O segundo discute-se assim. – Parece que os bem-aventurados têm esperança.
1. – Pois, Cristo foi, desde o princípio da sua concepção, um perfeito vidente. Ora, Ele teve esperança, conforme diz a Glosa expondo aquilo da Escritura: Em ti, Senhor, esperei, Logo, os bem-aventurados podem ter esperança.
2. Demais. – Assim como alcançar a felicidade constitui um bem difícil, assim também, a sua continuação. Ora, antes de alcançar a felicidade, os homens tem a esperança de alcançá-la. Portanto, uma vez que a possuem, podem esperar a continuação da mesma.
3. Demais. – Pela virtude da esperança podemos esperar a felicidade, não só para nós, como também para os outros, segundo já se disse. Ora, os bem-aventurados, no céu, esperam a felicidade para os outros; do contrário, não rogariam por eles. Logo, podem ter esperança.
4. Demais. – A felicidade dos santos abrange, não só a glória da alma, como também a do corpo. Ora, as almas dos santos, no céu, ainda esperam a glória do corpo, conforme a Escritura e Agostinho Logo, os bem-aventurados podem ter esperança.
Mas, em contrário, a Escritura: O que qualquer vê como o espera? Ora, os bem-aventurados gozam da visão de Deus. Logo, não é possível tenham esperança.
SOLUÇÃO. – Eliminado o que especifica uma causa, desaparece a espécie e a coisa não pode continuar a ser o que era. Assim, removida a sua forma, o corpo natural não continua a ser especificamente o mesmo. Ora, segundo dissemos, a esperança, como as outras virtudes, especifica-se pelo seu objeto principal. E este é a felicidade eterna, enquanto possível de ser alcançada, com o auxílio divino, conforme ficou dito. Mas, como um bem possível, mas difícil, não pode ser especificado, senão enquanto futuro, e com a felicidade dos bem-aventurados já não é futura, mas presente não podem ter a virtude da esperança. Por isso, na pátria, não haverá esperança e nem fé e nem os bem-aventurados podem ter essas virtudes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora vidente e, por consequência feliz, quanto ao gozo de Deus, Cristo, contudo estava também em caminho para a pátria, quanto à passibilidade da natureza, de que se achava revestido. Por isso podia esperar a glória da impassibilidade e da imortalidade. Não, porém de modo que tivesse a virtude da esperança, cujo objeto principal não é a glória do corpo, mas antes, o gozo divino.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Chama-se vida eterna à felicidade dos santos, porque, gozando de Deus, tornam-se, de certo modo participantes da eternidade divina, que sobreleva a todos os tempos: E assim, a continuação da felicidade não se divide pelo presente, pelo passado e pelo futuro. Por onde, os bem-aventurados não têm esperança na continuação da felicidade, mas possuem a realidade mesma, onde não pode haver a noção de futuro.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Enquanto perdura a virtude da esperança, podemos, por ela mesma, esperar a felicidade para nós e para outrem. Os bem-aventurados, porém, que já não a têm, pela qual para si esperavam a felicidade, esperam-na então para os outros. Não pela virtude da esperança, mas antes, pelo amor da caridade. Assim como, quem possui a caridade de Deus, por ela mesma ama também ao próximo; e contudo sem ter a virtude da caridade, pode amar ao próximo por meio de outro amor.
RESPOSTA À QUARTA. – Sendo a esperança uma virtude teologal, cujo objeto é Deus, o principal objeto dela é a glória da alma, consistente no gozo divino, e não a glória do corpo. Mas também esta, embora constitua um bem difícil, relativamente à natureza humana, não o constitui, contudo, a quem possui a glória da alma. Quer pela glória do corpo ser mínima, comparada com a da alma, quer, porque, quem possui a glória da alma já tem suficientemente a causa da glória do corpo.