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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 8 – Se há algum vício oposto à iracúndia, proveniente da ausência da ira.

O oitavo discute–se assim. – Parece que não há nenhum vício oposto à iracúndia, proveniente da ausência da ira.

1. – Pois, não é por nenhum vício, que o homem imita a Deus. Ora, quem é absolutamente isento de ira assemelha–se a Deus, que julga com tranquilidade. Logo, parece não ser vicioso carecer absolutamente da ira.

2. Demais. – A falta do que para nada é útil não é viciosa. Ora, os movimentos da ira para nada são úteis, como o prova Séneca, no livro que sobre a ira escreveu. Logo, parece que a falta de ira não é um vício.

3. Demais. – O mal do homem, segundo Dionísio, é estar em desacordo com a razão. Ora, mesmo eliminado todo movimento de ira, ainda permanece íntegro o uso da razão. Logo, nenhuma falta de ira causa um vício.

Mas, em contrário, diz Crisóstomo: Quem se ira sem causa peca. Pois, a paciência irracional semeia vícios, nutre a negligência e excita ao mal não só os maus, mas também os bons.

SOLUÇÃO. – A ira pode ser compreendida em dois sentidos. – Primeiro, como um simples movimento da vontade, que leva o irado a infligir uma pena, não por paixão mas, por um juízo racional. Por onde, a falta de ira sem dúvida é pecado. E neste sentido é que Crisóstomo a considera, quando diz: A iracúndia que tem uma causa não é iracúndia mais juízo. Pois, por iracúndia propriamente se entende a comoção da paixão. Ora, a ira de quem se encoleriza com causa não nasce da paixão. Por isso, diz–se que julga e não, que está irado. – Noutro sentido, a ira é tomada pelo movimento do apetite sensitivo, que é acompanhado de paixão, em virtude de uma alteração do corpo. E esse movimento resulta necessariamente no homem de um simples movimento da vontade; porque naturalmente o apetite inferior segue o movimento do apetite superior, se não houver nenhuma repugnância. Por onde, não pode totalmente deixar de existir o movimento da ira no apetite sensitivo, salvo por eliminação, ou fraqueza do movimento voluntário. Portanto e consequentemente, também a falta da paixão da ira é viciosa; como o é a ausência do movimento voluntário que nos leva a punir, segundo o juízo da razão.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quem de nenhum modo se ira, quando devia fazê–la, imita por certo a Deus, quanto à carência de paixão; mas não, quanto ao punir ele racionalmente.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A paixão da ira, como todos os movimentos sensitivos, são úteis para nos fazerem executar mais prontamente o que a razão nos dita. Do contrário o apetite sensitivo nos seria inútil; e contudo a natureza nada faz em vão.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando agimos desordenadamente, o juízo da razão é não somente a causa do movimento puro e simples da vontade, mas também da paixão do apetite sensitivo, como se disse. Por onde, assim como a remoção do efeito é sinal de remoção da causa, assim também, a remoção da ira é sinal da remoção do juízo racional.

Art. 7 – Se foram convenientemente determinadas as seis filhas da ira, que são: a rixa, a entumescência de coração, a contumélia, a vociferação, a indignação e a blasfémia.

O sétimo discute–se assim. – Parece que foram inconvenientemente determinadas as seis filhas da ira, a saber: a rixa, a entumescência de coração, a contumélia, a vociteração, a indignação e a blasfémia.

1. – Pois, a blasfémia Isidoro a considera filha da soberba. Logo, não deve ser considerada filha da ira.

2. Demais. – O ódio nasce da ira, como diz Agostinho. Logo, deve ser considerado filho dela.

3. Demais. – A entumescência de coração parece ser o mesmo que a soberba. Ora, a soberba não é filha de nenhum vício, mas, a mãe de todos, como diz Gregório. Logo, a entumescência de coração não deve ser contada entre as filhas da ira.

Mas, em contrário, Gregório assinala essas filhas da ira.

SOLUÇÃO. – A ira pode ser considerada a tríplice luz. Primeiro, enquanto existente no coração. E então dela nascem dois vícios. – Um relativo àquele contra quem nos iramos, e que consideramos indigno por ter feito contra nós uma determinada injúria. E Por isso enumeração assinala a indignação. – O outro vício é o que nasce em nós mesmos ao pensarmos nos diversos meios de vindicta, enchendo por isso a nossa alma desses pensamentos, segundo a Escritura: Porventura o sábio responderá como se falasse ao vento e encherá de ardor o seu peito? E por isso aparece na enumeração a entumescência de coração.

De outro modo, a ira é considerada enquanto se manifesta por palavras. E então dela procedem duas desordens. – Uma consiste em manifestarmos a ira pelo nosso modo de falar, como no caso do que diz contra seu irmão Raca. E por isso a enumeração se refere à vociferação, pela qual se entende o modo de falar desordenado e confuso. – A outra desordem é a pela qual prorrompemos em palavras injuriosas. As quais, se forem contra Deus, constituirão a blasfémia; e se contra o próximo, a contumélia. Em terceiro lugar, considera–se a ira enquanto realizada de fato. E então dele nascem as rixas, pelos quais se entendem todos os danos que, de fato, causamos ao próximo pela ira.

DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A blasfémia em que o homem prorrompe, de propósito deliberado, procede da sua soberba, que o levanta contra Deus; pois, como diz a Escritura: O princípio da soberba do homem é apostata de Deus, isto é, deixar de venerá–lo, que é a primeira parte da soberba da qual nasce a blasfémia. Ora, a blasfémia em que o irado prorrompe, com a alma em convulsão procede da ira.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O ódio, embora às vezes nasça da ira, nasce contudo e mais diretamente de uma causa anterior, que é a tristeza; assim como ao contrário, o amor nasce do prazer. Pois, provocados pela tristeza é que, ora, somos levados à ira e ora, ao ódio. Por onde, mais convenientemente se fez o ódio nascer da acédia, que da ira.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A entumescência de coração, na questão presente, não é tomada pela soberba; mas, por um conato ou audácia de quem intenta a vingança. Ora, a audácia é um vício oposto à fortaleza.

Art. 6 – Se a ira deve ser contada entre os vícios capitais.

O sexto discute–se assim. – Parece que a ira não deve ser contada entre os vícios capitais.

1. – Pois, a ira nasce da tristeza. Ora, a tristeza é o vício capital chamado acédia. Logo, a ira não deve ser considerada vício capital.

2. Demais. – O ódio é um pecado mais grave que a ira. Logo, mais que ela, deve ser considerado vício capital.

3. Demais. – Aquilo da Escritura – O homem iracundo excita a rixas – diz a Glosa: A iracúndia é a porta de todos os vícios; fechada, todas as virtudes se vos repousam, no interior; aberta, a alma se vos precipitará em todos os crimes. Ora, nenhum vício capital é princípio de todos os pecados, mas, só de certos determinadamente. Logo, a ira não deve ser contada entre os vícios capitais.

Mas, em contrário, Gregório a coloca entre os vícios capitais.

SOLUÇÃO. – Como do sobre dito resulta, chama–se vício capital o que dá origem a muitos outros. Ora, da ira podem nascer muitos vícios, por duas razões. – Primeiro por ter o seu objeto muito desejável, pois, a vindicta é desejada sob a forma de justo ou honesto, o que nos atrai, pela sua dignidade, como dissemos. ­ Depois, pelo ímpeto com que precipita a alma a praticar toda sorte de atos desordenados. ­ Por onde, é claro que a ira é um vício capital.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– À tristeza de que geralmente nasce a ira não é o vício da acédia, mas, a paixão da tristeza, resultante da injúria feita.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como do sobre dito resulta, o vicio capital, por essência, implica um fim muito desejável, de modo que o desejo dele leva à comissão de muitos pecados. Ora, a ira, que deseja o mal sob a forma de bem, tem um fim mais desejável que o ódio, que deseja o mal sob a forma do mal. Logo, a ira é, mais que o ódio, vício capital.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Chama–se à ira porta de todos os vícios, acidentalmente, isto é, pela remoção do obstáculo, a saber, o impedimento posto ao juízo da razão, o qual juízo nos leva a evitar o mal. Mas, diretamente e por si, ela é a causa de certos pecados especiais, que se chamam as filhas dela.

Art. 5 – Se foram convenientemente determinadas pelo Filósofo as espécies de iracúndia.

O quinto discute–se assim. – Parece que foram inconvenientemente determinadas pelo Filósofo as espécies de iracúndia; quando diz que certos iracundos são agudos, outros amargos, outros difíceis ou graves.

1. – Pois, segundo ele, amargos são aqueles cuja ira dificilmente se dissipa e permanece por muito tempo. Ora, nisto parece ir apenas uma circunstância de tempo. Logo, poderemos também distinguir outras espécies de ira, segundo as outras circunstâncias.

2. Demais. – Difíceis ou graves ele os considera aqueles cuia ira não se dissipa sem o sofrimento ou a punição de outrem. Ora, isto também respeita à dissipação da ira. Logo, os difíceis são os mesmos que os amargos.

3. Demais. – O Senhor estabelece três graus de ira, quando diz: Todo o que se ira contra seu irmão; e o que disser a seu irmão: Raca; e o que lhe disser, és um tolo. Ora, estes graus não se compreendem nas espécies referidas. Logo, parece que a predita divisão da ira não é conveniente.

Mas, em contrário, Gregório Nisseno (Nemésio) diz serem três as espécies de irascibilidade, a saber: a ira chamada télea; a mania, chamada insânia; e o furor. As quais três se identificam com as três referidas. Pois, chama ira télea a que tem princípio e movimento, o que o Filósofo atribui aos agudos; mania denomina à ira permanente e duradoura, o que o Filósofo atribui aos amargos; com o furor enfim designa a ira que leva em conta o tempo ao aplicar o castigo, o que o Filósofo atribui aos difíceis. E a mesma é a divisão aceita por Damasceno. Logo, a referida divisão do Filósofo é inconveniente.

SOLUÇÃO. – A aludida distinção pode referir–se ou à paixão da ira ou ao pecado mesmo da ira. Como se refere à paixão da ira já o dissemos, quando dela tratámos. E é sobretudo nesse sentido que a consideram Nemésio e Damasceno. Mas agora devemos distinguir as referidas espécies, enquanto relativas ao pecado da ira, como as considera o Filósofo.

Ora, a desordem do pecado da ira pode ser considerada a dupla luz. – Primeiro, quanto à origem mesma da ira. E nessa desordem caem então os agudos, que cedem à ira demasiado prontamente e por qualquer leve causa. – Depois, quanto à duração da ira, isto é, pelo perseverar muito. O que de dois modos pode dar–se. ­ Primeiro, porque a causa da ira, isto é, a injúria feita, permanece demasiado na memória do homem, o que o faz conceber uma tristeza prolongada, tornando–se por isso a si mesmo grave e amargo. – De outro modo isso pode dar–se, por parte da vingança, obstinadamente desejada. O que constitui os difíceis ou graves, que não abandonam a ira antes de castigarem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nas espécies referidas não se considera principalmente o tempo; mas, a facilidade do homem em irar–se ou a perseverança na ira.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Tanto uns como outros, a saber, os amargos e os difíceis, nutrem uma ira diuturna, mas, por causas diferentes. Assim, os amargos nutrem uma ira permanente, por causa da permanência da tristeza, que encerram no coração; e como não manifestam exteriormente os sinais exteriores da iracúndia, esta não pode ser combatida por ninguém; nem eles por si abandonam a ira, enquanto ela se não disfarça quando a tristeza desapareça da diuturnidade do tempo. Ao passo que a ira dos difíceis é diuturna por causa do desejo veemente da vindicta. Por isso, não se desfaz com o tempo, mas só desaparece com a punição.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os graus da ira, que o Senhor enumera, não pertencem às diversas espécies da ira, mas se fundam no processo do ato humano. – Ora, nesse processo, primeiro formamos uma concepção em nossa alma. Por isso é que diz: Todo o que se ira contra seu irmão. – Segundo, manifestamos esse conceito por certos sinais exteriores, antes de se realizarem efetivamente. E por isto diz: O que disser a seu irmão: Raca, interjeição de quem está irado. – O terceiro grau é quando o pecado concebido interiormente, realiza–se no efeito. Ora, o resultado da ira é o dano feito a outrem sob a forma de vindicta. O mínimo dos danos, porém, é o causado só verbalmente. Por isso, disse: O que lhe disser, és um tolo. – Por onde, é claro que a segunda expressão acrescenta à primeira e a terceira, a ambas. Por onde, se a primeira é pecado mortal, no caso a que o Senhor se refere, como se disse, muito mais o são as outras. Por isso, a cada uma delas se fazem corresponder as diversas condenações. À primeira corresponde o juízo, que é menor; pois, como diz Agostinho, no juízo inda há lugar para a defesa. À segunda corresponde o conselho, durante o qual os juízes entre si combinam o suplício e a dor do condenado. À terceira, a geena do fogo, que é a condenação certa.

Art. 4 – Se a ira é o gravíssimo dos pecados.

O quarto discute–se assim, ira é o gravíssimo dos pecados.

1. – Pois, no dizer de Crisóstomo, nada é mais horrível que a fisionomia de um homem enfurecido, nada mais disforme que um aspecto severo; mas, muito maior é a feiura da sua alma. Logo, a ira é o gravíssimo dos pecados.

2. – Demais. Quanto mais nocivo um pecado tanto pior é; pois, como diz Agostinho, mal se chama ao que é nocivo. Ora, a ira é sobremaneira nociva, pois, priva o homem da razão, que o torna senhor de si. Assim, como ensina Crisóstomo, não há meio termo entre a ira e a insânia, pois, a ira é uma possessão temporária, pior ainda que uma possessão verdadeira. Logo, a ira é o gravíssimo dos pecados.

3. Demais. – Os movimentos interiores se julgam pelos efeitos exteriores. Ora, o efeito da ira é o homicídio, que é o gravíssimo dos pecados. Logo, o gravíssimo dos pecados é a ira.

Mas, em contrário, a ira está para o ódio, como uma varinha, para uma trave. Assim, diz Agostinho: Não vá a ira transformar–se em ódio e de uma varinha, tornar–se uma trave. Logo, a ira não é o gravíssimo dos pecados.

SOLUÇÃO. – Como dissemos a desordem da ira é susceptível dê dupla explicação, conforme consideramos o que ela indevidamente deseja ou o modo indevido por que se efetiva. Quanto ao objeto do apetite do irado, a ira é o mínimo dos pecados. Pois, o que a ira deseja é o mal da pena de outrem, sob a forma do bem, que é a vindicta. Por onde, relativamente ao mal que ela deseja, convém o pecado da ira com os pecados por que desejamos o mal do próximo, por exemplo, com a inveja e o ódio. Mas, pelo ódio desejamos o mal de outrem, em absoluto, como tal; o invejoso, o deseja, por desejar a glória própria; ao passo que o irado inveja o mal de outrem sob a forma de vindicta. Por onde e claramente, o ódio é mais grave que a inveja e a inveja, que a ira; pois, pior é desejar o mal sob a forma de mal que sob a de bem; e é pior desejar o mal sob a forma de um bem externo, a saber a honra ou a glória, que sob a da retidão da justiça.

Mas, relativamente ao bem, sob a forma do qual o irado deseja o mal, a ira convém com o pecado da concupiscência, que visa um certo bem. E, então, absolutamente falando, também o pecado da ira é menor que o da concupiscência, e tanto mais quanto o bem da justiça, que o irado deseja, é melhor que o bem deleitável ou útil, desejado pelo concupiscente. Donde o dizer o Filósofo, que o incontinente por concupiscência é pior que o incontinente pela ira.

Mas, quanto à desordem no modo de irar–se, a ira implica uma certa excelência, por causa da veemência e da rapidez dos seus movimentos, segundo a Escritura: A ira não tem misericórdia nem o furor que rompe; mas quem poderá suportar o ímpeto dum homem concitado? Por isso, diz Gregório: O coração do homem incendido pela ira palpita, o corpo treme, a língua se trava, as faces inflamam–se, exasperam–se os olhos e completamente desconhece os amigos: a boca forma as palavras, mas a mente não lhes distingue o sentido.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Crisóstomo se refere ao que têm de horrível os gestos exteriores, resultantes do ímpeto da ira.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe quanto aos movimentos desordenados da ira, provenientes do seu ímpeto, como dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O homicídio não resulta menos do ódio ou da inveja, que da ira. Mas, a ira é mais leve, por tomar em consideração a ideia de justiça, como dissemos.

Art. 3 – Se toda ira é pecado mortal.

O terceiro discute–se assim. – Parece que toda ira é pecado mortal.

1. – Pois, diz a Escritura: A ira mata o fátuo, referindo–se à morte espiritual, donde o pecado tira a sua denominação de mortal. Logo, toda ira é pecado mortal.

2. Demais. – Só o pecado mortal merece a condenação eterna. Ora, a ira merece a condenação eterna: assim, diz o Senhor: Todo o que se ira contra seu irmão será réu no juízo. Ao que diz a Glosa, que essas três coisas a que o texto se refere, a saber, o juízo, o conselho e a geena – exprimem as diversas moradas em que são punidos os diversos gêneros de pecado na condenação eterna. Logo, a ira é pecado mortal.

3. Demais. – Tudo o que contraria a caridade, como claramente o diz Jerônimo comentando aquilo do Evangelho: Quem se ira r contra seu irmão, etc., onde ensina ser este procedimento contrário ao amor do próximo. Logo, a ira é pecado mortal.

Mas, em contrário, àquilo da Escritura – Ira–vos e não queirais pecar – diz a Glosa: É venial a ira que não produz o seu efeito.

SOLUCÃO. – Os movimentos da ira podem ser desordenados e constituir pecado, de dois modos, como dissemos. – Primeiro, quanto ao que é desejado; assim quando se deseja uma vindicta injusta. E então a ira é genericamente pecado mortal, por contrariar à caridade e à justiça. Pode dar–se porém que esse desejo seja pecado venial pela imperfeição do ato. Imperfeição essa proveniente de quem deseja, como quando alguém deseja uma vindicta pequena a ponto de ser considerada nula, de modo que, mesmo se se efetuasse, não seria pecado mortal; tal o caso de quem tirasse um pouco um menor pelos cabelos, ou causa semelhante. – De outro modo, os movimentos da ira podem ser desordenados, quanto ao modo por que nos iramos; assim, se interiormente nos iramos em demasia, ou se manifestássemos a ira por sinais demasiado exteriores. Por onde, a ira, em si mesma, não é genericamente pecado mortal; assim, se, por veemente ira, faltamos ao amor de Deus e do próximo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Do lugar citado não se conclui que toda ira seja pecado mortal; mas, que os estultos, por iracúndia, morrem espiritualmente, por caírem em certos pecados mortais; como a blasfémia contra Deus ou a injúria contra o próximo, por não refrearem pela razão os movimentos da ira.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O Senhor aplicou as palavras citadas à ira, como que as acrescentando aquelas palavras da Lei: Quem matar será réu do juízo. Por isso, no lugar aduzido, o Senhor se refere aos movimentos da ira pelos quais desejamos a morte ou qualquer ferimento grave do próximo; e esse desejo, se se lhe acrescentar o consentimento da razão, será sem dúvida pecado mortal.

RESPOSTA À TERCEIRA. – No caso de contrariar a caridade, a ira é pecado mortal; mas tal nem sempre se dá, como do sobredito resulta.

Art. 2 – Se a ira é pecado.

O segundo discute–se assim. – Parece que a ira não é pecado.

1. – Pois, pecando desmerecemos. Ora, as paixões não nos fazem desmerecer nem nos tornam censuráveis, como diz Aristóteles. Logo, nenhuma paixão é pecado. Ora, a ira é uma paixão, como se estabeleceu quando se tratou das paixões. Logo, a ira não é pecado.

2. Demais. – Todo pecado implica a conversão a um bem passageiro. Ora, a ira não faz nos convertermos a nenhum bem passageiro, mas leva–nos a infligir um mal a outrem. Logo, a ira não é pecado.

3. Demais. – Ninguém peca se não evita o que não pode evitar, como diz Agostinho. Ora, não podemos evitar a ira; pois, aquilo da Escritura – Irai–vos e não queirais pecar – diz a Glosa – que os movimentos da ira não estão em nosso poder. E o Filósofo também ensina que o irado age com tristeza; ora, a tristeza é contrária à vontade. Logo, a ira não é pecado.

4. Demais. – O pecado contraria a natureza, como diz Damasceno. Ora, o irar–se não contraria a natureza do homem, pois, é ato do irascível, que é uma potência natural. Por isso, Jerônimo diz, que irar–se é próprio do homem. Logo, irar–se não é pecado.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Toda ira e indignação seja desterrada dentre vós.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, a ira designa propriamente uma paixão. Ora, as paixões do apetite sensitivo são boas na medida em que reguladas pela razão; e más quando excluem a ordem da razão. Mas, a ordem a que a razão submete à ira pode ser considerada a dupla luz. – Primeiro, quanto ao que ela deseja o fim a que tende, a saber, a vindicta. Por onde, a ira que deseja a realização da vindicta, segundo a ordem da razão, é digna de aprovação e se chama ira por zelo. Porém, nutrirá um desejo vicioso da ira, a qual por isso se chama ira por vício, quem deseja a vingança de qualquer modo, contra a ordem da razão; por exemplo, se deseja castigar quem não o merece, ou além do merecido, ou ainda não segundo a ordem legítima, ou enfim, não em vista do fim devido, que é a realização da justiça e a correção da culpa. ­ De outro modo, a ordem da razão impõe um modo a ira, quando a ela cedemos; e é que os seus movimentos não sejam de um ardor imoderado, nem interna nem externamente. E se o não observarmos, a nossa ira não será isenta de pecado, mesmo sendo justa a vindicta, que desejamos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Podendo a paixão ser ou não regulada pela razão, por isso, absolutamente considerada, ela não implica a ideia de mérito nem de demérito, de louvor nem de vitupério. Mas, quando regulada pela razão, pode apresentar os caracteres de meritória e louvável; e ao contrário, quando não regulada pela razão, pode implicar o demérito ou a censura. Por isso, o Filósofo, no mesmo lugar, diz que quem de certo modo cede à ira é digno de louvor ou de censura.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O irado não deseja o mal de outrem em si mesmo, mas, por causa da vindicta, ao que tende o seu desejo como a um bem transitório.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem é dono dos seus atos pelo arbítrio da razão. Por onde, os movimentos que previnem o juízo da razão não estão geralmente em nosso poder, de modo que possamos impedi–los de se manifestarem; embora a razão possa impedir um desses movimentos, em particular, de se manifestar. E, neste sentido, diz–se que os movimentos da ira não estão em nosso poder, de modo a impedirmos a todos de se manifestarem. Mas, como de certo modo dependem de nós, não ficam de todo isentos de pecado, se forem desordenados. E o dito do Filósofo, que o irado age com tristeza não devemos entendê–lo como significando que se entristece por irar–se, mas sim, por se entristecer, pela injúria, que considera a si feita; e essa tristeza é a que o move a desejar a vindicta.

RESPOSTA À QUARTA. – O irascível naturalmente se sujeita à razão do homem. Por onde, o seu ato é natural ao homem, na medida em que é segundo a razão; mas, contraria–lhe a natureza quando não obedece à ordem da razão.

Art. 1 – Se irar–se pode ser lícito.

O primeiro discute–se assim. – Parece que irar–se não pode ser justo.

1 – Pois, Jerônimo, expondo aquilo do Evangelho – Todo o que se ira contra seu irmão – diz: Certos códices acrescentam – sem causa; e demais, o princípio estabelecido é verdadeiro e a ira é absolutamente proibida. Logo, de nenhum modo é lícito irar–se.

2. Demais. – Segundo Dionísio, o mal da alma consiste em desobedecer à razão. Ora, a ira é sempre contrária à razão; pois, ensina o Filósofo, a ira não obedece perfeitamente à razão. E Gregório diz: A ira destrói a tranquilidade da alma, que era de certo modo dilacera e despedaça. E Cassiano: O movimento da iracúndia, que referve por qualquer causa, cega os olhos da alma. Logo, irar–se é sempre mau.

3. Demais. – A ira é o desejo da vindicta, como diz a Glosa àquilo da Escritura: Não aborrecerás a teu irmão no teu coração. Ora, desejar a vingança não parece lícito, a qual só a Deus é reservada, conforme a Escritura: Minha é a vingança. Logo, parece que irar–se é sempre pecado.

4. Demais. – Tudo o que nos impede de imitar a Deus é mau. Ora, a ira sempre nos impede de imitar a Deus; pois, Deus julga com tranquilidade, segundo a Escritura. Logo irar­se é sempre mau.

Mas, em contrário, diz Crisóstomo: Quem se ira sem causa será réu, quem o fizer com causa não será réu – pois, sem a ira não aproveita a doutrina, a justiça não triunfa nem se reprimem os crimes. Logo, irar–se nem sempre é mau.

SOLUÇÃO. – A ira, propriamente falando, é uma paixão do apetite sensitivo, e dela é que tira a sua denominação o apetite irascível, como dissemos quando tratámos das paixões. Ora, devemos considerar, em matéria de paixões. da alma, que de dois modos elas podem implicar o mal. – Primeiro, pela espécie mesma da paixão; e essa espécie é considerada segundo o objeto da paixão. Assim, a inveja, pela sua espécie mesma, implica um certo mal, pois, é a tristeza causada pelo bem de outrem, o que por si repugna a razão. Por isso, a inveja basta nomeá–la para despertar a ideia do mal, como diz o Filósofo. Ora, tal não se dá com a ira, que é o desejo da vingança; pois a vindicta podemos desejá–la como um bem ou como um mal. – De outro modo, há mal numa paixão, quantitativamente, isto é, por excesso ou defeito da mesma. E assim, a ira pode ser má, quando alguém se ira mais ou menos do que o exigiria a razão reta. Mas, o irar–se de acordo com a razão reta é meritório.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os Estóicos consideravam a ira e todas as paixões como uns afetos existentes em desacordo com a ordem da razão; e, assim, tinham a ira e todas as demais paixões como más, como dissemos quando tratamos das paixões. E é nesse sentido que Jerônimo considera a ira, pois, ele se refere àquela pela qual nos iramos contra o próximo, querendo–lhe mal. Mas, segundo os Peripatéticos, cuja doutrina é sobretudo a que segue Agostinho, a ira e as outras paixões consideram–se movimentos do apetite sensitivo, quer moderados pela razão, quer não. E, neste sentido, a ira nem sempre é pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A ira pode se relacionar de dois modos com a razão. Primeiro, antecedentemente e, então, a desvia da sua retidão e por isso constitui um mal. De outro modo, consequentemente, quando o apetite sensitivo move–se contra os vícios segundo a ordem da razão. E esta ira é boa e se chama ira por zelo. Por isso, diz Gregório: Devemos ter sumo cuidado para que a ira, tomada como instrumento da virtude, não nos domine a alma nem tome a dianteira como senhora, mas que seja como uma escrava, pronta para servir, e nunca se ajuste da submissão à razão. Ora, esta ira, embora na execução mesma do ato impida de certo modo o juízo da razão, não lhe elimina contudo a retidão. Donde o dizer Gregório, no mesmo lugar, que a ira por zelo turva a vista da razão, mas, a ira por vício, cega–a. Nem é contra a sua essência que a deliberação racional sofra um eclipse na execução do que foi por ela determinada; pois, do contrário, também a atividade artística ficaria impedida se, devendo agir, tivesse que deliberar sobre o que devia fazer.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Desejar a vingança como um mal daquele a quem infligimos um castigo, é ilícito. Mas, desejar a vingança, para corrigir um vício e salvar o bem da justiça, é meritório. Ora, tal pode ser o fim do apetite sensitivo, enquanto movido pela razão. E quando a vindicta se realiza segundo a ordem racional, ela vem de Deus, de quem é ministro o poder de castigar, como diz o Apóstolo.

RESPOSTA À QUARTA. – Devemos imitar a Deus e o podemos, pelo desejo do bem; mas, não o podemos de nenhum modo, pelo modo de desejar; porque em Deus não há apetite sensitivo, como o há em nós, cujos movimentos devem obedecer à razão. Por isso, diz Gregório, que tanto mais fortemente a ira se levanta contra os vícios, quanto mais o faz em obediência à razão.

Art. 4 – Se a clemência e a mansidão são as virtudes mais importantes.

O quarto discute–se assim. – Parece que a clemência e a mansidão são as virtudes mais importantes.

1. – Pois, o mérito da virtude está principalmente em ordenar o homem para a felicidade, que consiste no conhecimento de Deus. Ora, a mansidão é o que sobretudo o ordena ao conhecimento de Deus, conforme aquilo da Escritura: Recebei com mansidão a palavra que em vós foi enxertada; e noutro lugar: Se manso para ouvir a palavra de Deus; e Dionísio: Moisés, por causa da sua mansidão, foi tido como digno da aparição de Deus. Logo, a mansidão é a mais importante das virtudes.

2. Demais. – Parece que uma virtude é tanto mais importante, quanto mais é agradável de Deus e dos homens. Ora, a mansidão é por excelência agradável a Deus, pois, diz a Escritura: O que agrada a Deus é a fé e a mansidão. Por isso, Cristo especialmente nos convida a imitar–lhe a mansidão, quando diz no Evangelho: Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração. E Hilário diz, que pela mansidão do nosso coração, Deus habita em nós. E ela é também agradabilíssima aos homens; donde o dito da Escritura: Filho, leva ao cabo as tuas obras com mansidão e conciliar–te–ás também o amor dos homens. Por isso, um outro passo diz que o trono régio se firma com a clemência. Logo, a clemência e a mansidão são as virtudes mais importantes.

3. Demais. – Agostinho diz serem os humildes os que cedem ao mal, não lhe resistem, mas o vencem com o bem. Ora, isto parece próprio da misericórdia ou piedade, que é considerada a mais importante das virtudes; pois, àquilo do Apóstolo – A piedade para tudo é útil – diz a Glosa de Ambrósio – que o compêndio da religião Cristã é a piedade. Logo, a mansidão e a clemência são as máximas virtudes.

Mas, em contrário, elas não são consideradas virtudes principais mas, anexas a outra, que é a mais principal.

SOLUÇÃO. – Nada impede virtudes, que não são as mais importantes, absolutamente falando e a todos os respeitos, virem a sê–Io de certo modo e num determinado género. Ora, não é possível a clemência e a mansidão serem as virtudes mais importantes. absolutamente falando. Pois, o mérito delas consiste em afastar o mal, diminuindo a ira ou a pena. Ora, é mais perfeito buscar o bem do que carecer do mal. Por onde, as virtudes que nos ordenam, absolutamente falando, para o bem, como a fé, a esperança, a caridade e também a prudência e a justiça, são, em sentido absoluto, maiores virtudes, que a clemência e a mansidão.

Mas, relativamente consideradas, nada impede a clemência e a mansidão terem uma certa excelência entre as virtudes que resistem às baixas afeições. – Assim, a ira, que a mansidão abranda, impede soberanamente, pelo seu ímpeto, a alma do homem de julgar livremente da verdade. E por isso, a mansidão é a que sobretudo o torna senhor de si. Donde o dizer a Escritura: Filho, conserva a tua alma na mansidão. Embora as concupiscências dos prazeres do tato sejam mais desonestas e nos ataquem mais continuamente; pelo que a temperança é, mais que a mansidão, uma virtude principal, como do sobredito resulta. – A clemência, por seu lado, por diminuir as penas, mais se aproxima da caridade, a mais importante das virtudes, pela qual fazemos o bem ao próximo e lhes impedimos o mal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A mansidão nos prepara ao conhecimento de Deus, removendo–nos os impedimentos. E isto de dois modos. Primeiro, tomando–nos, pela diminuição da ira, senhores de nós mesmos, como dissemos. E depois porque é próprio da mansidão não contradizer as palavras da verdade, o que às vezes muitos fazem levados pela comoção da ira. Por isso, diz Agostinho: Ser humilde é não contradizer à divina Escritura, quer quando, entendendo–a, vemos que coluna certos vícios nossos; quer quando não a entendemos como se pudéssemos saber e mandar melhor que ela.

RESPOSTA Â SEGUNDA. – A mansidão e a clemência tornam–nos agradáveis a Deus e aos homens, por produzirem o mesmo efeito que a caridade, a máxima das virtudes, livrando o próximo do mal.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A misericórdia e a piedade convêm certo com a mansidão e a clemência, por produzirem o mesmo efeito que ela, a saber, livrar o próximo do mal. Mas, diferem pelo motivo. Pois, a piedade remove o mal do próximo, pela reverência que tributa a um superior, por exemplo, Deus ou um pai. Ao passo que a misericórdia remove o mal do próximo, por no–lá fazer sofrer como se fosse nosso, segundo dissemos; o que provém da amizade, que leva os amigos a terem as mesmas alegrias e as mesmas tristezas. Enquanto que a mansidão produz esse resultado, removendo a ira, que incita à vindicta. E enfim, a clemência o realiza, pela brandura da alma, julgando ser equitativa a não continuação da pena de alguém.

Art. 3 – Se as referidas virtudes são partes da temperança.

O terceiro discute–se assim. – Parece que as referidas virtudes não são partes da temperança.

1. – Pois, a clemência diminui as penas, como se disse. Ora, isso o Filósofo o atribui à epiquéia, que faz parte da justiça, como se estabeleceu. Logo, parece que a clemência não é parte da temperança.

2. Demais. – A temperança tem como matéria as concupiscências. Ora, a mansidão e a clemência tem como sua matéria, não essas concupiscências, mas, antes, a ira e a vindicta. Logo, não devem considerar–se partes da temperança.

3. Demais, – Séneca diz: Podemos chamar insânia ter a sevicia como prazer. Ora, Isto se opõe à clemência e à mansidão. Logo, opondo–se a insânia à prudência, parece que a clemência e a mansidão fazem parte, antes, da prudência que da temperança.

Mas, em contrário, Séneca diz, que a clemência é a temperança da alma, que tem o poder de vingar–se. E Túlio também considera a clemência parte da temperança.

SOLUÇÃO. – Consideram–se como partes das virtudes principais as que as imitam, em certas matérias secundárias, quanto ao modo, em que principalmente se funda o mérito da virtude, e donde, por isso, recebe o nome. Assim, o modo e o nome da justiça supõem uma certa igualdade; o da fortaleza, uma certa firmeza; o da temperança implica em, de algum modo, refrear as concupiscências veementísimas dos prazeres do tato. Semelhantemente, a clemência e a mansidão também implicam um refreamento. Pois, a clemência diminui as penas; e a mansidão mitiga a ira, como de sobre dito resulta. Por onde, tanto a clemência como a mansidão adjungem–se à temperança como à virtude principal. E, assim sendo, consideram­se partes da temperança.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Na diminuição das penas duas coisas devemos considerar. – Primeiro, que se faça segundo a intenção do legislador, embora não segundo as palavras da lei. E, por aí, essa diminuição constitui a epiquéia. – A outra é uma certa moderação do afeto, que leva a não se usar do poder de infligir as penas. O que constitui propriamente a clemência; donde o dizer Séneca, que ela é a temperança da alma, que tem o poder de vingar–se. E essa moderação da alma provém de uma certa doçura do sentimento, pela qual aborrecemos tudo o que pode fazer sofrer a outrem. Por isso diz Séneca, que a clemência é uma certa brandura da alma. Pois, ao contrário, austeridade de alma há naquele a que não repugnar causar sofrimento aos outros.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A adjunção das virtudes secundárias às principais funda–se, antes, no modo da virtude, que lhe é por assim dizer a forma, do que na matéria. Ora, a mansidão e a clemência têm o mesmo modo que a temperança, como se disse, embora não tenham matéria idêntica à dela.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A insânia assim se chama por ser a corrupção do estado de sanidade. Ora, assim como a saúde corporal fica destruída por ter o corpo perdido a compleição própria à espécie humana, assim também a insânia da alma provém de a alma perder a disposição própria à espécie humana. O que se dá relativamente à razão, como quando alguém perda o uso dela; e relativamente à potência apetitiva como quando alguém perde o afeto humano que torna o homem naturalmente amigo do homem, como diz Aristóteles. – Ora, a insânia exclusiva do uso da razão se opõe à prudência. E chama–se insânia o deleitar–se alguém com as penas dos outros, por se manifestar assim privado do afeto humano, em que se funda a clemência.

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