Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. – Parece que a infidelidade não é o máximo dos pecados.
1. – Pois, diz Agostinho: Não ouso julgar precipitadamente se devemos preferir um católico de péssimos costumes a um herético, em cuja vida, além de ser herético, nada encontremos de repreensível. Ora, o herético é infiel. Logo, não é exato dizer, que a infidelidade é, absolutamente falando, o máximo dos pecados.
2. Demais. – O que diminui ou excusa o pecado não pode ser o máximo dos pecados. Ora, a infidelidade excusa ou diminui o pecado, conforme aquilo do Apóstolo: A mim, que havia sido antes blasfemo e perseguidor é injuriador; mas alcancei a misericórdia de Deus, porque o fiz por ignorância na incredulidade. Logo, a infidelidade não é o máximo dos pecados.
3. Demais. – Ao maior pecado é devida maior pena, conforme àquilo da Escritura: O número dos golpes reqular-se-á pela qualidade do pecado. Ora, maior pena merecem os fiéis, que pecam, que os infiéis, segundo o Apóstolo: Quanto maiores tormentos credes vós que merece o que pisar aos pés ao Filho de Deus, e tiver em conta o sangue do testamento em que foi santificado? Logo, a infidelidade não é o maior dos pecados.
Mas, em contrário, diz Agostinho, expondo aquilo da Escritura – Se eu não viera e não lhes tivera falado, não teriam eles pecado – Quer dar a entender, sob um nome geral, um grande pecado. Pois, este pecado, isto é, o de infidelidade, é o de que dependem todos. Logo, a infidelidade é o máximo dos pecados.
SOLUÇÃO. – Todo pecado consiste, formalmente, na aversão de Deus, como já dissemos. Por onde, o pecado é tanto mais grave quanto mais leva o homem a separar-se de Deus. Ora, pela infidelidade o homem se afasta de Deus em sumo grau, porque, de um lado, não tem o verdadeiro conhecimento de Deus; e por outro, o falso conhecimento que dele tem leva-o, não a aproximar-se, mas, ao contrário, a afastar-se do mesmo. Nem é possível que, de algum modo, conheça a Deus quem d'Ele tem ideia falsa, pois, o que pensa ser Deus, não o é. Por onde é manifesto, que o pecado de infidelidade é maior que todos os concernentes à perversão dos costumes. Mas é diferente o que se dá com os pecados opostos às outras virtudes teologais, como se dirá mais abaixo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nada impede seja um pecado, de maior gravidade genérica, menos grave em virtude de certas circunstâncias. Por isso, Agostinho não quis formar opinião precipitada, do mau católico e do herético, que no mais, não peca. Porque o pecado do herético, embora genericamente mais grave, pode contudo, ser aligeirado por alguma circunstância; e ao inverso, o pecado do católico pode agravar-se por alguma circunstância.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A infidelidade implica uma ignorância adjunta e a resistência ao que é de fé. Ora, por este lado, inclui o que a torna essencialmente pecado gravíssimo. Quanto à ignorância, porém, merece alguma excusa, e sobretudo quando não se peca por malícia, como foi o caso do Apóstolo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O infiel é punido mais gravemente pelo pecado de infidelidade, do que outro pecador, por qualquer outro pecado, considerado este genericamente. Mas, cometendo outro pecado, por exemplo o de adultério, o fiel peca, em igualdade de circunstâncias, mais gravemente que o infiel. Isso, quer, por causa do conhecimento da verdade da fé; quer também, pelos sacramentos da mesma, que recebeu, e a que ofende, pecando.
O segundo discute-se assim. – Parece que a infidelidade não está no intelecto como no sujeito.
1. – Pois, como diz Agostinho, todo pecado depende da vontade. Ora, a infidelidade é um pecado, como já, se estabeleceu. Logo, a infidelidade está na vontade, como no sujeito, e não no intelecto.
2. Demais. – A infidelidade é, essencialmente, pecado, por desprezar a pregação da fé. Ora, o desprezo depende da vontade. Logo, na vontade está a infidelidade.
3. Demais. – Àquilo da Escritura - Satanás se transforma em anjo de luz - diz a Glosa: Não é erro perigoso e nocivo, crer que um anjo mau, fingindo-se de bom, seja bom, se fizer ou disser o que é próprio dos anjos bons, E a razão esta na retidão da vontade de quem aceita o que faz esse anjo, pensando aceitar o que faz um anjo bom. Logo, todo o pecado de infidelidade depende da vontade pervertida. Portanto, não está no intelecto como no sujeito.
Mas, em contrário. – Os contrários tem o mesmo sujeito. Ora, a fé, a que é contrária a infidelidade, tem no intelecto o seu sujeito. Logo, também é o intelecto o sujeito da infidelidade.
SOLUÇÃO. – Conforme já dissemos, considera-se o pecado como residindo na potência que é o princípio do ato pecaminoso. Ora, este ato pode ter duplo princípio. Um, primeiro e universal, de que dependem todos os atos pecaminosos; e tal princípio é a vontade, por ser todo pecado voluntário. Outro é o princípio próprio e próximo do ato pecaminoso, donde procede ilicitamente esse ato: assim, sendo. 0 concupiscível o princípio da gula e da luxúria, dizemos que esta e aquela nele residem. Ora, dissentir, que é o ato próprio da infidelidade, é, como o assentir, ato do intelecto, movido porém pela vontade. Por onde, a infidelidade, como a fé, tem, certo, no intelecto o seu sujeito próximo, mas na vontade o seu primeiro motor. E deste modo se diz que todo pecado procede da vontade.
Donde SE DEDUZ CLARA A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O desprezo da vontade causa o dissentimento do intelecto, o que torna completa a infidelidade em essência. Por onde, a causa da infidelidade está na vontade, mas a infidelidade mesma está no intelecto.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem crê ser um anjo mau, bom, não dissente do que é de fé; porque embora o sentido corpóreo falhe, a mente não se afasta da doutrina verdadeira e reta, como, no mesmo lugar, diz a Glosa. Mas quem aderisse a Satanás, quando começa a provocar a obras que lhe são próprias, isto é, a obras más e falsas, não o faria pecado, como no mesmo passo se diz.
O primeiro discute-se assim. – Parece que a infidelidade não é pecado.
1. – Pois, todo pecado é contra a natureza, como claramente o diz Damasceno. Ora, a infidelidade não é contra a natureza, segundo Agostinho: é próprio à natureza de todos os homens ter tanto a fé como a caridade; mas ter a fé, bem como a caridade, é próprio da graça dos fiéis. Logo, não ter fé, o que é ser infiel, não é contra a natureza; e portanto não é pecado.
2. Demais. – Ninguém peca pelo que não pode evitar, por ser todo pecado voluntário. Ora, não está no poder do homem evitar a infidelidade, pois, só tendo fé pode evitá-la, conforme ao dito do Apóstolo: Como crerão aquele que não ouviram? E como ouvirão sem pregador? Logo, a infidelidade não é pecado.
3. Demais. –Como já se disse, sete são os vícios capitais a que todos os pecados se reduzem. Ora, a infidelidade não está contida em nenhum deles. Logo, não é pecado.
Mas, em contrário. – À virtude é contrário o vício. Ora, é a fé uma virtude, a que é contrária a infidelidade, Logo, a infidelidade é pecado.
SOLUÇÃO. – A infidelidade pode ser considerada em duplo sentido: como pura negação, chamando-se nesse caso infiel uma pessoa, só pelo fato de não ter fé; ou como contrária à fé, quando, por exemplo, a alguém repugna ouvir-lhe a doutrina, ou ainda, a despreza, conforme aquilo da Escritura: Quem deu crédito ao que nos ouviu? E é isto que constitui própria e essencialmente a infidelidade: que, neste sentido, é pecado.
Considerada, porém enquanto negação pura, como no caso dos que nunca ouviram falar nas verdades da fé, não implica essencialmente pecado, mas antes, pena, porque tal ignorância das coisas divinas é resultante do pecado do primeiro pai. Assim, os infiéis, dessa maneira, condenam-se, certo, por causa de outros pecados, que não podem, sem a fé, ser perdoados; não porém pelo pecado de infidelidade. Por isso, o Senhor diz: Se eu não viera e não lhes tivera falado, não teriam eles pecado; o que Agostinho explica como referente aquele pecado pelo qual não creram em Crido.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não é próprio à natureza humana ter fé, mas, sim, que a mente do homem não repugne à moção interna e à pregação externa da verdade. Por onde, neste último caso, a infidelidade é contra a natureza.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe quando a infidelidade é tomada no sentido de simples negação.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A infidelidade, como pecado, nasce da soberba, que leva o homem a não querer submeter o seu intelecto às regras da fé e à sã inteligência dos Padres. Por isso, Gregório diz, que, da vanglória nascem as presunções da novidade. – Embora se possa dizer que, assim como as virtudes teologais não se reduzem às cardeais, mas lhes são anteriores; assim também os vícios opostos às virtudes teologais não se reduzem aos vícios capitais.
O quarto discute-se assim. – Parece que ao dom da ciência não corresponde a terceira bem-aventurança, que é: Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.
1. – Pois, assim como é o mal a causa da tristeza e das lágrimas, assim, é o bem a causa da alegria. Ora, pela ciência, manifestam-se mais principalmente os bens, que os males, que pelos bens se conhecem; pois, o reto é juiz de si mesmo e também do incorreto, como diz Aristóteles. Logo, a referida bem-aventurança não corresponde convenientemente ao dom da ciência.
2. Demais. – A consideração da verdade é um ato de ciência. Ora, nessa consideração não há tristeza, mas antes, alegria, conforme a Escritura a sua conversação não em nada de desagradável, nem a sua companhia nada de fastidioso, mas o que nela se acha é a satisfação e prazer. Logo, a referida bem-aventurança não corresponde convenientemente ao dom da ciência.
3. Demais. – O dom da ciência consiste antes na especulação que na operação. Ora, enquanto consistente na especulação, não lhe correspondem as lágrimas, porque o intelecto especulativo nada diz sobre o que se deve imitar e fugir, como afirma Aristóteles, nem implica nada de alegre e de triste. Logo, não se pode dizer, que a referida bem-aventurança corresponda ao dom da ciência.
Mas, em contrário, Agostinho: A ciência convém aos que choram, que souberam os males a que estão adstritos e os pediram como bem.
SOLUÇÃO. – À ciência propriamente pertence o reto juízo sobre as criaturas. Ora, há criaturas pelas quais o homem se desvia, ocasionalmente, de Deus, conforme aquilo da Escritura: As criaturas se fizeram um objeto de abominação e um laço para os pés dos insensatos, isto é, dos que não as julgam retamente, pensando existir nelas o bem perfeito; e por isso, nelas constituindo o seu fim, pecam e perdem o verdadeiro bem. Ora, este dano o homem o conhece julgando retamente das criaturas, o que faz pelo dom da ciência. Por isso, a bem-aventurança das lágrimas é considerada como correspondente ao dom da ciência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os bens criados não provocam a alegria espiritual senão enquanto referidos ao bem divino, donde propriamente resulta aquela alegria. Por onde e diretamente, a paz espiritual e a alegria consequente correspondem ao dom da sabedoria. Por outro lado, ao dom da ciência correspondem, primeiro, as lágrimas provocadas pelos erros passados; e por consequência, a consolação, quando o homem, pelo juízo reto da ciência, ordena as criaturas ao bem divino. Por isso, nessa bem-aventurança, consideram-se as lágrimas como mérito e a consolação consequente, como prêmio, a qual, começada nesta vida, perfaz-se na futura.
RESPOSTA À SEGUNDA. –O homem se alegra com o pensamento mesmo da verdade. Ao passo que, pode às vezes contristar-se por causa daquilo cuja verdade considera. E neste sentido, as lágrimas atribuem-se à ciência.
RESPOSTA À TERCEIRA. – À ciência, enquanto consistente na especulação, não corresponde nenhuma bem-aventurança. Porque a felicidade do homem não consiste na consideração das criaturas, mas na contemplação de Deus. Mas, de algum modo, essa felicidade consiste no uso devido das criaturas e na afeição ordenada para com elas. Mas digo isto, quanto à felicidade desta vida. Por onde, à ciência não é atribuída nenhuma bem-aventurança pertinente à contemplação, mas, sim, ao intelecto e à sabedoria, que versam sobre as coisas divinas.
O terceiro discute-se assim. – Parece que a ciência, considerada como dom, é uma ciência prática.
1 – Pois, como diz Agostinho, a ação pela qual usamos das coisas externas depende da ciência. Ora, a ciência, de que a ação depende, é prática. Logo, a ciência, como dom, é prática.
2. Demais. – Gregório diz. De nada serve a ciência, de que nenhuma utilidade tira a piedade; e mui inútil é a piedade, que carece do discernimento da ciência. Dessa citação se conclui que a ciência dirige a piedade. Ora, isto não pode caber à ciência especulativa. Logo, a ciência, como dom, não é especulativa, mas prática.
3. Demais. – Só os justos tem o dom do Espírito Santo como já se estabeleceu. Ora, também os injustos podem ter a ciência especulativa, conforme a Escritura. Aquele que sabe fazer o bem, e não o faz, peca. Logo, a ciência, como dom, não é especulativa, mas prática.
Mas, em contrário, Gregório diz: A ciência prepara um banquete para o seu dia próprio, porque, no mais íntimo do intelecto vence o jejum da ignorância. Ora, a ignorância não fica totalmente eliminada senão pelas duas ciências - a especulativa e a prática. Logo, a ciência, considerada como dom, é especulativa e prática.
SOLUÇÃO. – Conforme já se disse, o dom da ciência, como o do intelecto, se ordena à certeza da fé. Ora esta, primária e principalmente, consiste na especulação, isto é, na união à verdade primeira. Mas sendo esta também o fim último por causa do qual obramos, dai vem que a fé também se estende à operação, conforme aquilo da Escritura: A fé obra por caridade. Por onde, o dom da ciência há de, primária e principalmente, implicar na especulação, pela qual o homem sabe o que deve, pela fé, admitir; secundariamente porém, se estende também à operação, porque, pela ciência das verdades da fé e do que delas resulta, nos dirigimos nas nossas ações.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Agostinho se refere ao dom da ciência enquanto extensivo às obras; pois, atribui-lhe a ação, mas, não só ela, nem primariamente. E deste modo também dirige a piedade.
Donde SE DEDUZ CLARA A RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Conforme o que já dissemos a respeito do dom do intelecto, nem todos os que compreendem têm esse dom, mas só quem compreende por hábito da graça. Assim também, quanto ao dom da ciência, devemos entender, que só o possuem os que, por infusão da graça, fazem juízo reto do que devem crer e agir, de modo a não se desviarem em nada da retidão da justiça. E esta é a ciência dos santos, de que fala a Escritura. O justo o Senhor o guiou por caminhos direitos e lhe deu a ciência dos santos.
O segundo discute-se assim. – Parece que o dom da ciência versa sobre as coisas divinas.
1. – Pois, como diz Agostinho, é a fé gerada, nutrida e fortificada pela ciência. Ora, a fé diz respeito às coisas divinas, porque o seu objeto é a verdade primeira como se estabeleceu. Logo, também o dom da ciência versa sobre as coisas divinas.
2. Demais. – O dom da ciência é mais digno que a ciência adquirida. Ora, há uma ciência adquirida - a metafísica - que versa sobre as coisas divinas. Logo, com maior razão, sobre elas versa o dom da ciência.
3. Demais. – Como diz a Escritura as causas invisíveis de Deus se veem, consideradas pelas obras que foram feitas. Se pois há ciência das coisas criadas, também o haverá das divinas.
Mas, em contrário, Agostinho. A ciência das causas divinas se chama propriamente sabedoria; a das causas humanas, por seu lado, tem a denominação própria de ciência.
SOLUÇÃO. – Formamos um juízo reto sobre uma coisa quando lhe consideramos a causa. Por onde, a ordem dos juízos há por força de depender da ordem das causas. Ora, assim como a causa primeira o é da segunda, assim por aquela julgamos desta. Ao contrário, da causa primeira não podemos julgar por meio de nenhuma outra. Por isso o juízo feito por meio da causa primeira é o primeiro e perfeitíssimo. Sempre porém que existe um ser perfeitíssimo, o nome comum de gênero se apropria ao que se afasta por deficiência, desse ser, ao qual se aplica outra espécie de nome, como se vê na lógica. Assim, no gênero das proposições convertíveis, à que significa a quididade se dá o nome especial de definição, mas as proposições convertíveis, que dela se afastam por deficiência, conservam a denominação comum e chamam-se propriedades,
Ora, implicando o nome de ciência uma determinada certeza do juízo, como se disse: quando obtida por meio da causa altíssima, tal certeza tem o nome especial de sabedoria. Assim, sábio se chama, em cada gênero de sabedoria, quem conhece a causa altíssima desse gênero, pela qual pode julgar de tudo o mais, que dele depende. - Sábio, absolutamente falando, chama-se, porém, quem conhece a causa altíssima absoluta, Deus. Por isso, o conhecimento das coisas divinas se chama sabedoria. Ao passo que o das humanas se denomina ciência, denominação quase comum, que implica a certeza do juízo, apropriada ao que é baseado nas causas segundas. Por onde, tomado nessa acepção, o nome de ciência é considerado um dom distinto do da sabedoria. Por isso, tal dom só versa sobre as coisas humanas ou sobre as criadas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora verse a fé sobre as coisas divinas e eternas, contudo, em si mesma, é um bem temporal da alma do crente. Por isso, saber o que devemos crer é próprio do dom da ciência. Ao passo que conhecer as verdades que cremos, em si mesmas, por uma certa união com elas, pertence ao dom da sabedoria. Por onde, este dom corresponde antes à caridade, que une a mente do homem a Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. –A objeção colhe quando o nome de ciência é tomado em acepção comum. Pois, nesse sentido, não é considerada um dom especial, restringindo-se ao juízo baseado nas coisas criadas.
RESPOSTA À TERCEIRA. –Como já dissemos todo hábito cognoscitivo diz respeito, formalmente, ao meio pelo qual um objeto é conhecido; e materialmente, ao que é conhecido por tal meio. E tendo prioridade o que é formal, as ciências que concluem, partindo de princípios matemáticos, em relação à matéria natural, consideram-se, antes como matemáticas, a que mais se assemelham, embora, pela matéria, mais se aproximem das ciências naturais. E por isso, Aristóteles diz que são sobretudo naturais. Por onde, como o homem conhece a Deus por meio das coisas criadas, esse conhecimento constitui, antes, ciência, a que formalmente diz respeito, que sabedoria, a que só materialmente pertence. E ao inverso, quando pelas coisas divinas julgamos dos seres criados, isso constitui antes sabedoria, que ciência.
O primeiro discute-se assim. – Parece que a ciência não é um dom.
1. – Pois, os dons do Espírito Santo excedem às faculdades naturais. Ora, a ciência implica em resultado da razão natural; pois, como diz o Filósofo, a demonstração é um silogismo que produz a ciência. Logo, a ciência não é um dom do Espírito Santo.
2. Demais. – Os dons do Espírito Santo são comuns a todos os santos, como se disse. Ora, Agostinho diz: muitos fiéis, não eminentes pela ciência, são no pela fé. Logo, a ciência não é um dom.
3. Demais. – O dom é mais perfeito que a virtude, como se disse antes. Logo, um dom basta à perfeição de uma virtude. Ora, à virtude da fé cor responde o dom do intelecto como já se disse. Logo, não lhe corresponde o dom da ciência. Nem se vê a que outra virtude corresponda. Logo, sendo os dons perfeições das virtudes, segundo ficou dito, resulta que a ciência não é um dom.
Mas, em contrário, a Escritura, a considera como um dos sete dons.
SOLUÇÃO. – A graça é mais perfeita que a natureza. Por onde, não pode ser deficiente quando o homem pode aperfeiçoar-se pela natureza. Ora, quando ele assente pela razão natural e segundo o intelecto a alguma verdade, por essa verdade aperfeiçoa-se, de duplo modo. Primeiro, pela apreender; segundo, porque tem por ela um juízo certo. Por isso duas condições se exigem para o intelecto humano assentir perfeitamente à verdade da fé. Uma, compreender bem o objeto proposto, o que pertence ao dom do intelecto, como já se disse. Outra, fazer, do objeto proposto, juízo certo e reto, discernindo o que deve crer, do que não o deve. E para tal é necessário o dom da ciência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os diversos seres, segundo a diversidade das suas condições, tem certezas diversas no conhecimento. Assim, o homem julga com certeza da verdade pelo discurso da razão; e por isso a ciência humana é adquirida pela razão demonstrativa. Mas Deus julga com certeza da verdade por simples intuição, sem nenhum discurso, como dissemos na Primeira Parte. Por isso a ciência divina não é discursiva ou raciocinativa, mas absoluta e simples. E a ela é semelhante a ciência considerada como dom do Espírito Santo, por ser uma semelhança participada do mesmo.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Sobre o objeto da fé podemos ter duas espécies de ciência. Uma pela qual sabemos o que devemos crer, discernindo-o do que não o devemos. E neste sentido a ciência é um dom e a tem todos os santos. - Outra é a ciência sobre o objeto da fé, pela qual, sabemos não só o que devemos crer, mas também como manifestar a fé, levar outros a crerem e refutar os adversários. E essa ciência é considerada parte das graças gratuitas, dadas, não a todos, mas só a certos. Por isso, Agostinho acrescenta às palavras citadas: Uma causa é saber somente o que o homem deve crer; outra, como, com isso mesmo que crê, socorra aos que tem fé e a defenda contra os ímpios.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os dons são mais perfeitos que as virtudes morais e intelectuais. Mas não mais que as virtudes teologais: antes, todos os dons se ordenam, como a fim, à perfeição das virtudes teologais. Logo, não há incongruência em dons diversos se ordenarem a uma mesma virtude teologal.
O oitavo discute-se assim. – Parece que, dentre os frutos, a fé não corresponde ao dom do intelecto.
1. – Pois, o intelecto é fruto da fé, conforme a Escritura: Não crereis se não compreenderdes, segundo uma lição diferente da que temos: Se o não crerdes não permanecereis. Logo, não é a fé fruto do intelecto.
2. Demais. – O que está antes não pode ser fruto do que vem depois. Ora, é a fé anterior ao intelecto, porque é o fundamento de todo o edifício espiritual, como já se disse. Logo, não é a fé fruto do intelecto.
3. Demais. – Mais são os dons pertencentes ao intelecto que ao apetite. Ora, entre os frutos, só um, a fé, é considerado como pertencente ao intelecto; ao passo que todos os outros pertencem ao apetite. Logo, a fé não corresponde mais ao intelecto, do que à sabedoria, à ciência ou ao conselho.
Mas, em contrário, o fim de um ser é o seu fruto. Ora, o dom do intelecto ordena-se principalmente à certeza da fé, considerada como um fruto. Pois, diz a Glosa a fé, que é um fruto, é a certeza do invisível. Logo, dentre os frutos, a fé corresponde ao dom do intelecto.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, quando tratamos dos frutos, chamam-se frutos do Espírito Santo certos efeitos últimos e deleitáveis que nos proveem da virtude desse Espírito.
Ora, o que é último e deleitável é, essencialmente, fim, objeto próprio da vontade. Por onde e necessariamente, o último e deleitável, na vontade, é de certo modo, fruto de tudo o mais que pertence às outras potências. Sendo pois assim, podemos distinguir duas espécies de frutos do dom ou da virtude, que aperfeiçoa uma potência: um próprio da potência, outro, quase último, próprio da vontade. E a esta luz, devemos dizer, que ao dom do intelecto corresponde, como fruto próprio, a fé, isto é, a certeza da fé; e, como último fruto, a alegria, que pertence à vontade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O intelecto é fruto da fé, que é uma virtude. Ora, não é assim considerada a fé, quando tomada como fruto; mas sim, como uma determinada certeza da fé, a que chegamos pelo dom do intelecto.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A fé não pode, universalmente, preceder ao intelecto; pois o homem não poderia assentir, crendo, a certos artigos que lhe são propostos, sem, de certo modo, compreendê-los. Mas a perfeição do intelecto resulta da fé, que é uma virtude; de cuja perfeição procede uma determinada certeza da fé.
RESPOSTA À TERCEIRA. –O conhecimento prático não pode conter em si o seu próprio fruto, porque não vale para si mesmo, mas para outro. Ao contrário, o conhecimento especulativo encerra em si mesmo o seu fruto, a saber, a certeza daquilo a que se refere. Por onde, ao dom do conselho, que só pertence ao conhecimento prático, não corresponde nenhum fruto próprio. Aos dons, porém, da sabedoria, do intelecto e da ciência, que também podem pertencer ao conhecimento especulativo, só corresponde um fruto, que é o da certeza, expressa pelo nome da fé. Vários são os frutos, porém, considerados como pertencentes à parte apetitiva; porque, como já dissemos, a essência do fim, que implica o nome de fruto, pertence mais à virtude apetitiva que à intelectiva.
O sétimo discute-se assim. – Parece que ao dom do intelecto não corresponde a sexta bem-aventurança, a saber: Bem-aventurados os limpos de coração porque eles verão a Deus.
1 – Pois, a limpeza do coração parece dizer respeito sobretudo ao afeto, Ora, o dom do intelecto não pertence ao afeto, mas antes à potência intelectiva, Logo, a referida bem-aventurança não corresponde ao dom do intelecto.
2. Demais. – A Escritura diz: Purificando com a fé os seus corações, Ora, pela purificação do coração adquire-se a limpeza do mesmo. Logo, a referida bem-aventurança pertence mais à virtude da fé que ao dom do intelecto.
3. Demais. – Os dons do Espírito Santo aperfeiçoam o homem na vida presente. Ora, na vida presente não temos a visão de Deus, que nos torna bem-aventurados, como já se estabeleceu. Logo, a sexta bem-aventurança, implicando a visão de Deus, não pertence ao dom do intelecto.
Mas, em contrário, diz Agostinho. A sexta operação do Espírito Santo, que é o intelecto, convém aos limpos de coração, que, com os olhos purificados, poderão ver o que os olhos não veem.
SOLUÇÃO. – A sexta bem-aventurança, como as outras, contém duas coisas: uma, a modo de mérito, que é a pureza do coração; outra, a modo de prêmio, que é a visão de Deus como já dissemos. E ambas pertencem, de alguma maneira, ao dom do intelecto. Pois, há dupla espécie de pureza. – Uma, preambular e dispositiva à visão de Deus, a saber, a depuração do afeto, das afeições desordenadas. E essa pureza do coração opera-se pelas virtudes e pelos dons pertencentes à potência apetitiva. – Outra espécie de pureza do coração é a quase completiva, relativamente à visão divina. E essa é a pureza da mente, depurada dos fantasmas e dos erros, de modo que as verdades propostas por Deus não sejam recebidas a modo dos fantasmas corporais, nem segundo as falsidades heréticas. E esta pureza provém do dom do intelecto.
Semelhantemente, também há duas espécies de visão de Deus: uma perfeita, pela qual vemos a essência divina; outra, imperfeita, pela qual, embora não vejamos quem seja Deus, vemos contudo o que não é. E nesta vida, tanto mais perfeitamente o conheceremos, quanto mais compreendermos que excede a tudo quanto podemos apreender pelo intelecto. Ora, ambas essas visões pertencem ao dom do intelecto: a primeira, ao dom consumado do intelecto, tal como existirá na pátria; a segunda, ao dom do intelecto incoado, tal como o temos na via.
Donde se DEDUZEM CLARAS AS RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES. – Pois, as duas primeiras se fundam na primeira espécie de pureza; e a terceira, na perfeita visão de Deus. Ora, os dons, que nos aperfeiçoam, nesta vida, incoativamente, terão a sua plenitude no futuro, como já antes dissemos.
O sexto discute-se assim. – Parece que o dom do intelecto não se distingue dos outros dons.
1 – Coisas com contrários iguais são iguais. Ora, a sabedoria se opõe à estultícia; ao embotamento, o intelecto; à precipitação, o conselho; à ignorância, a ciência, como está claro em Gregório Ora, a estultícia, o embotamento, a ignorância e a precipitação não diferem entre si. Logo, nem o intelecto se distingue dos demais dons.
2. Demais. – O intelecto, enquanto virtude intelectual difere das outras virtudes intelectuais, por lhe ser próprio versar sobre os princípios evidentes. Ora, o dom do intelecto não versa sobre nenhum princípio evidente. Pois, para conhecer o que naturalmente e em si mesmo é cognoscível basta o hábito natural dos primeiros princípios. E, para o sobrenatural, basta a fé, porque os artigos de fé versam sobre os como que primeiros princípios do conhecimento sobrenatural conforme se disse. Logo, o dom do intelecto não se distingue dos outros dons intelectuais.
3. Demais. – Todo conhecimento intelectual é especulativo ou prático. Ora, o dom do intelecto diz respeito a um e outro, como se disse. Logo, não se distingue dos outros dons intelectuais, mas os abrange a todos.
Mas, em contrário, todos os membros de uma enumeração devem, de certo modo, distinguir-se uns dos outros, pois a distinção é o princípio do numero. Ora, o dom do intelecto é enumerado entre os outros dons, segundo se vê na Escritura. Logo, o dom do intelecto é distinto dos outros.
Solução. – É manifesta a distinção entre o dom do intelecto e os outros três dons - a piedade, a fortaleza e o temor. Porque aquele pertence à potência cognitiva, ao passo que estes três, à potência apetitiva. Mas a diferença entre o dom do intelecto e os três seguintes - o da sabedoria, da ciência e do conselho, - que também pertencem à potência cognoscitiva, não é do mesmo modo manifesta. Assim, certos distinguem o dom do intelecto do da ciência e do conselho, por pertencerem os dois últimos ao conhecimento prático, e o primeiro, ao especulativo. E por outro lado, distinguem-no do dom da sabedoria, que também versa sobre o conhecimento especulativo, por versar sobre o juízo, ao passo que o intelecto respeita à capacidade de inteligir os objetos que lhe são propostos, ou, de lhes penetrar o íntimo. a esta luz fizemos antes a enumeração dos dons. – Mas quem considerar diligentemente verá que o dom do intelecto versa, não só sobre a especulação, mas ainda sobre as ações, como dissemos. E semelhantemente, também o dom da ciência versa sobre aquela e sobre estas, como a seguir se dirá. Por onde, é preciso fundar de outro modo a distinção entre os dons. Pois todos os quatro dons referidos se ordenam ao conhecimento sobrenatural, infundido em nós pela fé. Ora, como diz a Escritura, a fé é pelo ouvido Por onde, certas verdades devem ser propostas a serem cridas pelo homem, não enquanto objetos de intuição, mas, enquanto ouvidas e às quais ele adere pela fé. Ora, a fé, primária e principalmente, versa sobre a verdade primeira; secundariamente, sobre certas verdades relativas às criaturas; e enfim, também se estende à direção das ações humanas, enquanto praticadas pela caridade, como do sobredito e colhe. Por onde, em relação aos artigos propostos a serem cridos pela fé, duas condições são exigidas de nós. Primeiro, que sejam penetradas ou apreendidas pela inteligência; e isto constitui o dom do intelecto. Segundo, que as julguemos retamente, considerando que lhes devemos aderir, afastando-nos do que lhes é oposto. Ora, esse juízo, no concernente às coisas divinas, pertence ao dom da sabedoria; no relativo às coisas criadas, ao dom da ciência; e enfim, quanto à aplicação às ações particulares, ao dom do conselho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A referida diferença entre os quatro dons convém manifestamente à distinção entre as oposições aos mesmos, segundo Gregório. - Pois, o embotamento se opõe à acuidade. Por isso, se chama por semelhança, agudo ao intelecto, quando pode penetrar o íntimo dos objetos que lhes são propostos; ao contrário, o embotamento faz com que a mente não lhes possa penetrar esse íntimo. - Em seguida, estulto se chama ao intelecto, que julga erradamente sobre o fim comum da vida. Por isso, opõe-se propriamente à sabedoria, que torna reto o juízo sobre a causa universal. - A ignorância, por seu lado, implica deficiência da mente, mesmo em relação a quaisquer particularidades. Por isso se opõe à ciência, que possibilite ao homem o juízo reto sobre as causas particulares, isto é, sobre as criaturas. - A precipitação, enfim, manifestamente se opõe ao conselho, que nos leva a não agirmos antes da deliberação racional.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O dom do intelecto é relativo aos primeiros princípios do conhecimento gratuito. De modo diferente, porém, que a fé. Pois, esta faz assentir neles; ao passo que ao dom do intelecto pertence penetrar pela mente o que é dito.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O dom do intelecto versa tanto sobre o conhecimento especulativo como sobre o prático. Não, quanto ao juízo, mas quanto à apreensão, para que seja compreendido o que é dito.