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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 14 – Se a oração deve ser diuturna.

O décimo quarto discute–se assim. – Parece que a oração não deve ser diuturna.

1. – Pois, diz o Evangelho: Quando orais, não faleis muito. Ora, quem ora prolongadamente há de falar muito, sobretudo se a oração for vocal. Logo, a oração não deve ser diuturna.

2. Demais. – A oração manifesta os nossos desejos. Ora, um desejo é tanto mais santo quanto mais se restringe a um só objeto, conforme àquilo da Escritura: Uma só causa pedi ao Senhor, esta tornarei a pedir. Logo, a oração será tanto mais aceita ele Deus, quanto mais breve for.

3. Demais. – É ilícito transgredirmos os limites prefixados por Deus, sobretudo quando se trata do culto divino, conforme o diz a Escritura: Notifica ao povo não suceda que, para ver o Senhor, queira passar os limites e pereça um grande número deles. Ora, Deus nos pre­fixou limites, para orar, quando instituiu a Oração Dominical, como está claro no Evangelho. Logo, não é lícito protrairmos as nossas orações além desses limites.

Mas, em contrário. Parece que devemos orar continuamente; pois, o Senhor o ordena: Importa orar sempre e não cessar de o fazer; e noutro lugar: Orai sem intermissão.

SOLUÇÃO. – Podemos encarar a oração à dupla luz: em si mesma e na sua causa.

A sua causa é o desejo da raridade, da qual ela deve proceder. O qual em nós há ele ser contínuo, atual ou virtualmente; pois, a virtude de tal desejo permanece em tudo o que fazemos por caridade, porque, como diz o Apóstolo, elevemos fazer tudo para a glória de Deus. E, assim, a oração deve ser contínua. Donde o dizer Agostinho: Na fé, na esperança e na caridade, sempre oramos com a continuidade do nosso desejo.

Considerada em si mesma, porém, a oração não pode ser contínua, porque temos ele nos ocupar com outras obras. Mas, no mesmo lugar, Agostinho diz o seguinte: Rogamos a Deus por certos intervalos de horas e de tempos, para por meio desses sinais sensíveis, nos advertirmos a nós mesmos; darmos a conhecer a nos mesmos quanto progredimos nesse desejo e nos excitarmos a nós próprios, mais fortemente, a continuar no mesmo caminho. Ora, a quantidade de uma causa deve ser proporcionada ao fim, como a quantidade do remédio, à saúde. Por onde, convém à oração durar tanto quanto for útil para despertar o fervor do desejo interno. E quando exceder essa medida, de modo a não poder durar sem nos causar tédio, não devemos protrai–la. Por isso, nota Agostinho: Disse que os padres no Egito fazem orações frequentes, mas, brevíssimas e em forma de rápidas jaculatórias; a fim de que aquela contenção de espírito, que devemos manter com vigilância e é tão necessária a quem ora, não se desvaneça pela duração muito prolongada e nem se embote. E por aí também mostram suficientemente que, se não podemos forçar essa contenção quando ela não vinga perdurar, também não devemos interrompê–la inopinadamente, enquanto perdura. E se temos de proceder assim, em se tratando da nossa oração particular, relativamente à nossa contenção de espírito, o mesmo se há de fazer na oração em comum relativamente à devoção do povo.

DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Agostinho diz: Orar longamente não consiste em pronunciar muitas palavras. Uma coisa é o multilóquio e outra o perdurar do afeto. Pois, do próprio Senhor foi escrito que pernoitou na oração e orou mais prolongadamente para nos dar o exemplo. E em seguida acrescenta: Que não haja na oração muitas palavras, mas oremos tanto quanto durar a nossa fervorosa contenção de espírito. Pois, orar usando de muitas palavras é fazer o necessário com palavras supérfluas. Porque, muitas vezes, esse ato nós o praticamos mais com gemidos de que com palavras.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A longura da oração não consiste em pedirmos muitas coisas mas, na continuidade do afeto, desejando um só objeto.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O Senhor não instituiu a Oração Dominical como uma obrigação para nós de só orarmos empregando os vocábulos que a compõem. Mas, para que a nossa intenção, ao orar, seja pedir a realização do que nela se contém, seja qual for o modo de a proferirmos ou de a meditarmos.

RESPOSTA À QUARTA. – Oramos continuamente, ou pela continuidade do desejo, como dissemos; ou por não deixarmos de orar nos tempos determinados; ou pelo efeito da oração, quer em nós mesmo, que, depois dela, continuamos mais devotos, quer em outrem, por exemplo, quando, pelos nossos benefícios, excitamo–los a orarem por nós, mesmo quando tivermos deixado de orar.

Art. 13 – Se a oração tem necessidade de ser atenta.

O décimo terceiro discute–se assim. – Parece que a oração tem necessidade de ser atenta.

1. – Pois, diz a Escritura: Deus é espírito e em espírito e verdade é que devem adorar os que o adoram. Ora, não oramos com o espírito se a nossa oração não for atenta. Logo, a Oração tem necessidade de ser atenta.

2. Demais. – A oração é a elevação da nossa mente para Deus. Ora, quando ela não é atenta o nosso espírito não sobe até Deus. Logo, a oração tem necessidade de ser atenta.

3. Demais. – A oração, há–de necessariamente ser pura de qualquer pecado. Ora, não é sem pecado que, quando oramos, consentimos nas divagações da mente. Pois, seria fazer irrisão de Deus, como, se estivéssemos a falar com qualquer homem, não atendêssemos às palavras que vamos pronunciando. Por isso Basílio diz: Devemos implorar o auxílio divino, não remissivamente, ou deixando o espírita vagar de um lugar para outro; porque, assim, longe de obtermos o que pedimos ao contrário, irritamos a Deus. Logo, a oração tem necessidade de ser atenta.

Mas, em contrário, mesmo os varões santos, quando oram, padecem divagações da mente, conforme àquilo da Escritura: O meu coração me desamparou.

SOLUÇÃO. – A questão presente suscita–se sobretudo quando se trata da oração vocal. E a propósito convém saber que o necessário tem dupla acepção. Numa, significa o meio melhor conducente ao fim, e, neste sentido, é absolutamente necessário que a oração seja atenta. Noutra, significa a condição sem, a qual uma coisa não pode produzir o seu efeito.

Ora, são três os efeitos da oração. – O primeiro é comum a todos os atos informados pela caridade, que é merecer. E, para produzir este efeito, não é necessário que a atenção se mantenha durante toda a oração, porque esta permanece completamente meritória, em virtude da intenção inicial, o que se dá também com os demais atos meritórios. – O segundo efeito da oração, e que lhe é próprio, é impetrar. E para obtê–la basta também a primeira intenção, a que Deus principalmente atende. Pois, faltando ela, a oração não é meritória nem impetrativa; porque, como diz Gregório, Deus não ouve a oração, quando quem ora o faz sem atenção. – O terceiro efeito da oração é o que ela atualmente produz, a saber, um como revigoramento espiritual da mente. E, para isso, a oração tem necessidade de ser atenta. Por isso, diz o Apóstolo: Se eu orar com a língua, o meu entendimento fica sem fruto.

Mas, devemos saber que a oração vocal é susceptível de uma triplice atenção. Uma, quando atendemos às palavras, para não errarmos. A segunda, quando atendemos ao sentido delas. A terceira considera o fim da oração, que é Deus, e o objeto que ela tem em vista. Esta terceira forma de atenção é a mais necessária de todas, e todos podem tê–la, E às vezes, a intensidade, que nos leva o espírito para Deus, é tão forte, que nós nos esquecemos de tudo o mais, como diz Hugo de S. Vítor.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Ora em espírito e em verdade quem é levado à oração por inspiração do Espírito Santo, embora, por qualquer fraqueza, a mente se lhe ponha em seguida a divagar.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A mente humana, fraca por natureza, não pode manter–se por muito tempo nas alturas; pois, o pêso da sua debilidade arrasta a alma ao que lhe é inferior. Donde procede que quando, ao orarmos, a nossa mente se eleva a Deus, pela contemplação, subitamente entra a divagar, por fraqueza.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem de propósito deixa o espírito divagar, quando ora, comete pecado e fica privado do fruto da oração. E é contra isso que diz Agostinho: Quando orais a Deus, cantando salinos e hinos, repassei no coração o que proferis com a boca. Ao contrário, a divagacão não proposital ela mente não tolhe o fruto da oração. Por isso, diz Basílio: Se porém, enfraquecido pelo pecado, não puderes orar atentamente, coíbe–te das distrações quanto puderes e Deus te perdoará; pois, se não podes te manter na presença dele, não é por negligência, mas, por fragilidade.

Art. 12 – Se a oração deve ser vocal.

O duodécimo discute–se assim. – Parece que a oração não deve ser vocal.

1. – Pois, a oração, como já se disse, nós a fazemos principalmente a Deus. Ora, Deus conhece a linguagem do coração. Logo, é inútil lhe acrescentarmos a oração vocal.

2. Demais. – Pela oração a mente humana deve ascender para Deus, como se disse. Ora, as palavras, como tudo quanto é sensível; impedem a nossa contemplação ele se alçar até Deus. Logo, quando oramos não devemos usar de palavras.

3. Demais. Devemos fazer a nossa oração a Deus ocultamente, conforme àquilo da Escritura: Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechada a porta, ora a teu Pai em secreto. Ora, manifestamos a nossa oração pela palavra. Logo, a oração não deve ser vocal.

Mas, em contrário, a Escritura: Com a minha voz clamei ao Senhor, com a minha voz fiz deprecação ao Senhor.

SOLUÇÃO. – Há duas formas de oração: a geral e a particular. – A geral é a feita a Deus pelos ministros ela Igreja, em nome de todo o povo. Por isso é necessário seja conhecida de todo ele, por quem é proferido, o que só é possível se ela for vocal. Por isso a Igreja com razão estabeleceu que os seus ministros a pronunciem em voz alta para poder chegar ao conhecimento de todos. – A particular é a que cada um faz por si mesmo ou por outrem. E esta oração não tem necessidade de ser vocal.

Mas, fazemo–la, contudo vocalmente por três razões. – Primeiro, para despertar a devoção interior, que quando oramos nos eleva a mente para Deus. Pois, os sinais exteriores das palavras ou de quaisquer outros atos movem–nos, quando apreendidos, o espírito e por consequência, pela afeição. Por isso diz Agostinho: Com as palavras e outros sinais próprios para aumentar–nos os santos desejos, nós nos excitamos a nós mesmos mas fortemente. E é porque, nas nossas orações particulares, devemos usar de palavras e de sinais semelhantes, na medida em que forem úteis a nos excitarem a mente. Devemos abandoná–las, porém, se nô–la distraírem ou nos servirem de obstáculo, de qualquer modo seja. E tal é o caso de quem já tem o espírito suficientemente preparado à devoção, sem o auxilio desses sinais. Por isso dizia o Salmista : O meu coração te falou a ti: teu rosto hei–de buscar. E de Ana se lê, que falava no seu coração. – Segundo, usamos da oração vocal, quase Como paga de um dever, isto é, para servirmos a Deus com tudo que dele recebemos; não só com a mente, portanto, mas também com o corpo. O que, sobretudo, o realiza a oração quando é satisfatória. Donde o dizer a Escritura: Tira–nos todas as nossas iniquidades; recebe este bem e nós te ofereceremos novilhos em sacrifício com os louvores dos nossos lábios. – Em terceiro lugar, fazemos oração vocal por uma como redundância da alma sobre o corpo, resultante de um afeto veemente, conforme à Escritura: Alegrou–se o meu coração, regoziou–se a minha língua.

DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não proferimos a oração vocal para manifestarmos algo de desconhecido a Deus, mas para que a nossa mente ou a de outros se eleve para ele.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Palavras sem nenhuma significação devota distraem–nos a mente e impedem–nos a devoção. Mas as que tem significação devota, despertam–nos o espírito, sobretudo quando pouco devoto.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Crisóstomo, Deus nos proibi orarmos em público com a intenção de sermos vistos pelos outros. Por isso, quando assim oramos nada devemos fazer de insólito, que os outros notem, por exemplo, grita; para sermos ouvidos deles; bater espetaculosamente no peito ou abrir os braços. – Nem contudo, diz Agostinho, é mau sermos vistos pelos outros; mas, procedermos de modo que o sejamos.

Art. 11 – Se os santos que estão na pátria oram por nós.

O undécimo discute–se assim. – Parece que os santos que estão na pátria não oram por nós.

1. – Pois, um ato nosso é mais meritório para nós do que para outrem Ora, os santos que estão na pátria não merecem para si nem por si oram, porque já estão de posse do fim último. Logo, também não oram por nós.

2. Demais. – Os santos conformam perfeitamente a sua vontade com a de Deus, de modo a não quererem senão o que Deus quer. Ora, o que Deus quer sempre se cumpre. Logo, seria inútil os santos orarem por nós.

3. Demais. – Assim como os santos que estão na pátria são–nos superiores, assim também os que estão no purgatório, porque já não podem pecar. Ora, os que estão no purgatório não oram por nós; ao contrário, oramos nós por eles. Logo, nem os santos que estão na pátria oram por nós.

4. Demais. – Se os santos que estão na pátria orassem por nós, seria mais eficaz a oração dos santos superiores. Logo, não deveríamos implorar o sufrágio das orações dos inferiores, mas só o elos superiores.

5. Demais. – A alma de Pedro não é Pedro. Logo, se a alma dos santos orasse por nós, quando se lhes separou do corpo, não deveríamos pedir a São Pedro, mas, à sua alma, que ore por nós. Ora, a Igreja faz o contrário. Portanto, os santos, ao menos antes da ressurreição, não oram por nós.

Mas, em contrário, a Escritura: Este é Jeremias, profeta de Deus que ora muito pelo povo e por toda a santa cidade.

SOLUÇÃO. – Como diz Jerônimo, foi erro de Vigilância dizer que, enquanto vivemos, podemos orar mutuamente, uns pelos outros. Mas, depois de mortos a oração de uns pelos outros não será ouvida. Tanto mais que os mártires não conseguiram obter, apesar de o haverem pedido, que o seu sangue fosse vingado. Mas, isto é absolutamente falso, porque, como já dissemos, por causa da caridade é que oramos pelos outros. Ora, quanto mais perfeita for a caridade dos santos que estão na pátria, tanto mais eles oram por aqueles de nós, a quem a oração deles puder aproveitar. E quanto mais próximos estiverem de Deus tanto mais eficazes lhes são as orações. Pois, é da ordem divina, que a excelência dos superiores se difunda nos inferiores, como a claridade do sol, no ar. Por isso, o Apóstolo diz de Cristo: Chegando–se por ele mesmo a Deus para interceder por nós. Donde o comentar Jerônimo: Se os Apóstolos e os mártires quando ainda vivem neste mundo e devendo ter solicitude para consigo mesmos, podem orar pelos outros, quanto mais depois das coroas, das vitórias e dos triunfos!

DONDE, A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os santos, na pátria, sendo felizes, nada lhes falta da beatitude, senão a glória do corpo, para obter a qual, oram. Mas, oram por nós, a quem falta a última perfeição da beatitude. E as orações deles tem eficácia impetratóra, em virtude dos seus méritos precedentes e da aceitação divina.

RESPOSTA À SEGUNDA – Os santos obtêm o que Deus quer fazer para lhes atender às orações. E o pedem por saberem que elas terão bom êxito, conforme à vontade de Deus,

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os do purgatório, embora superiores a nós pela impecabilidade são inferiores, contudo, pelas penas que sofrem. E, por isso, não se acham em condição de poderem orar, mas, antes, ele serem objetos das nossas orações.

RESPOSTA A QUARTA. – Deus quer que os seres superiores sirvam ele auxiliares aos inferiores. Por onde, importa implorarmos não só os santos superiores mas também os inferiores; do contrário devíamos implorar misericórdia só de Deus. Mas, acontece às vezes ser–nos mais eficaz implorar os santos inferiores, quer por o fazermos mais devotamente, ou por lhes querer Deus manifestar a santidade.

RESPOSTA À QUINTA. – Os santos, enquanto viviam, mereceram rogar por nós; por isso os invocamos pelos nomes que tinham neste mundo que também nos são mais conhecidos. E, além disso assim o fazemos, para protestarmos a nossa fé na ressurreição, como se lê na Escritura: Eu sou o Deus de Abraão, etc.

Art. 9 – Se estão convenientemente assinaladas as sete petições da Oração Dominical.

O nono discute–se assim. – Parece que estão inconvenientemente assinaladas as sete petições da Oração Dominical.

1. – Pois, é vão pedirmos seja santificado o que sempre é santo. Ora, o nome de Deus sempre é santo, segundo a Escritura: É santo o seu nome. E também é sempiterno o seu reino, ainda segundo a Escritura: O teu reino, Senhor, é reino que se estende a todos os séculos. E enfim a vontade de Deus sempre se cumpre, conforme ao lugar seguinte: Toda a minha vontade se fará. Logo, é vão pedir que o nome de Deus seja santificado, que chegue o seu reino e que se lhe faça a vontade.

2. Demais. – Antes de evitarmos o mal devemos buscar o bem. Ora, parece inconveniente pedirmos que possamos praticar o bem, antes de pedirmos que evitemos o mal.

3. Demais. – Pedimos para que nos deem. Ora, o principal dom de Deus é o Espírito Santo e o que por medação dele nos é dado. Logo, parecem inconvenientemente formuladas petições, que não correspondem aos dons do Espírito Santo.

4. Demais. – Segundo Lucas, a Oração Dominical formula só cinco petições. Logo é supérfluo que, segundo Mateus, se formulem sete.

5. Demais. – É vão captar a benevolência de quem já com ela nos preveniu. Ora, Deus nos preveniu com a sua benevolência, conforme à Escritura: Deus nos amou primeiro. Logo, é supérfluo colocar. antes de todas as petições: Padre Nosso que estais nos céus, que parece ter o fim ele captar a benevolência.

Mas, em contrário, basta a autoridade de Cristo, que instituiu a Oração.

SOLUÇÃO – A Oração Dominical é perfeitíssima, porque como diz Agostinho, se oramos reta e convenientemente, não podemos pedir senão o que está formulado na Oração Dominical. Pois, sendo a oração, de certo modo, o intérprete do nosso desejo, junto ele Deus, quando oramos só podemos pedir com retidão o que com retidão podemos desejar. Ora, na Oração Dominical, não só pedimos todas as coisas que podemos retamente desejar, mas, ainda, na ordem em que são desejáveis, De modo que essa Oração não só nos ensina a pedir, mas também manifesta todo o nosso afeto.  

Ora, é claro que o objeto primário do nosso desejo é o fim e o secundário os meios. Mas o nosso fim é Deus, para o qual o nosso afeto tende duplamente: por lhe querermos a glória, e por querermos gozá–la. E desses dois modos, o primeiro pertence ao amor com que amamos a Deus em si mesmo; o segundo, ao com que nos amamos, em Deus. – Por isso, a primeira petição é assim formulada: Seja santificado o teu nome, pela qual pedimos a glória de Deus. A segunda assim: Venha a nós o teu reino, pela qual pedimos que alcancemos a glória do seu reino.

Ora, ao fim supra referido um meio pode nos conduzir duplamente: por si mesmo e por acidente. Por si, quando é um bem útil para o fim. Mas, um meio pode ser útil para o fim de dois modos. – De um modo, direta e principalmente, conforme o mérito com que merecemos a felicidade, obedecendo a Deus. E por isso é que a Oração diz: Faça–se a tua vontade assim na terra como no céu. – De outro modo, instrumentalmente e como nos ajudando a merecer. E é isto o que visa a petição: O pão nosso de cada dia dá–nos hoje. Quer o entendamos do pão sacramental, cujo uso quotidiano nos alimenta, e no qual se compreendem os outros sacramentos; quer, do pão corporal, entendendo–se por pão tudo o necessário à nossa subsistência, como diz Agostinho. Pois, a Eucaristia é o sacramento principal assim como o pão é o alimento principal. Por isso, no Evangelho de Mateus está escrito supersubstancial – isto é. principal, como explica Jerônimo.

Acidentalmente nós nos ordenamos à felicidade, pela remoção dos obstáculos. Ora, há três obstáculos que nô–la impedem. – O primeiro é O pecado, que diretamente nos exclui do reino, conforme ao Apóstolo: Nem os fornicários, nem os idólatras, etc., hão de possuir o reino de Deus. E a isto se referem as expressões: Perdoei–nos os nossos pecados. – O segundo é a tentação, que nos impede obedecer à vontade divina. E a isto se referem as expressões: E não nos induzas em tentação, com que não pedimos para não sermos tentados, mas para não sermos vencidos pelas tentações, que é o sentido da expressão referida. – O terceiro são as penas desta vida, que lhe tiram a plenitude. E a isso se referem as expressões; Livra–nos do mal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como ensina Agostinho, quando dizemos ­ Santificado seja o teu nome – não o pedimos, como se não fosse santo o nome de Deus, mas, para que os homens o tenham como santo, o que constitui propagação da glória divina entre eles. E quando dizemos – Que o teu reino chegue não significa que Deus agora não reine, mas como o explica Agostinho, assim despertamos em nós o desejo de que esse reino chegue e nós mereçamos reinar nele. E enfim quando dizemos – Faça–se a tua vontade – isso na verdade significa – Sejam obedecidos os teus preceitos assim no céu como na terra, isto é assim pelos anjos como pelos homens. Por onde, essas três petições se realizarão na vida futura; e as outras quatro respeitam às necessidades da vida presente, como ensina Agostinho.

RESPOSTA A SEGUNDA. – Sendo a oração intérprete dos nossos desejos, a ordem das petições não corresponde à dá execução, mas à dos desejos ou da intenção, na qual vem o fim antes dos meios e a busca do bem, antes aa remoção do mal.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Agostinho faz corresponder as sete petições aos dons e às beatitudes, dizendo o seguinte: Se o temor de Deus torna felizes os pobres de espírito, peçamos que, com um casto temor, o nome de Deus seja santificado entre os homens. Se a piedade torna felizes os humildes, peçamos que o seu reino cheque, para que nos humilhemos, nem lhe resistamos. Se a ciência torna felizes os que choram, oremos para que lhe seja feita a vontade, porque assim, não choraremos. Se a fortaleza torna felizes os que tem fome, peçamos que nos seja dado o pão nosso de cada dia. Se o conselho torna felizes os misericordiosos, perdoemos aos nossos devedores, para que nos sejam perdoadas as nossas dívidas. Se a inteligência torna felizes os limpos de coração, peçamos para não ter duplicidade de coração, buscando os bens temporais, causas de nossas tentações. Se a sabedoria torna felizes os pacíficos, que por isso serão chamados filhos de Deus, oremos para nos livrarmos do mal, pois essa libertação torna, por si mesmas, os livres filhos de Deus.

RESPOSTA À QUARTA. – Como diz Agostinho, Lucas compreendeu, na Oração Dominical, não sete, mas, cinco petições. Pois, mostrando que a terceira é de certo modo a repetição das duas anteriores, ele a torna mais compreensível omitindo–a. Porque a vontade de Deus quer principalmente que lhe conheçamos a santidade e reinemos com ele. E à petição que Mateus colocou em último lugar – Livra–nos do mal ­ Lucas não se lhe refere para que cada um saiba que se livra do mal, não sendo induzido em tentação.

RESPOSTA À QUINTA. – Não oramos a Deus para o dobrarmos ás nossas vontades, mas para despertar em nós a confiança no pedido. O quer sobretudo, o realiza a consideração da caridade com que nos quer o nosso bem, e por isso dizemos, Padre Nosso. E a consideração da sua excelência, pela qual pode nos dar o bem que nos quer; donde o dizermos – Que estás no céu.

Art. 8 – Se devemos orar pelos inimigos.

O oitavo discute–se assim. – Parece que não devemos orar pelos nossos inimigos.

1. – Pois, como diz o Apóstolo, tudo quanto está escrito, para nosso ensino está escrito. Ora, na Sagrada Escritura fazem–se muitas imprecações contra os inimigos. Assim, num lugar se lê: Sejam confundidos e conturbados todos os meus inimigos; convertam–se e sejam cobertos de ignomínia num instante. Logo, também devemos orar, antes, contra os nossos inimigos, que em favor deles.

2. Demais. – A vingança que tiramos dos inimigos redunda–lhes em mal. Ora, os santos pedem vingança deles, como se lê na Escritura: Até quando dilatas tu vingar o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? E por isso alegram–se com a vingança tirada dos ímpios: Aleqrar–se–a o justo quando vir a vingança. Logo, não devemos orar pelos inimigos, mas antes contra eles.

3. Demais – Os nossos atos e as nossas orações não devem ser contrários. Ora, às vezes é lícito atacarmos os nossos inimigos, do contrário todas as guerras seriam ilícitas, o que vai contra o que já foi dito. Logo, não devemos orar pelos nossos inimigos.

Mas, em contrário, a Escritura: Orai pelos que vos perseguem e caluniam.

SOLUÇÃO. – Orar pelos outros é obra de caridade, como dissemos. Portanto, do mesmo modo por que estamos obrigados a amar os inimigos, desse mesmo elevemos orar por eles. Ora, como devemos amá–los, já o dissemos no tratado sobre a caridade; isto é, devemos amar–lhes a natureza e não a culpa. E que amá–los em geral, é de preceito, mas não o é em especial, senão como preparação da alma, isto é, para estarmos preparados a amá–las, mesmo em especial, e a ajudá–los em caso ele necessidade ou se nos pedirem perdão. Mas, amá–los em especial, absolutamente falando, e ajudá–los é obra de perfeição. Semelhantemente, é necessário que das orações, que fizermos geralmente pelos outros, não excluamos os inimigos. Mas é obra de perfeição orarmos particularmente por eles, e não de preceito, salvo nalgum caso especial.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As imprecações existentes na Sagrada Escritura podemos entendê–las em quatro sentidos. Primeiro, para significar que os profetas costumam, sob a forma de imprecações, predizer o futuro, como explica Agostinho. Segundo, para significar que Deus manda às vezes certos males temporais aos pecadores para corrigi–los. Terceiro, para se entenderem como feitas não contra os homens diretamente, mas, contra o reino do pecado, isto é, para que, pela correção dos homens, o pecado fique destruído. Quarto, como que conformando o que querem significar, com a justiça divina, que condena os que perseveram no pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, a vingança. dos mártires está em que seja destruído o reino do pecado, que, enquanto preponderava, causou–lhes tantos sofrimentos. Ou, pedem que sejam vingados, não vocal, mas racionalmente, assim como o sangue de Abel clamava da terra. E alegram–se, não com a vingança em si mesma, mas, com a divina justiça.

RESPOSTA À TERCEIRA. – É lícito atacarmos os inimigos para lhes impedirmos os pecados, o que redunda em benefício deles e dos outros. E assim também é lícito pedirmos, nas nossas orações, certos males temporais para, os inimigos, para que se corrijam. Por onde, a oração e as obras não serão contrárias.

Art. 7 – Se devemos orar pelos outros.

O sétimo discute–se assim. – Parece que não devemos orar pelos outros. 

1. – Pois, nas nossas orações devemos repetir a forma que Deus estabeleceu. Ora, na Oração Dominical, pedimos por nós e não, pelos outros quando dizemos: O pão nosso de cada dia nos dai hoje, e coisas semelhantes. Logo, não elevemos orar pelos outros.

2. Demais. – A oração é feita para ser ouvida. Ora, uma das condições para a oração ser ouvida é que peçamos por nós. Por isso; àquilo da Escritura.– Se vós pedirdes a meu Pai alguma coisa em meu nome, ele vô–la há de dar – Agostinho diz: Cada um é ouvido em seu próprio proveito e não no dos outros; porque o Evangelho não diz de um modo geral há de dar, mas, vô–la há de dar. Logo, parece que não devemos orar pelos outros, mas, só por nós.

3. Demais. – Estamos proibidos de orar pelos outros, se forem maus, conforme àquilo da Escritura: Tu pois não rogues por este povo e não te me oponhas; porque te não escutarei. Ora, pelos bons não há necessidade de orar, porque são ouvidos quando oram em seu próprio favor. Logo, parece que não devemos orar pelos outros.

Mas, em contrário, a Escritura: Orai uns pelos outros para serdes salvos.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, devemos pedir nas nossas orações o que devemos desejar. Ora. devemos desejar o bem, não só para nós, mas também para os outros; o que pertence ao amor, por natureza, que devemos ter para com os próximos, como do sobredito resulta. Por isso a caridade exige que oremos pelos outros. Donde o dizer Crisóstomo: A necessidade obriga a orarmos por nós; e a orar pelos outros a caridade fraterna nó–la exorta. Ora, perante Deus, é mais doce a oração que não se funda na necessidade, mas se inspira na caridade fraterna.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como nota Cipriano, não dizemos, Padre meu, mas nosso; nem, dá–me, mas dá–nos, porque O Mestre da unidade não quis que fizéssemos oração em particular, pedindo cada um só por si. Pois, quer que cada um ore por todos, como trouxe todas as almas numa só alma.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Foi posta como condição da oração que orássemos, por nós, não como necessária para merecermos o efeito dela, mas, como para assegurar–lhe a realização. Pois, pode acontecer às vezes, que a oração feita em benefício de outrem, mesmo se for pia, perseverante e pedir o que lhe respeita à salvação, não consiga o que pede, por causa de algum impedimento por parte daquele por quem oramos, conforme àquilo da Escritura: Ainda que Moisés e Samuel; se pusessem diante de mim, não está a minha alma com este povo. Nem por isso, contudo, deixará de ser meritória a oração para quem ora com caridade, conforme à Escritura; A minha oração dava voltas no meu seio. O que comenta a Glosa: isto é, embora não lhe aproveite, eu porém não ficarei frustrado da minha recompensa.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Devemos orar, mesmo pelos pecadores, para que se convertam e pelos justos, para que perseverem e progridam. – Porém, os que oram não são ouvidos, em benefício de todos os pecadores, mas só de alguns. São-no quando se trata dos predestinados: mas não pelos prescitos à morte eterna. Assim como também a correção, com que corrigimos os nossos irmãos, produz o seu efeito, quanto aos predestinados e não, quanto aos reprovados, segundo àquilo da Escritura: Ninguém pode corrigir a quem Deus desprezou. E por isso diz ainda ela: O que sabe que seu irmão comete um pecado, que não é para morte, peça, e será dada vida ao tal, cujo pecado não é para morte. Ora, assim como não devemos privar ninguém, enquanto viver, do benefício da correção, por não podermos distinguir os predestinados, dos reprovados, como diz Agostinho, assim também a ninguém devemos negar o sufrágio da oração. – E também devemos orar pelos justos por três razões. Primeiro, porque as preces de muitos são ouvidas mais facilmente. Por isso àquilo do Apóstolo – Que ajudeis com as vossas orações – comenta a Glosa: Com razão o Apóstolo pede aos seus inferiores, que orem por ele, pois, muitos pequenos, congregando–se numa só alma, tornam–se grandes; e é impossível a prece de muitos não conseguir o que, é claro, possa ser obtido. Segundo, porque sejam muitos os que deem graças a Deus pelos benefícios que faz aos justos e que redundam em utilidade de todos, como está claro no Apóstolo. Terceiro, para que os grandes não se ensoberbeçam, considerando que precisam dos sufrágios dos pequenos.

Art. 6 – Se devemos pedir a Deus, nas nossas orações, bens temporais.

O sexto discute–se assim. – Parece que não devemos pedir a Deus nas nossas orações bens temporais.

1. – Pois, buscamos o que pedimos nas nossas orações. Ora, não devemos buscar as causas temporais, conforme à Escritura: Buscai primeiramente o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas se vos acrescentarão, isto é, os bens temporais, dos quais diz que não devemos buscar, mas se acrescentarão ao que buscamos.

2. Demais. – Ninguém pede senão aquilo de que tem solicitude. Ora, não elevemos ter solicitude com as coisas temporais, conforme o diz a Escritura: Não andeis cuidadosos da vossa vida, que comereis. Logo, não elevemos pedir bens temporais nas nossas orações.

3. Demais. – Pela oração a nossa mente deve elevar–se para Deus. Ora, pedindo os bens temporais, ela desce ao que lhe é inferior, contrariando assim o dito do Apóstolo: Não atendendo nós às causas que se vêem, mas sim às que não, se vêem; porque as causas visíveis são temporais, e as invisíveis são eternas. Logo, não devemos pedir a Deus nas nossas orações os bens temporais.

4. Demais. – Não devemos pedir a Deus senão o bem e o útil. Ora, às vezes, os bens temporais que possuímos, são nocivos, não só espiritualmente mas também temporalmente. Logo, não devemos pedi–los a Deus nas nossas orações.

Mas, em contrário, a Escritura: Dá–me somente o que for necessário para viver.

SOLUÇÃO. – Como diz Agostinho, é lícito pedir nas orações o que é licito desejar. Ora, é lícito desejar os bens temporais, não, por certo, principalmente, ele modo a constituirmos neles o nosso fim; mas, como uns adminículos, que nos ajudam a buscar a felicidade, isto é, sustentando com eles a vida do corpo e servindo–nos deles como de instrumentos para a prática da virtude, como também o diz o Filósofo. Por onde, podemos pedir nas nossas orações os bens temporais. E é o que ensina Agostinho: Quer razoavelmente os bens suficientes à vida quem não quer nuns do que eles; pois, não são desejáveis em si mesmos, mas, enquanto conservam a saúde do corpo e servem para mantermos o estado conveniente à nossa pessoa, de modo a não ser penosa para os outros a nossa convivência. Por onde, quando os temos, devemos orar para não os perdermos; e quando não os temos, para que os consigamos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não devemos buscar os bens temporais como bens primários, mas, como secundários. Por isso explica Agostinho: Quando a Escritura diz ­ Devemos buscá–lo primeiro, isto é, o reino de Deus – que significar que devemos buscá–los, isto é, os bens temporais, em segundo lugar, não quanto ao tempo, mas, quanto à dignidade: o reino de Deus, como nosso bem; os bens temporais, como o que nos é necessário.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Não é qualquer solicitude com os bens temporais que é proibido, mas, a supérflua e desordenada, como já estabelecemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando a nossa alma busca os bens temporais, para descansar neles, fica deprimida por eles. Mas, quando os busca em ordem à consecução da felicidade, longe de a deprimirem, é ela quem os eleva para o alto.

RESPOSTA À QUARTA. – Desde que não pedimos os bens temporais como se puséssemos neles o nosso fim, mas, ordenadamente a outros bens, pedimos a Deus que nô–los conceda com a intenção de que sirvam à nossa salvação.

Art. 5 – Se na oração devemos pedir alguma coisa determinada a Deus.

O quinto discute–se assim. – Parece que na oração não devemos pedir nada de determinado a Deus.

1. – Pois, como diz Damasceno, orar é pedir a Deus o que é conveniente. Por isso é ineficaz a oração em que pedimos o que não convém, conforme ao dito da Escritura: Pedis e não recebeis; e isto porque pedis mal. Ora, no dizer do Apóstolo, não sabemos o que havemos de pedir como convém. Logo, não devemos pedir nada de determinado em nossas orações.

2. Demais. – Quando pedimos a outrem uma coisa determinada, esforçamo–nos por inclinar–lhe a vontade a fazer o que queremos. Ora, não devemos pretender que Deus queira o que queremos; mas, antes, devemos querer o que Deus quer, como diz a Glosa aquilo da Escritura: Exultai, ó justos, no Senhor, Logo, não devemos pedir nada de determinado, a Deus, na oração.

3. Demais. Não devemos pedir o mal a Deus, pois, Ele nos convida ao bem. Ora, pedimos em vão a outrem o que este nos convida a aceitar. Logo, não devemos pedir nada de determinado, a Deus, na oração.

Mas, em contrário, O Senhor ensinou os discípulos a pedirem determinadamente as coisas nas petições da Oração Dominical.

SOLUÇÃO. – Como refere Valério Máximo, Sócrates julgava que não devíamos pedir aos deuses imortais senão que nos fizessem bem, porque, enfim, sabem o que a cada um nos é útil; ao passo que pedimos muitas vezes, com os nossos desejos, o que seria melhor não pedir. E essa opinião de certo modo é verdadeira, quanto ao que é susceptível de mau resultado, do que podemos usar mal e bem. Assim, as riquezas, que, como no mesmo lugar se diz, causaram a perdição de muitos; as honras, que arruinaram muitos; os reinos, cujos triunfos são muitas vezes considerados miseráveis; os esplêndidos casamentos que às vezes destroem totalmente as casas. Há, porém, bens de que o homem não pode usar mal, isto é, que não são susceptíveis de nenhum mau resultado. São os que nos tornam felizes e com os quais merecemos a felicidade. E que os santos nas suas orações pedem incondicionalmente, conforme aquilo da Escritura: Excita o teu poder e vem a fazer–nos salvos. E ainda: Guia–me pela vereda dos teus mandamentos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora por nós mesmos não saibamos o que devemos pedir, contudo, o Espírito, como na mesmo lugar se nota, ajuda–nos a fraqueza, fazendo–nos pedir o que é reto, pela inspiração em nós de santos desejos. Donde o dito do Senhor, que os verdadeiros adoradores devem adorar em espirito e verdade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando, nas nossas orações, pedimos o necessário à salvação, conformamos a nossa vontade com a de Deus, da qual diz a Escritura, que quer que todos os homens se salvem.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Deus nos convida ao bem de modo que o busquemos, não com passos do corpo, mas, com pios desejos e orações devotas.

Art. 4 – Se devemos orar só a Deus.

O quarto discute–se assim. – Parece que devemos orar só a Deus.

1. – Pois, a oração é, como se disse, um ato de religião. Ora, só a Deus devemos cultuar com o ato de religião. Logo, só a Deus devemos orar.

2. Demais. – Fazemos uma oração vã a quem não nó–la pode conhecer. Ora, só Deus pode conhecer a oração, quer por ela se exprimir quase sempre por um ato interno, que só Deus conhece, mais do que pela palavra, conforme aquilo do Apóstolo – Orarei com o espírito) crerei também com a mente; quer também porque, como diz Agostinho. não sabem os mortos, mesmo santos, o que fazem os vivos, mesmo se forem seus filhos. Logo, não devemos fazer oração senão a Deus.

3. Demais. – Se fazemos oração a certos santos, só o poderá ser por estarem eles unidos a Deus. Ora, certos, ainda vivendo neste mundo, ou estando no purgatório, estão muito unidos a Deus pela graça. Ora, a esses não fazemos oração. Logo, nem devemos fazê–la aos santos do Paraíso.

Mas, em contrário, a Escritura: Chama, se há alguém que te responde e volta–te para alguns dos santos.

SOLUÇÃO. – De dois modos fazemos oração a alguém: para que esse mesmo a defira, ou para que obtenha de outrem o que queremos. Ora, do primeiro modo só a Deus oramos, porque todas as "nossas orações devem ordenar–se à consecução da graça e da glória, que só Deus dá, conforme aquilo da Escritura: O Senhor dará a graça e a glória. Mas, do segundo modo, fazemos oração aos santos anjos e aos homens. não para que, por meio deles, Deus conheça as nossas petições, mas para que, pelas preces e pelos méritos deles, as nossas orações surtam o seu efeito. Por isso, diz a Escritura, que subiu o fumo dos perfumes das orações dos santos da mão do anjo diante de Deus. O que também é claro pelo modo mesmo de orar da Igreja. Assim, pedimos à Santa Trindade que se compadeça de nós; mas, aos santos, quaisquer que sejam que orem por nós.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nas nossas orações só aqueles prestamos o culto da religião, de quem queremos obter o que pedimos; pois, desse modo, o proclamamos o Autor dos nosso bens. Mas, não, aos que pedimos como a intercessores nossos juntos de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os mortos, se lhes considerarmos a condição natural não conhecem o que se passa neste mundo e, sobretudo, os movimentos internos do coração. Mas aos bem–aventurados, como diz Gregório, se lhes manifesta no Verbo o que devem conhecer do que se passa conosco mesmo quanto aos movimentos internos do coração. E, sobretudo convém à excelência deles conhecerem os pedidos que lhes fazemos vocal ou mentalmente. Por onde, os pedidos que lhes dirigimos eles os conhecem pelos manifestar Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os que estão neste mundo ou no purgatório ainda não gozam da visão do Verbo para poderem conhecer o que pensamos ou dizemos. Por isso não lhes imploramos os sufrágios nas nossas orações; mas, enquanto vivos, pedimos–lhes, falando com eles.

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