Category: Santo Tomás de Aquino
O duodécimo assim se discute. – Parece que o vício contra a natureza não é o máximo entre as espécies de luxúria.
1. – Pois, um pecado é tanto mais grave quanto mais contraria a caridade. Ora, parece que contraria mais à caridade para com o próximo o adultério, o estupro e o rapto, que redundam em injustiça contra ele, que o pecado contra a natureza, que não lesa a ninguém. Logo, o pecado contra a natureza não é o máximo entre as espécies de luxúria.
2. Demais. – Gravíssimos consideram–se os pecados cometidos contra Deus. Ora, o sacrilégio é cometido diretamente contra Deus, porque implica uma injustiça contra o culto divino. Logo, o sacrilégio é um vício mais grave que o pecado contra a natureza.
3. Demais. – Um pecado é tanto mais grave quanto mais atinge uma pessoa a quem mais devemos amor. Ora, segundo a ordem da caridade, devemos mais amor às pessoas que nos são chegadas e que se as maculássemos cometeríamos o incesto, do que as estranhas que, se as corrompessemos cometeríamos o vício contra a natureza. Logo, o incesto é mais grave pecado que o vício contra a natureza.
4. Demais. – Se o vício contra a natureza é o gravíssimo, parece tanto mais grave quanto mais for contra a natureza. Ora, é sumamente contra a natureza o pecado de imundícia ou de molícia, porque é sumamente conforme a natureza, que um seja agente e outro paciente. Logo, por aí, a imundícia é o gravíssimo entre os vícios contra a natureza. Ora, isto é falso. Logo, os vícios contra a natureza não são os gravíssimos entre os pecados de luxúria.
Mas, em contrário, diz Agostinho, que de todos estes vícios, isto é, que se incluem na luxúria, o péssimo ê o praticado contra a natureza.
SOLUÇÃO. – Em qualquer gênero, a péssima corrupção é a do princípio, de que depende tudo o mais. Ora, os princípios da razão fundam–se em a natureza; pois, a razão, pressuposto o que foi determinado pela natureza, dispõe convenientemente a sua atividade. O que se dá tanto na ordem especulativa como na prática. E portanto, assim como na ordem especulativa, o erro em matéria, cujo conhecimento é naturalmente infuso no homem, é o gravíssimo e o mais funesto, assim, na ordem prática, agir contra o determinado pela natureza, é gravíssimo e desonestíssimo. Ora, como pelos vícios contra a natureza, o homem transgride o determinado por ela quanto à prática dos atos venéreos, daí vem que, nessa matéria, o referido pecado é o gravíssimo. Depois do qual vem o incesto, que, como dissemos, é contra a reverência natural devida às pessoas com quem somos aparentados.
Quanto às outras espécies de luxúria elas só contrariam o que é determinado pela razão reta, pressupondo–se porem os princípios naturais. Pois, mais repugna à razão praticar atos venéreos, não só contrários à geração da prole, mas que ainda implicam injúria a outrem. Por isso, a fornicação simples, cometida sem injúria a terceira pessoa, é a mínima entre as espécies de luxúria. Maior injúria haverá no abuso de mulher que depende de outrem, não só por ser guardada, como também por ser casada. E portanto o adultério é mais grave que o estupro. Agravam–se, porém, ambos pela violência. Pelo que o rapto de uma virgem é mais grave que o estupro; e o rapto de uma casada, que o adultério. E tudo isto ainda se agrava se se acrescentar o sacrilégio, como dissemos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como a ordem da razão reta provém do homem, assim a ordem da natureza procede de Deus mesmo. Portanto, os pecados contra a natureza, que lhe violam a ordem, fazem injúria ao próprio Deus ordenador da natureza. Por isso, Agostinho diz: Os flagicios contrários à natureza em toda parte e sempre devem ser detestados e punidos, como o foram o dos Sodomitas; e, se todas as gentes os praticassem, incorreriam, no mesmo reato do crime, por força da lei divina, que não fez os homens para que entre si se entregassem a tais atos. O que também viola a sociedade que devemos ter com Deus, pois, a mesma natureza, de que ele é o autor, fica poluída pela perversidade da lascívia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os vícios contra a natureza são também contra Deus, como dissemos. E são tanto mais graves que a corrupção do sacrilégio, quanto a ordem imposta à natureza é superior e mais estável que qualquer outra ordem sobreveniente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A todos os indivíduos mais chegada lhes é a natureza específica do que qualquer outro indivíduo. E, portanto, os pecados contra a natureza específica são mais graves.
RESPOSTA À QUARTA. – A gravidade do pecado se funda mais no abuso de uma determinada coisa do que na omissão do uso devido. Por onde, entre os vícios contrários à natureza, o lugar ínfimo ocupa o pecado da imundícia, que não implica o concúbito com outra pessoa. Gravíssimo porém é o pecado da bestialidade, cometido com um ser de espécie diferente. Por isso, àquilo da Escritura. – Acusou seus irmãos de um enorme crime – diz a Glosa, que tinham congresso com os animais. Depois deste vem o vício sodomítico, que consiste na relação com pessoa do mesmo sexo. – E depois, enfim, vem o pecado pelo qual o concúbito se faz de modo indevido; mais grave se há pederastia do que se há qualquer outra desordem, no atinente ao modo da conjunção.
O undécimo discute–se assim. – Parece que o vício contra a natureza não é uma espécie de luxúria.
1. – Pois, na referida enumeração das espécies de luxúria, nenhuma menção se faz do vício contra a natureza. Logo, não é uma espécie de luxúria.
2. Demais. – A luxúria se opõe à virtude e, assim, está incluída na malícia. Ora, o vício contra a natureza não está contido na malícia, mas na bestialidade, como está claro no Filósofo. Logo, o vício contra a natureza não é uma espécie de luxúria.
3. Demais. – A luxúria implica atos ordenados à geração humana, como do sobredito resulta. Ora, o vício contra a natureza implica atos dos quais não resulta a geração humana. Logo o vício contra a natureza não é uma espécie de luxúria.
Mas, em contrário, o Apóstolo o enumera entre as outras espécies de luxúria, quando diz: E não fizeram penitência da imundície e fornicação e desonestidade; o que comenta a Glosa: A imundície, isto é, a luxúria contra a natureza.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, há sempre uma espécie determinada de luxúria, quando ocorre uma deformidade de natureza especial, que torna repugnante o ato venéreo. O que pode se dar de dois modos. Primeiro, quando repugna à razão reta – o que é comum a todos os vícios de luxúria. – De outro modo, quando, além disso, também repugna à ordem natural dos atos venéreos, tal como a exige a espécie humana; o que constitui o vício contra a natureza. E pode se dar de muitos modos. – Primeiro, quando, sem qualquer concúbito, provoca–se a polução por causa do prazer venéreo, o que constitui o pecado de imundícia, chamado por outros molícia. – Segundo, quando é praticado o concúbito com um ser de espécie diversa, e se chama bestialidade. – Terceiro, quando há o concúbito com o mesmo sexo, por exemplo, de homem com homem ou de mulher com mulher; como diz o Apóstolo; ao que se chama vício sodomítico. – Quarto, quando não se observar o modo natural do coito ou se praticam outros modos monstruosos e bestiais de ter relações.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A enumeração referida cita as espécies de luxúria que não repugnam à natureza humana. Por isso, omite o vício contra a natureza.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A bestialidade difere da malícia, oposta à virtude humana por um certo excesso atinente à matéria idêntica.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O luxurioso não visa a geração humana, mas o prazer venéreo; o qual se pode gozar sem os atos de que resulta a geração. E isto é o que se dá com o vício contra a natureza.
O décimo discute–se assim. – Parece que o sacrilégio não pode ser uma espécie de luxúria.
1. – Pois, uma mesma espécie não pode estar compreendida em diversos gêneros não subalternados uns aos outros. Ora, o sacrilégio é uma espécie de irreligiosidade, como dissemos. Logo, o sacrilégio não pode ser considerado uma espécie de luxúria.
2. Demais. – Nas Decretais o sacrilégio não é enumerado entre as demais espécies da luxúria. Logo, parece que não é uma espécie dela.
3. Demais. – Assim como a luxúria pode nos fazer agir contra uma coisa sagrada, assim também o podem os outros gêneros de vícios. Ora, nenhum sacrilégio é considerado espécie de gula ou de qualquer outro vício semelhante. Logo, também não deve ser considerado espécie de luxúria.
Mas, em contrário, diz Agostinho, assim como é iníquo alguém ultrapassar o limite dos seus campos, pela avidez de possuir, assim também o é subverter as regras morais pela lascívia da relação carnal. Ora, ultrapassar os limites dos campos, se se trata de bens sagrados é pecado de sacrilégio. Logo, pela mesma razão, subverter as regras morais, pela lascívia da relação carnal, é pecado de sacrilégio. Mas, a referida lascívia implica a luxúria. Portanto o sacrilégio é uma espécie de luxúria.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o ato de uma virtude ou de um vício, ordenado ao fim de outro, assume–lhe a espécie; assim, o furto cometido para praticar um adultério, passa para a espécie deste. Ora, é manifesto que a observância da castidade, enquanto ordenada ao culto de Deus, transforma–se em ato de religião, como é o caso dos que fazem votos de virgindade e a observam, como está claro em Agostinho. Por onde, é manifesto, que também a luxúria, enquanto viola o que pertence ao culto divino, constitui uma espécie de sacrilégio. E portanto, assim sendo o sacrilégio pode ser considerado espécie da luxúria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A luxúria, enquanto ordenada ao fim de outro vício, torna–se espécie deste. E assim, alguma espécie de luxúria pode também ser espécie de irreligiosidade, como de género superior.
RESPOSTA À SEGUNDA. – No lugar citado enumeram–se as espécies de luxúria em si mesma considerada. Ora, o sacrilégio é uma espécie de luxúria enquanto ordenada ao fim de outro vício. E pode concorrer com as diversas espécies de luxúria. Quem, pois, abusar de uma pessoa chegada, por parentesco espiritual, comete sacrilégio por incesto. Se o fizer com uma virgem consagrada a Deus, enquanto esposa de Cristo, comete sacrilégio por adultério. Se for contra uma virgem sob guarda de um pai espiritual, cometerá estupro espiritual; e se usar de violência, cometerá rapto espiritual, o qual também as leis civis punem mais gravemente do que outra espécie de rapto. Por isso, diz o Imperador Justiniano: Quem ousar, não digo raptar, mas somente atentar, para fins de casamento, contra as virgens sacratíssimas, seja punido de pena capital.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O sacrilégio é cometido contra uma coisa sagrada. Ora, coisa sagrada é ou uma pessoa sagrada, com quem se deseja ter relação sexual, o que constitui a luxúria; ou a que se deseja possuir, o que constitui injustiça. Mas também o sacrilégio pode implicar a ira; por exemplo, se alguém, tomado de ira, fizer uma injúria a uma pessoa sagrada. Ou, quem tomar gulosamente uma comida sagrada, comete sacrilégio. Mais especialmente porém o sacrilégio é atribuído à luxúria; oposta à castidade, à observância da qual certas pessoas são especialmente consagradas.
O nono discute–se assim. – Parece que o incesto não é uma espécie determinada de luxúria.
1. – Pois, o incesto é assim chamado por privar da castidade. Ora, à castidade se opõe universalmente a luxúria. Logo, parece que o incesto não é uma espécie da luxúria, mas é, em universal, a luxúria mesma.
2. Demais. – As Decretais dizem, que o incesto é o abuso de consanguíneos ou afins. Ora, a afinidade difere da consanguinidade. Logo, o incesto não é uma espécie de luxúria, mas inclui várias.
3. Demais. – O que em si mesmo não implica nenhuma deformidade não constitui nenhuma espécie determinada de vício. Ora, ter relações com consanguíneos ou afins não implica, em si mesmo, deformidade; do contrario, nunca o teria sido permitido. Logo, o incesto não é uma espécie determinada de luxúria.
Mas, em contrário, as espécies de luxúria se distinguem pela condição da mulher de quem se abusou. Ora, o incesto implica uma condição especial da mulher; pois é o abuso de consanguíneas ou afins, como se disse. Logo, o incesto é uma espécie determinada de luxúria.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o que implica repugnância à prática lícita dos atos venéreos, implica necessariamente uma espécie determinada de luxúria. Ora, o uso de consanguíneas ou afins implica uma certa e repugnante relação sexual, por três razões.
Primeiro, porque devemos uma certa honorificência particular aos pais e, por consequência, aos outros consanguíneos, que se originam proximamente dos pais. E a ponto que, entre os antigos, como refere Máximo Valério, não era permitido ao filho banhar–se junto com o pai, para não se verem nus um ao outro. Ora, é manifesto, pelo que já dissemos que os atos venéreos implicam sumamente uma desonestidade contrária à honorificência; e por isso, os homens se envergonham deles. Portanto, é inconveniente a relação sexual dessas pessoas entre si. E essa causa está expressa na Escritura: Ela é tua mãe, não descobrirás a sua fealdade. E a seguir diz o mesmo dos demais parentes.
A segunda razão é que as pessoas ligadas pelo sangue hão de necessariamente conviver entre si. Por onde, se os homens não evitassem, nesse caso, as relações sexuais, muitas oportunidades teriam de praticá–las; e então a alma se lhes efeminaria pela luxúria. Por isso a lei antiga proibiu terem relações carnais, especialmente, as pessoas que devem por necessidade conviver entre si.
A terceira razão é que, do contrário, ficaria impedida a multiplicação dos amigos. Pois, quando um homem se casa com uma mulher estranha, todos os consanguíneos desta se lhe unem por uma certa amizade especial, como se lhe fossem consanguíneos. Donde o dizer Agostinho: É por um motivo muito justo de caridade, que os homens, a quem é útil e honrosa a concórdia, se unam pelos vínculos das diversas necessidade, e por isso um só não tenha simultaneamente muitas mulheres, mas, cada um a sua.
E Aristóteles acrescenta uma quarta razão e é a seguinte. Como o homem naturalmente ama a sua consanguínea, se a esse afeto se acrescentasse o amor sexual, isso daria lugar a um excesso no amor e a um grande incentivo à lascívia, o que repugna à castidade.
Por onde, é manifesto que o incesto é uma determinada espécie de luxúria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O abuso das pessoas chegadas pelo parentesco seria em sumo grau causa da corrupção da castidade, quer pela oportunidade, quer também pelos ardores do amor, como dissemos. Por isso é que o abuso de tais pessoas se chama antonomásticamente incesto.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Uma pessoa tem afinidade conosco por causa de uma outra com quem temos laços de consanguinidade. E portanto, como uma está ligada à outra, a consanguinidade e a afinidade implicam inconveniência da mesma natureza.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Na união carnal de pessoas aparentadas há em si mesma, uma certa inconveniência e repugnância à razão natural. Tal o caso da união entre pais e filhos, entre os quais há um parentesco natural direto e imediato; pois, os filhos têm o dever natural de honrar os pais. Por isso, diz o Filósofo, que um certo cavalo, enganado a ponto de copular com a própria mãe, como que tomado de, horror, precipitou–se a si mesmo num precipício, prova de que até certos animais prestam uma especial reverência aos pais. – Quanto a outras pessoas, não unidas por laços diretos entre si, mas, só por intermédio dos pais, podem casar sem que isso implique, em si mesmo, qualquer inconveniente. Mas, nesse caso, a conveniência ou não conveniência varia segundo o costume e as leis humanas ou divinas; porque, como dissemos, a prática dos atos venéreos, por se ordenarem ao bem comum, são regulados por lei. Donde o dizer Agostinho: A união sexual entre irmãs e irmãos, praticada antigamente por impulso da necessidade, tornou–se depois condenável por proibição religiosa.
O oitavo discute–se assim. – Parece que o adultério não é uma espécie de luxúria, distinta das outras.
1. – Pois, o adultério assim se chama por ter o marido relação com outra mulher, que não a sua como diz uma Glosa ao Êxodo. Ora, essa outra mulher, que não a sua, pode ser de diversas condições, a saber, virgem, sob o pátrio poder. meretriz ou de qualquer outra condição. Logo, parece que o adultério não é uma espécie de luxúria distinta das outras.
2. Demais. – Jerônimo diz: Em nada importa quão honesta seja a causa por que alguém enlouqueceu. Por isso Sixto Pitagórico disse: Adúltero é o amante desregrado da própria esposa. E, por igual razão, o amante de qualquer outra mulher. Ora, toda luxúria implica um amor desordenadamente ardente. Logo, o adultério está incluído em toda luxúria; e portanto não deve ser considerado espécie dela.
3. Demais. – Uma mesma espécie de deformidade não pode fundar uma nova espécie de pecado. Ora, o estupro e o adultério implicam deformidade da mesma espécie; pois, em ambos os casos, é violada uma mulher sujeita ao poder de outrem. Logo, o adultério não é uma determinada espécie de luxúria, distinta das outras.
Mas, em contrário, diz Leão Papa, que o adultério é cometido quando, por instigação da própria lascívia, ou do consentimento da mulher, um dos esposos viola a fé conjugal. Ora, isto implica uma deformidade especial da luxúria. Logo, o adultério é uma espécie determinada de luxúria.
SOLUÇÃO. – O adultério, como o próprio vocábulo significa, é a participação do leito alheio. O que importa em delinquir duplamente – contra a castidade e o bem da geração humana. Primeiro, ter o adúltero relação com uma mulher com quem não está unido em matrimónio, união esta exigi da pelo bem da prole a ser educada. De outro modo, por ter relação com mulher unida em matrimónio, o que impede o bem da prole alheia. E o mesmo se dá com a mulher casada, que se deixa corromper pelo adultério. Donde o dizer a Escritura: Toda mulher que deixa a seu marido pecará, porque primeiro ela foi desobediente à lei do Altíssimo, que determinou – não fornicarás; e secundariamente pecou contra o seu marido, porque fez–Ihe incerta a prole; e em terceiro lugar, no adultério que cometeu violou a castidade conjugal e se deu a si filhos de outro, que não era seu conserte, o que vai contra o bem da própria prole. Ora, quanto à primeira prevaricação, ela é comum a todos os pecados mortais; e as outras duas especialmente incluem a deformidade do adultério. Por onde é manifesto, que o adultério é uma determinada espécie de luxúria, por implicar unta deformidade especial relativamente aos atos venéreos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O pecado de homem casado, que teve relações com outra mulher, é susceptível de várias determinações. Assim, considerando–se o seu ato, é sempre adultério e contrário à fé matrimonial. Considerada a mulher, com quem teve relações, o ato é, ora, adultério, se se trata de casado com casada; ora, estupro ou ato de outra espécie, conforme as diversas condições da mulher com a qual houve comércio. Pois, como dissemos, as espécies de luxúria se fundam nas diversas condições da mulher.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O matrimônio é especialmente ordenado ao bem da prole humana, como dissemos. Ora, o adultério contraria especialmente o matrimônio por violar a fé matrimonial a que o casado está adstrito. E como aquele que ama a sua esposa de maneira desregrada age contra o bem do matrimônio, usando dela desonestamente, por isso pode, embora não viole a fé conjugal, ser de certa maneira denominado adúltero, e sobretudo, o que ama desregradamente a mulher alheia.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A mulher está sob o poder do marido como a que lhe está unida pelo matrimónio; mas a donzela está sob o pátrio poder, como a que será por ele unida em matrimônio. Portanto, o pecado do adultério fere, de um modo o bem do matrimónio, e o pecado de estupro, de outro modo. Donde o se considerarem diversas espécies de luxúria. – Do mais que diz respeito ao adultério trataremos na Terceira Parte, quando estudarmos o matrimónio.
O sétimo discute–se assim. – Parece que o rapto não é uma espécie de luxúria distinta do estupro.
1. – Pois, diz Isidoro, que o estupro, isto é, o rapto é propriamente o coito ilícito, assim chamado porque corrompe; por isso, quem se apoderou da vítima pelo rapto, dela goza pelo estupro. Logo, parece que o rapto não deve ser considerado como uma espécie de luxúria distinta do estupro.
2. Demais. – O rapto implica uma certa violência; assim, diz uma Decretal, que o rapto se comete quando uma donzela é violentamente arrebatada da casa paterna para que, depois de violada, venha a ser esposa. Ora, fazer violência a alguém se relaciona apenas acidentalmente com a luxúria, cujo objeto próprio é o prazer do concúbito. Logo, parece que o rapto não deve ser considerado espécie determinada de luxúria.
3. Demais. – O pecado da luxúria o matrimônio o coíbe; pois, diz o Apóstolo: Por evitar a fornicação cada um tenha a sua mulher. Ora, o rapto impede o matrimónio subsequente; assim determina o Concílio Meldense: Os que raptam mulheres ou as furtam ou as seduzem, determinamos que de nenhum modo as possam ter corno esposas, embora venham posteriormente a se casar com elas com o consentimento dos pais das mesmas. Logo, o rapto não é uma espécie determinada de luxúria distinta do estupro.
4. Demais. – Pode um casado ter relação com sua esposa sem pecado de luxúria. Ora, o rapto é cometido quando arrebata violentamente sua esposa da casa dos pais da mesma e com ela tem relação carnal. Logo, o rapto não deve ser considerado espécie determinada de luxúria.
Mas, em contrário, o rapto é um coito ilícito, como diz Isidoro. Ora, isso implica o pecado de luxúria. Logo, o rapto é uma espécie de luxúria.
SOLUÇÃO. – O rapto, no sentido em que agora o consideramos é uma espécie de luxúria. E, ora, coexiste com o estupro; ora, existe sem ele; e ora, há estupro sem rapto. – Coexistem ambos, quando alguém comete violência contra uma donzela, para deflora–Ia ilicitamente. E essa violência é às vezes praticada tanto contra a donzela como contra o pai da mesma; outras vezes, ao pai e não à virgem, como quando ela consente em ser tirada violentamente da casa paterna. Mas, a violência e o rapto também diferem, de outro modo. Pois, umas vezes, a donzela é violentamente tirada da casa paterna e violentamente deflorada; outras, embora tenha sido arrebatada com violência, não é violentamente corrompida, mas o é por vontade da mesma, em concúbito, quer fornicário, quer matrimonial. Mas, contanto que haja violência, seja de que modo for, tem lugar o rapto. Quanto ao rapto sem estupro, ele se dá, por exemplo, quando alguém rapta uma viúva ou uma moça já deflorada. Por isso, Simaco Papa diz: Os raptores de virgens ou de viúvas nós os detestamos por causa da imanidade desse tão grande crime. Quanto ao estupro sem o rapto ele tem lugar, quando uma virgem é ilicitamente deflorada, sem haver violência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como o rapto quase sempre é acompanhado do estupro, por isso as vezes se toma um pelo outro.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O emprego da violência procede da intensidade da concupiscência, que leva a afrontar o perigo de agir violentamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – De um modo devemos considerar o rapto de casadas e de outro, o de não casadas. As casadas devem ser restituídas aos maridos, que têm sobre elas direito, em virtude do casamento. As não casadas devem ser primeiro restituídas ao pátrio poder e então, se os pais concordarem, podem ser recebidas licitamente como esposas. Se, porém não concordarem, o matrimônio se contrairá ilicitamente, pois, quem rouba qualquer coisa está obrigado à restituição. Contudo, o rapto não dirime o casamento já contraído, embora impida de o ser. – E quanto ao referido concílio, as suas palavras significam quanto detesta a esse crime, e foram abrogadas. Por isso. Jerônimo diz o contrário: As escrituras fazem menção de três espécies de casamentos legítimos. O primeiro, quando uma virgem casta na sua virgindade. é dada legitimamente a um varão. O segundo, quando uma virgem é raptada, na cidade, por um varão, que com ela coabitou violentamente. Se o pai dela quiser, esse homem a dotará, quanto o julgar o pai, e pagará o preço da sua pudicícia. O terceiro, quando é tirada ao raptor e entregue a outro, por vontade do pai. – Ou pode–se entender o dito do concílio, como referente às desposadas e sobretudo às que o fizeram, pronunciando elas mesmas as palavras com que consentiram.
RESPOSTA À QUARTA. – O esposo, pelo fato mesmo do casamento, tem certos direitos sobre a esposa. E, portanto, embora peque empregando a violência, fica escusado contudo do crime de rapto. Por isso, Gelásio Papa diz: Segundo a lei dos antigos príncipes, havia rapto quando era arrebatada uma donzela, que antes do casamento, ainda não tinha sido deflorada.
O sexto discute–se assim. – Parece que o estupro não deve ser considerado uma espécie de luxúria.
1. – Pois, o estupro implica o defloramento ilícito de uma virgem, como se lê nas Decretais. Ora, isto pode se dar entre solteiro e solteira, o que constitui a fornicação. Logo, o estupro não deve ser considerado espécie de luxúria distinta da fornicação.
2. Demais. – Ambrósio diz: – Ninguém se exima das leis humanas – todo estupro é adultério. Ora, de espécies diversas por contrariedade uma não pode incluir a outra. Logo, como o adultério é espécie de luxúria, parece que o estupro não deve ser considerado também espécie dela.
3. Demais. – Cometer uma injúria contra outrem parece incluir mais a injustiça que a luxúria. Ora, quem comete estupro, faz uma injúria contra outrem, isto é, ao pai da virgem, que corrompeu, o qual pode considerar a injustiça como feita a si, e mover uma ação de injúria contra o estuprador. Logo, o estupro não deve ser considerado espécie de luxúria.
Mas, em contrário, o estupro consiste propriamente no ato venéreo de deflorar uma virgem. Ora, como o objeto próprio da luxúria são os atos venéreos, resulta que o estupro é uma espécie de luxúria.
SOLUÇÃO. – Sempre que a matéria de um determinado vício encerra uma deformidade especial, esta implica uma espécie particular desse vício. Ora, a luxúria é um pecado, cuja matéria são os atos venéreos como dissemos. Mas, a virgem, vivendo sob a guarda paterna e que é deflorada, incorre numa deformidade especial. E isso tanto quanto à virgem mesma, que, por ter sido deflorada sem ser no estado de casamento, anteriormente celebrado, fica impedida de consegui–lo, legitimamente e entra assim no caminho da prostituição, de que a livrava o sinal da virgindade, que conservava; quer quanto ao pai, sob cuja guarda cuidadosa vivia, conforme à Escritura: Sobre a filha desenvolta vigia com dobrado resguardo, para que te não faça vir a ficar em alguma ocasião exposto ao opróbrio de teus inimigos. E, portanto é manifesto, que o estupro, que implica a ilícita defloração de uma virgem, sob guarda paterna, é uma espécie determinada de luxúria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora uma virgem esteja livre do vínculo matrimonial, não o está contudo do pátrio poder. E também, o sinal da virgindade, que guarda, e não deve perder senão no matrimônio é um impedimento especial do concúbito fornicário. Portanto, o estupro não é a fornicação simples; pois, a fornicação é o concúbito com meretrizes, isto é, com mulheres já corrompidas, como o ensina a Glosa àquilo do Apóstolo: Aqueles que não fizeram penitência da imundície e fornicação, etc.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Ambrósio, no lugar citado, entende diferentemente o estupro, isto é, no sentido em que é geralmente tomado pelo pecado de luxúria. E assim aí chama estupro ao concúbito de um homem casado com qualquer outra mulher que não a esposa. E isso é claro pelo que acrescenta: Nem é lícito ao homem o que não o é à mulher. E nesse sentido também é o da Escritura, quando diz: Se está oculto o adultério e ela não pode ser convencida por testemunhas, porque não foi apanhada no estupro, etc.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Nada impede um pecado tornar–se mais disforme pelo acréscimo de outro. Ora, o pecado da luxúria torna–se mais disforme pelo da injustiça; porque, é mais desordenada a concupiscência que não se abstém do prazer, embora isso cause uma injustiça. Pois, ela implica uma dupla injustiça. – Uma relativa à virgem, que embora não corrompida pela violência, contudo foi seduzida, e portanto, está obrigado o sedutor a lhe reparar o mal. Por isso, diz a Escritura: Se alguém seduzir a uma donzela, que ainda. não está desposada e dormir com ela, dotá–la–á e a terá por mulher; se porém o pai da donzela lha não quiser dar, pagará tanto em dinheiro quanto as donzelas costumam receber em dote. – Outra injustiça comete contra o pai da virgem; e por isso, a lei lhe impõe uma pena que devera cumprir. É o que determina a Escritura: Se um homem achar uma moça virgem, que não está desposada e, tomando–a por força a desonrar; devolvida a causa a juízo, dará o que desonrou a moça cincoenta ciclos de prata a seu pai e casará com ela, porque a humilhou, nem a poderá repudiar em todos os dias da sua vida. E isto para que não se gabe de havê–lo ludibriado, como diz Agostinho.
O quinto discute–se assim. – Parece que a polução noturna é pecado.
1. – Pois, o mérito e o demérito devem se referir ao mesmo objeto. Ora, quem dorme pode merecer, como se deu com Salomão que, dormindo, obteve de Deus o dom da sabedoria, como se lê na Escritura. Logo, dormindo podemos desmerecer e, portanto, parece que a polução noturna é pecado.
2. Demais. – Todo aquele que tem o uso da razão pode pecar. Ora, dormindo. temos o uso da razão, pois, frequentemente raciocinamos durante o sono; e preferimos uma coisa a outra, consentindo ou dissentindo. Logo, dormindo, podemos pecar. E, portanto, não impede o sono de ser pecado a polução noturna, pois, genericamente é ela um ato pecaminoso.
3. Demais. – Em vão censuramos e instruímos a quem não pode agir conforme ou contra a razão. Ora, durante o sono Deus instrui e censura o homem, como se lê na Escritura: Por sonho de visão noturna, quando cai sopor sobre os homens, então abre os ouvidos dos homens e, admoestando–os, lhes adverte o que delem fazer. Logo, durante o sono, podemos agir de acordo com a razão ou contra ela; o que é agir retamente ou pecar. E assim parece que a poluçâo noturna é pecado.
Mas, em contrário, Agostinho: A fantasia da nossa imaginação, que manifestamos aos outros em conversa, quando nitidamente se apresenta, durante o sono, em visão, de modo a não ser possível discernir entre a verdadeira e a imaginária união carnal, imediatamente provoca a carne, donde resulta o movimento em questão, tão isento de pecado como o é a palavra na qual pensou uma pessoa acordada, para depois proferi–la.
SOLUÇÃO. – A polução noturna pode ser considerada a dupla luz. – Primeiro em si mesma, e então não é por natureza pecado. Pois, todo pecado depende do juízo racional; e é porque o movimento primeiro da sensualidade não constitui pecado, senão na medida em que pode ser dominado pelo juízo da razão. Portanto, onde não há juízo racional, não há pecado. Ora, durante o sono, a razão não está no seu livre juízo. Pois, não há ninguém que, dormindo, não tome certas figuras da imaginação pela realidade mesma, como resulta do que dissemos na Primeira Parte. Logo, aquilo que fazemos dormindo, sem o livra juízo da razão, não se nos imputa como culpa, como não se lhe imputa como culpa aquilo que pratica um furioso ou um demente. – De outro modo, a polução noturna pode ser considerada relativamente à sua causa.
E isto de três maneiras. – Primeiro, corporalmente. Pois, superabundando no corpo o humor seminal, ou sendo emitido, pelo excessivo calor do corpo ou por qualquer outra comoção, o adormecido sonha que está expulsando esse humor abundante ou secretado. O que também se dá quando a natureza está sobrecarregada de quaisquer outras superfluidades, de modo que se formam na imaginação fantasmas, que provocam a emissão delas. Se, portanto, a superabundância desse humor provém de uma causa culposa, por exemplo, da comida ou da bebida excessivas, então a polução noturna é culposa na sua causa. Se porém, a superabundância ou a resolução desse humor não tiver nenhuma causa culposa, então, nem em si nem na sua causa, será culposa a polução.
Quanto à outra causa da polução noturna, ela pode ser animal e interior; assim, quando alguém, dormindo, sofre–a, em consequência de pensamentos precedentes. Mas, os pensamentos, que se têm, acordado, podem ser puramente especulativos; por exemplo, quando alguém, numa discussão, pensa nos pecados carnais. Outras vezes, porém, esses pensamentos são acompanhados de um certo afeto, de concupiscência ou de aversão. Ora, sobretudo os pensamentos dos vícios carnais, acompanhados de complacência neles, é que provocam a polução noturna. Porque esses pensamentos deixam um certo vestígio e inclinação na alma, de modo que o adormecido é mais facilmente levado, na sua imaginação, a consentir nos atos que provocam a polução .. E por isso o Filósofo diz, pois que certos movimentos passam lentamente do estado de vigília para o do sono, melhores são os fantasmas dos virtuosos que os de quaisquer outros; e Agostinho diz, os méritos das almas dotadas de bons atetos se manifestam ainda mesmo no sono. Por onde é claro, que a polução noturna pode ser culposa pela sua causa. – As vezes porém se dá que o pensamento, durante a vigília, de atos carnais, ainda especulativos e com repugnância, produz a polução, durante o sono. – E então esta não é culposa nem em si mesma nem na sua causa.
Enfim, a terceira causa é espiritual extrínseca; assim, quando a influência do demônio provoca imaginações em quem dorme, causadoras do efeito em questão. E isto às vezes provém do pecado precedente de termos descuidado de nos precaver contra as ilusões do demônio; por isso é que se canta à noite: Comprime o nosso inimigo afim de que os nossos corpos não sejam poluídos. Outras vezes, sem nenhuma culpa do homem, mas só por nequícia do demônio; assim, nas. Conferências dos Padres se lê de um, que sempre sofria poluções noturnas nos dias de festa, por provocação do demónio, para que ficasse privado da sagrada comunhão. Por onde é claro, que a polução noturna nunca é pecado, mas é, às vezes, consequência de um pecado precedente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Salomão não mereceu, dormindo, receber a sabedoria, de Deus; mas, recebeu–a como sinal de um desejo precedente, e por isso diz Agostinho, que o seu pedido agradou a Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Na medida em que as potências sensitivas interiores são mais ou menos paralisados pelo sono, por causa dos vapores pesados ou leves, nessa mesma o uso da razão fica mais ou menos impedido, durante o sono. Sempre porém, sob certo aspecto, fica impedido, de modo que não pode de nenhum modo o adormecido exercer o seu livre juízo, como foi dito na Primeira Parte. Logo, não se lhe imputa como culpa o que então faz.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A apreensão racional não fica impedida pelo sono, como o fica o juízo racional, que se completa convertendo–se às causas sensíveis, que são os primeiros princípios do conhecimento humano. Portanto, nada impede apreendermos pela razão alguma causa, de novo, dormindo, em virtude de uma lembrança das reflexões precedentes ou pelas imagens vistas em sonho, ou ainda por divina revelação, ou enfim por influência de um anjo bom ou mau.
O quarto discute–se assim. – Parece que os contatos e os beijos não constituem pecado mortal.
1. – Pois, o Apóstolo diz: Portanto, a fornicação e toda impureza ou avareza, nem sequer se nomeie entre vós outros, como convém a santos. E acrescenta: Nem palavras torpes, o que a Glosa comenta: como os beijos e os abraços; nem palavras loucas – como as palavras doces; nem chocarrices – ou a chamada, pelos estultos curialitas, isto é, a jocosidade. E depois ajunta: Porque haveis de saber e entender que nenhum fornicârio ou imundo, ou avaro, o que é cultor de ídolos, não tem herança no reino de Crista e de Deus; e já não se refere às palavras torpes, nem às palavras loucas nem às chocarrices. Logo, não são elas pecado mortal.
2. Demais. – Diz–se, que a fornicação é pecado mortal, porque ela impede o bem da prole ser gerada e educada. Ora, para tal em nada concorrem os beijos e os contatos ou abraços. Logo, não constituem pecado mortal.
3. Demais. – Atos que são em si mesmos pecado mortal não podem nunca ser praticados licitamente. Ora, os beijos, os contatos e coisas semelhantes podem às vezes existir sem pecado. Logo, não são em si mesmos pecado mortal.
Mas, em contrário. – Olhares lascivos são menos que os contatos, os abraços ou os beijos. Ora, os olhares lascivos constituem pecado mortal, segundo o Evangelho: Todo o que olhar para uma mulher cobiçando–a, já no seu coração adulterou com ela. Logo, com maior razão, os beijos lascivos e cousas semelhantes são pecados mortais.
Demais. – Cipriano diz: O concúbito, os abraços, os colóquios amorosos, os beijos, o desonesto e impuro contato de dois corpos no mesmo leito, quanto, por certo, não encerram de vergonha e de criminoso! Logo, a prática de tais atos torna o homem réu de crime, isto é, de pecado mortal.
SOLUÇÃO. – De dois modos pode um ato ser pecado mortal. – Pela sua espécie; e então, os beijos, os abraços ou contatos não implicam, por natureza, pecado mortal. Pois, podem ser praticados sem lascívia, ou por costume pátrio ou por qualquer necessidade ou causa racional. – De outro modo, um pecado pode ser mortal na sua causa; assim, quem faz esmola, para induzir a outrem em heresia, peca mortalmente, por causa da intenção perversa. Pois, como dissemos consentir no prazer de um pecado mortal é pecado mortal, e não só o consentimento no ato. Por onde, sendo a fornicação pecado mortal, e muito mais as outras espécies de luxúria, resulta, por consequência, que o consentimento no prazer desse pecado é pecado mortal, e não só o consentimento no ato. Logo, como os beijos, os abraços e coisas semelhantes se pratiquem por causa do prazer que encerram, são por consequência pecados mortais. E só neste sentido se consideram lascivos. Portanto, tais atos, enquanto libidinosos, constituem pecados mortais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Apóstolo não citou os três referidos atos, porque não têm a denominação de pecado, senão enquanto ordenados aos precedentemente aludidos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os beijos e os contatos, embora em si mesmos não impedem o bem da prole humana, nascem contudo da lascívia, que é a raiz desse impedimento. Pois, por isso é que são por natureza pecado mortal.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção conclui que tais atos não são especificamente pecados mortais.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a fornicação é o gravíssimo dos pecados.
1. – Pois, o pecado é tanto mais grave quanto maior é a lascívia de que procede. Ora, a maior lascívia é a da fornicação; assim, como diz a Glosa, o amor lascivo, na luxúria, é o máximo. Logo, a fornicação é o gravíssimo dos pecados.
2. Demais. – Pecamos tanto mais gravemente quanto o fazemos com quem nos é mais chegado; assim, peca mais gravemente quem fere o pai que quem fere um estranho. Ora, como diz o Apóstolo, o que comete fornicação peca contra o seu próprio corpo, que é o ser mais unido conosco. Logo, parece que a fornicação é o gravíssimo dos pecados.
3. Demais. – Quanto maior é um bem tanto mais grave é o pecado cometido contra ele. Ora, o pecado de fornicação vai contra o bem de todo o gênero humano, como do sobre dito resulta. – E é também contra Cristo, segundo o Apóstolo: Tornarei eu os membros de Cristo e fá–los–ei membros de urna prostituta? Logo, a fornicação é o gravíssimo dos pecados.
Mas, em contrário, diz Gregório, que os pecados carnais têm menor culpa que os pecados espirituais.
SOLUÇÃO. – A gravidade de um pecado pode ser considerada a dupla luz: essencial e acidentalmente. Essencialmente, a gravidade de um pecado se deduz da sua espécie, que depende do bem a que ele contraria. Ora, a fornicação contraria o bem do nascituro. Logo, é especificamente mais grave que os pecados contra os bens exteriores, como o furto e outros; menos grave porém que os pecados que vão diretamente contra Deus, e que o pecado do homicídio, contrário à vida do homem já nascido.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A lascívia que agrava o pecado é a consistente na inclinação da vontade. Ao contrário, a do apetite sensitivo o diminui; pois, quanto maior é o ímpeto da paixão que nos faz pecar, tanto mais leve é o pecado. E deste modo a lascívia na fornicação é máxima. Por isso, diz Agostinho, que, de todas as lutas em que os Cristãos vivem empenhados, as mais duras são as da castidade, onde a pugna é quotidiana e rara a vitória. E Isidoro diz, que pela luxúria da carne, mais do que por qualquer outro pecado, o género humano se faz presa do diabo, isto é, porque é difícil vencer a veemência dessa paixão.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Diz–se que quem fornica peca contra o próprio corpo, não só porque o prazer da fornicação se consuma na carne, o que também se dá com a gula, mas ainda porque age contra o bem do próprio corpo quem fornica, enfraquecendo–o e inquinando–o, como não deve, e tendo relação carnal pecaminosa. Mas nem por isso daqui se segue, que a fornicação seja o gravíssimo dos pecados; pois, no homem, a razão prevalece sobre o corpo; e por isso, mais grave será o pecado mais contrário à razão.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O pecado da fornicação é contra o bem da espécie humana, por impedir a geração de um determinado nascituro. Pois, mais propriamente realiza a essência da espécie o que dela já participa em ato, do que o homem apenas em potência. E, por isso, também o homicídio é mais grave que a fornicação e que todas as espécies de luxúria, por contrariar mais ao bem da espécie humana. Mas, o bem divino é ainda maior que o da espécie humana. Donde o serem maiores os pecados contra Deus. Nem é a fornicação pecado diretamente contra Deus, como se o fornicador visasse a ofensa de Deus; mas o é só por consequência, como todos os pecados mortais. Pois, assim como os membros do nosso corpo são membros de Cristo, assim também o nosso espírito é um com Cristo, segundo o Apóstolo: O que está unido ao Senhor é um mesmo espírito com ele. Por onde, também os pecados espirituais são mais contra Cristo, que a fornicação.