Category: Santo Tomás de Aquino
O quarto discute–se assim. – Parece que nem todos estão obrigados a oferecer sacrifícios.
1. – Pois, diz o Apóstolo: Quanto a lei diz, aqueles que debaixo da lei estão o diz. Ora a lei sobre os sacrifícios não foi estabelecida para todos, mas só para o povo Judeu. Logo, nem todos estão obrigados a oferecer sacrifícios.
2. Demais. – Os sacrifícios oferecem–se a Deus com alguma significação. Ora, nem todos podem compreendê–la. Logo, nem todos estão obrigados a oferecê–las.
3. Demais. – Chamam–se sacerdotes os que oferecem sacrifícios a Deus. Ora, nem todos são sacerdotes. Logo, nem todos estão obrigados a oferecer sacrifícios.
Mas, em contrário, oferecer sacrifício é preceito da lei natural, como já se estabeleceu. Ora, aos preceitos da lei natural todos estão obrigados a obedecer. Logo, todos estão obrigados a oferecer sacrifícios a Deus.
SOLUÇÃO. – Há duas formas de sacrifícios. Uma, a principal, é o sacrifício interno, a que todos estão obrigados; pois, todos estamos obrigados a oferecer a Deus um espírito devoto. A outra é o externo, que se divide em duas. Pois, há uma forma desse sacrifício merecedor de louvores, por oferecer um objeto externo a Deus como protesto da nossa sujeição a ele. E esse obriga tanto os que vivem sob o domínio da lei nova como os que vivem sob o da antiga, mas diferentemente daqueles que não estão sujeitos a elas. Pois, os primeiros estão obrigados a oferecer determinados sacrifícios, conforme aos preceitos da lei. Mas, os segundos só estavam obrigados a certas práticas externas em honra de Deus, de acordo com as exigências do meio que viviam, sem o estarem a nenhuns sacrifícios determinados. Quanto aos sacrifícios exteriores, quando os atos externos das outras virtudes são aplicados a reverenciar a Deus, certos são de preceitos e a esses todos estão obrigados; certos são superrogatórios e a esses nem todos o estão.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nem todos estavam obrigados aos sacrifícios determinados preceituados na lei; mas o estavam a certos interiores ou exteriores, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora nem todos conheçam explicitamente a virtude dos sacrifícios, conhecem–na, porém implicitamente, assim como também professam a fé implícita, como se provou.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os sacerdotes oferecem os sacrifícios especialmente ordenados ao culto divino, não só por si, mas também pelos outros. Mas, há outros sacrifícios que qualquer pode oferecer por si a Deus, como do sobredito se colhe.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a oblação do sacrifício não, é um ato especial de virtude.
1. – Pois, diz Agostinho: São verdadeiros sacrifícios todas as obras que praticamos para nos unirmos a Deus, numa união santa. Ora, nem toda boa obra é ato especial de alguma virtude determinada. Logo, a oblação do sacrifício não é ato especial de nenhuma virtude determinada. Logo a oblação do sacrifício não é ato especial de nenhuma virtude determinada.
2. Demais. – A abstinência consiste em macerarmos o corpo pelo jejum; a castidade, pela continência; e pelo martírio, a fortaleza. O que tudo parece compreender–se na oblação do sacrifício, conforme ao Apóstolo: Que ofereçais os vossos corpos como uma hóstia viva. E ainda: Não vos esqueçais de fazer bem; porque com tais oferendas é que Deus se dá por obrigado. Ora, a beneficência e a comunhão pertencem à caridade, à misericórdia e à liberalidade. Logo, a oblação de sacrifícios não é um ato especial de nenhuma virtude determinada.
3. Demais. – Parece que o sacrifício é oferecido a Deus. Ora, muitas outras coisas há que lhe oferecemos como a devoção, a oração, os dizimes, as primícias, as oblações e os holocaustos. Logo, parece que o sacrifício não é ato especial de nenhuma determinada virtude.
Mas, em contrário, a Lei antiga estabeleceu certos preceitos especiais sobre os sacrifícios, como se vê no princípio do Levítico.
SOLUÇÃO. – Como estabelecemos, quando o ato de uma virtude se ordena ao fim de outra, a primeira participa, ele certo modo da espécie da segunda. Assim, ao furto, de quem o pratica para fornicar, transporta–se de certo modo a deformidade da fornicação; de maneira tal que se já por si mesmo o furto não fosse um pecado viria a sê–lo por se ordenar à fornicação. Por onde, o sacrifício é um certo ato especial digno de louvor porque é feito para reverenciar a Deus. Assim, quando damos esmolas do que é nosso, por amor de Deus, ou quando sujeitamos o corpo a alguma mortificação para reverenciar a Deus. E, a esta luz, também os atos das demais virtudes podem chamar–se sacrifícios. Mas, há certos que são louváveis só por serem praticados para reverenciar a Deus. E esses se chamam propriamente sacrifícios e pertencem à virtude de religião.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Já o querermos nos unir a Deus por urna união espiritual implica em lhe prestarmos reverência. Por onde, o ato de qualquer virtude assume a natureza de sacrifício por ser praticado com o fim de nos unirmos a Deus com santa união.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Tríplice é o bem do homem. – O primeiro é o da alma, que oferecemos a Deus pelo sacrifício interno da devoção, da oração e de atos internos semelhantes E este é o principal sacrifício. – O segundo e o bem do corpo, que a Deus oferecemos de certo modo, pelo martírio e pela abstinência ou continência. – O terceiro é o bem das coisas externas, o sacrifício das quais oferecemos a Deus: diretamente, quando de modo imediato o fazemos; e mediatamente quando as damos aos próximos por amor de Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os sacrifícios propriamente ditos implicam em alterarmos coisas oferecidas a Deus, como quando matamos os animais, rompemos o pão, comemo–lo e benzemo–lo. E o próprio nome o exprime; pois, sacrifício vem de fazermos com que alguma coisa seja sagrada. – Por outro lado, a oblação consiste diretamente em oferecermos uma causa a Deus sem fazermos nela nenhuma alteração; assim, diz–se que oferecemos dinheiro ou pães no altar, porque não os alteramos de modo nenhum. Quanto às primícias, elas são oblações porque se ofereciam a Deus; mas, não, sacrifícios porque nenhuma sagração se fazia nelas. – E por fim, os dízimos, propriamente falando, não são sacrifícios nem oblações porque são atribuídos, não imediatamente a Deus, mas aos ministros do culto divino.
O segundo discute–se assim. – Parece que nem só ao Deus supremo devemos oferecer sacrifício.
1. – Pois, havendo o sacrifício de ser oferecido a Deus, parece que devemos oferecê–lo a todos os que participam ela divindade. Ora, também os santos varões tornam–se participantes da natureza divina, na frase da Escritura; e por isso é que ela diz deles: Eu disse – sois Deuses. E ainda, chama aos anjos filhos de Deus. Logo, a todos esses devemos oferecer sacrifícios.
2. Demais. – Quanto mais elevado é alguém tanto maior honra se lhe deve. Ora, os anjos e os santos são muito superiores a todos os príncipes terrenos. aos quais, entretanto, Os súbditos, prosternando–se em face deles e fazendo–lhes oferendas, prestam honras muito maiores que a oferta em sacrifício de ·um animal ou de qualquer outra coisa. Logo, com maior razão, podemos oferecer sacrifícios aos anjos e aos santos.
3. Demais. – Os templos e os altares foram instituídos para neles se oferecerem sacrifícios. Ora, templos e altares são consagrados aos Santos. Logo, também podemos lhes oferecer sacrifícios.
Mas, em contrário, a Escritura: Aquele que sacrificar aos deuses, à excessão só do Senhor, morrerá.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, a oferta de sacrifício se faz com alguma significação. Ora, o sacrifício oferecido exteriormente significa o espiritual e interior, peo qual a alma se oferece a si mesma a Deus, conforme àquilo da Escritura: Sacrifício para Deus é o espírito atribulado: pois, como já dissemos os atos externos da religião ordenam–se para internos. Mas, a alma se oferece a Deus como sacrifício, como ao princípio da sua criação e: ao fim da sua beatificação. Pois, segundo a verdadeira fé, só Deus é o criador da nossa alma, como provamos na Primeira Parte. E também só nele está a felicidade dela, conforme estabelecemos. Por onde, assim como só ao Deus supremo devemos oferecer o sacrifício espiritual, assim também só a ele devemos oferecer os sacrifícios externos. Assim como também nas nossas orações e nos nossos louvores dirigimos palavras cheias de sentido a quem oferecemos as coisas mesmas que elas significam, como diz Agostinho: – E demais, vemos que todas as nações honram o seu chefe supremo com alguma singular distinção, e é crime de lesa–majestade tributá–la a um particular qualquer. Por isso a lei divina comina com a pena de morte aos que tributam honras divinas a quem não é Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O nome de divindade é comum a vários seres, não por igualdade, mas, por participação. Logo, não lhes é devida a mesma honra que a Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Na oferta do sacrifício não se leva em conta o preço do animal morto, mas, a significação de acordo com a qual o fazemos, para honrar o Sumo Senhor do universo. Por isso, como diz Agostinho, os demônios se regozijam, não com o odor dos cadáveres, mas, com as honras divinas.
RESPOSTA A TERCEIRA. – Na expressão de Agostinho, não fazemos templos nem consagramos sacerdotes aos mártires, porque o nosso Deus não são eles, mas o Deus deles. Por isso, o sacerdote não diz: ofereço–te o sacrifício a ti. Paulo ou Pedro. Mas pelas vitórias dos mártires, damos graças a Deus e nos exortamos a nós mesmos a imitá–los.
O primeiro discute–se assim. – Parece que oferecer sacrifício a Deus não é exigido pela lei natural.
1. – Pois o que é de direito natural é comum a todos os homens. Ora, isto não se dá com os sacrifícios; assim, de certos, como Melquisedeque, lemos na Escritura que ofereceram sacrifício de pão e vinho; e de certos outros, que ofereceram sacrifícios de animais. Logo, oferecer sacrifícios não é de direito natural.
2. Demais. – Todos os justos observaram as prescrições do direito natural. Ora, não lemos na Escritura que Isaac oferecesse sacrifício; nem Adão, do qual entretanto diz que a sabedoria o tirou do seu pecado. Logo, oferecer sacrifício não é de direito natural.
3. Demais. – Agostinho diz, que os sacrifícios são oferecidos para significarem alguma coisa. Ora, as palavras que são os principais dentre os sinais, como o mesmo autor o diz não tem significação natural, mas, convencional, segundo o Filósofo. Logo, os sacrifícios não são ele direito natural.
Mas, em contrário, em todas as idades e entre todas as nações sempre se ofereceram sacrifícios. Ora, o que existe entre todos os homens é natural. Logo, oferecer sacrifícios é de direito natural.
SOLUÇÃO. – A razão natural dita que devemos obedecer a um superior por causa das deficiências que trazemos em nós, e que nos impõem a necessidade de sermos ajudados e dirigidos por ele. E qualquer que ele seja, todos lhe dão o nome de Deus. Ora, assim como na ordem da natureza. os seres inferiores estão naturalmente sujeitos aos superiores, assim também um ditame da razão natural inclina o homem, naturalmente, a sujeitar–se e honrar, a seu modo, ao ser que lhe é superior. Ora, o modo natural de o homem se exprimir é usar de sinais sensíveis; pois, das coisas sensíveis é que tira o seu conhecimento. Consequentemente, a razão natural o leva a tomar certas coisas sensíveis e oferecê–las a Deus em sinal da sujeição e honra devidas, à semelhança do servo que faz ao senhor oferendas em reconhecimento da dependência em que está deste. Ora, é isto que constitui essencialmente o sacrifício, Logo, oferecer sacrifício é exigência do direito natural.
DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como já dissemos certas prescrições gerais são de direito natural, mas devem ser determinadas pelo direito positivo. Assim, a lei natural prescreve que os malfeitores devem ser punidos; mas é de determinação divina ou humana que o sejam com tal pena ou· tal outra. Semelhantemente, em geral, oferecer sacrifícios é da lei natural e por isso todos concordam nisso. Mas, a determinação dos sacrifícios proveio de instituição humana ou divina; e por isso variam.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Adão e Isaac, como todos os demais justos, ofereceram sacrifício a Deus, de conformidade com o tempo em que viveram, como está claro em Gregório, quando diz que, outrora, entre os antigos, com a oferenda de sacrifícios remitia–se o pecado original. Mas, a Escritura não menciona todos os sacrifícios dos justos, senão só aqueles no tocante aos quais há algo de especial. – Contudo, a razão de não dizer a Escritura porque Adão não ofereceu sacrifícios pode ser a seguinte. Para que não sinalasse a origem da santificação em quem é conhecido como o autor da culpa original. Quanto a Isaac, é figura de Cristo, por ter sido oferecido em sacrifício; por isso, não era necessário que o mostrasse oferecendo sacrifícios.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Significar os seus conceitos é natural ao homem; mas determinar os sinais é resultado de uma convenção humana.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a adoração não exige nenhum lugar determinado.
1. – Pois, diz a Escritura: É chegada a hora em que vós não adorareis o Pai nem neste monte nem em Jerusalém. Ora, o mesmo se pode dizer de qualquer outro lugar. Logo, não é necessário nenhum lugar determinado, para adorarmos.
2. Demais. – A adoração exterior se ordena à interior. Ora, a adoração interior nós a fazemos a Deus, enquanto existente em toda parte. Logo, a exterior não exige nenhum lugar determinado.
3. Demais. O mesmo Deus é adorado no Antigo e em o Novo Testamento. Ora, no Antigo, a adoração, os Judeus a faziam voltados para o ocidente, pois a porta do tabernáculo estava voltada para o oriente, como se vê na Escritura. Logo, pela mesma razão devemos adorá–lo agora voltados para o ocidente, desde que a adoração exige um lugar determinado.
Mas, em contrário, o Evangelho, referindo–se a um outro lugar da Escritura: A minha casa é casa de oração.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, o principal na adoração é a devoção interior da mente; secundário é o que respeita aos sinais corporais externos. Ora, interiormente o nosso espírito apreende a Deus como não circunscrito em nenhum lugar; ao contrário, os sinais corpóreos necessariamente se realizam em lugar e situação determinados. Por onde, de maneira principal, a adoração não exige nenhuma determinação de lugar, como lhe sendo necessário, mas só por uma certa conveniência, como se dá com outros sinais corpóreos.
DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Senhor, com as palavras citadas, prenuncia a cessação da adoração, tanto relativamente ao rito dos judeus, que adoravam em Jerusalém, como ao dos Samaritanos, que adoravam no monte Garizim. Pois, um e outro rito cessaram com o advento da verdade espiritual do Evangelho, pelo qual em todo lugar se sacrifica a Deus, como diz a Escritura.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Escolhemos um lugar determinado para orar, não por causa de Deus, como se para o adorarmos tivesse necessidade de ser encerrado num lugar; mas por causa ele nós, que adoramos, E isto por tríplice razão. A primeira, pela consagração do lugar, que nos leva, quando oramos, a uma devoção especial, de modo que sejamos melhor ouvidos, como se lê na Escritura a respeito ela adoração ele Salomão. A segunda, por causa dos mistérios sagrados e dos outros sinais de santidade que ele encerra. A terceira, por causa do grande concurso dos que adoram, conforme aquilo do Evangelho: Onde se acham dois ou três congregados em meu nome, aí estou eu no meio deles.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Por uma certa conveniência é que adoramos voltados para o oriente. Primeiro, como um indício da divina majestade, que se nos manifesta no movimento do céu, procedente do oriente. Segundo, por causa elo paraíso, como se quisessemos voltar para ele, colocado que está no oriente, conforme à Escritura, segundo a letra dos Setenta. Terceiro, por causa de Cristo, que é a luz do mundo e se chama Oriente; e que sobe sobre todos os céus para a parte do oriente; e também é esperado como havendo de vir do Oriente, conforme ao Evangelho: Do modo que um relâmpago sai do oriente e se mostra até o ocidente, assim há–de ser também a vinda do Filho do homem.
O segundo discute–se assim. – Parece que a adoração não implica atos corpóreos.
1. – Pois. diz a Escritura: Os verdadeiros adoradores hão–de adorar o Pai em espírito e verdade. Ora, o que fazemos com o espírito não implica atos corpóreos. Logo, a adoração não implica nenhum ato corpóreo.
2. Demais. – O nome de adoração vem de oração. Ora, esta consiste principalmente em atos interiores, conforme aquilo do Apóstolo: Orarei com o espírito, orarei também com a mente. Logo, a oração implica sobretudo atos espirituais.
3. Demais. – Os atos corpóreos pertencem ao conhecimento sensível. Ora, não atingimos a Deus pelos sentidos do corpo, mas, pela percepção mental. Logo, a adoração não implica atos corpóreos.
Mas, em contrário, àquilo da Escritura – Não as adorarás nem lhes darás culto – diz a Glosa: Nem lhes darás culto com o afeto nem adoração com o corpo.
SOLUÇÃO – Como diz Damasceno, sendo compostos de duas naturezas, a intelectual e a sensível, devemos tributar a Deus dupla adoração, a saber, a espiritual, consistente na devoção interior da mente; e a corporal, uma humildade externa do corpo, Ora, sendo em todos os atos de latria, o exterior referente ao interior, como ao mais principal, por isso, fazemos a adoração exterior visando o interior. De modo que, pelas mostras de humildade, que corporalmente damos, despertemos o afeto que nos leva a nos sujeitarmos a Deus. Pois, é–nos conatural partir elo sensível para chegar ao inteligível.
DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Também a adoração corporal se torna espiritual, por proceder desta e se lhe ordenar a ela.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como a oração existe primordialmente no espírito e, depois, exprime–se por palavras, como dissemos, assim também a adoração consiste principalmente na reverência interna a Deus: e secundariamente em certos sinais corpóreos de humildade. Assim, genuflecarmos para significarmos a nossa fraqueza em face de Deus: e nos prosternamos como para confessar que, de nós mesmos, nada somos.
RESPOSTA A TERCEIRA. – Embora pelos sentidos não possamos atingir a Deus, contudo, os sinais sensíveis despertam a nossa mente fazendo–a tender para ele.
O primeiro discute–se assim. – Parece que a adoração não é um ato de latria ou de religião.
1. – Pois, o culto da religião só a Deus é devido. Ora, a adoração nem só a Deus é devida; assim, lemos na Escritura que Abraão adorou os anjos, e que o profeta Natan, chegado à presença do rei David, adorou–o prostando–se em terra. Logo, a adoração não é um ato de religião.
2. Demais. – O culto da religião é devido a Deus, por termos nele a nossa felicidade, como está claro em Agostinho. Ora, a adoração é–lhe devida por causa da sua majestade; pois aquilo da Escritura – Adorai ao Senhor no átrio do seu santo tabernáculo – diz a Glosa: Desses átrios passa–se para o átrio em que a majestade é adorada. Logo, a adoração não é um ato de latria.
3. Demais. – Um mesmo culto de religião é devido às três Pessoas. Ora, não as adoramos com um mesmo ato de adoração, mas, genuflectimos ao invocar cada uma delas. Logo, a adoração não é um ato de latria.
Mas, em contrário, o Evangelho: Ao Senhor teu Deus adorarás e a ele só servirás.
SOLUÇÃO. – A adoração tem por fim reverenciar a quem é objeto dela. Ora, é manifesto, pelo que já foi dito, que é próprio da religião prestar reverência a Deus. Logo, a adoração que tributamos a Deus é um ato de religião.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Devemos reverenciar a Deus por causa da sua excelência, que ele comunica a certas criaturas, não no mesmo grau em que a tem, mas, por participação. E assim, a veneração, que tributamos a Deus, e que constitui a latria, não é a mesma com que veneramos a certas criaturas excelentes, e que constitui a dulia, da qual mais adiante trataremos. E como o que fazemos exteriormente é sinal da reverência interior, praticamos certos atos externos para reverenciar a criaturas excelentes, entre os quais o mais elevado é a adoração, mas há um que só a Deus tributamos e é o sacrifício. Por isso diz Agostinho: Muito do que é próprio, ao culto divino foi transformado em honras humanas, quer por baixeza profunda, quer por perniciosa adulação. Entretanto não cessam de ser homens aqueles a quem se tributam as honras, o respeito religioso e mesmo a adoração. Mas, que homem jamais sacrificou senão aquele que sabe e crê que é Deus e o tem como tal? Portanto, para prestar reverência devida a uma criatura excelente, é que Natan adorou a David. Mas Mardequeu não quis adorar a Anian, prestando–lhe a reverência devida a Deus, temendo, como diz a Escritura, trasladar para um homem a honra de Deus. E semelhantemente, Abraão adorou os anjos restando–lhes a reverência, como a criaturas excelentes, que são: e também Josué o fez como se lê na Escritura. Embora possamos interpretar, que adoraram com adoração de latria a Deus, que aparecia e falava sob a figura do anjo. Mas João foi proibido de adorar um anjo, tributando–lhe a reverência devida a Deus. Quer para ficar patenteada a dignidade a que, pelos méritos de Cristo, o homem subiu, equiparando–se aos anjos, sendo por isso que a Escritura acrescenta – eu servo sou contigo e com teus irmãos: quer também para não dar ocasião à idolatria, e, por isso ajunta – adora a Deus.
RESPOSTAS À SEGUNDA. – Na majestade se incluem todas as excelências de Deus, causa de termos nele, como sumo bem, a nossa felicidade.
RESPOSTAS A TERCEIRA. – Como as três Pessoas tem a mesma excelência, é–lhes devida a mesma honra e referência e por consequência, a mesma adoração. E é isso o que nos quer significar a Escritura ao dizer que Abraão, adorando um dos três varões que lhe apareceram, falou nestes termos: Senhor, se eu achei graça, etc. E quanto à tríplice genuflexão, ela significa a trindade das Pessoas e não a diversidade da adoração.
O décimo sétimo discute–se assim. – Parece que inconvenientemente se consideram como partes da oração: a obsecração, a postulação, as orações e a ação de graças.
1. – Pois parece que a obsecração é uma como adjuração. Ora, diz Orígenes, o varão que quiser viver segundo o Evangelho, não deve adjurar a outrem; porquanto, se não é lícito jurar, muito menos adjurar, Logo, é inconvenientemente considerada a obsecração como uma parte da oração.
2. Demais. – A Oração, segundo Damasceno, consiste em pedirmos a Deus o que convém. Logo, é inconveniente que as orações se oponham, numa mesma divisão, à postulação.
3. Demais. – A ação de graças diz respeito ao passado; e as outras partes nomeadas, ao futuro. Ora, o passado vem antes do futuro. Logo, é inconveniente enumerar a ação de graças depois das outras partes.
Mas, em contrário, a autoridade do Apóstolo.
SOLUÇÃO. – Três condições exige a oração. – A primeira é nos achegarmos a Deus; e isso significa a palavra oração, pois, é a ascenção do intelecto para Deus. – A segunda é a petição, expressa pelo nome de postulação; quer a petição tenha um objeto determinado, chamando–lhe certos e propriamente, nesse caso, postulação; quer o tenha indeterminado, como quando pedimos que Deus nos ajude ao que chamam suplicação; que consiste em só expormos um fato, conforme aquilo da Escritura – Eis aí está enfermo aquele que tu amas ao que chamam insinuação. – A terceira é a razão de obtermos o que pedimos, considerada relativamente a Deus ou a quem pede. Relativamente a Deus, é a sua santidade fundados na qual pedimos que nos ouça, segundo a Escritura: Por amor de ti mesmo inclina, Deus meu, o teu ouvido. E a isto pertence a obsecração, que é uma conjuração em nome das coisas sagradas, como quando dizemos: Pela tua natividade, livra–nos, Senhor. Quanto a quem pede, a razão de ser ouvido é a ação de graças; pois, como diz uma coleta, dando. graças pelos benefícios recebidos, merecemos recebê–los ainda maiores.
Por isso, comenta a Glosa: na missa a obsecração precede à consagração, comemorando–se nesta última, certos mistérios sagrados; as orações se dizem na própria consagração, quando principalmente o espírito deve elevar–se para Deus; a postulação se faz nas petições seguintes; a ação de graças, no fim. Mas também em várias coletas da Igreja esses quatro atos aparecem reunidos. Assim, quando a coleta da Trindade diz: Deus onipotente e sempiterno, isso significa a elevação da mente para Deus; a ação de graças é quando reza: que deste aos teus servos, etc.; a postulação está nas palavras: concede–nos, pedimos etc. e ao fim vem a obsecração: por nosso Senhor, etc.
Porém, nas Conferências dos Padres se diz: A obsecração consiste na implorarão pelos nossos pecados; a oração, quando fazemos um oferecimento a Deus; a postulação, quando pedimos pelos outros, etc. Mas é melhor a primeira explicação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A obsecração não é uma adjuração para compelir; o que é proibido; mas, para implorar misericórdia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A oração, tomada em sentido geral, inclui todas as outras divisões aqui referidas. Mas, quando, na classificação, se opõe a essas divisões, consiste propriamente em elevarmos o nosso espírito para Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando se trata de coisas diversas, o pretérito precede o futuro; mas, quando se trata de uma só e mesma coisa, o futuro vem antes do pretérito. Por onde, a ação de graças pelos benefícios já recebidos precede o pedido de outros. Mas, se se trata de um mesmo benefício, primeiro o pedimos, para depois, quando já o tivermos recebido, darmos as ações de graças. Quanto à postulação, ela é precedida pela oração, que nos faz aproximar de Deus, a quem pedimos. Mas, a obsecração precede à oração, porque é considerando a divina bondade que ousamos nos aproximar dela.
O décimo sexto discute–se assim. – Parece que os pecadores nada obtêm do que pedem a Deus nas suas orações.
1. – Pois, diz a Escritura: Sabemos que Deus não ouve a pecadores; o que concorda com outro lugar: Daquele que desvia os seus ouvidos para não ouvir a lei, a mesma oração será execrável. Ora, a oração execrável nada alcança de Deus, logo, os pecadores nada obtêm de Deus.
2. Demais. – Os justos obtêm de Deus o que merecem, como já se estabeleceu. Ora, os pecadores nada podem merecer, por carecerem, tanto da graça, como da caridade, que é a virtude da piedade, segundo a Glosa àquilo do Apóstolo – Tendo por certo uma aparência de piedade, porém negando a virtude dela. E portanto não oram piamente, que é condição necessária para a oração ser eficaz, como se estabeleceu. Logo, os pecadores nada obtêm do que pedem nas suas orações.
3. Demais. – Crisóstorno diz: O Padre não ouve de boa vontade a oração que o Filho não ensinou. Ora, a Oração que Cristo ensinou diz: Perdoei–nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores – o que os pecadores não fazem. Logo, ou mentem se o dizem, e não são nesse caso dignos de serem ouvidos; ou, se não o dizem, não são ouvidos, por não observarem a forma de orar que Deus instituiu.
Mas, em contrário. Agostinho: Se Deus não ouvisse os pecadores, em vão teria orado o publicano – Senhor, sede propicio a mim pecador. E Crisóstomo: Todo aquele que pede recebe, isto é, quer seja justo, quer pecador.
SOLUÇÃO. – Duas coisas devemos considerar no pecador: a natureza, que Deus ama; e a culpa, que ele odeia. Quando, portanto o pecador pede alguma coisa, na sua oração, enquanto pecador, isto é, movido pelo desejo do pecado, Deus não o ouve com misericórdia. Mas, às vezes, ouve–o por vingança, deixando–o precipitar–se mais profundamente no seu pecado: pois, como ensina Agostinho, certas coisas Deus as nega, quando propicio, que concede quando irado. Mas, Deus ouve a oração do pecador, quando ela procede do bom desejo da natureza. Não na ouve porém por justiça, porque tal não merece o pecador: mas, por pura misericórdia, se contudo ele observar as quatro condições preestabelecidas, isto é, pedir por si, pedir o necessário à salvação, pia e perseverantemente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO – Como diz Agostinho, as palavras referidas são de um cego ainda não ungido, isto é, ainda não perfeitamente iluminado. Por isso não foi ratificada. – Embora possa verificar–se, se a entendermos do pecador, como tal. Sendo desse modo que também a oração, dele é chamada execrável,
RESPOSTA À SEGUNDA – O pecador não pode orar piamente, no sentido em que sua oração seja informada pelo hábito da virtude. Mas, ela pode ser pia por pedir o que pertence à piedade; como também quem não possui o hábito da justiça pode querer coisas das listas, conforme do sobredito resulta, E embora a sua oração não seja meritória. pode contudo alcançar o que pede, por se fundar o mérito na justiça; ao passo que a obtenção do que pedimos se funda na graça.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como já dissemos, a Oração Dominical é recitada em nome da Igreja universal. Por onde, quem a rezar, não querendo perdoar os pecados do próximo, não mente, embora não seja verdade o que diz, em seu próprio nome: porque o é em nome da Igreja. Mas como se coloca assim, merecidamente, fora dela, fica também privado do fruto da oração. Mas, às vezes, certos pecadores estão dispostos a perdoar aos seus devedores: e por isso são ouvidos nas suas orações, conforme ao dito da Escritura: Perdoei ao teu próximo o mal que te fez e então, deprecando tu, ser–te–ão perdoados os teus pecados.
O décimo quinto discute–se assim. – Parece que a oração não é meritória.
1. – Pois, todo mérito procede da graça. Ora, a oração precede a graça, porque a mesma graça nós a impetramos na oração, conforme aquilo da Escritura: O vosso Pai celestial dará espírito bom aos que lhe o pedirem. Logo, a oração não é um ato meritório.
2. Demais. – Se a oração é meritória, parece que há de sê–la, sobretudo o que pede. Ora, isso nem sempre ela o merece, pois, muitas vezes, mesmo a oração dos santos não é ouvida; assim, Paulo não foi ouvido quando pedia para ficar livre do estímulo da carne. Logo, a oração não é um ato meritório.
3. Demais. – A oração funda–se principalmente na fé, conforme aquilo da Escritura: Mas peça com fé sem hesitação alguma. Ora, a fé não basta para merecer, como o demonstram os que a têm informe. Logo. a oração não é um ato meritório.
Mas, em contrário, aquilo da Escritura: A minha oração dava voltas no meu seio. – diz a Glosa: Embora não Ihes aproveitasse, contudo não fique frustrado na minha recompensa. Ora, recompensa só é devida ao mérito. Logo, a oração é por natureza meritória.
SOLUÇÃO. – Como se disse, a oração, além do efeito da consolação espiritual, que produz quando a fazemos, encerra uma dupla virtude, quanto ao efeito futuro, a saber, a de merecer e a de obter os favores divinos. – Assim, a oração, como qualquer outro ato de virtude, tem eficácia para merecer, por proceder radicalmente da caridade, da qual o objeto próprio é o bem eterno, cuja fruição merecemos. Ora, a oração procede da caridade mediante a religião, da qual é o ato, como se disse, mas, acompanhada de certas outras virtudes, a saber, a humildade e a fé, exigi das pela bondade da oração. Ora, da religião é próprio oferecer a Deus a oração; à caridade. desejar aquilo cuja realização a oração pede: e a fé é necessária, relativamente a Deus, a quem oramos. isto é, devemos crer que podemos obter dele o que pedimos. Quanto à humildade, ela é necessária por parte de quem pede, que reconhece as suas necessidades. E finalmente, é necessária a devoção: mas, esta pertence à religião, cujo primeiro ato é necessário para a obtenção de todos os outros, como dissemos. – A eficácia para obter o que pede, a oração a tira da graça de Deus, a quem oramos e que nos exorta a orar. Por isso diz Agostinho: Não nos exortaria a pedir se não quisesse dar. E Crisóstomo: Não nega nunca os seus benefícios a quem ora, aquele que nos anima com o seu amor para não desfalecermos nas nossas orações.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A oração não é meritória, sem a graça santificante, corno não o é qualquer outro ato virtuoso. E contudo. tamhém a oração que pede a graça santificante procede de outra graça, como de um om gratuito, pois, já o orar é um dom de Deus, no dizer ele Agostinho.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Às vezes o mérito ela oração respeita principalmente a uma coisa diferente daquilo que pedimos. Pois, o mérito principalmente se ordena à felicidade; ao passo que o pedido na oração visa diretamente às vezes outras coisas. Por onde, se o que para nós pedimos não nós é útil para a felicidade, não o merecemos: mas, às vozes. pedindo–o, e desejando–o, perdemos o mérito; por exemplo, se pedimos a Deus a realização de um desejo pecaminoso, o que não é orar piedosamente. Outras vezes, porém, o pedido não é necessário à salvação nem manifestamente contrário a ela; e então, embora possamos pela oração merecer a vida eterna, não merecemos, contudo obter o que pedimos. Por isso diz Agostinho: Quando suplicamos fielmente a Deus pelas necessidades desta vida somos ouvidos misericordiosamente umas vezes, e outras, não. Pois, o que é útil ao doente o médico o sabe melhor que ele. Por isso Paulo não foi ouvido quando pedia para ficar livre do estímulo da carne; porque não lh'o convinha. Se porém o que pedimos nos for útil à felicidade e for de necessidade para a nossa salvação, nós merecemos, não só orando, mas também praticando outras boas obras. E então sem dúvida recebemos o que pedimos, mas, quando o devemos receber; pois, certas causas não nos são negadas, mas, diferidas, para nos serem dadas em tempo oportuno; como diz Agostinho. O que, porém poderemos não obter se não perseverarmos na oração. E por isso diz Basílio: Se às vezes pedes e não recebes, é que pediste mal – ou com infidelidade, ou com leviandade, ou o que não te convinha, ou porque deixaste de pedir. Ora, como ninguém pode, pelos seus próprios méritos, merecer a vida eterna para outrem, como dissemos também não lhe pode, por consequência nunca merecer, do modo sobredito, o que respeita a tal vida. E por isso nem sempre é ouvido quem ora por outrem, como dissemos. Por onde, estabelecem–se quatro condições; e, quando concorrem, obtemos o que pedimos: pedirmos por nós mesmos, pedir causas necessárias à salvação, pia e perseverantemente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A oração se funda principalmente na fé, não quanto à eficácia no merecer, porque, então, é na caridade que ela principalmente se funda; mas, quanto à eficácia para obter, pois, pela fé sabemos que Deus tem onipotência e misericórdia, das quais a oração obtém o que pede.