O quarto discute–se assim. Parece que todos estão obrigados ao jejum da Igreja.
1. – Pois os preceitos da Igreja, como os de Deus, obrigam, segundo o Evangelho: O que a vós ouve a mim ouve. Ora, todos estão obrigados a observar os preceitos de Deus. Logo e semelhantemente todos devem observar o jejum estabelecido pela Igreja.
2. Demais. Parece que sobretudo as crianças estariam, por causa da idade, escusados do jejum. Ora, as crianças não estão, segundo a Escritura: Santificai o jejum. E a seguir: Congregai os pequeninos e os meninos de peito. Logo, com maior razão, os demais estão obrigados ao jejum.
3. Demais. O espiritual deve ser preferido ao temporal; e o necessário, ao não necessário. Ora, as obras corporais se ordenam ao lucro temporal; e também as viagens, mesmo quando ordenadas ao bem espiritual, não são de necessidade. Como, pois, o jejum se ordena à utilidade espiritual e é determinado, com caráter de necessidade, pela Igreja, parece que não deve ser omitido por causa de uma viagem ou de qualquer obra material.
4. Demais. – Devemos agir, antes, por vontade do que por necessidade, como claramente o diz o Apóstolo. Ora, os pobres costumam jejuar por necessidade, por falta de alimentos. Logo e com maior razão, devem jejuar por vontade própria.
Mas, em contrário, parece que nenhum justo está obrigado a jejuar. Pois, os preceitos da igreja não obrigam, contra a dor trina de Cristo. Ora, o Senhor diz, que não podem os amigos do esposo jejuar enquanto o esposo está com eles.
Ora, ele está com todos os justos, habitando neles espiritualmente; por isso, diz o Senhor: Eu estou convosco até a consumação do século. Logo, os justos não estão obrigados a jejuar, por determinação da Igreja.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, as determinações gerais são estabelecidas conforme convêm à multidão. Por isso o legislador, ao estatuí–Ias atende ao que se dá em geral e na maior parte dos casos. Mas, a quem, por uma causa especial, repugna observar uma determinação, não é intenção do legislador obrigá–Ia à obediência. Deve, porém, proceder com discreção. Assim, a causa sendo evidente, podemos por nós mesmo, licitamente, nos eximir à obediência da determinação – sobretudo se podemos recorrer ao costume; – ou se não podemos facilmente recorrer ao superior. Porém, se a causa for duvidosa, devemos recorrer ao superior que tiver poder para nos dispensar, nessa matéria. O que devemos observar quando se trata. do jejum estabelecido pela Igreja, a que todos estamos geralmente obrigados, salvo se houver, nesse caso, algum impedimento especial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO – Os preceitos de Deus são preceitos de direito natural, em si mesmos necessários à salvação. Mas, os mandamentos da Igreja regulam matéria que, em si mesma, não é necessária à salvação, senão só por determinação dela. Por isso podem haver certos impedimentos, que levem certos a não estarem obrigados a observar o jejum.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A criança, sobretudo, tem uma causa evidente de não jejuar; quer, pela debilidade da sua natureza, que precisa frequentemente de alimento, tomado não em grande quantidade ao mesmo tempo; quer também, por necessitar de muita alimentação exigida pelo seu crescimento e operado pelo resíduo alimentar. Por onde, enquanto está a crescer, o que geralmente acontece até ao fim do terceiro septênio, não está obrigado a observar o jejum eclesiástico. Mas, é conveniente que mesmo nesse tempo, exerça–se em jejuar, mais ou menos, conforme lho possibilitar a idade.
Contudo, às vezes, estando Iminente uma grande tribulação e em sinal de penitência mais apertada, mesmo as crianças são submetidas ao jejum, como, a respeito das alimárias se lê na Escritura: Os homens e as alimárias não comam nada nem bebam água.
RESPOSTA À TERCEIRA. – No relativo aos viajantes e aos operários, devemos distinguir. Assim, se a viagem e o trabalho manual puderem ser comodamente adiados ou diminuídos, sem detrimento da saúde do corpo ou da situação exterior, necessários à conservação da vida corporal ou espiritual, não há razão para omitir os jejuns da Igreja. Havendo, porém necessidade de empreender prontamente a viagem, de fazer grandes dietas, ou ainda, de trabalhar muito; ou por causa da conservação da vida corporal ou pelo que for necessário à vida espiritual; e de ao mesmo tempo não pudermos observar o jejum da Igreja, não estamos obrigados a jejuar. Porque não era intenção da Igreja, ao estabelecer o jejum, impedir outras obras pias e mais necessárias. Mas, em tal caso devemos recorrer à dispensa do superior, a menos que não vigore costume contrário, pois, o silêncio do superior equivale a um consentimento.
RESPOSTA À QUARTA. – Os pobres, que podem ter suficientemente o que lhes basta para uma refeição, não ficam, pela sua pobreza, dispensados do jejum da Igreja. Mas, dele ficam escusados os que mendigam pequenas esmolas, e não podem ter, de uma vez, o bastante ao sustento da vida.
RESPOSTA À QUINTA – As palavras citadas do Senhor podem ser entendidas em tríplice sentido. – Um é o de Crisóstomo, quando diz, que os discípulos, chamados filhos do Esposo, por serem ainda de ânimo fraco, são comparados a um vestuário velho. Por isso, enquanto Cristo vivia corporalmente no meio deles, deviam ser tratados, antes, com certa doçura, do que exercidos na austeridade do jejum. E esta interpretação nos ensina, que, antes, os imperfeitos e os noviços, que os mais velhos e perfeitos, é que devem ser dispensados do jejum, como o confirma a Glosa ao lugar da Escritura – Como o menino apartado já do peito da mãe. – Num outro sentido, explica Jerónimo, que, no lugar citado, o Senhor se refere ao jejum das antigas observâncias. E quer assim dizer, no lugar citado, que os Apóstolos não deviam continuar apegados às antigas observâncias, que deviam ser transformadas pela lei nova da graça. – Uma terceira explicação é a de Agostinho, que distingue duas espécies de jejum, Um, relativo à humildade da tribulação; e este não convém aos varões perfeitos, chamados filhos do Esposo; por isso, onde Lucas diz – Não podem os filhos do Esposo jejuar – diz Mateus – Não podem os filhos do Esposo chorar. O outro respeita à alegria da alma enlevada na contemplação das causas espirituais. E tal jejum convém aos perfeitos.