O terceiro discute–se assim. – Parece que o jejum não é objeto de preceito.
1. – Pois, não se estabelecem preceitos sobre matéria superrogatória, que é objeto do conselho. Ora, o jejum é uma obra superrogatória; do contrário, deveríamos pratica–Io em toda parte, sempre e igualmente. Logo, o jejum não constitui preceito.
2. Demais. – Todo aquele, que transgride um preceito peca mortalmente. Se, pois, o jejum fosse objeto de preceito, todos os que não jejuam pecariam mortalmente, o que constituiria para os homens mais uma ocasião de ofender a Deus.
3. Demais. – Agostinho diz, que a natureza humana, tendo sido assumida pela sabedoria de Deus, afim de nos conquistar à liberdade, um pequeno número de sacramentos muito salutares foi estabelecido para manter a sociedade do povo cristão, isto é, a multidão livre, sob um só Deus. Ora, a liberdade do povo cristão não fica menos impedida pela multidão das observâncias do que pela dos sacramentos. Pois, diz Agostinho, certos oneram com obras servis a nossa religião, que Deus na sua misericórdia quis tornar livre pela celebração do pouquíssimo e manifestíssimo sacramento. Logo, parece que a Igreja não devia ter feito do jejum, um preceito.
Mas, em contrário, diz Jerónimo, tratando do jejum: Cada província abunde no seu sentido e considere os preceitos dos antepassados como leis apostólicas.
SOLUÇÃO. – Assim como pertence aos príncipes seculares estabelecer determinações sobre os preceitos legais do direito natural, no atinente à utilidade comum, e à ordem natural, assim também aos superiores eclesiásticos pertence estatuir os preceitos relativos à utilida.de comum dos fiéis, na ordem dos bens espirituais. Pois, como dissemos, o jejum é útil para delir e coibir as nossas culpas e elevar–nos a mente para as coisas espirituais. Ora, cada um está obrigado, pela razão natural, a jejuar tanto quanto lhe for necessário para conseguir tal fim. Por onde, o jejum, em geral, constitui um preceito da lei natural. Mas, a determinação do tempo e do modo de jejuar, conforme à conveniência e à utilidade do povo Cristão, constitui um preceito de direito positivo, instituído pelos superiores eclesiásticos. E tal é o jejum da Igreja, diferente do natural.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O jejum em si mesmo considerado, não designa um objeto de nossa eleição mas, uma determinação penal. Mas, torna–se objeto de uma eleição enquanto útil a um determinado fim. Por isso, absolutamente considerado, não é de necessidade preceitual, senão somente para quem necessita desse remédio. E como a maioria dos homens dele precisa, geralmente falando, quer porque todos nós tropeçamos em muitas coisas quer também porque a carne deseja contra o espírito como diz a Escritura, por isso, a Igreja estatuiu certos jejuns a serem geralmente observados por todos. E, assim agindo, não quis transformar em preceito o que é em si mesmo superrogatório, mas somente determinar, em especial, o que é necessário em comum.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os preceitos estabelecidos de modo geral não obrigam Igualmente a todos, senão só relativamente ao fim que o legislador tem em vista. E o transgressor que lhe desprezar a autoridade; transgredindo–lhe a determinação, ou o fizer de modo a impedir o fim visado pelo legislador, esse peca mortalmente. Mas, quem transgredisse o estatuído, por uma causa racional, sobretudo em caso em que se o próprio legislador estivesse presente dispensaria da observância esse não cometeria pecado mortal. Por onde, nem todos os que não observam o jejum da Igreja pecam mortalmente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Agostinho se refere, no lugar citado, ao que não está contudo nem na autoridade das Sagradas Escrituras, nem se encontra determinado nos conselhos episcopais, nem confirmado pelo costume da Igreja universal. Ora, os jejuns de preceito estão determinados nos conselhos dos bispos e confirmados pelo costume da Igreja universal. Nem vão contra a liberdade do povo fiel; antes, são úteis para impedir a servidão do pecado, que repugna à liberdade espiritual, da qual diz o Apóstolo: Vós, irmãos, haveis sido chamados à liberdade; cuidai só em que não deis a liberdade por ocasião da carne.