior.